A C Ó R D Ã O
1ª Turma
GMHCS/cer
AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA RESSARCITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA. Decisão Regional em que adotado o entendimento de que o monitoramento dos trabalhadores por meio de câmera acarreta dano moral coletivo. Aparente violação do art. 5º, X, da CF, nos moldes do art. 896 da CLT, a ensejar o provimento do agravo de instrumento, nos termos do artigo 3º da Resolução Administrativa nº 928/2003.
Agravo de instrumento conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA INIBITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA. 1. Trata-se de Ação Civil Pública em que o Ministério Público do Trabalho denuncia irregularidades praticadas pela reclamada, relativas à vigilância constante de seus empregados por meio de câmeras instaladas em suas dependências, com exceção dos banheiros. 2. Constata-se do acórdão do Tribunal Regional o seguinte: resta incontroverso, na hipótese vertente, que a demandada mantém câmeras de monitoramento nos locais em que seus empregados executam suas tarefas laborais; é incontroverso que não havia câmeras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial. 3. Em primeira instância, a reclamada foi condenada a desativar e retirar as câmeras de filmagem instaladas no interior de suas dependências onde houvesse execução de atividades por empregados e onde não existisse a possibilidade de acesso por terceiros invasores, sob pena de multa diária. O Tribunal Regional manteve a condenação sob o fundamento de que "O monitoramento permanente das atividades dos empregados gera indiscutível desconforto a estes, incita a desconfiança mútua, bem como desrespeita o critério da confiança recíproca que deve informar as relações contratuais entre empregados e empregadores, disso resultando grave ofensa à dignidade dos trabalhadores, inclusive porque parte do princípio de que o empregado pode ser desonesto". 4. Contudo, o monitoramento dos empregados no ambiente de trabalho por meio de câmera, sem qualquer notícia no acórdão do Tribunal Regional a respeito de excessos pelo empregador, tais como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação de câmeras em recintos que fossem destinados ao repouso dos funcionários ou que pudessem expor partes íntimas dos empregados, como banheiros ou vestiários, não configura ato ilícito, inserindo-se dentro do poder fiscalizatório do empregador. 5 . Nessa medida, não é possível exigir que a empregadora desative as câmeras de vigilância. 6. Configurada a ofensa ao art. 2º da CLT.
Recurso de revista conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA . AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA RESSARCITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DANO. 1. Trata-se de Ação Civil Pública em que o Ministério Público do Trabalho denuncia irregularidades praticadas pela reclamada, relativas à vigilância constante de seus empregados por meio de câmeras instaladas em suas dependências, com exceção dos banheiros. 2. Constata-se do acórdão do Tribunal Regional o seguinte: resta incontroverso, na hipótese vertente, que a demandada mantém câmeras de monitoramento nos locais em que seus empregados executam suas tarefas laborais; é incontroverso que não havia câmaras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial. 3. Em primeira instância, a reclamada foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos fixada em cinco milhões de reais. O Tribunal Regional manteve a condenação sob o fundamento de que "a reclamada causou lesão à esfera moral de uma determinada comunidade, sendo nítida a prática de ato ilícito de sua parte, traduzindo dano principalmente à dignidade dos trabalhadores envolvidos, ensejando a reparação civil deduzida pelo Ministério Público" . 4. Contudo, o monitoramento dos empregados no ambiente de trabalho por meio de câmera, sem qualquer notícia no acórdão do Tribunal Regional a respeito de excessos pelo empregador, tais como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação de câmeras em recintos que fossem destinados ao repouso dos funcionários ou que pudessem expor partes íntimas dos empregados, como banheiros ou vestiários, não configura ato ilícito, inserindo-se dentro do poder fiscalizatório do empregador. Ainda, o procedimento não ocasiona significativo constrangimento aos funcionários, nem revela tratamento abusivo do empregador quanto aos seus funcionários, já que o monitoramento por câmera, a rigor, é feito indistintamente. Portanto, não afeta sobremaneira valores e interesses coletivos fundamentais de ordem moral. 5 . Nessa medida, não é possível impor indenização por dano moral coletivo, pois ausente à ilicitude da conduta e o dano. 6. Configurada a ofensa ao art. 5º, X, da CF.
Recurso de revista conhecido e provido .
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-21162-51.2015.5.04.0014 , em que é Recorrente LIQ CORP S.A. e Recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO.
Inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal Regional, a reclamada interpôs recurso de revista.
Contra a decisão pela qual denegado parcial seguimento ao recurso de revista, a parte apresenta agravo de instrumento.
Sem contraminuta e contrarrazões, vêm os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
V O T O
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO
Preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade, referentes à tempestividade (decisão publicada em 30/8/2018 – fl. 789; recurso apresentado em 12/9/2018 – fl. 7), regularidade de representação (fls. 733 e 729) e preparo (fl. 626), conheço do agravo de instrumento e passo ao exame do mérito.
O juízo primeiro de admissibilidade denegou seguimento em parte ao recurso de revista, verbis :
PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Recurso tempestivo.
Representação processual regular.
Preparo satisfeito.
PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / PROCESSO COLETIVO / AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR/EMPREGADO / INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO.
Alegação(ões):
- divergência jurisprudencial, entre outras alegações.
A matéria objeto de controvérsia foi delimitada com a reprodução dos seguintes trechos do acórdão e do acórdão em embargos de declaração (art. 896, §1º-A, da CLT, com a redação dada pela Lei 13.015/14): (...) "Em que pesem os argumentos apresentados pela reclamada no intuito de defender a legitimidade do procedimento de manter câmeras de monitoramento no ambiente de trabalho, não há como afastar que, no conflito entre princípios que se estampa no caso concreto, prepondera o da proteção aos direitos à privacidade, intimidade e imagem do trabalhador, conforme fundamentos bem analisados na decisão transcrita. O monitoramento permanente das atividades dos empregados gera indiscutível desconforto a estes incita a desconfiança mútua, bem como desrespeita o critério da confiança recíproca que deve informar as relações contratuais entre empregados e empregadores, disso resultando grave ofensa à dignidade dos trabalhadores, inclusive porque parte do princípio de que o empregado pode ser desonesto. Ponderando os motivos apresentados pela ré para a necessidade de manter o monitoramento com câmeras das atividades dos seus empregados, chega-se à fácil conclusão de que cabe à empresa encontrar outros meios de proteger sua propriedade e de garantir o sigilo de dados dos seus clientes, não podendo em nome desses interesses corromper a boa-fé e a confiança que servem de base aos contratos de trabalho, tampouco ofender o direito à privacidade do trabalhador. O fato de deter o poder de mando na relação de emprego não outorga o direito de macular direitos fundamentais dos seus empregados." Acórdão de embargos de declaração: "Da análise das razões dos embargos, é possível notar que a recorrente pretendeu ficasse esclarecido na sentença que não havia câmeras de monitoramento em locais impróprios (banheiros, refeitórios), fato relevante dentro do tema debatido nos autos. .... Diante do cotejo dos embargos declaratórios com a sentença prolatada, não verifico o interesse meramente protelatório da recorrente quando da oposição dos embargos declaratórios. É razoável admitir que a parte tenha pretendido aclarar a decisão com relação aos pontos citados, tanto é que ficou esclarecido no julgamento dos embargos que "É incontroverso que não havia câmeras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial. A matéria não integrou, portanto, o rol de assuntos a serem abordados e ou elucidados pelo Juízo" .
