A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
ACV/cal
PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. CONVERSÃO JUDICIAL DE PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. (DES)NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO DO EMPREGADO POR OCASIÃO DO PEDIDO DO PEDIDO DE DEMISSÃO. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas do TST, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: “ Ainda que inexista vício de consentimento do empregado, é possível converter judicialmente pedido de demissão em rescisão indireta no caso de falta grave cometida pelo empregador (CLT, art. 483)? ”. Incidente de recursos repetitivos admitido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-0010045-06.2024.5.03.0134 , em que RECORRENTE GUSTAVO GOMES SILVA e RECORRIDO ASSOCIACAO SALGADO DE OLIVEIRA DE EDUCACAO E CULTURA .
Trata-se de proposta de afetação de recurso, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.
É o relatório.
V O T O
AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME
A matéria discutida no recurso de revista diz respeito a definir se é possível judicialmente converter o pedido de demissão feito espontaneamente pelo empregado em rescisão indireta no caso de falta grave cometida pelo empregador nos termos do artigo 483 da CLT.
Analisando as decisões das turmas deste Eg. Corte Superior do Trabalho, percebe-se que, em relação ao referido tema, existem duas correntes distintas.
A primeira consagra o entendimento de que a conversão judicial em rescisão indireta somente é possível se comprovado vício de consentimento do empregado por ocasião do pedido de demissão. Afinal, não havendo qualquer vício na manifestação de vontade do empregado, o pedido de demissão se configura ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI), não podendo ser convertido judicialmente em outra modalidade rescisória apenas em razão de arrependimento posterior.
Por sua vez, a segunda linha de compreensão alicerça-se na convicção de que, ainda que inobservada a imediatidade na insurgência do empregado e mesmo que não demonstrado vício de consentimento, a conversão em juízo do pedido de demissão em rescisão indireta é possível sempre que demonstrado que o empregador cometeu falta grave (CLT, art. 483).
Assim, delineado o debate jurídico, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.
MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO
Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput , da CLT, segundo o qual “ Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito , a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal ” (destaquei).
No que diz respeito ao requisito da multiplicidade de recursos de revista em que se discute a mesma questão de direito, verifica-se que, em pesquisa jurisprudencial feita em 14.02.2025 no sítio eletrônico do TST, a partir dos termos “conversão” , ”pedido de demissão” e “rescisão indireta” existem 1293 acórdãos e 1269 decisões monocráticas e, nos últimos 12 meses (14.02.2024 a 14.02.2025), 115 acórdãos e 355 decisões monocráticas sobre o tema jurídico.
RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE AS TURMAS
O tema de fundo alicerça na análise jurídica sobre em que medida é possível se converter judicialmente o pedido de demissão feito por empregado em rescisão indireta (CLT, art. 483), matéria de inequívoca relevância. Afinal, a depender do tipo de modalidade rescisória reconhecida, serão reconhecidos (ou não) direitos que, de um lado, podem suavizar os efeitos da rescisão contratual sob a perspectiva do empregado (caso reconhecida a rescisão indireta) e, de outro, podem aumentar significativamente o valor rescisório a ser pago pelo empregador (se mantida a demissão).
É importante destacar que, em muitos casos, mesmo em situações de flagrante violação de obrigações contratuais (CLT, art. 483) pelo empregador, o empregado não se sente encorajado e estimulado a ingressar com ação judicial de rescisão indireta (CLT, art. 483, caput , §§ 1º e 3º), pois a definição da modalidade rescisória e das verbas supostamente devidas somente ocorre após o desfecho do processo que pode demorar anos. A situação ainda se torna mais sensível quando o empregado, diante da inconveniência na manutenção da prestação de serviços em razão da gravidade da suposta violação, decide pleitear judicialmente a rescisão indireta de seu contrato sem permanecer no serviço (CLT, art. 483, § 3º), o que, na prática, pode conduzir a cenário temporalmente indeterminado de o empregado ficar desassistido, sem recebimento de salários e ainda precisando aguardar por período prolongado o trânsito em julgado da decisão para incerto percebimento de parcelas rescisórias.
Por outro lado, também parece relevante discutir se deve ser considerado nulo o pedido de demissão do empregado feito por espontânea vontade, sem supostamente demonstração de vício de consentimento, pois, em princípio, se não houve mácula na manifestação de vontade, configura-se juridicamente perfeito (CF, art. 5º, XXXVI).
