A C Ó R D Ã O
(4ª Turma)
IGM/al/fn
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE – HORAS EXTRAS CORRESPONDENTES AO DESCUMPRIMENTO DA HORA NOTURNA REDUZIDA – VIOLAÇÃO DO ART. 73, § 1º, DA CLT – TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA – PROVIMENTO.
1. O artigo 73, § 1º, da CLT estabeleceu que a hora noturna tem 52 minutos e 30 segundos , visando compensar o empregado pelo desgaste físico sofrido em razão da inversão do seu relógio biológico, bem como pela alteração que a jornada noturna provoca em sua vida familiar e social .
2. O acórdão regional manteve a sentença que entendeu que a hora noturna reduzida, na base de 52 minutos e 30 segundos, desserve para o cômputo de horas extras, uma vez que se aplica apenas às hipóteses de cálculo das horas trabalhadas e do pagamento do adicional noturno .
3. Desse modo, sendo incontroverso que a jornada de trabalho cumprida pelo Reclamante estendia-se das 24h às 6h do dia seguinte, sem observância da redução ficta da hora noturna, tem-se que as horas laboradas após a sexta diária ficta devem ser remuneradas como extras. Nesse caso, prevalece a regra insculpida no art. 73, § 1º, da CLT, que tem por escopo proteger a higidez física e mental do trabalhador submetido ao trabalho noturno.
Recurso de revista provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1001558-41.2017.5.02.0445 , em que é Recorrente LUCIANO SANTOS LEITE e é Recorrido CONDOMÍNIO RESIDENCIAL APORA .
R E L A T Ó R I O
Contra o acórdão do 2º TRT que negou provimento ao seu recurso ordinário (págs. 299-304), o Reclamante interpõe o presente recurso de revista , pretendendo a reforma da decisão quanto ao cômputo da hora noturna reduzida para aferição de horas extras (págs. 177-191).
Admitido o apelo (págs . 345-347), foram apresentadas contrarrazões ao recurso (págs . 351-358), sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 95, § 2º, II, do RITST.
É o relatório.
V O T O
I) CONHECIMENTO
1) PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Tempestivo o apelo, regular a representação e efetuado o preparo , atende aos pressupostos extrínsecos para seu conhecimento.
2) PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
Tratando-se de recurso de revista referente a acórdão regional publicado após a entrada em vigor da Lei 13.467/17 , tem-se que o apelo ao TST deve ser analisado à luz do critério da transcendência previsto no art. 896-A da CLT, que dispõe:
Art. 896-A - O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.
§ 1º São indicadores de transcendência, entre outros:
I - econômica , o elevado valor da causa;
II - política , o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal;
III - social , a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado;
IV - jurídica , a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista. (Grifos nossos).
Não é demais registrar que o instituto da transcendência foi outorgado ao TST, para que possa selecionar as questões que transcendam o interesse meramente individual (transcendência econômica ou social em face de macrolesão), exigindo posicionamento desta Corte quanto à interpretação do ordenamento jurídico trabalhista pátrio, fixando teses jurídicas que deem o conteúdo normativo dos dispositivos da CLT e legislação trabalhista extravagante (transcendência jurídica) e garantam a observância , pelos Tribunais Regionais do Trabalho, da jurisprudência pacificada do TST (transcendência política).
Nesse sentido, o critério de transcendência corresponde a um filtro seletor de matérias que mereçam pronunciamento do TST para firmar teses jurídicas que atendam à missão existencial da Suprema Corte Trabalhista, de uniformização da jurisprudência laboral .
No que tange à matéria em epígrafe, pelo prisma do art. 896-A, § 1º, II, da CLT, o recurso de revista atende ao requisito da transcendência política , uma vez que a decisão regional viola o art. 73, § 1º, da CLT .