Admito o recurso de revista.
A matéria referente ao valor arbitrado à indenização - "Do valor arbitrado à condenação. (...) Desproporção" - exige a incursão no contexto fático-probatório, sendo inadmissível o recurso, neste aspecto.
Não constato violação aos dispositivos de lei e da Constituição Federal apontados, tampouco, relativamente ao tópico "Da indenização por "dano moral coletivo". Ilegalidade e inocorrência.", divergência jurisprudencial, diante da inespecificidade dos arestos.
Entendo, todavia, demonstrada a divergência jurisprudencial quanto ao enfoque "Da inexistência de conduta ilícita. Câmeras de monitoramento ambiental" pelo aresto oriundo do TRT da 12ª Região: "Quanto à existência de monitoramento do local de trabalho por meio de câmeras, registro que também aqui não considero existir ofensa aos direitos personalíssimos acima referidos. No meu sentir, tal expediente, quando for de pleno conhecimento dos empregados e tiver o intuito fiscalizatório do ambiente de trabalho, e não fins ilícitos (escusos ou utilizado de forma abusiva), se insere dentro do poder diretivo do empregador, não dando ensejo, por isso, à indenização por danos morais." RO 422-18.2010.5.12.0049, Publicado DOE em 22/06/2011, apontado o repositório oficial na internet com indicação do sítio de onde foi extraído (atendidas as disposições da Súmula 337, IV, do TST , com a redação do item IV alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012, Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012).
Admito o recurso, com base no artigo 896, alínea "a", da CLT.
Prejudicada, em decorrência, a análise dos itens recursais "Da abrangência nacional da decisão. Restrição ao município de Porto Alegre ou, sucessivamente, ao Estado do Rio Grande do Sul." e "Publicação e divulgação da decisão sob pena de multa.", pois requerimentos sucessivos, nos termos das razões recursais.
CONCLUSÃO
Dou seguimento.
Na minuta, a agravante repisa as alegações veiculadas na revista, insistindo na presença das hipóteses de admissibilidade previstas no art. 896 da CLT.
Passo à análise das matérias renovadas no agravo de instrumento:
1. Dano moral coletivo
Em seu agravo de instrumento, a parte sustenta a inexistência de ato ilícito. Entende que, ainda que mantido o reconhecimento de que a conduta é ilícita, a condenação deveria ser afastada, pois não demonstrado o dano efetivo à coletividade. Renova a alegação de divergência jurisprudencial e de violação dos arts. 5º, X, da CF e 927 do CC.
Vejamos.
Decisão Regional em que adotado o entendimento de que o monitoramento dos trabalhadores por meio de câmera acarreta dano moral coletivo.
O procedimento adotado pela ré, de monitoramento dos empregados por meio de câmera de vigilância, não parece ocasionar significativo constrangimento aos funcionários, nem parece revelar tratamento abusivo do empregador quanto aos seus funcionários.
Assim, ante possível violação do artigo 5º, X, da CF, afasto o óbice oposto pelo despacho denegatório do recurso de revista e dou provimento ao agravo de instrumento para dar processamento ao recurso de revista.
Agravo de instrumento provido.
2. Valor da indenização. Abrangência da condenação. Divulgação da decisão.
Registro que as demais matérias trazidas no agravo de instrumento somente serão analisadas na eventualidade de ser mantida a condenação.
B) RECURSO DE REVISTA
I – CONHECIMENTO
1. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Tempestivo o recurso (decisão publicada em 11/7/2017 – fl. 610; recurso apresentado em 19/7/2017 – fl. 6), regular a representação (fls. 733 e 729) e efetuado o preparo (fl. 572).
2. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
2.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR.
Eis os fundamentos da decisão:
1. CÂMERAS DE MONITORAMENTO. EFICÁCIA TERRITORIAL LIMITADA. PUBLICAÇÃO EM JORNAL E DIVULGAÇÃO DA DECISÃO NOS CONTRACHEQUES
No tópico, o Juízo de origem acolheu os pedidos do MPT nos seguintes termos (ID. 13916e3):
"Julgo procedente em parte os pedidos dos pontos 2.1 e 2.2.1 para determinar à ré a desativação e a retirada das câmeras de filmagem e/ou vigilância instaladas no interior de suas dependências, em todo o Brasil, onde haja execução de atividades por empregados e onde não exista a possibilidade de acesso exterior por terceiros invasores, sob pena do pagamento da multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e por estabelecimento no qual descumprida a determinação."
Ainda, na decisão de embargos de declaração (ID. 9af70a3)
"Julgo, assim, parcialmente procedente o pedido constante do ponto 2.4 da inicial, para determinar à ré que publique em jornal de circulação nacional e que insira no contracheque dos funcionários o conteúdo do dispositivo da sentença, no prazo de 15 dias contados do trânsito em julgado, sob pena de multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por dia de atraso."
A reclamada não se conforma com a decisão. Ressalta que no caso não há dúvida acerca da inexistência de câmeras de monitoramento em locais evidentemente inapropriados, onde possa haver violação da intimidade do trabalhador, como vestiários, banheiros, refeitório. Observa que juntou aos autos todas as imagens que podem ser extraídas das câmeras de monitoramento. Defende que o monitoramento do ambiente de trabalho faz parte integrante do poder de comando do empregador, em sua faceta poder fiscalizatório (art. 2º da CLT). Aduz que o fundamento da sentença de que poderia adotar fiscalização pela chefia imediata não se sustenta, afirmando que tal fiscalização é que geraria constrangimento e personalização incompatíveis com o poder de fiscalização exercido de forma razoável e isonômica e que, ademais, o contigente de empregados (1.800 em POA) tornaria impossível tal fiscalização. Sustenta que o monitoramento ambiental protege o trabalhador sob o ponto de vista da sua segurança, referindo que pelas características do trabalho realizado, pelo perfil do trabalhador e, fundamentalmente, pelo tipo de acesso que os operadores de teleatendimento têm a dados de consumidores em geral, o monitoramento é plenamente justificável. Destaca o número significativo de empregados, o perfil destes - muitos jovens estudantes e/ou em primeiro emprego, e a grande rotatividade de mão de obra, dizendo não ser desprezível percentualmente o risco de que a empresa contrate pessoa cujos objetivos possam ir além daqueles ínsitos ao contrato de emprego. Salienta que, além da segurança patrimonial e pessoal dos próprios empregados, o monitoramento protege dados pessoais e sigilosos de milhares de pessoas, clientes das empresas contratantes: bancos, empresas de telefonia, operadoras de TV à cabo, operadoras de cartões de crédito, operadoras de planos de saúde, etc, observando que o mal uso desses dados pode acarretar graves danos aos consumidores, dos quais tanto as empresas contratantes, quanto a empresa especializada em teleatendimento, são solidária e objetivamente responsáveis. Nesse sentido, invoca os termos do § 1º do art. 94 da Lei nº 9.472/97, bem como as Resoluções 477/2007 e 488/2007, ambas da ANATEL. Alude que não basta haver vedação aos operadores que portem e/ou usem canetas, lápis, papéis ou telefones celulares nos postos de atendimento, referindo que tem obrigação legal de garantir que não haja uso indevido de dados, e que a existência de câmeras ajuda a inibir eventuais e potenciais comportamentos inadequados. Conclui que não há nada de ilegal ou contrário à dignidade humana no procedimento em questão; que o trabalhador não fica sujeito a qualquer constrangimento; que não há violação à intimidade, nem à imagem; que não há indícios, sequer alegação, de que as imagens sejam utilizadas externamente. Destaca que juntou, por amostragem, ofícios oriundos de Delegacias de Polícia e outros órgãos públicos nos quais solicitam imagens de câmeras de monitoramento para instrução de procedimentos, invocando que a utilização das imagens pelo poder público demonstra não se tratar de conduta ilícita. Assevera que o procedimento está em conformidade com o art. 5º, caput e incisos XII e XXII, da CF, e que a ponderação dos direitos fundamentais aponta para sua correção. Colaciona jurisprudência em favor de sua tese. Pugna pela absolvição. Por cautela, investe contra a abrangência nacional da eficácia da sentença, invocando os termos do art. 16 da Lei nº 7.347/85, requerendo sua limitação à cidade de Porto Alegre ou, sucessivamente, ao Estado do RGS. Menciona a OJ nº 130 da SDI-II do TST. Pede, ainda, o afastamento das determinações de publicação em jornal da decisão e de fazer constar o seu dispositivo dos contracheques dos funcionários, por ausência de respaldo legal, salientando a ausência de indicação deste na sentença.