O fato é que, em um caso ou no outro, estamos tratando do reconhecimento (ou não) de direitos constitucionais, pois, se reconhecida a rescisão indireta, haverá direito a aviso prévio indenizado (CF, art. 7º, XXI); levantamento de FGTS e indenização de 40% de FGTS (CF, art. 7º, III e ADCT, art. 10, I); e habilitação ao seguro-desemprego (CF, art. 7º, II), institutos que não se aplicam, por óbvio, caso mantido o pedido de demissão do empregado. Além disso, como visto, o presente debate pode impactar a garantia constitucional do ato jurídico perfeito, pois, a depender da avaliação do intérprete, o empregado tinha (ou não) dois caminhos verdadeiramente livres para romper o vínculo empregatício por sua iniciativa: pedido de demissão e rescisão indireta.
Não bastasse a relevância social da questão de direito, a ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas desta Corte incentiva a recorribilidade e propicia o surgimento de entendimentos dissonantes entre os Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema, como precedente qualificado, nos termos do art. 926 do CPC.
Com efeito, há entendimentos divergentes entre Turmas deste Tribunal Superior do Trabalho , visto que se verificam algumas decidindo no sentido de que a conversão judicial do pedido de demissão em rescisão indireta deverá ser reconhecida sempre que comprovada a falta grave cometida pelo empregador nos termos do artigo 483 da CLT, sem se levar em consideração a ausência de imediatidade ou a ocorrência de vício de consentimento do empregado. Nesse sentido, transcrevem-se ementas da Primeira, Segunda, Quinta, Sexta e Sétima deste TST :
"(...) RECURSO DE REVISTA INTEPORSTO PELO AUTOR. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RESCISÃO INDIRETA. CONVERSÃO DE PEDIDO DE DEMISSÃO. RECOLHIMENTO IRREGULAR DOS DEPÓSITOS DO FGTS. POSSIBILIDADE. INEXIGÍVEL A IMEDIATIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. No caso, o Tribunal Regional considerou que “deve existir prova robusta dos atos lesivos do Empregador e de que tenham sido suficientemente graves para justificar o rompimento do vínculo empregatício. Necessária, também, a imediata insurgência do empregado contra as infrações patronais, sob pena de operar-se o perdão tácito (não imediatidade)” 2. Contudo, prevalece nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual, demonstrada a falta grave do empregador (no caso, decorrente do não recolhimento dos depósitos do FGTS), é possível o reconhecimento da conversão do pedido de demissão em rescisão indireta do contrato de trabalho . A ausência de imediatidade, por si só, não afasta a configuração da hipótese prevista no art. 483, “d”, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido" ( RR-609-15.2015.5.10.0014, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 11/12/2023 ).
(...) PEDIDO DE DEMISSÃO. CONVERSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. EMPREGADA PORTADORA DE NECESSIDADE ESPECIAL. CARREGAMENTO DE PRODUTOS COM PESO SUPERIOR À SUA CONDIÇÃO. Hipótese em que o Tribunal Regional reconheceu a rescisão indireta, sob o fundamento de que a reclamada descumpriu o dever de adequação das condições laborais, inviabilizando a continuidade do trabalho. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que é possível a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta quando presente alguma das hipóteses do art. 483 da CLT . No caso, a empregadora incorreu em falta grave do art. 483, "a", da CLT, apta a romper o vínculo contratual, pois não observou o dever de adequação das condições laborais, impondo à autora serviços superiores às suas forças, ao realizar o carregamento de produtos com peso superior à sua condição física. Precedentes. Óbice da Súmula 333/TST. Recurso de revista não conhecido" ( RRAg-11084-29.2019.5.03.0129, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 23/06/2023 ).
" AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. FORMA DE DISSOLUÇÃO CONTRATUAL. CONVERSÃO DA DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. NÃO RECOLHIMENTO DE FGTS E SALÁRIOS. No caso dos autos, não se constata ofensa direta ao art. 5º, LV, da CF. O TRT destacou: "Embora o salário de novembro tenha sido pago em dezembro, e o deste mês em janeiro, o salário de outubro até o momento não foi pago, tampouco a gratificação natalina. Ademais, nenhum recolhimento de FGTS foi feito, como mostra o cálculo juntado pela própria empresa". Caracterizada falta grave do empregador, tal como o não recolhimento do FGTS e atraso reiterado de salários, é viável a conversão da demissão em rescisão indireta . Precedentes. Mantém-se a decisão recorrida. Agravo conhecido e desprovido" ( Ag-AIRR-82-91.2020.5.12.0027, 5ª Turma, Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 31/03/2023 ).