Nas razões do recurso de revista, o Reclamante aduz que " O V. Acórdão ora atacado, não reformou a r. decisão de 1º grau e manteve o entendimento que a hora noturna reduzida na base de 52 minutos e 30 segundos, aplica-se apenas para as hipóteses de cálculo das horas trabalhadas e do pagamento do adicional noturno , não para cálculo de horas extras fictícia " (pág. 323 , grifos nossos). Sendo assim, requer a reforma da decisão regional que não levou em consideração a redução da hora noturna para a apuração e pagamento das horas extraordinárias , uma vez que contratado para jornada de 6 (seis) horas diárias e laborava das 24 h às 6h , sustentando que " ficou evidente que ao computar a hora noturna reduzida, a jornada do obreiro ultrapassava o limite de 06 horas, mesmo que seja descontado 15 minutos de intervalo " (pág. 324) . Aponta violação do art. 73, § 1°, da CLT e divergência jurisprudencial .
O TRT , mantendo a sentença, assim asseverou:
A hora noturna reduzida, decorrente da ficção legal do caput do art. 73 e seu § 1º da CLT, aplica-se apenas paras as hipóteses de cálculo das horas trabalhadas e do pagamento do adicional noturno , não para cálculo de hora extra fictícia como pretende o reclamante. Pela equivocada fórmula de cálculo utilizada pelo autor, mesmo que fosse cumprido apenas o horário contratual - das 00h às 6h -, o reclamante teria direito a horas extras.
Dito de outro modo, a redução da hora noturna é fictícia e o cômputo incorreto - sem a observância da hora reduzida - resulta no pagamento de diferenças do adicional noturno e não de horas extras . As horas extras "noturnas" referem-se especificamente ao sobrelabor realizado em horário noturno. São situações distintas . (Grifos nossos, págs. 300-301) .
O art. 73, § 1º, da CLT consagra uma ficção legal , correspondente à redução da hora noturna , e tem por escopo propiciar ao empregado que realiza jornada noturna uma duração de trabalho menor , pois o labor em período noturno é mais desgastante e prejudicial à saúde e à interação social e familiar. O art. 73 encontra-se localizado no capítulo II da CLT, relativo à duração do trabalho, devendo ser aplicado, assim, a todos os preceitos relacionados a esse tema.
Nesse sentido caminha a jurisprudência desta Corte , da qual podem ser referidos os seguintes julgados:
HORA NOTURNA REDUZIDA.
O art. 73, § 1º, da CLT prevê a redução ficta da hora noturna, e o seu § 2º dispõe que se considera noturno, para todos os efeitos deste dispositivo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte. Desse modo, sendo incontroverso que a jornada de trabalho cumprida pela reclamante estendia-se das 22h às 6h do dia seguinte, sem observância da redução ficta da hora noturna, tem-se que as horas laboradas após a oitava diária devem ser remuneradas como extras. Deve prevalecer a regra insculpida no art. 73, § 1º, da CLT, que tem por escopo proteger a higidez física e mental do trabalhador submetido ao trabalho noturno. Recurso de revista conhecido e provido . (RR-191600-94.2006.5.02.0010, 1ª Turma, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa , DEJT de 16/10/09).
HORA NOTURNA REDUZIDA. PEDIDO DE PAGAMENTO DE 7 MINUTOS E 30 SEGUNDOS, A CADA HORA NOTURNA TRABALHADA, COMO EXTRAS. Trata-se de pedido de pagamento de 7 minutos e 30 segundos como extras, a cada hora noturna trabalhada (22h a 5h). Do exame do artigo 71 da CLT, verifica-se que a norma celetista, em harmonia com o disposto no artigo 7º, inciso IX, da Constituição Federal, estabelece dois efeitos jurídicos da jornada noturna: de um lado, prevê o pagamento do adicional de 20% sobre a hora diurna e, de outro, estipula que a hora do trabalho noturno será de 52 minutos e 30 segundos. Considerando que a hora noturna reduzida constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantida por norma de ordem pública (art. 73, § 1º, da CLT), conclui-se que ela deve ser observada, mesmo nos casos de labor em compensação de jornada em escala de 12 horas diárias no regime 5x1, enquanto fruto de norma imperativa e de ordem pública, vinculada à higidez física e mental do trabalhador. Desse modo, nas hipóteses em que o labor ocorre das 19h até as 7h, faz-se mister a observância da hora noturna reduzida prevista no artigo 71, § 3º, da CLT, de 52 minutos e 30 segundos, de modo que, considerada a ficção jurídica, a jornada representa 13 horas, e não 12 horas. Nesse contexto, constata-se que o Regional, ao indeferir o pleito de horas extras, no particular, não considerou a hora noturna reduzida, violando, por conseguinte, o artigo 71, § 3º, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-68200-84.2007.5.02.0082 , Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta , 2ª Turma, DEJT de 04/12/15).
RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA. HORA NOTURNA REDUZIDA. JORNADA SUPERIOR A SEIS HORAS DIÁRIAS.
A redução ficta da hora noturna, de que trata o artigo 73, § 1.º, da CLT, tem o fito de compensar o empregado que realiza jornada noturna pelo maior desgaste e prejuízo à saúde. Nesse contexto, não se pode desconsiderar a hora ficta para o cômputo da jornada de trabalho e, tampouco, para a duração do intervalo intrajornada a ser usufruído pelo trabalhador. Constatado que a sua jornada extrapolava seis horas diárias, o intervalo para descanso deve ser de uma hora e não de quinze minutos, na forma do artigo 71, caput , da CLT e da Súmula 437, IV, do TST. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e desprovido’ (RR - 215-35.2012.5.04.0772, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte , 3ª Turma, DEJT 13/5/16) .
RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. HORA NOTURNA REDUZIDA.
I - O artigo 73, § 1º, da CLT determina a redução da hora noturna para 52 minutos e 30 segundos. II - Isso tem por finalidade garantir ao empregado que trabalha à noite uma menor jornada de trabalho, que neste período é mais desgastante e prejudicial à saúde, além de afastar o trabalhador do convívio social e familiar. II - Assim, ao não considerar a redução ficta da hora noturna, pois ela "não acarreta o pagamento de horas extras, cabendo ao empregador tão somente pagar as horas noturnas com adicional correspondente acrescido do fator 1,142857" , o Regional violou o artigo 73, § 1º, da CLT. III - Recurso de revista conhecido e provido . (RR-4259-81.2013.5.02.0202, 5ª Turma, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen , DEJT de 24/06/16).
RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. HORA NOTURNA REDUZIDA . O artigo 73, § 1º, da CLT prevê que a hora de trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos. A concessão da redução ficta da hora noturna tem por objetivo assegurar a higidez física e mental do trabalhador e, nos moldes da Orientação Jurisprudencial nº 127 da SBDI-1 desta Corte, foi recepcionada pelo inciso IX do art. 7º da Constituição Federal, devendo ser aplicada ao caso dos autos. Assim, o Tribunal Regional, ao não considerar, no cálculo das horas extras, a hora noturna reduzida, nos moldes do art. 73, §§1º e 2º, da CLT, violou o próprio dispositivo, de modo a merecer reforma. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR-313-47.2010.5.02.0351, Rel. Des . Conv . Valdir Florindo , 7ª Turma, DEJT de 30/08/13).
Assim, em face dos termos da decisão regional recorrida, que contraria a jurisprudência pacificada desta Corte, reconheço a transcendência política da causa e CONHEÇO do recurso de revista por violação do artigo 73, § 1º, da CLT .
II) MÉRITO
Conhecido o recurso de revista por violação do artigo 73, § 1º, da CLT , seu PROVIMENTO é mero corolário, no sentido de deferir ao Reclamante, as horas extras e reflexos decorrentes da não observância da hora noturna reduzida , cujo valor deve ser apurado em liquidação de sentença.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista do Reclamante, em face de sua transcendência política e por violação ao artigo 73, § 1º, da CLT , e, no mérito, dar-lhe provimento , para deferir ao Reclamante, as horas extras e reflexos decorrentes da não observância da hora noturna reduzida , cujo valor deve ser apurado em liquidação de sentença .
Brasília, 06 de dezembro de 2022.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO
Ministro Relator