A Turma já decidiu a respeito da matéria em caso semelhante ao dos presentes autos, conforme decisão proferida no processo nº 0003700-24.2008.5.04.0371, da lavra do Des. Luiz Alberto de Vargas, cujos fundamentos abaixo transcrevo e adoto como razões de decidir:
Trata-se a presente demanda de Ação Civil Pública em que o Ministério Público do Trabalho pretende a desinstalação ou desativação de câmeras de vigilância instaladas pela Reclamada em locais em que os trabalhadores, mesmo que indiretamente, possam sofrer algum tipo de monitoração, seja na sua privacidade, seja no exercício da função laborativa, conforme se verifica em documento da fl.43 (localização das câmeras). Tal controle violaria direitos da personalidade dos trabalhadores, assegurados constitucionalmente, e que sofreriam prejuízos em detrimento da proteção patrimonial pretendida pela empresa ré.
A Constituição Federal, já em seu art. 1º, proclama como fundamentos da República, entre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Reforça tal tutela no art. 170, em que preconiza textualmente: "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...); III. Função social da propriedade; (...)".
Por sua vez, o art. 5º, nos incisos V (é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem) e X (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação), revela a proteção constitucional aos chamados direitos da personalidade e a possibilidade de reparação legal.
Desta forma, a presente controvérsia encontra solução no devido equilíbrio entre princípios conflitantes, de um lado representados pelos direitos da personalidade, em especial privacidade e imagem, e, de outro, o direito à propriedade, sua defesa e as conseqüências advindas do seu exercício.
Primeiramente, ressalta-se que os direitos da personalidade exercem, precipuamente, fator de realização da dignidade da pessoa humana, por óbvio incluídos os trabalhadores, que merecem total proteção das suas garantias, no tocante à saúde física e psíquica, além da efetivação de um meio ambiente do trabalho saudável e protegido.
Os direitos da personalidade, inatos ao homem e absolutos, traduzem os valores básicos e fundamentais inerentes à preservação do indivíduo como ente considerado em si mesmo, assim como suas projeções no meio social em que está inserido. Inclusive, por se tratarem também de direitos irrenunciáveis, não pode o seu titular dispor livremente deles.
Destas características decorre a inafastável importância da tutela legal que deve se dirigir a esta categoria de direitos, por emanarem a essência do sujeito e realizarem a dignidade da pessoa, assim como definido na ordem constitucional.
Se é assim que devem ser avaliados os direitos da personalidade do trabalhador, como sujeito alvo destas garantias públicas, não é menos verdade que o empresário, que detém a exploração da atividade econômica, também, de certo modo e intensidade, possui destinação constitucional à preservação da sua tarefa, porquanto lhe é garantido o direito de propriedade, além de incentivos à livre iniciativa, todos constituindo-se como alicerces da ordem econômica nacional.
Contudo, o choque entre princípios deve ser resolvido proporcionalmente à importância dos valores colocados em discussão, em que, no presente caso, estão assentados entre o direito à privacidade e imagem dos empregados e o direito à propriedade e diretivo da atividade econômica conduzida pelo empresário. Diga-se, por fim, que não se pode esquecer que o direito à propriedade deve cumprir sempre a sua função social.
O poder diretivo, traduzido na fiscalização, organização e disciplina da atividade econômica produtiva não impõe ao trabalhador um regime de subordinação sem limites, imperando os fins legais e morais que regulam o contrato de trabalho, firmados na máxima de que o direito de determinado indivíduo persiste enquanto não ultrapassa o de outro além do princípio de proteção ao hipossuficiente e de tratamento jurídico desigual que visa compensar desigualdade econômica entre os sujeitos participantes da relação alvo da tutela trabalhista.
Trazendo tais conceitos ao caso concreto, deve ser avaliada qual a real finalidade das câmeras e se estas se destinam, conforme afirma a Reclamada, fundamentalmente para a proteção patrimonial e segurança, não havendo motivo para, ainda que indiretamente, os seus funcionários sejam de qualquer forma monitorados no exercício de suas tarefas. Com efeito, tal comportamento não seria compatível com os princípios basilares do direito do trabalho, sequer com a sua história, ferindo direitos elementares dos trabalhadores já mencionados acima.
Por outro lado, ainda quando admitidas à empresa providências para defesa de seu patrimônio, no momento que de alguma forma afetem direito de terceiro, há de se verificar, como condição necessária para a legalidade das mesmas que, de um lado, estas sejam imprescindíveis para a consecução dos objetivos colimados (defesa de patrimônio empresarial) e, por outro, que a adoção de tais providências se faça pelo meio menos gravoso possível para terceiros (proporcionalidade).
Diga-se de passagem, que semelhante procedimento (vigilância e controle no local de trabalho) é tão nocivo aos empregados que o próprio Código Penal condena a ingerência ostensiva do ambiente de trabalho, tipificando no art. 149 que comete crime aquele que "mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho".
Não há dúvida que a Reclamada possui o direito de adotar medidas que visem a proteção do seu patrimônio, principalmente com o aumento notório da violência, contudo, deve sempre buscar a preservação dos direitos que são tão caros aos indivíduos, como a sua imagem e privacidade, e preferir métodos e sistemas que sejam menos agressivos aos sujeitos expostos a este controle. Desta forma, vinculando o objetivo da utilização das câmeras de vigilância à melhor conservação do seu patrimônio e aumento da segurança, não há como permitir que, de qualquer forma e sob qualquer pretexto ou intensidade, seja o trabalhador invadido em sua privacidade e utilizada a sua imagem à revelia da sua vontade e autorização. Ademais, a confiança é uma via de mão dupla, não havendo como entender-se como aceitável a monitoração, ainda que intermitente, da execução das atividades produtivas dos empregados.
Por tais razões, existindo forte justificativa amparada nos motivos já expostos, isto é, segurança patrimonial, as câmeras devem atender e priorizar locais, essencialmente, com acesso do público externo, guardando, para os outros espaços, vigilância alternativa que não lese direito da personalidade dos empregados.
Em resumo, tem-se como aceitável a monitoração dos locais com acesso de pessoas estranhas ao ambiente de trabalho em que, justificadamente, haja fundado e relevante receio da possibilidade de ocorrência de roubos ou prejuízos ao patrimônio empresarial.