"(...) III - RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. RECLAMANTE. TRANSCENDÊNCIA. CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DOS DEPÓSITOS DO FGTS 1 - A jurisprudência majoritária desta Corte adota o entendimento de que a ausência de recolhimento dos depósitos relativos ao FGTS, bem como o seu recolhimento irregular, configura ato faltoso do empregador, situação grave e suficiente para acarretar a rescisão indireta. Julgados. 2 - Ressalte-se, ainda, o entendimento desta Corte no sentido de que o pedido de demissão não obsta o reconhecimento da rescisão indireta . Julgados. 3 - No caso concreto, houve reiterada falta de recolhimento dos depósitos do FGTS, caracterizando o descumprimento das obrigações contratuais pelo empregador (art. 483, "d", da CLT). 4- Recurso de revista a que se dá provimento" ( RRAg-22528-12.2018.5.04.0341, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 06/05/2022 ).
"(...) RECURSO DE REVISTA DA AUTORA. LEI 13.467/2017. CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. JUSTA CAUSA DO EMPREGADOR. IMEDIATIDADE DESNECESSÁRIA. No que tange, especificamente, à rescisão indireta, o artigo 483 da CLT elenca os tipos de infrações cometidas pelo empregador que poderão dar ensejo a tal modalidade de extinção contratual. Em sua alínea "d" prescreve como motivo da rescisão contratual o descumprimento pelo empregador das obrigações contratuais. Aqui, embora exista posicionamento minoritário em sentido contrário, a doutrina e jurisprudência atualmente vêm entendendo que as obrigações contratuais citadas pela norma se referem tanto àquelas estipuladas diretamente pelas partes, como também às derivadas de preceito legal ou normativo. No caso, o Tribunal Regional consignou que: "em que pese a irregularidade de depósitos de FGTS constitua falta patronal passível a justificar declaração de rescisão indireta, a teor do artigo 483, "d", da CLT, o fato é que a autora, ciente das irregularidades perpetradas ao longo do ano de 2015, formalizou pedido de demissão (id. 1da9d9e) em 04-01-2016" e "A conduta obreira não se harmoniza com o princípio da imediatidade, operando-se assim a figura do perdão tácito" . Assim, a conduta da reclamada revela-se suficientemente grave, ensejando, pois, a rescisão indireta do contrato de trabalho, diante dos prejuízos ocasionados à autora, nos moldes do artigo 483, "d", da CLT. Acrescente-se que o critério de imediatidade da insurgência da empregada, ante a falta cometida, merece sérias ponderações, uma vez que a qualidade de hipossuficiente do obreiro na relação e a consequente necessidade de manutenção do vínculo para sua própria subsistência, principalmente em se tratando de descumprimento de obrigações contratuais que se renovam no tempo, dificultam a pronta manifestação da parte que, na verdade, fica à mercê do mau empregador. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" ( RR-760-08.2016.5.12.0008, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 12/03/2021 ).
De outro lado, a Primeira, Segunda, Terceira, Quarta e Oitava Turmas recentemente se manifestaram diversamente , no sentido de que a conversão judicial em rescisão indireta é possível apenas na hipótese de comprovado vício de consentimento do empregado por ocasião do pedido de demissão. Nesse sentido, os seguintes julgados:
RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. CONVERSÃO DE PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DO VÍCIO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Mantém-se a decisão agravada que denegou seguimento ao Agravo de Instrumento, ainda que por fundamento diverso. Com efeito, conquanto haja entendimento nesta Corte Superior no sentido de que a inércia do trabalhador, ao não ajuizar demanda logo após o cometimento de falta por parte do empregador, não pode ser interpretado como um perdão tácito, sobretudo em razão de sua posição hipossuficiente na relação empregatícia, no caso em apreço, a conclusão a que se chega é a de que não é possível a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta, porquanto não há notícias no acórdão regional de vício de consentimento que macule o ato de vontade do empregado (pedido de demissão). Fato não demonstrado no caso sob exame. Precedentes. Conheço e nego provimento, no tema" ( Ag-AIRR-1607-41.2014.5.02.0078, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 05/02/2025 ).
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE - PEDIDO DE DEMISSÃO – NULIDADE – CONVERSÃO EM RESCISÃO INDIRETA – REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. 1. O Tribunal Regional, com base no conjunto fático-probatório existente nos autos, especialmente no depoimento pessoal da reclamante, verificou que não houve vício de consentimento no pedido de demissão efetuado. 2. É inadmissível o recurso de revista em que, para se chegar à conclusão pretendida pela agravante, seja imprescindível o reexame do contexto fático-probatório dos autos. Incide a Súmula nº 126 do TST. Agravo interno desprovido" ( AIRR-0020892-49.2019.5.04.0123, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 26/10/2023 ).
