A C Ó R D Ã O

(7ª Turma)

GMRLP/gm/apf/lp

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DE PRÓ-SAÚDE ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E HOSPITALAR. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. ENTIDADE FILANTRÓPICA – BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA – AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. O processamento do recurso de revista na vigência da Lei nº 13.467/2017 exige que a causa apresente transcendência com relação aos aspectos de natureza econômica, política, social ou jurídica (artigo 896-A da CLT). Sucede que, pelo prisma da transcendência, o recurso de revista interposto não atende nenhum dos requisitos referidos. Agravo de instrumento a que se nega provimento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO MUNICÍPIO DE SUMARÉ. TERCEIRIZAÇÃO – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – CULPA IN VIGILANDO – ÔNUS DA PROVA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da existência de repercussão geral da questão relacionada ao ônus da prova sobre a conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas de prestadora de serviços, para fins de responsabilização subsidiária da Administração Pública (Tema nº 1.118), mostra-se suficiente para a constatação da transcendência política. Nesse sentido são os precedentes da 1ª Turma do STF nos autos dos Agravos Regimentais nas Reclamações 40652, 40759 e 40652, cujos acórdãos foram publicados no DJe de 30/09/2020. No caso, verifica-se que o Tribunal Regional decidiu que a Administração Pública, na qualidade de tomadora dos serviços, é subsidiariamente responsável pela integralidade da dívida trabalhista, porquanto o ente público não se desincumbiu do ônus de provar o cumprimento do seu dever de fiscalização, entendendo por caracterizada a culpa in vigilando . Assim, evidenciada a consonância do acórdão regional com a tese veiculada pelo STF no RE 760.931/DF (Tema 246) e com o entendimento da SBDI-1 sobre o ônus subjetivo da prova (E-RR-925-07.2016.5.05.0281, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 22/05/20), sobressai inviável o acolhimento da pretensão recursal. Agravo de instrumento a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-10572-68.2018.5.15.0122 , em que são Agravantes e Agravados PRÓ-SAÚDE - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E HOSPITALAR e MUNICÍPIO DE SUMARÉ e Agravados BENEDITA FRANCISCA TIBURCIO DE SOUZA e INSTITUTO SOCIAL SAUDE RESGATE A VIDA .

Trata-se de agravos de instrumento interpostos em face de decisão proferida no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, a qual denegou seguimento aos recursos de revista quanto aos temas "entidade filantrópica – benefício da justiça gratuita" e "responsabilidade subsidiária do ente público tomador de serviços – ônus da prova".

Contraminutas da reclamante às fls. 1558/1568 e 1569/1563 do sequencial nº 03.

Manifestação da d. Procuradoria-Geral acostada no sequencial nº 6.

É o relatório.

V O T O

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DE PRÓ-SAÚDE ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E HOSPITALAR

1- CONHECIMENTO

Conheço do agravo de instrumento, visto que presentes os pressupostos de admissibilidade.

2 - MÉRITO

Nas razões em exame, a parte insurge-se contra o despacho agravado, alegando que a decisão de admissibilidade do recurso de revista viola o direito da agravante ao duplo grau de jurisdição e afronta ao disposto no artigo 896, § 5º, da CLT.

Sobre a matéria de fundo, assevera fazer jus ao benefício da gratuidade de justiça, argumentando "que ao redigir o texto do $ 10, do artigo 899 da CLT, foi clara a intenção do legislador em disciplinar a viabilidade de concessão de justiça gratuita as entidades beneficentes, sem fins lucrativos, isentando-as ao mesmo tempo do recolhimento de depósito recursal, como contido na r. sentença". Aduz "que a própria sentença reconhece a Agravante como entidade filantrópica, isentando o recolhimento do depósito recursal" , que, "se tratando de "entidade filantrópica" sem fins lucrativos, em razão do objetivo social de reconhecido interesse público, desnecessária prova cabal da insuficiência econômica para a concessão do benefício" e que comprovou " pela certidão do SERASA juntada, como também ofício emitido pelo próprio Município onde reconhece um deficit de mais de R$3.000.000,00, já também reconhecidos pelo Município " .

Aponta ofensa aos artigos 899, § 10, da CLT, 14, parte final, e 1.046 do CPC contrariedade às Súmulas nº 463 do TST e nº 481 do STJ e à OJ nº 269 da SBDI-1, além de divergência jurisprudencial.