Salienta-se que, no tocante à utilização da imagem dos trabalhadores, não seria demasia a exigência de prévia autorização escrita para legitimação do sistema adotado, tendo em vista que o direito à própria imagem e disposição desta sobrepõe-se ao interesse exclusivamente patrimonial do empregador. E ainda que a Reclamada garanta que o acesso a determinadas imagens seja restrito às pessoas autorizadas, tal compromisso, mesmo que fosse devidamente comprovado, não tornaria imprescindível a autorização prévia dos seus empregados alvos das imagens produzidas pelas câmeras de vigilância.
Ao contrário, não houve sequer prévio esclarecimento aos trabalhadores sobre a adoção do novo sistema de segurança, finalidade e meios utilizados, o que seria bastante salutar, tendo em vista o impacto que este tipo de monitoramento provoca.
Da mesma forma, a discussão com o Sindicato representativo da categoria teria sido medida lúcida e benéfica a todos, informando sobre a implementação das câmeras, o que poderia atrair a simpatia dos trabalhadores para a idéia, além de sugestões e aprimoramento do sistema, evitando desgaste e o clima de desconfiança gerados.
Ainda assim, na mesma linha adotada pelo Ministério Público do Trabalho, reforça-se a idéia de que não são todas as câmeras que interferem ilegalmente na esfera privada dos empregados, não se determinando a simples desativação de todas, indiscriminadamente. Interpreta bem o Parquet quando sustenta que as câmeras de vigilância instaladas, ainda que objetivem a proteção patrimonial, sem dúvida nenhuma se prestam também para o controle dos empregados, não se questionando aqui tão-somente a intenção do empregador, mas, com a mesma importância, o fim que se pode destinar ao sistema adotado.
O Magistrado deve zelar pela justiça e o bom senso, pautando suas decisões na lei e na utilização racional dos meios que lhe são postos a disposição. Desta forma, determinar de maneira arbitrária o desligamento e retirada de todas as câmeras não atingiria o fim social de pacificação das relações trazidas ao Judiciário, desatendendo por completo o objetivo a que se propõe.
Assim, entende-se por razoável e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que seja determinado o desligamento das câmeras elencadas pelo Ministério Público do Trabalho na Ação Civil Pública proposta, apenas durante o expediente regular de trabalho, em que deve a Reclamada adotar medidas alternativas para implantação da segurança patrimonial, sendo permitido o acionamento destes dispositivos nos horários em que não haja atividade típica produtiva. Saliente-se que o Ministério Público do Trabalho informa que há ainda, para o auxílio da vigilância, o concurso do trabalho de vigilantes e outras 14 câmeras além das que estão ora em discussão.
Deste modo, dá-se provimento parcial ao Recurso para determinar o desligamento, no horário regular do expediente de trabalho, das câmeras de vigilância números 09, 13, 14, 15, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28. Da mesma forma, fixar multa diária no valor de R$5.000,00, caso descumprida a presente decisão, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Ainda, determinar que a Reclamada abstenha-se de instalar novas câmeras em locais que não sejam destinados à entrada e saída de público externo, desde que não permitam o monitoramento dos empregados.
(TRT da 4ª Região, 3a. Turma, 0003700-24.2008.5.04.0371 RO, em 14/01/2009, Desembargador Luiz Alberto de Vargas - Relator. Participaram do julgamento: Desembargadora Maria Helena Mallmann, Desembargador Ricardo Carvalho Fraga)
Em que pesem os argumentos apresentados pela reclamada no intuito de defender a legitimidade do procedimento de manter câmeras de monitoramento no ambiente de trabalho, não há como afastar que, no conflito entre princípios que se estampa no caso concreto, prepondera o da proteção aos direitos à privacidade, intimidade e imagem do trabalhador, conforme fundamentos bem analisados na decisão transcrita. O monitoramento permanente das atividades dos empregados gera indiscutível desconforto a estes, incita a desconfiança mútua, bem como desrespeita o critério da confiança recíproca que deve informar as relações contratuais entre empregados e empregadores, disso resultando grave ofensa à dignidade dos trabalhadores, inclusive porque parte do princípio de que o empregado pode ser desonesto.
Ponderando os motivos apresentados pela ré para a necessidade de manter o monitoramento com câmeras das atividades dos seus empregados, chega-se à fácil conclusão de que cabe à empresa encontrar outros meios de preteger sua propriedade e de garantir o sigilo de dados dos seus clientes, não podendo em nome desses interesses corromper a boa-fé e a confiança que servem de base aos contratos de trabalho, tampouco ofender o direito à privacidade do trabalhador. O fato de deter o poder de mando na relação de emprego não outorga ao empregador o direito de macular direitos fundamentais dos seus empregados.
Registro, ainda, que consta do acórdão do Tribunal Regional (fl. 522, pag. 15), ao exame do tema "embargos de declaração protelatórios":
Da análise das razões dos embargos, é possível notar que a recorrente pretendeu ficasse esclarecido na sentença que não havia câmeras de monitoramento em locais impróprios (banheiros, refeitório), fato relevante dentro do tema debatido nos autos. Também suscitou esclarecimento quanto à utilização do faturamento do ano de 2014 para fixação de indenização em 2016, não havendo abusividade no aspecto.
Invocou, ainda, omissão quanto à atualização monetária da indenização por dano coletivo, não havendo impertinência no caso, considerando se tratar de indenização por dano moral.
Diante do cotejo dos embargos declaratórios com a sentença prolatada, não verifico o interesse meramente protelatório da recorrente quando da oposição dos embargos declaratórios. É razoável admitir que a parte tenha pretendido aclarar a decisão com relação aos pontos citados, tanto é que ficou esclarecido no julgamento dos embargos que " É incontroverso que não havia câmaras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial. A matéria não integrou, portanto, o rol de assuntos a serem abordados e ou elucidados pelo Juízo" .
Destaca-se que sublinhamos na transcrição acima os trechos do acórdão do Tribunal Regional que foram indicados no recurso de revista para fins de preenchimento dos requisitos do art. 896, § 1º, da CLT.
Os trechos indicados tratam efetivamente da tese jurídica defendida pelo Tribunal Regional e possuem relação com o contraponto trazido no recurso, razão por que tenho por atendidos os requisitos do dispositivo do §1º-A do art. 896 da CLT.
Em seu recurso de revista, a parte sustenta que o monitoramento ambiental, com o conhecimento do trabalhador – fato incontroverso – e sem que haja qualquer abuso pela existência de câmeras em locais impróprios, faz parte integrante do poder de comando do empregador, em sua faceta poder fiscalizatório (art. 2º da CLT).
Afirma que a recorrente presta serviços de teleatendimento e, assim, lida com dados pessoais e sigilosos de milhões de pessoas, clientes das suas empresas contratantes: bancos, empresas de telefonia, operadoras de TV a cabo, operadoras de cartões de crédito, operadoras de planos de saúde, etc. Entende, assim, que o eventual mau uso desses dados – nome completo, CPF, contas bancárias, etc – pode acarretar graves danos aos consumidores, em seus direitos fundamentais de sigilo e proteção patrimonial, igualmente garantidos na Constituição (art. 5º, XII e XXII).
Acrescenta ser razoável que utilize meios apropriados e lícitos para evitar danos, na medida em que, nos termos do art. 94, § 1º, da Lei 9.472/97, a concessionária de telecomunicações (i) pode delegar as suas atividades à recorrente e (ii) permanece responsável perante a ANATEL e usuários acerca das atividades .
Afirma que há desproporção entre as obrigações e responsabilidade objetiva da recorrente e a restrição de fiscalização imposta na decisão ora recorrida, o que sobrepõe, para o caso concreto, a proteção patrimonial dos empregados, clientes e da própria empresa ao suposto e hipotético dano à "intimidade, privacidade e imagem do trabalhador".
Ao final, destaca que a decisão recorrida acaba por afrontar o art. 5º, X, da CF, já que não há no caso concreto violação à intimidade, privacidade ou imagem.
Colige arestos.
Vejamos .
Trata-se de Ação Civil Pública em que o Ministério Público do Trabalho denuncia irregularidades praticadas pela reclamada, relativas à vigilância constante de seus empregados por meio de câmeras instaladas em suas dependências, com exceção dos banheiros.
Constata-se do acórdão do Tribunal Regional o seguinte: resta incontroverso, na hipótese vertente, que a demandada mantém câmeras de monitoramento nos locais em que seus empregados executam suas tarefas laborais; é incontroverso que não havia câmaras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial.
Em primeira instância, a reclamada foi condenada a desativar e retirar as câmeras de filmagem instaladas no interior de suas dependências onde houvesse execução de atividades por empregados e onde não existisse a possibilidade de acesso por terceiros invasores, sob pena de multa diária.
O Tribunal Regional manteve a condenação sob o fundamento de que "O monitoramento permanente das atividades dos empregados gera indiscutível desconforto a estes, incita a desconfiança mútua, bem como desrespeita o critério da confiança recíproca que deve informar as relações contratuais entre empregados e empregadores, disso resultando grave ofensa à dignidade dos trabalhadores, inclusive porque parte do princípio de que o empregado pode ser desonesto".
Inicialmente, convém realçar que, conforme parágrafo único do art. 497 do CPC, "Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo".
A propósito, trago a seguinte lição de Fredie Didier Jr.:
A tutela inibitória não depende da alegação ou da prova do dano; para que seja deferida, basta que haja ameaça de lesão. Do mesmo modo, independe da demonstração de culpa ou dolo. A culpa/dolo somente é importante para imputação de responsabilidade, no casos em que a lei não dispensa o elemento volitivo.
O art. 497, parágrafo único, do CPC delimita a cognição judicial nas ações em que se pede tutela inibitória, afastando a discussão sobre o dano ou sobre culpa ou dolo. Isso significa que o autor da demanda "não precisa alegar dano e, mais do que isso, que o juiz está proibido de perguntar sobre dano em qualquer das ações" – o mesmo vale para a culpa ou dolo. (Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira – 8ª ed. rev., amp. e atual. – Ed. JusPodvum, 2018, p. 582-583)
Pois bem.
A legislação autoriza a adoção, pelos empregadores, de medidas de controle e fiscalização da prestação de serviços (art. 2º da CLT), de forma a legitimar certa limitação da esfera de intimidade dos trabalhadores perante seu empregador. Nada obstante, não há como autorizar a adoção de medidas fiscalizatórias que ofendam direitos de personalidade do trabalhador.
Vale dizer, embora o empregador tenha a liberdade de dirigir a prestação de serviços e de adotar medidas de segurança para proteger o patrimônio empresarial (arts. 1º, IV, 5º, XXII, e 170, CF), não se pode admitir que suas ações exponham, de forma desproporcional, a intimidade de seus empregados (arts. 1º, III e IV, e 5º, X, CF).
Nessa medida, a legislação civil prevê a possibilidade de exigir-se que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, inclusive com a possibilidade de se reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (art. 12 do Código Civil).
Embora não exista previsão legal específica a respeito da possibilidade de vigilância do trabalhador por meio de câmeras de vigilância, seja no sentido de autorizar sua adoção, seja no sentido de proibir sua prática, são ilícitas as condutas que venham a ofender a intimidade dos trabalhadores .
A negligência frente à preservação da intimidade do empregado caracteriza a violação dos direitos de personalidade, à honra, à imagem, à própria dignidade da pessoa humana, constitucionalmente consagrada.
A propósito do tema, destaco as seguintes lições do doutrinador e ministro Mauricio Godinho Delgado:
Existem ordens jurídicas mais avançadas do que a brasileira que estabelecem firma contingenciamento ao exercício de tais atividades de fiscalização e controle internas à empresa, em benefício da proteção à liberdade e dignidade básicas da pessoa do trabalhador. (...)
A ordem jurídica brasileira não tem, ainda, preceitos tão claros na direção acima enunciada. Contudo, tem regras e princípios gerais capazes de orientar o operador jurídico em face de certas situações concretas. Nesse quadro, é inquestionável que a Carta Constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam à liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. Tais condutas chocam-se, frontalmente, com o universo normativo e de princípios abraçado pela Constituição vigorante. É que a Constituição pretendeu instituir um "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais , a liberdade , a segurança , o bem-estar , o desenvolvimento , a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos , fundada na harmonia social ..." (Preâmbulo da CF/88; grifos acrescidos). A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88), que tem por algum de seus objetivos fundamentais "construir uma sociedade justa e solidária", além de "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, I e IV, CF/88).
Ao lado de todos esses princípios (que, na verdade, atuam como princípios normativos ), existem, na Constituição, regras impositivas enfáticas, que afastam a viabilidade jurídica de condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam a liberdade e dignidade básicas da pessoa natural do trabalhador. Ilustrativamente, a regra geral da igualdade de todos perante a lei e da "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade (art. 5º, caput , CF/88). Também a regra geral de que "ninguém será submetido... a tratamento desumano ou degradante" (art. 5º, III, CF/88). Ainda a regra geral que declara "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, X, CF/88). Por fim as regras gerais clássicas no sentido de que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" e de que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (arts. LIII e LIV, CF/88).
Todas essas regras e princípios gerais, portanto, criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que venham agredir ou cercear a liberdade e dignidade da pessoa que trabalha empregaticiamente no país. (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 18ª edição, 2019, pgs. 795-796)
Ainda, trago as lições de Alice Monteiro de Barros:
A legislação brasileira não proíbe que o poder de direção conferido ao empregador se verifique por meio de aparelhos audiovisuais de controle de prestação de serviços. O fato é uma decorrência do avanço da tecnologia e poderá consistir em um instrumento probatório valioso na análise da conduta do empregado. Inadmissível é entender que o conjunto de locais do estabelecimento esteja sob total controle do empregador a autorizar a introdução de aparelhos audiovisuais indistintamente. Ora, há certos locais privados por natureza ou destinados ao descanso do empregado, logo, não se pode permitir a instalação de um sistema de vídeo, segundo doutrinadores, em uma cantina, ou em banheiros... (BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 2009, 2ª ed., pg. 84)
Nessa medida, esta Corte Superior tem reiteradamente reconhecido a ilicitude da conduta patronal de instalar câmeras de vigilância em locais da empresa em que exista a possibilidade de haver exposição de partes íntimas do trabalhador, ou em locais que sirvam de descanso e alimentação dos trabalhadores, hipóteses em que há evidente desrespeito à intimidade dos empregados.
A propósito do tema, destaco as seguintes decisões proferidas por Turmas desta Corte:
"RECURSO DE REVISTA. LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CÂMERA DE VIGILÂNCIA. VESTIÁRIO DE EMPREGADOS. Conquanto ao empregador seja permitido tomar as medidas de segurança necessária e que estão ao seu alcance para proteger o patrimônio empresarial, não se pode admitir que exponha a intimidade de seus empregados, em flagrante excesso de seu poder de vigilância. Ao instalar câmeras de filmagem no local destinado à troca de vestuário dos seus empregados, a empresa reclamada inequivocamente incorreu em abuso de direito do seu poder diretivo, violando os direitos à privacidade e à intimidade dos trabalhadores, assim como o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Recurso de revista conhecido e provido." (ARR-11286-09.2015.5.01.0062, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 06/09/2019).
"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014, INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST E DA LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSTALAÇÃO DE CÂMERA DE VIGILÂNCIA NO VESTIÁRIO. A dignidade da pessoa humana, fundamento da República (art. 1º, III, da CF/88) e regra matriz do direito à indenização por danos morais (art. 5º, X, da CF/88), impõe-se contra a conduta abusiva do empregador no exercício do poder de direção a que se refere o art. 2º da CLT, o qual abrange os poderes de organização, disciplinar e de fiscalização. Embora o empregador possa adotar medidas de segurança não se admite a conduta que exponha a privacidade e/ou a intimidade dos empregados. Em regra, é vedada a instalação de câmeras de vigilância em vestiários, por se tratar de espaço que, conforme as peculiaridades de cada caso examinado, está protegido em sentido amplo pelo direito à privacidade (se nele os trabalhadores guardam e/ou utilizam pertences, produtos ou medicamentos pessoais) e/ou está protegido em sentido específico pelo direito à intimidade (se nele os trabalhadores trocam de roupa ou transitam em roupas íntimas). No caso concreto, a vedação de câmera de vigilância em vestiário não se destina a proteger somente a intimidade da trabalhadora (se havia ou na vigilância dentro de banheiro), mas, em sentido amplo, a privacidade (havia vigilância no local único em que se tinha acesso a vestiário e banheiros). Por outro lado, o fato de a vigilância se destinar a coibir furtos nos pertences dos próprios empregados não afasta a conduta abusiva da empresa, podendo em princípio ser levando em conta somente para o fim de fixação do montante da indenização. Provido o recurso de revista para determinar o pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10 mil. Recurso de revista a que se dá provimento" (RR-1074-28.2016.5.05.0014, 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 23/11/2018).
"RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSTALAÇÃO DE CÂMERA DE VÍDEO EM BANHEIRO. A instalação de câmeras de vigilância em banheiros e vestiários de empregados configura invasão de privacidade e intimidade a ensejar o pagamento de reparação por danos morais. In casu, muito embora não tenha sido comprovado que a instalação das câmeras foi determinada pela empregadora, não há como eximi-la de sua responsabilidade, na medida em que é responsável pelo seu ambiente de trabalho, devendo zelar pela intimidade e privacidade de seus trabalhadores e pela inocorrência de ilícitos dentro de suas dependências. Nesse contexto, não há como afastar a responsabilidade civil da reclamada. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1793-64.2016.5.12.0030, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 25/10/2019).
No caso presente, entendo que o monitoramento dos empregados no ambiente de trabalho por meio de câmera, sem qualquer notícia no acórdão do Tribunal Regional a respeito de excessos pelo empregador, tais como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação de câmeras em recintos que fossem destinados ao repouso dos funcionários ou que pudessem expor partes íntimas dos empregados, como banheiros ou vestiários, não configura ato ilícito, inserindo-se dentro do poder fiscalizatório do empregador.
Conforme pontua Alice Monteiro de Barros:
A instalação de câmera de vídeo ou de filmagem constitui, entretanto, uma medida ajustada ao "princípio da proporcionalidade" considerando que a instalação em local onde o empregado executa suas atividades é medida justificada, equilibrada e imprescindível. Esse princípio não é o único limite que existe nas instalações de câmeras de vídeo. O poder de fiscalização do empregador é limitado ao uso dos banheiros como proteção à intimidade do empregado. (BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 2009, 2ª ed., pgs. 85-86)
Também registra Mauricio Godinho Delgado:
Câmeras televisivas de segurança em banheiros: a afronta aos princípios e regras constitucionais de tutela à privacidade e à intimidade das pessoas que trabalham no respectivo estabelecimento empresarial é manifesta em tal situação aventada (banheiros, vestiário e similares), ensejando a indenização pertinente (art. 5º, VB e X, CF/88). A jurisprudência, de maneira geral, também considera abusiva a inserção dessas câmaras televisivas em refeitórios. Entretanto, tem-se considerado lícita a instalação de tais cãmaras de segurança em outros sítios do estabelecimento, tais como portarias, pátios, corredores, locais de trabalho e similares. Afinal, o princípio da tutal à segurança é genérico, favorecendo não só o empregado mas também o empregador (art. 5º, caput ; também preâmbulo da CF/88). (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 18ª edição, 2019, pgs. 769-770)
Em tais circunstâncias, a exposição dos trabalhadores às câmeras permite ao empregador o melhor controle da atividade laboral sem afetar o núcleo essencial do direito de intimidade dos trabalhadores.
Registro haver precedentes desta Corte em que reconhecida à legalidade da instalação de câmeras em áreas comuns da empresa:
"DANO MORAL. CÂMERAS. CIRCUITO INTERNO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. A egrégia Corte Regional, com base no suporte fático produzido nos autos, consignou que foram instaladas câmeras em todo o ambiente de trabalho e que, apesar disso, não foram geradas ou divulgadas imagens da reclamante. Suporte fático inalterável pelo que dispõe a Súmula nº 126. Nesse contexto, a jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho inclina-se no sentido de que o exercício do poder fiscalizatório, realizado de modo impessoal, geral, sem contato físico ou exposição da intimidade, não submete o trabalhador a situação vexatória nem caracteriza humilhação, vez que decorre do poder diretivo do empregador, revelando-se lícita a prática desse ato. Na situação descrita, em que não houve a divulgação das imagens ou exposição da pessoa do empregado, ainda que a instalação das câmeras tenha se dado independente do conhecimento da reclamante, não se configurou qualquer prejuízo ou dano a direito da personalidade ensejador de dano moral, sendo certo que reconhecido pelo próprio Tribunal Regional que não houve prejuízo concreto à reclamante. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-169000-71.2009.5.02.0011, 5ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 06/05/2016).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO DO SINDICATO AUTOR . 1. DANO MORAL. MONITORAMENTO POR CÂMERAS. CONHECIMENTO PRÉVIO DOS EMPREGADOS. AUSÊNCIA DE EXCESSOS. NÃO PROVIMENTO. O egrégio Tribunal Regional consignou que o monitoramento do ambiente de trabalho por meio de câmeras era de conhecimento dos empregados e não tinha fim ilícito, não tendo sido demonstrado qualquer abuso na prática. Decisão em sentido contrário demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta fase processual pela Súmula nº 126. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (...) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. (...) 4. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. CÂMERA DE VIGILÂNCIA OCULTA. NÃO PROVIMENTO. O dano moral não é suscetível de prova, tratando-se de " damnum in re ipsa ", ou seja, o dano moral é consequência do próprio fato ofensivo. Assim, comprovado o evento lesivo à honra, à imagem ou à dignidade da pessoa humana, tem-se como consequência lógica a configuração de dano moral, exsurgindo a obrigação de pagar indenização, nos termos do artigo 5º, X, da Constituição Federal. Agravo de instrumento a que se nega provimento." (AIRR-30700-05.2007.5.15.0152, 5ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 19/12/2014).
"INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EMPRESA DE SEGURANÇA E VIGILÂNCIA. INSTALAÇÃO DE CÂMERAS NO LOCAL DE TRABALHO. PODER DIRETIVO E FISCALIZADOR DO EMPREGADOR. PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO. Trata-se de pedido de indenização por danos morais em razão da instalação de câmeras no local de trabalho. No caso, foram instaladas câmeras na guarita, onde trabalhava o reclamante (vigilante). Considerando que, no caso dos autos, não ficou comprovada a divulgação das imagens captadas pelas câmeras de segurança nem a exposição da pessoa física do empregado, não se vislumbra dano à sua imagem ou boa fama. Além disso, cabe salientar que havia banheiro e vestiário no local de trabalho do reclamante, não necessitando ele de trocar de roupa dentro da guarita, onde havia câmeras. Intactos os artigos 186 e 927 do Código Civil. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR-999-98.2012.5.06.0014, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 07/11/2014).
"RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL - AUSÊNCIA. CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NO AMBIENTE DE TRABALHO. A utilização de câmeras de filmagem no ambiente de trabalho, desde que não foquem locais onde haja risco de violação de privacidade dos empregados (refeitórios ou banheiros) ou um ou outro empregado em especial, não viola a intimidade, não constitui ilícito e, em consequência, não induz dano moral. Recurso de revista não conhecido" (RR-976-82.2010.5.11.0015, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 09/09/2011).
"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. DANOS MORAIS. INSTALAÇÃO DE CÂMERA. DEFESA DO PATRIMÔNIO DA EMPRESA. A implementação de sistemas de proteção ou vigilância do patrimônio da empresa, como no caso da instalação de câmeras, mesmo sem o conhecimento prévio dos empregados, não implica o pagamento de indenização por danos morais ao reclamante, pois não demonstrada a invasão de privacidade e da honra. Enfatize-se que as câmeras foram instaladas em áreas comuns da empresa e não em ambientes íntimos e tampouco consta que houve divulgação de imagens. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-91585-52.2003.5.12.0008, 3ª Turma, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, DEJT 07/10/2011).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – AÇÃO CAUTELAR. INSTALAÇÃO DE CÂMERAS FILMADORAS. INVASÃO DE PRIVACIDADE. art. 896, C, da CLT e Súmula 126 do TST . Nega-se provimento ao Agravo de Instrumento que não logra desconstituir os fundamentos do despacho que denegou seguimento ao Recurso de Revista. Agravo de Instrumento a que se nega provimento" (AIRR-67140-63.2007.5.15.0131, 8ª Turma, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 08/04/2011).
Ainda, destaco decisão proferida no âmbito da Seção Especializada em Dissídios Coletivos:
"CLAÚSULA 25 - VIGILÂNCIA INTERNA. ADAPTAÇÃO DA NORMA COLETIVA AOS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE (ART. 5º, X). INCIDÊNCIA, AINDA, DO COMANDO GENÉRICO CONTIDO NO ART. 5º, "CAPUT", E PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. A matéria tratada na cláusula relativa à vigilância interna não é afeta somente à negociação coletiva, podendo ser regulada por meio de sentença normativa, no exercício do poder normativo conferido à Justiça do Trabalho pela Constituição Federal, uma vez que visa a resguardar a dignidade da pessoa humana, bem como o direito constitucional da inviolabilidade da honra e intimidade. Isso porque o repeito à privacidade e à intimidade foi alçado a princípio constitucional (art. 5º, X), sendo dever de todos não violar a vida privada e os aspectos íntimos da vida das pessoas humanas. Clara expressão e particularização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a diretriz busca garantir higidez, bem-estar e não perturbação aos atos e omissões lícitos do cotidiano dos seres humanos. A instalação de câmeras televisivas em locais como banheiros e vestiários afronta os princípios e regras constitucionais de tutela à privacidade e à intimidade das pessoas que trabalham no respectivo estabelecimento empresarial. A jurisprudência, de maneira geral, também tem reputado abusiva a inserção dessas câmeras de vigilância em refeitórios. Entretanto, tem-se considerado lícita a instalação de tais aparelhos de segurança em outros sítios do estabelecimento, tais como portarias, pátios, corredores, locais de trabalho e similares. Afinal, o princípio da tutela à segurança é genérico, favorecendo não só o empregador, mas também o empregado (art. 5º, caput ; e também o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988). A cláusula, portanto, deve ser adaptada para se ajustar ao comando constitucional e à jurisprudência desta Corte, não se justificando a proibição de instalação dos equipamentos nas linhas de produção, sendo inviável, contudo, a presença de câmeras em locais em que prevalece a intimidade do trabalhador - banheiros, vestiários e refeitórios. Recurso ordinário parcialmente provido." (RO-8760-73.2011.5.02.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19/06/2015).
Nessa medida, não é possível exigir que a empregadora desative as câmeras de vigilância.
Configurada a ofensa ao art. 2º da CLT.
Conheço , pois, do recurso.
2.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA RESSARCITÓRIA. MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DOS EMPREGADOS POR MEIO DE CÂMERA. PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. PODER FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA.
Consta do acórdão do Tribunal Regional, no aspecto:
2. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. VALOR ARBITRADO
A reclamada insurge-se contra o pagamento de indenização por dano coletivo no valor de R$ 5.000.000,00. Argumenta que, ainda que mantida a decisão em relação às câmeras de monitoramento, não há dano moral coletivo a ser reparado. Menciona que o MPT não fez prova do dano; que não há notícia de que algum empregado tenha reclamado de agressão ao seu direito de intimidade; não havendo danos concretos, nem danos presumíveis. Refere que o dano moral jamais se presume do mero descumprimento de lei. Por outro lado, afirma que há jurisprudência trabalhista segura e consistente no sentido de que a existência de câmeras de filmagens não é ilegal, e sublinha que a legislação não estabelece regra específica. Nesse contaxto, defende que a condenação fere o art. 927 do Código Civil, que prevê o ato ilícito como um dos pressupostos para a reparação. Quanto ao valor arbitrado, afirma que é flagrantemente desproporcional e, por isso, ilegal e inconstitucional, destacndo os termos do art. 944 do CCB e do art. 5º, V, da CF. Quanto ao direito de imagem, assinala que a violação pressupõe a utilização indevida, o que não ocorre e quanto à pretensa violação à intimidade, aduz que é fato incontroverso que não há câmeras em locais íntimos. Refere que, se houvesse dano, seria mínimo. Ressalta que a capacidade econômica da empresa não pode ser utilizada como fundamento para o valor da indenização, devendo preponderar a extensão do dano, conforme art. 944 do CCB. Destaca que o faturamento da empresa não significa resultado relevante, tendo em vista os custos operacionais proporcionalmente altos. Diz que, ademais, a sentença utilizou dados de 2014, ignorando a situação atual da empresa e da própria economia nacional. Invoca desproporcionalidade na fixação do valor, ponderando que em outra Ação Civil Pública, relativa à conduta da empresa acerca do prazo para realização da assistência sindical quando das extinções do contrato de trabalho, o valor da indenização foi arbitrado em R$ 50.000,00. Caso mantida a condenação ao pagamento de indenização, requer a redução do valor para, no máximo, R$ 25.000,00.
A presente ação tem por escopo primeiro a regularização de uma situação que se noticia irregular. As pretensões deduzidas na petição inicial têm origem em procedimento que atinge direitos constitucionais de uma coletividade. Inclusive, no que diz respeito ao dano moral, além de atingir a pessoa individualmente, pode refletir na coletividade, compreendida como um grupo de pessoas que sofre um prejuízo de ordem extrapatrimonial em decorrência de um ato da mesma origem. Admite-se, pois, o dever de reparar pela violação de interesses coletivos.
O pedido encontra amparo, a princípio, no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, que dispõe sobre a responsabilidade daquele que viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. A responsabilidade civil será imputada, ainda, de acordo com o art. 927 do Código Civil, àquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem. Da interpretação das normas citadas, conclui-se que a obrigação de indenizar impõe a demonstração do nexo de causalidade entre o dano ao bem jurídico protegido e o comportamento do agente. O ilícito importa invasão da esfera jurídica alheia, sem o consentimento do titular ou autorização do ordenamento jurídico.
Na lição do Professor José Affonso Dallegrave "in" Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho, LTr, São Paulo, 2008, p. 172, o dano moral coletivo é aquele que decorre da ofensa do patrimônio imaterial de uma coletividade, ou seja, exsurge da ocorrência de um fato grave capaz de lesar o direito de personalidade de um grupo, classe ou comunidade de pessoas e, por conseguinte, de toda a sociedade em potencial.
Alexandre Agra Belmonte "in" Curso de Responsabilidade Trabalhista - Danos Morais e Patrimoniais nas Relações de Trabalho, LTr, São Paulo, 2008, p. 95, conceitua os interesses ou direitos coletivos assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classes de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
O direito encontra previsão, especificamente, na Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e outros bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VII, prevê o direito do cidadão de acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos.
Resta incontroverso, na hipótese vertente, que a demandada mantém câmeras de monitoramento nos locais em que seus empregados executam suas tarefas laborais. É flagrante a violação do art. 5º, X, da CF, que assegura que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", e do princípio da dignidade humana, preconizado na Constituição Federal, no Título I - Dos Princípios Fundamentais.
Delineada a situação, resta caracterizado o dano moral coletivo segundo os conceitos antes referidos. Efetivamente, a reclamada causou lesão à esfera moral de uma determinada comunidade, sendo nítida a prática de ato ilícito de sua parte, traduzindo dano principalmente à dignidade dos trabalhadores envolvidos, ensejando a reparação civil deduzida pelo Ministério Público.
Mantenho a quantia de R$ 5.000.000,00 deferida a título de indenização pelo dano moral coletivo, considerando a magnitude da empresa, conforme destacado na sentença, notadamente pelo fato de o ressarcimento em questão referir-se à empresa em âmbito nacional.
Recurso não provido.
Destaca-se que sublinhamos na transcrição acima os trechos do acórdão do Tribunal Regional que foram indicados no recurso de revista para fins de preenchimento dos requisitos do art. 896, § 1º, da CLT.
Os trechos indicados tratam efetivamente da tese jurídica defendida pelo Tribunal Regional e possuem relação com o contraponto trazido no recurso, razão por que tenho por atendidos os requisitos do dispositivo do §1º-A do art. 896 da CLT.
Em seu recurso de revista, a reclamada alega que, além de faltar o ato ilícito, falta também à demonstração do dano efetivo à coletividade, condição sine qua non do dever de reparação, o que revela afronta literal ao art. 927 do Código Civil Brasileiro e 5º, X, da Constituição Federal, autorizando o cabimento do recurso de revista nos termos do art. 896, "c", da CLT. Traz jurisprudência para demonstrar que o mero reconhecimento de ilegalidade é insuficiente para a caracterização do dano, sendo necessário que haja prova de constrangimento ou repulsa social.
Assim, quer porque não há dano em concreto, quer porque não se pode presumir o dano moral coletivo pelo mero descumprimento legal, deve ser conhecido e provido o recurso de revista, para que reste a recorrente absolvida da condenação ao pagamento de indenização.
Vejamos.
Trata-se de Ação Civil Pública em que o Ministério Público do Trabalho denuncia irregularidades praticadas pela reclamada, relativas à vigilância constante de seus empregados por meio de câmeras instaladas em suas dependências, com exceção dos banheiros.
Constata-se do acórdão do Tribunal Regional o seguinte: resta incontroverso, na hipótese vertente, que a demandada mantém câmeras de monitoramento nos locais em que seus empregados executam suas tarefas laborais; é incontroverso que não havia câmaras em vestiários e banheiros, conforme, inclusive, deixou claro a inicial.
Em primeira instância, a reclamada foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos fixada em cinco milhões de reais.
O Tribunal Regional manteve a condenação sob o fundamento de que "a reclamada causou lesão à esfera moral de uma determinada comunidade, sendo nítida a prática de ato ilícito de sua parte, traduzindo dano principalmente à dignidade dos trabalhadores envolvidos, ensejando a reparação civil deduzida pelo Ministério Público".
Contudo, o monitoramento dos empregados no ambiente de trabalho por meio de câmera, sem qualquer notícia no acórdão do Tribunal Regional a respeito de excessos pelo empregador, tais como a utilização de câmeras espiãs ou a instalação de câmeras em recintos que fossem destinados ao repouso dos funcionários ou que pudessem expor partes íntimas dos empregados, como banheiros ou vestiários, não configura ato ilícito, inserindo-se dentro do poder fiscalizatório do empregador.
Ainda, o procedimento não ocasiona significativo constrangimento aos funcionários, nem revela tratamento abusivo do empregador quanto aos seus funcionários, já que o monitoramento por câmera, a rigor, é feito indistintamente. Portanto, não afeta sobremaneira valores e interesses coletivos fundamentais de ordem moral.
Destaque-se que o caso dos autos difere-se de casos reiteradamente analisados por esta Corte em que se reconhece a ofensa à dignidade dos empregados diante da instalação de câmeras em vestiários e banheiros pela possível exposição de partes do corpo dos empregados.
No caso presente, como visto , não é possível impor indenização por dano moral coletivo, pois ausente o ato ilícito e o dano.
Configurada a ofensa ao art. 5º, X, da CF.
Conheço do recurso de revista.
II – MÉRITO
TUTELA INIBITÓRIA
A consequência lógica do conhecimento do recurso, por violação do artigo 2º da CLT, é o provimento da revista para excluir a condenação de desativação e retirada de câmeras de filmagem ou vigilância instaladas no interior de suas dependências, ficando afastada a multa fixada .
Recurso de revista provido.
TUTELA RESSARCITÓRIA
A consequência lógica do conhecimento do recurso, por violação do artigo 5º, X, da CF, é o provimento da revista para excluir a condenação de pagamento de indenização por dano moral coletivo.
Recurso de revista provido.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – conhecer e dar provimento ao agravo de instrumento para processar o recurso de revista quanto ao dano moral coletivo; II – conhecer do recurso de revista quanto à tutela inibitória, por ofensa ao art. 2º, da CLT, e quanto ao dano moral coletivo, por ofensa ao art. 5º, X, da CF, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir a condenação de desativação e retirada de câmeras de filmagem ou vigilância instaladas no interior de suas dependências, ficando afastada a multa fixada, e para excluir a condenação de pagamento de indenização por dano moral coletivo, o que leva à total improcedência dos pedidos. Invertidos os ônus de sucumbência, custas pelo autor, no valor de R$ 600.000,00, calculadas sobre o valor da causa de R$ 30.000.000,00, da qual fica o autor dispensado, na forma da lei.
Brasília, 26 de agosto de 2020.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
HUGO CARLOS SCHEUERMANN
Ministro Relator