"ACÓRDÃO DE RECURSO ORDINÁRIO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE . CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA - ÓBICE PROCESSUAL - MATÉRIA DE NATUREZA FÁTICO-PROBATÓRIA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA/TST Nº 126. O Tribunal Regional afirmou, expressamente, que o autor pediu demissão, de próprio punho, sem qualquer ressalva e que não foi comprovado nenhum vício de consentimento ou de vontade. A controvérsia trazida à instância extraordinária ostenta natureza fático-probatória, que atrai a incidência da Súmula/TST nº 126. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência" ( AIRR-1000450-58.2019.5.02.0363, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18/02/2022 ).
“(...) 4. RESCISÃO INDIRETA. NÃO CONHECIMENTO. I. O Tribunal Regional julgou improcedente o pedido da parte Reclamante de conversão do pedido de demissão em rescisão indireta, sobre o fundamento de que não há nenhum indicativo de que a vontade manifestada no momento da rescisão pudesse conter algum vício capaz de invalidá-la. II. Para que seja possível a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta há necessidade de se comprovar a existência de vício de consentimento capaz de invalidar o pedido de demissão. III. No caso, o quadro fático delimitado no acórdão regional demonstra que não há qualquer indício de vício do consentimento capaz de invalidar o termo de rescisão de contrato de trabalho. Assim, para que se chegue à conclusão em sentido diverso do estabelecido no acórdão regional há necessidade de reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a natureza extraordinária do recurso de revista (óbice da Súmula nº 126 do TST). IV . Recurso de revista de que não se conhece" (RR-992-56.2013.5.12.0030, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 11/09/2023).
"I - AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA PRIMEIRA, SEGUNDA E TERCEIRA RECLAMADAS . LEI Nº 13.467/2017. CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM DISPENSA IMOTIVADA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA Nº 126. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. 1. A jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho trilha na possibilidade da conversão do pedido de demissão em rescisão indireta quando presente alguma das hipóteses do artigo 483 da CLT. A aludida conversão necessita de justificativa plenamente razoável ou de algum vício no aludido ato jurídico. Precedentes. (...)(RRAg-10142-27.2022.5.03.0085, 8ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 14/10/2024).
Importante destacar que, em relação às ementas que indicavam a condição necessidade de vício de consentimento, muitos recursos de revista tiveram a admissibilidade negada por força da Súmula 126 do TST. Entretanto, por óbvio, a adoção do referido entendimento sumular somente se justificou justamente porque o vício de consentimento – premissa fática inexistente nos acórdãos regionais analisados – seria essencial para a validação da conversão judicial em rescisão indireta.
Ademais, embora possa ser fruto da superação de entendimento anterior no âmbito do colegiado, chama a atenção o fato de que duas turmas (Primeira e Segunda) nos últimos dois anos adotaram dois entendimentos diferentes, bem evidenciando que o tema é bastante controvertido no âmbito deste Tribunal Superior do Trabalho e merece atenção especial para pacificação do tema como precedente qualificado (CPC, art. 926).
Como se não bastasse, a divergência encontra-se vívida e pulsante nas instâncias ordinárias.
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por exemplo, aprovou a Súmula 87 no sentido de que “a conversão do pedido de demissão em rescisão contratual indireta exige prova de vício de consentimento na declaração de vontade do empregado”.