O recurso de revista teve seu seguimento denegado sob os seguintes fundamentos:

[...] PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / Recurso / Preparo / Deserção.

O v. acórdão afirmou que, tratando-se de entidade filantrópica, com recurso ordinário interposto na vigência da Lei 13.467/17, aplica-se o § 10 do art. 899 da CLT, acrescentado pela mencionada norma. Contudo, o dispositivo refere-se apenas ao depósito recursal, não abrangendo as custas processuais, cuja isenção depende do deferimento dos benefícios da justiça gratuita (art. 790,§ 4º, da CLT). Afirmou também o v. julgado que o simples fato de tratar-se de entidade filantrópica não é suficiente para deferir-lhe os benefícios da justiça gratuita, sendo necessária a comprovação, de forma inequívoca, de sua incapacidade econômica de arcar com as despesas processuais, o que não ocorreu na hipótese dos autos. Por consequência, não conheceu o recurso ordinário da reclamada, por deserção, em face da ausência do recolhimento das custas processuais.

Oportuno ressaltar que foi concedido prazo para que a reclamada efetivasse o pagamento das custas processuais, o que não foi feito.

Quanto a tal questão, o v. acórdão, além de ter se fundamentado nas provas, decidiu em conformidade com a Súmula 463, II, do C. TST. Assim, inviável o recurso pelo teor do art. 896, § 7º, da CLT e das Súmulas 126 e 333 do C. TST.

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao recurso de revista.

De início, cabe pontuar que está preenchido o requisito referente ao artigo 896, § 1º-A, da CLT.

Compete assinalar que o processamento do recurso de revista, na vigência da Lei nº 13.467/2017 , exige que a causa apresente transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica ( artigo 896-A da CLT ).

Sucede que, pelo prisma da transcendência , o recurso de revista da demandada não atende a nenhum dos requisitos do artigo 896-A da CLT, senão vejamos.

Em relação à transcendência econômica , esta Turma estabeleceu como referência, para o recurso que não seja do empregado, os valores fixados no artigo 496, § 3º, do CPC, conforme seu âmbito de atuação. Significa dizer que a transcendência econômica restará configurada quando o valor total dos temas devolvidos no recurso de revista ultrapassar 1000 (mil) salários mínimos, 500 (quinhentos) salários mínimos e 100 (cem) salários mínimos, para empresas de âmbito nacional, estadual ou municipal, respectivamente.

No presente caso, ainda que se leve em consideração o valor total da condenação arbitrado em sentença e mantido pelo TRT, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), é de se concluir que o montante indicado não ultrapassa nem mesmo o patamar mínimo de 100 salários-mínimos estipulado para as empresas e entidades de âmbito municipal.

Não há transcendência política , pois não se verifica contrariedade à súmula, orientação jurisprudencial, precedentes de observância obrigatória e jurisprudência atual, iterativa e notória do TST. Também não trata de matéria em que haja divergência atual entre as Turmas do TST, a recomendar o controle da decisão recorrida.

Para melhor esclarecimento da controvérsia, traga-se à colação fração de interesse do acórdão regional:

[...] No apelo, a 1º ré insistiu no pedido de gratuidade, o qual foi rejeitado por este Relator (fls. 1008/1010), tendo sido concedido prazo de cinco dias, nos termos da OJ 269, H da SBDI-1 do €C. TST (fl. 1010). Após, a parte pediu a reconsideração, contudo, o decisum ficou mantido, por seus próprios fundamentos (fl. 1131). E, quedando-se inerte a primeira reclamada, sem efetuar o preparo, não é possível conhecer de seu apelo .. (Grifos nossos)

Quanto ao pedido de justiça gratuita, observa-se que o Tribunal Regional, no trecho transcrito, não emitiu tese a respeito do tema, se limitando a afirmar que o pedido foi negado às fls. 1008/1010, mas sem tecer considerações sobre os motivos pelos quais ele teria sido rejeitado, nem foram opostos embargos de declaração para exortá-lo a se manifestar a respeito, razão pela qual, por falta de prequestionamento, no acórdão recorrido, incide o óbice da Súmula 297, do TST, cumprindo salientar que essa questão surgiu em momento anterior ao acórdão recorrido, de modo que é inaplicável o entendimento da orientação jurisprudencial 119 da SDI1.

Quanto à deserção do recurso ordinário, cumpre ressaltar que não se trata da aplicação à hipótese do teor da OJ nº 269 da SBDI-1, tendo em vista ter sido consignado pelo TRT que foi concedido prazo à reclamada para regularização do preparo.

Ausente, portanto, a transcendência política.

Quanto à transcendência social, aplica-se apenas aos recursos do empregado e, no caso, o recurso de revista foi apresentado pela reclamada. Portanto, não se trata de recurso de empregado postulando direito social constitucionalmente assegurado.

E, por fim, a transcendência jurídica está afeta à interpretação e aplicação de novas leis ou alterações de leis já existentes e, ainda, conforme posicionamento da 7ª Turma do TST (TST-AIRR-21132-48.2017-5.04.0304, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 3/4/2020), quando há eventual afronta a direitos e garantias constitucionais de especial relevância, com a possibilidade de reconhecimento de violação literal e direta a artigo da Constituição Federal, o que não ocorreu na hipótese dos autos.

Do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO DO MUNICÍPIO DE SUMARÉ

1- CONHECIMENTO

Conheço do agravo de instrumento, visto que presentes os pressupostos de admissibilidade.

2 - MÉRITO

Nas razões do agravo de instrumento, a parte insurge-se contra o despacho agravado, asseverando ser inaplicável as súmulas 126 e 333 do TST e que demonstrou que a responsabilização subsidiária do ente público foi estabelecida de maneira automática, pelo mero inadimplemento das obrigações trabalhistas, sem demonstração da conduta culposa.

Aponta afronta aos artigos 5º, II, da Constituição Federal, 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, contrariedade à Súmula nº 331, IV, do TST, à Súmula Vinculante nº 10 do STF e à tese firmada pelo STF no julgamento da ADC nº 16/DF, além de divergência jurisprudencial.

[...] PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

Responsabilidade Solidária / Subsidiária.

O v. acórdão reconheceu a responsabilidade subsidiária da 2ª reclamada, por constatar que o ente público não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar que fiscalizou, adequadamente, o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da 1ª reclamada, restando configurada sua culpa "in vigilando".

Quanto à possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público, o v. acórdão decidiu em conformidade com a Súmula 331, V, do C. TST e seguiu a diretriz traçada pelo STF no julgamento do leading case RE 760931, que fixou no TEMA 246 a seguinte tese com repercussão geral: "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do artigo 71, parágrafo 1o da Lei 8.666/93." (26.4.2017).

Acrescente-se, que a mesma ratio decidendi foi reiterada pelo STF na ADPF 324, que julgou procedente o pedido e firmou tese nos seguintes termos: "1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: I) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e II) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993".

Quanto ao ônus da prova da fiscalização, esta Vice-Presidência Judicial determinava o processamento do recurso de revista, com fundamento em reiterados julgados do C. TST, no sentido de que era do trabalhador o encargo processual.

Porém, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho ao julgar os embargos de declaração no processo nº 925-07.2016.5.05.0281, em 12/12/2019, considerou que no Tema nº 246 de Repercussão Geral (RE 760.931-DF), o E. STF não fixou tese específica sobre a distribuição do ônus da prova pertinente à fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas, ficando a definição a cargo do C. TST. Nesta esteira, para não ser responsabilizado subsidiariamente, cabe ao ente público comprovar que fiscalizou de forma adequada o cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada, com fundamento no princípio da aptidão para a prova, que vincula o ônus a quem possui mais e melhores condições de produzi-la.

Nesse sentido, dentre outros, são os seguintes precedentes: Ag-RR-11380-35.2015.5.03.0018, 1ª Turma, DEJT 08/01/2020, ARR-10671-44.2015.5.01.0571, 5ª Turma, DEJT 09/02/2018, RR-715-80.2013.5.05.0015, 6ª Turma, DEJT 19/12/2019, RR-984-40.2013.5.15.0113, 8ª Turma, DEJT 13/09/2019. Portanto, a interpretação conferida pela v. decisão recorrida está em consonância com iterativa, notória e atual jurisprudência do C. TST.

Portanto, inviável o apelo, ante o disposto no art. 896, § 7º, da CLT e nas Súmulas 126 e 333 do C. TST.

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao recurso de revista.

Primeiramente, cabe pontuar que está preenchido o requisito referente ao artigo 896, § 1º-A, I, da CLT.

Feito esse registro, é necessário destacar que, no caso concreto, incide a Lei nº 13.467/2017 , uma vez que o acórdão regional foi publicado na sua vigência.

Nessa linha, cumpre salientar que o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da existência de repercussão geral da questão relacionada ao ônus da prova acerca de eventual conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas de prestadora de serviços, para fins de responsabilização subsidiária da Administração Pública ( Tema nº 1.118 ), mostra-se suficiente para o reconhecimento da transcendência política . Nesse sentido são os precedentes da 1ª Turma do STF nos autos dos Agravos Regimentais nas Reclamações 40652, 40759 e 40652, cujos acórdãos foram publicados no DJe de 30/09/2020.

Verificada a presença da transcendência política da causa , prossegue-se na análise do apelo interposto.

A matéria em debate envolve o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do ente público tomador de serviços pelo pagamento de créditos reconhecidos em favor de trabalhador terceirizado, controvérsia objeto da Súmula 331, item V, do TST, de seguinte teor:

[...] V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal manifestou-se de maneira definitiva sobre a questão jurídica nos autos do RE-760931, classificado como Tema nº 246 na Tabela de Repercussão Geral daquela Corte.

No referido julgamento, fixou a tese de que " O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 ".

Opostos embargos de declaração, o Exmo. Min. Luiz Fux, Relator, ao analisar o recurso, deixou assentado os parâmetros adotados no julgamento do recurso extraordinário. In verbis :

[...] A análise dos votos proferidos neste Plenário por ocasião do julgamento do mérito do Recurso Extraordinário revela que os seguintes parâmetros foram adotados pela maioria: (i) o mero inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo contratado não atrai a responsabilidade do poder público contratante; (ii) para que se configure a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, é necessária a comprovação inequívoca de sua conduta culposa e causadora de dano aos empregados do contratado; e (iii) é indevida a inversão do ônus da prova ou a presunção de culpa.

Após intensos debates a respeito de diversos aspectos do julgamento do recurso extraordinário, decidiu-se, por maioria, rejeitar os embargos de declaração, cuja ementa segue transcrita. In verbis :

EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 246 DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EMPRESAS TERCEIRIZADAS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU ERRO MATERIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Não há contradição a ser sanada, pois a tese aprovada, no contexto da sistemática da repercussão geral, reflete a posição da maioria da Corte quanto ao tema em questão, contemplando exatamente os debates que conduziram ao acórdão embargado.

2. Não se caracteriza obscuridade, pois, conforme está cristalino no acórdão e na respectiva tese de repercussão geral, a responsabilização subsidiária do poder público não é automática, dependendo de comprovação de culpa in eligendo ou culpa in vigilando, o que decorre da inarredável obrigação da administração pública de fiscalizar os contratos administrativos firmados sob os efeitos da estrita legalidade.

3. Embargos de declaração rejeitados.

Fixados esses parâmetros, a esta Corte cumpre analisar em cada caso concreto a existência ou não de demonstração da culpa in vigilando da Administração Pública, sendo vedado proceder-se a uma genérica aplicação da responsabilidade, sem observância da condição necessária para tanto, conforme decidido pelo STF.

Ressalte-se que a questão concernente ao efetivo ônus da prova não foi objeto de manifestação conclusiva do STF no julgamento do RE 760931, seja no sentido de atribuí-lo ao empregado ou ao ente público.

Não obstante, em recente julgamento proferido pela maioria dos integrantes da SBDI-1 desta Corte, no E-RR-925-07.2016.5.05.0281, de Relatoria do Exmo. Min. Cláudio Brandão, no qual houve exame sobre o alcance e dimensão da decisão do STF no RE-760931 (Tema nº 246), fixou-se o entendimento, com base na aplicação do princípio da aptidão da prova, de que é do ente público o encargo de demonstrar a efetiva fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora de serviços. Leia-se:

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LICITAÇÃO. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 760.931. TEMA 246 DA REPERCUSSÃO GERAL. SÚMULA Nº 331, V, DO TST. RATIO DECIDENDI. ÔNUS DA PROVA . No julgamento do RE nº 760.931, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese, com repercussão geral: "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento , seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". O exame da ratio decidendi da mencionada decisão revela, ainda, que a ausência sistemática de fiscalização, quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora, autoriza a responsabilização do Poder Público. Após o julgamento dos embargos de declaração e tendo sido expressamente rejeitada a proposta de que fossem parcialmente acolhidos para se esclarecer que o ônus da prova desse fato pertencia ao empregado, pode-se concluir que cabe a esta Corte Superior a definição da matéria, diante de sua natureza eminentemente infraconstitucional. Nessa linha, a remansosa e antiga jurisprudência daquele Tribunal: AI 405738 AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª T. , julg. em 12/11/2002; ARE 701091 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª T. , julg. em 11/09/2012; RE 783235 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T. , julg. em 24/06/2014; ARE 830441 AgR, Rel(a) Min. Rosa Weber, 1ª T. , julg. em 02/12/2014; ARE 1224559 ED-AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julg. em 11/11/2019. Portanto, em sede de embargos de declaração, o Supremo Tribunal Federal deixou claro que a matéria pertinente ao ônus da prova não foi por ele definida, ao fixar o alcance do Tema 246. Permitiu, por conseguinte que a responsabilidade subsidiária seja reconhecida, mas sempre de natureza subjetiva, ou seja, faz-se necessário verificar a existência de culpa in vigilando. Por esse fundamento e com base no dever ordinário de fiscalização da execução do contrato e de obrigações outras impostas à Administração Pública por diversos dispositivos da Lei nº 8.666/1993, a exemplo, especialmente, dos artigos 58, III; 67, caput e seu § 1º; e dos artigos 54, § 1º; 55, XIII; 58, III; 66; 67, § 1º; 77 e 78, é do Poder Público, tomador dos serviços, o ônus de demonstrar que fiscalizou de forma adequada o contrato de prestação de serviços. No caso, o Tribunal Regional consignou que os documentos juntados aos autos pelo ente público são insuficientes à prova de que houve diligência no cumprimento do dever de fiscalização, relativamente ao adimplemento das obrigações trabalhistas da empresa terceirizada. Ou seja, não se desincumbiu do ônus que lhe cabia. A Egrégia Turma, por sua vez, atribuiu ao trabalhador o ônus da prova, razão pela qual merece reforma a decisão embargada, a fim de restabelecer o acórdão regional. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-RR-925-07.2016.5.05.0281, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 22/05/2020).

No caso concreto, verifica-se que o Tribunal Regional decidiu que a Administração Pública, na qualidade de tomadora dos serviços, é subsidiariamente responsável pela integralidade da dívida trabalhista, pois o ente público não se desincumbiu do ônus de provar o cumprimento do seu dever de fiscalização, entendendo por caracterizada a culpa in vigilando . Emblemáticos, nesse sentido, os seguintes trechos do julgado:

[...]

Não merece reforma o julgado, pois, quanto à responsabilidade subsidiária da administração pública pelos débitos trabalhistas das empresas que contrata para lhe prestar serviços, o Plenário do Eg. STF, em 30/03/2017, concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário RE 760931, com repercussão geral, por maioria de seis votos a cinco. A decisão foi no sentido de confirmar o entendimento adotado na ADC 16, que veda a responsabilização automática do ente público, que apenas poderá ocorrer se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos.

Com relação ao ônus probatório, seguindo a diretriz estabelecida pelo Novo CPC (art. 373), que acolheu o princípio da aptidão para a prova, adota-se o entendimento de que é vedada a atribuição de ônus impossível ou excessivamente difícil à parte, devendo recair sobre a parte que tenha maior facilidade de acesso e, portanto, mais aptidão. Eis os termos dos §§ 1º a 3º do dispositivo legal:

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

 

Aliás, também é nesse sentido a diretriz adotada pela Lei 13.467/2017, como se observa dos §§ 1º a 3º do art. 818 da CLT.

Tendo em vista que seria impossível à reclamante demonstrar que a fiscalização por parte da Administração foi insuficiente , o ônus de comprovar a ausência de culpa in vigilando é do ente público, diante da evidente facilidade de acesso à documentação atinente ao contrato de prestação de serviços e ao contrato de trabalho.

Assim, por se beneficiar dos serviços prestados por meio de empresa intermediadora de mão de obra, competia ao 2º reclamado a prova da efetiva fiscalização das obrigações contratuais, ante a redação do item V da Súmula 331 do TST, tendo em vista a aptidão para prova ser exclusiva da empresa tomadora de serviços e responsável pela sua contratação.

Todavia, o ente público não apresentou nenhuma prova que confirmasse a fiscalização do cumprimento regular, pela empregadora, das obrigações trabalhistas, tendo oferecido, apenas, cópias de termos de audiência de outros processos, jurisprudência, parecer técnico, estatuto social e documentos licitatórios, incapazes de embasar a sua tese. Nada há de concreto com referência às partes desta ação .

A conduta omissiva caracteriza a culpa in vigilando , devendo o ente público responder subsidiariamente pelo adimplemento dos créditos trabalhistas devidos, nos termos da Súmula 331 do C.TST.

Ressalta-se, ainda, que a responsabilidade subsidiária abrange todas as parcelas deferidas na Origem, nos termos do inciso VI da Súmula 331, do C.TST, "a responsabilidade do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral". Incluem-se, pois, multas celetistas, direitos normativos, bem como FGTS + 40%.

Conquanto as Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017 tenham autorizado a terceirização na atividade-fim (o que não é o caso dos autos), não eximiram o tomador de serviços da responsabilidade subsidiária, portanto, em nada alteram o decidido após a sua entrada em vigor. Aliás, a partir da entrada em vigor dessas Leis, avulta a necessidade de o tomador exigir que o prestador de serviços cumpra os direitos trabalhistas, atuando com diligência tanto ele como o tomador, pois a corresponsabilidade decorre da nova legislação . De fato, foram expressamente previstas as responsabilidades do tomador quanto às condições de segurança, higiene e salubridade do trabalho (art. 5º-A, §3º, da Lei 13.429/17), bem como a subsidiária pelas obrigações trabalhistas (art. 5º, § 5º, da Lei 13.429/17).

Aliás, decisão do E. STF (ADPF 324), ao tempo que validou a terceirização, reiterou a responsabilidade do tomador de serviços, ou seja, com a Súmula ou com a lei atual, a responsabilidade subsidiária não poderia ser afastada (Art. 5º-A, §5º, da Lei 6.019/1974, com a nova redação dada pela Lei 13.429/17) .

No mesmo sentido, Súmula 128 deste E. TRT da 15ª Região, que dispõe:

"CONTRATO DE GESTÃO/CONVÊNIO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA TRABALHISTA DO ENTE PÚBLICO. Nos contratos de gestão/convênio, uma vez caracterizada a culpa do ente público quanto ao dever legal de fiscalizar o órgão conveniado no cumprimento de suas obrigações trabalhistas, resulta sua responsabilidade subsidiária." (RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 01/2019, de 23 de janeiro de 2019 - Divulgada no D.E.J.T. - Caderno Judiciário de 24/01/2019, págs. 01 e 02; D.E.J.T. de 25/01/2019, págs. 01 a 03; e D.E.J.T. de 28/01/2019, págs. 01 e 02)

Mantém-se a r. sentença. (Grifos nossos)

Efetivamente, no presente caso a responsabilidade subsidiária do ente público não foi reconhecida de forma automática. Ao revés, decorreu da culpa in vigilando da Administração Pública.

Frise-se que o fato de a relação entre os demandados ter sido viabilizada mediante contrato de gestão não repele a responsabilidade subsidiária do ente público, visto que figurou como tomador dos serviços terceirizados, consoante premissa fática registrada no acórdão recorrido.

Assim, evidenciada a consonância do acórdão regional com a tese veiculada pelo STF no RE 760.931/DF (Tema nº 246) e com o entendimento da SBDI-1 sobre o ônus subjetivo da prova (E-RR-925-07.2016.5.05.0281, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 22/05/20), sobressai inviável o acolhimento da pretensão recursal.

Do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento aos agravos de instrumento.

Brasília, 26 de agosto de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Renato de Lacerda Paiva

Ministro Relator