No mesmo trilhar, a Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:
“RECURSO ORDINÁRIO RECLAMANTE - CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA - ARREPENDIMENTO. Não há prova de coação quanto ao pedido de demissão. Nos termos do art. 483 da CLT, é dado ao trabalhador a faculdade de denunciar o contrato de trabalho com seu empregador, por um ou mais motivos elencados nas alíneas do mesmo artigo. Faculdade que não se valeu a parte autora, preferindo pedir demissão, voluntariamente. O arrependimento posterior não autoriza a desconsideração do ato de vontade livre e espontâneo de pôr fim à relação de emprego. Nego provimento. (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (4ª Turma). Acórdão: 0100431-75.2022.5.01.0080. Relator(a): JOSE MATEUS ALEXANDRE ROMANO. Data de julgamento: 15/07/2024. Juntado aos autos em 22/07/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/L6DNIv)”
Em sentido oposto, o mesmo Tribunal Regional da Primeira Região, por meio da Sétima Turma, não considerou que a existência de vício de consentimento era condição necessária para a validade da conversão judicial do pedido de demissão em rescisão indireta:
“CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. Diante do ambiente de trabalho assediador, não se pode falar em pedido de demissão livre, pois o assédio torna o ambiente de trabalho insuportável e justifica a rescisão indireta nos termos do art. 483, alínea d da CLT, Portanto, o Autor tem direito à conversão do pedido de demissão em rescisão indireta. (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Acórdão: 0101162-21.2021.5.01.0205. Relator(a): GISELLE BONDIM LOPES RIBEIRO. Data de julgamento: 09/10/2024. Juntado aos autos em 14/10/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/6WFu2P)”
Situação idêntica ocorreu com a 13ª Turma do TRT 1:
“RECURSO ORDINÁRIO. CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. POSSIBILIDADE. A prática de falta grave cometida pelo empregador gera o direito do reclamante pedir a rescisão indireta. Outrossim, não há óbice legal para que o reclamante venha a juízo pleitear a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta. (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (5ª Turma). Acórdão: 0100933-84.2023.5.01.0401. Relator(a): JORGE ORLANDO SERENO RAMOS. Data de julgamento: 13/11/2024. Juntado aos autos em 29/11/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/TFSe42)”
A divergência nas instâncias ordinárias também se encontra em outros Tribunais Regionais, consoante se infere, apenas ilustrativamente, de julgados do TRT 2:
“CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. A reclamante não mencionou a existência de qualquer vício do consentimento por ocasião da assinatura do pedido de demissão. Nesse passo, é incompatível o pedido de demissão, que operou seus efeitos no seu ato, com o pedido de rescisão indireta. Recurso desprovido. (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (3ª Turma). Acórdão: 1000631-69.2024.5.02.0012. Relator(a): MARGOTH GIACOMAZZI MARTINS. Data de julgamento: 03/09/2024. Juntado aos autos em 04/09/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/QWs0yJ)”
“CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO C. TST. Restou cabalmente comprovada a não fruição regular do intervalo intrajornada. O artigo 483, caput e § 3º, da CLT, faculta ao empregado considerar rescindido o contrato de trabalho antes de pleitear em juízo as verbas decorrentes da rescisão indireta. Todavia, o referido dispositivo não estabelece o procedimento a ser adotado pelo empregado quando o empregador incidir em uma das hipóteses de justa causa. Vale dizer, não há qualquer exigência formal para o exercício da opção de se afastar do emprego antes do ajuizamento da respectiva ação trabalhista. Assim, no presente caso concreto, o pedido de demissão do obreiro demonstra tão somente a impossibilidade de manutenção do vínculo empregatício, sem significar qualquer opção pela modalidade de extinção contratual. Comprovada em juízo a justa causa do empregador, presume-se a relação entre a falta patronal e a iniciativa do empregado de rescindir o contrato de trabalho. Ressalte-se que de acordo com o entendimento pacífico do C. TST, comprovado o não cumprimento regular do contrato pela reclamada, pode ser convertido o pedido de demissão em rescisão indireta. Nesse sentido os julgados: RR-1778-96.2010.5.04.0202, Relator Desembargador Convocado: Marcelo Lamego Pertence, Data de Julgamento : 12/8/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/8/2015; ED-RR-276-11.2014.5.12.0057, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 12/08/2022; RR-1578-52.2012.5.09.0664, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 28/09/2018; RR-24615-29.2015.5.24.0004, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 12/06/2020; Ag-AIRR-68-35.2022.5.22.0003, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 17/03/2023; RR-103100-40.2012.5.17.0005, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 09/04/2021; AIRR-1934-32.2013.5.03.0065, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 16/3/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/3/2016; RR-2328-24.2013.5.10.0104, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 17/04/2015.” (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (4ª Turma). Acórdão: 1001789-85.2023.5.02.0242. Relator(a): IVANI CONTINI BRAMANTE. Data de julgamento: 05/06/2024. Juntado aos autos em 12/06/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/lRTSEe)
As divergências verificadas, associadas à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permitem concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em precedente obrigatório, como forma de promover isonomia, previsibilidade, segurança jurídica, racionalidade e razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT, proponho a afetação do processo TST-RR-0010045-06.2024.5.03.0134 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:
Ainda que inexista vício de consentimento do empregado, é possível converter judicialmente pedido de demissão em rescisão indireta no caso de falta grave cometida pelo empregador (CLT, art. 483)?
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: “ Ainda que inexista vício de consentimento do empregado, é possível converter judicialmente pedido de demissão em rescisão indireta no caso de falta grave cometida pelo empregador (CLT, art. 483)?”. Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST