A C Ó R D Ã O
3ª TURMA
RMW/kvm
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ESTABILIDADE NORMATIVA. RENÚNCIA EXPRESSA COM ASSISTÊNCIA DO SINDICATO. ESTABILIDADE PREVISTA EM LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA . Não se detecta ofensa literal ao art. 468 da CLT, porquanto o dispositivo, ao tratar de alteração das cláusulas do contrato de trabalho, não versa especificamente sobre a matéria dos autos. Por outro lado, não empolga o trânsito da revista a alegação de afronta a dispositivo de norma municipal, estando a decisão regional, no aspecto, em conformidade com a OJ 247/SDI-I do TST. Divergência jurisprudencial válida e específica não configurada.
Agravo de instrumento conhecido e não-provido .
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. Aparente violação do art. 37, II, § 2º, da Carta Magna, a ensejar o provimento do agravo de instrumento.
Agravo de instrumento conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS . O artigo 37, II e § 2º, da Constituição Federal, ao disciplinar o ingresso em cargo ou emprego público, não autoriza a investidura decorrente de reenquadramento. “O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988” (OJ 125/SDI-I do TST).
Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de revista nº TST-RR-68142/2002-900-01-00.2 , em que são recorrentes COMPANHIA MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA - COMLURB e HÉLIO DA SILVA e são recorridos OS MESMOS .
Interpõem, as partes, agravo de instrumento contra o despacho da fl. 272, exarado pela Presidência do Tribunal Regional da 1ª Região, denegatório dos recursos de revista por elas interpostos, forte na Súmula 221/TST e no art. 896, “a” e “b”, da CLT.
Nas minutas (fls. 276-80 e fls. 282-5), as partes repisam as alegações trazidas nas revistas, insistindo preenchidos os requisitos do art. 896 da CLT.
Com contraminuta e contrarrazões (fls. 290-4 e 294-6), vêm os autos para julgamento.
Feito não submetido ao Ministério Público do Trabalho (art. 83 do RITST).
Autos redistribuídos (fl. 302).
É o relatório.
V O T O
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE
O agravo é tempestivo (fls. 272v e 282), tem representação processual regular (fls. 09 e 274) e foi processado nos próprios autos. Dele conheço.
No mérito , nada colhe.
O seguimento do recurso de revista foi denegado pelo juízo primeiro de admissibilidade recursal aos seguintes fundamentos:
“O acórdão regional simplesmente interpretou as normas legais aplicáveis ao presente processo, não violando preceito de lei na sua literalidade.
Quanto à matéria discutida pelo reclamante (estabilidade normativa e prevista em Lei Orgânica Municipal), temos que o alcance da interpretação dada está jungido à comprovação de que tais normas tenham observância obrigatória, em área territorial que extravase a jurisdição deste regional.
Como não é mostrada qualquer divergência jurisprudencial válida e específica sobre o tema em discussão, denego seguimento aos 2 (dois) recursos de revista, com base no Enunciado 221 do Colendo TST e art. 896, alíneas “a” e “b” da CLT.”
O Colegiado Regional, por meio do acórdão das fls. 229-37, complementado às fls. 250-1, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante e deu parcial provimento ao recurso interposto pela reclamada, “a fim de se admitir a dedução dos valores comprovadamente recolhidos” , consignando, quanto à estabilidade:
“DA ALEGADA ESTABILIDADE
No que diz respeito à estabilidade fundamentada na Lei nº 1.202/88, assiste razão à ora recorrida, de sorte que o reclamante inova a lide, desmerecendo apreciação.
Quanto ao artigo 38 da Lei Orgânica do Município, temos que é inaplicável ao reclamante, já que alude ao servidor municipal, não se aplicando aos empregados da reclamada, que é pessoa jurídica de direito privado.
Por fim, no que concerne às normas coletivas, que protegiam os empregados da reclamada da dispensa, restou evidenciado nos autos por meio do documento de fls. 103, que o autor renunciou à estabilidade prevista naqueles instrumentos, com a devida assistência sindical.
Nego provimento.”
Opostos embargos de declaração, foram acolhidos para sanar erro material no dispositivo (fls. 250-1).
Nas razões do recurso de revista (fls. 254-9), o reclamante alega que, “quando da ruptura do pacto laboral, encontrava-se o autor amparado pela estabilidade, sendo esta disposta na Cláusula 23ª do Acordo Coletivo de 1993, a qual estipula dita vantagem aos empregados que completassem 10 (dez) anos de serviço até março/93, tendo o autor mais de 12 anos de serviço quando de sua demissão” (fl. 255). Sustenta que o art. 38 do ADCT da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro confere “estabilidade aos servidores admitidos na administração pública indireta, que não tenham sido investidos em cargo ou emprego público com prévia aprovação em concurso público, em exercício na data da promulgação da Constituição Federal, há pelo menos 5 (cinco) anos continuados, o que é exatamente a hipótese em tela” (fl. 257). Aponta violação dos arts. 468 da CLT, 38 do ADCT e 175, II, da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro. Colaciona arestos.
Na minuta do agravo de instrumento (fls. 282-5), o autor repisa as alegações trazidas na revista, insistindo preenchidos os requisitos do art. 896 da CLT.
Nada colhe.
De início, saliento que não se presta a elevar a revista ao conhecimento a alegação de ofensa a dispositivo de norma municipal, nos termos da alínea “c” do art. 896 da CLT.
Por outro lado, não verifico ofensa literal ao art. 468 da CLT, porquanto o dispositivo não versa especificamente sobre a matéria dos autos. Com efeito, ao tratar de alteração das cláusulas do contrato de trabalho, o dispositivo nada estabelece a respeito da forma de renúncia à estabilidade.
Por fim, não se configura divergência jurisprudencial válida e específica. Com efeito, o aresto das fls. 255-6 não abrange a premissa fática da renúncia com assistência do sindicato e o acórdão das fls. 257-8, ao enunciar que “a dispensa do servidor público, qualquer que seja seu regime jurídico, deve ser motivada” , mostra-se superado pelo entendimento pacificado nesta Corte, consubstanciado na OJ 247 da SDI-I, segundo a qual, “a despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade” . Já o paradigma da fl. 258 não menciona a fonte oficial de publicação, conforme orienta a Súmula 337/TST.
Nego provimento ao agravo de instrumento do reclamante.
B) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA
O agravo é tempestivo (fls. 272v e 276), tem representação processual regular (fl. 240) e foi processado nos próprios autos. Dele conheço.
No mérito , impõe-se o seu provimento para oportunizar, com o processamento da revista, melhor exame da matéria.
O seguimento do recurso de revista foi denegado pelo juízo primeiro de admissibilidade recursal aos seguintes fundamentos:
“O acórdão regional simplesmente interpretou as normas legais aplicáveis ao presente processo, não violando preceito de lei na sua literalidade.
Quanto à matéria discutida pelo reclamante (estabilidade normativa e prevista em Lei Orgânica Municipal), temos que o alcance da interpretação dada está jungido à comprovação de que tais normas tenham observância obrigatória, em área territorial que extravase a jurisdição deste regional.
Como não é mostrada qualquer divergência jurisprudencial válida e específica sobre o tema em discussão, denego seguimento aos 2 (dois) recursos de revista, com base no Enunciado 221 do Colendo TST e art. 896, alíneas “a” e “b” da CLT.”
O Colegiado Regional, por meio do acórdão das fls. 229-37, complementado às fls. 250-1, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante e deu parcial provimento ao recurso interposto pela reclamada, “a fim de se admitir a dedução dos valores comprovadamente recolhidos” , consignando, quanto ao reenquadramento:
“DO DESVIO FUNCIONAL
O reclamante fora admitido na reclamada para ocupar o cargo de gari em 16/06/82. Alegou o mesmo em sua exordial que fora desviado de sua função desde abril de 1984, e juntou aos autos os documentos de fls. 10.
Os documentos de fls. 158 juntados pela reclamada constituem parte do processo administrativo pelo qual a empresa, por meio de uma comissão de desvio de função, e reconhecendo o desvio funcional do autor desde abril de 1984, providenciou o seu REENQUADRAMENTO, dentre outros em semelhante situação funcional, para o cargo de auxiliar administrativo.
A empresa recorrente alega que tal ato eiva de nulidade, uma vez que ocorrido após o advento da CFRB de 1988, inobservando o que dispõe o art. 37, II, da Carta Magna.
De fato, trata-se de ascensão vertical, ou seja, em poucas palavras, aquela que ocorre de um cargo para outro de grau superior, e não horizontal, que seria a manutenção do cargo com mudanças apenas quanto aos níveis salariais.
Considerando o princípio de que a lei rege o ato, não assiste razão à empresa quanto a esse aspecto, isso porque o ato administrativo de reenquadramento, mesmo sucedendo após a vigência da Constituição Federal de 1988, trata-se na verdade de correção de enquadramento anterior, não havendo que se falar em afronta ao que determina o supramencionado dispositivo costitucional.
Busca o reclamante o reconhecimento judicial do desvio de função tal como mesmo admitiu a empresa de acordo com os documentos sobreditos, pleiteando o “enquadramento ou o reequadramento” na citada função desde 1984, com o consequente deferimento de diferenças salariais, levando-se em conta, inclusive, a faixa salarial correspondente ao início do desvio (04/84). Ataca, sem dúvidas, a parte do ato que o reenquadrou apenas a partir de 10/90 (data do deferimento), alegando que deveria na verdade ter retroagido até 04/84.
Note-se que havia à época plano de cargos e salários, porque noticiados na preambular (fls. 07) e não impugnado na contestação, que se limitou a alegar a ausência de desvio funcional.
Primeiramente, no que diz respeito à declaração de que o autor estava desviado do cargo desde 04/84, esta não sofre os efeitos da prescrição, sendo importante ressaltar que a empresa não nega o fato do desvio funcional, inobstante a ausência de revestimento das formalidades para o reenquadramento procedido.
Buscando o autor diferenças salariais, estas são de fato devidas, não necessariamente em virtude da providência empresarial, mas do reconhecimento judicial do desvio de função, ocorrido, repita-se, antes do advento da CF/88. Quanto ao nível salarial, igualmente a razão está com a parte autora, porque, muito embora o pagamento de diferenças salariais tenha limite na prescrição quinquenal fixada pelo Juízo a quo, o desvio funcional ocorreu em abril de 1984, sendo certo que deveria o autor desde aquela época ter percebido a remuneração correspondente. Merece ser mantida a condenação integralmente neste particular.
Nego provimento.” (fls. 234-5)
Opostos embargos de declaração, foram acolhidos apenas para sanar erro material no dispositivo (fls. 250-1).
Nas razões do recurso de revista (fls. 261-9), a reclamada sustenta ser “injurídico o reconhecimento do direito ao reenquadramento (ascensão vertical) em hipótese como a presente, ante a norma proibitiva de admissão infringente ao princípio concursivo, o qual ... impede que o empregado concursado ocupe cargo diverso daquele para o qual for admitido” (fl. 265). Aponta violação dos arts. 37, caput , II, § 2º, 173, § 1º, da Carta Magna, 145 e 146 do Código Civil. Colaciona arestos.
Na minuta do agravo de instrumento (fls. 276-80), o autor repisa as alegações trazidas na revista, insistindo preenchidos os requisitos do art. 896 da CLT.
Assiste-lhe razão.
Com efeito, as autarquias, empresa públicas e sociedades de economia mista estão sujeitas à regra do art. 37 da Constituição Federal, no que concerne à forma de investidura nos cargos e empregos públicos, sendo vedadas as formas de provimento derivado, seja por promoção, ascensão, acesso, reenquadramento ou outros.
Corroborando a assertiva, trago à colação o reiterado entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema:
“DESVIO DE FUNÇÃO. ENQUADRAMENTO. O fato de ocorrer o desvio de função não autoriza o enquadramento do servidor público em cargo diverso daquele em que foi inicialmente investido, mormente quando não estão compreendidos em uma mesma carreira. O deferimento do pedido formulado, passando o servidor de Motorista Diarista Detetive de Terceira Classe sem o concurso público, vulnera o inciso 11 do artigo 37 d Constituição Federal de 1988.” (STF-RE 165.128/RJ, 2ª Turma, Min. Marco Aurélio, DJU 15.3.1996)
Nesse contexto, conclui-se que o concurso público é requisito essencial para investidura em cargo público, sendo defesa a ascensão, aproveitamento, acesso ou enquadramento que importe em deslocamento do empregado do cargo inicial para outro cargo, função ou emprego público diferente daquele no qual foi investido mediante aprovação em certame público.
No caso, ante o desvio de função pelo exercício de atribuições de cargo diverso daquele para o qual foi aprovado em concurso público, o reclamante faz jus apenas às diferenças salariais em decorrência desse desvio, mas não ao reenquadramento, por ser juridicamente inviável devolver a força de trabalho despendida pelo empregado.
Nesse sentido firmou-se a Orientação Jurisprudencial 125/SDI-I do TST, verbis :
“DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA. O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/88.”
Cito, ainda, os seguintes precedentes desta Corte:
“RECURSO DE REVISTA. DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. O artigo 37, II e § 2º, da Constituição Federal, ao disciplinar o ingresso em cargo ou emprego público, não autoriza a investidura decorrente de reenquadramento. O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas (OJ 125-SDI-I/TST). Revista conhecida e provida.” (TST-RR-265/2003-050-01-00, 3ª Turma, Rel. Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJ 12.9.2008)
“RECURSO DE EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR O REENQUADRAMENTO E MANTER APENAS DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DO DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. O artigo 37, II e § 2º, da Constituição Federal disciplina o ingresso dos servidores dos entes públicos, ainda que no âmbito de empresas públicas e sociedades de economia mista, a regramento próprio. Tal dispositivo não autoriza a investidura, mesmo derivada, em decorrência de reenquadramento. No caso da comprovação de desvio funcional, não cabe o reposicionamento do empregado no quadro da empresa, mas apenas as diferenças salariais decorrentes do desvio, conforme deferido no v. acórdão embargado (Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1). Embargos não conhecidos.” (TST-E-RR-49414/2002-900-04-00, SDI-I, Rel. Min. Aloysio Correa da Veiga, DJ 09.3.2007)
“RECURSO DE EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR O REENQUADRAMENTO E MANTER APENAS DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DO DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. A decisão da C. Turma está de acordo com a jurisprudência desta C. Corte, no sentido de que os empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista não tem direito a novo reenquadramento oriundo de desvio funcional, mas a eles deve ser assegurado o pagamento das diferenças salariais respectivas enquanto perdurar o desvio (TST - Orientação Jurisprudencial n.º 125 da SBDI-1). Embargos não conhecidos.” (TST-E-ED-RR-708.559/2000.7, SDI-I, Rel. Min. Aloysio Correa da Veiga, DJ 17.02.2006)
“REENQUADRAMENTO SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - IMPOSSIBILIDADE - DESVIO DE FUNÇÃO - DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. O desvio de função, no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista, não autoriza o reenquadramento do empregado, sob pena de afronta ao artigo 37, II, da CF. Devidas as diferenças salariais respectivas (orientação jurisprudencial n.º 125 da SDI). Recurso de Revista provido.” (TST-RR-120/2003-461-04-00.9, 4ª Turma, Rel. Min. Milton de Moura França, DJ 03.3.2006)
Nesses termos, afasto o óbice oposto pelo despacho das fls. 291-2, por possível violação do art. 37, II, § 2º, da Carta Magna, na forma do art. 896, c , da CLT, e dou provimento ao agravo de instrumento da reclamada para, nos termos do art. 3º da Resolução Administrativa 928/2003, convertendo-o em recurso de revista, determinar a reautuação do processo e o regular processamento do recurso de revista, no efeito devolutivo.
Agravo de instrumento provido .
C) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA
I – CONHECIMENTO
1. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
O recurso é tempestivo (fls. 251v e 261), tem representação processual regular (fl. 240) e foi efetuado o preparo (fls. 207 e 270).
2. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS
O Colegiado Regional, por meio do acórdão das fls. 229-37, complementado às fls. 250-1, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante e deu parcial provimento ao recurso interposto pela reclamada, “a fim de se admitir a dedução dos valores comprovadamente recolhidos” , consignando, quanto ao reenquadramento:
“DO DESVIO FUNCIONAL
O reclamante fora admitido na reclamada para ocupar o cargo de gari em 16/06/82. Alegou o mesmo em sua exordial que fora desviado de sua função desde abril de 1984, e juntou aos autos os documentos de fls. 10.
Os documentos de fls. 158 juntados pela reclamada constituem parte do processo administrativo pelo qual a empresa, por meio de uma comissão de desvio de função, e reconhecendo o desvio funcional do autor desde abril de 1984, providenciou o seu REENQUADRAMENTO, dentre outros em semelhante situação funcional, para o cargo de auxiliar administrativo.
A empresa recorrente alega que tal ato eiva de nulidade, uma vez que ocorrido após o advento da CFRB de 1988, inobservando o que dispõe o art. 37, II, da Carta Magna.
De fato, trata-se de ascensão vertical, ou seja, em poucas palavras, aquela que ocorre de um cargo para outro de grau superior, e não horizontal, que seria a manutenção do cargo com mudanças apenas quanto aos níveis salariais.
Considerando o princípio de que a lei rege o ato, não assiste razão à empresa quanto a esse aspecto, isso porque o ato administrativo de reenquadramento, mesmo sucedendo após a vigência da Constituição Federal de 1988, trata-se na verdade de correção de enquadramento anterior, não havendo que se falar em afronta ao que determina o supramencionado dispositivo costitucional.
Busca o reclamante o reconhecimento judicial do desvio de função tal como mesmo admitiu a empresa de acordo com os documentos sobreditos, pleiteando o “enquadramento ou o reequadramento” na citada função desde 1984, com o consequente deferimento de diferenças salariais, levando-se em conta, inclusive, a faixa salarial correspondente ao início do desvio (04/84). Ataca, sem dúvidas, a parte do ato que o reenquadrou apenas a partir de 10/90 (data do deferimento), alegando que deveria na verdade ter retroagido até 04/84.
Note-se que havia à época plano de cargos e salários, porque noticiados na preambular (fls. 07) e não impugnado na contestação, que se limitou a alegar a ausência de desvio funcional.
Primeiramente, no que diz respeito à declaração de que o autor estava desviado do cargo desde 04/84, esta não sofre os efeitos da prescrição, sendo importante ressaltar que a empresa não nega o fato do desvio funcional, inobstante a ausência de revestimento das formalidades para o reenquadramento procedido.
Buscando o autor diferenças salariais, estas são de fato devidas, não necessariamente em virtude da providência empresarial, mas do reconhecimento judicial do desvio de função, ocorrido, repita-se, antes do advento da CF/88. Quanto ao nível salarial, igualmente a razão está com a parte autora, porque, muito embora o pagamento de diferenças salariais tenha limite na prescrição quinquenal fixada pelo Juízo a quo, o desvio funcional ocorreu em abril de 1984, sendo certo que deveria o autor desde aquela época ter percebido a remuneração correspondente. Merece ser mantida a condenação integralmente neste particular.
Nego provimento.” (fls. 234-5)
Opostos embargos de declaração, foram acolhidos apenas para sanar erro material no dispositivo (fls. 250-1).
Nas razões do recurso de revista (fls. 261-9), a reclamada sustenta ser “injurídico o reconhecimento do direito ao reenquadramento (ascensão vertical) em hipótese como a presente, ante a norma proibitiva de admissão infringente ao princípio concursivo, o qual ... impede que o empregado concursado ocupe cargo diverso daquele para o qual for admitido” (fl. 265). Aponta violação dos arts. 37, caput , II, § 2º, 173, § 1º, da Carta Magna, 145 e 146 do Código Civil. Colaciona arestos.
Na minuta do agravo de instrumento (fls. 276-80), o autor repisa as alegações trazidas na revista, insistindo preenchidos os requisitos do art. 896 da CLT.
Assiste-lhe parcial razão.
Com efeito, as autarquias, empresa públicas e sociedades de economia mista estão sujeitas à regra do art. 37 da Constituição Federal, no que concerne à forma de investidura nos cargos e empregos públicos, sendo vedadas as formas de provimento derivado, seja por promoção, ascensão, acesso, reenquadramento ou outros.
Corroborando a assertiva, trago à colação o reiterado entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema:
“DESVIO DE FUNÇÃO. ENQUADRAMENTO. O fato de ocorrer o desvio de função não autoriza o enquadramento do servidor público em cargo diverso daquele em que foi inicialmente investido, mormente quando não estão compreendidos em uma mesma carreira. O deferimento do pedido formulado, passando o servidor de Motorista Diarista Detetive de Terceira Classe sem o concurso público, vulnera o inciso 11 do artigo 37 d Constituição Federal de 1988.” (STF-RE 165.128/RJ, 2ª Turma, Min. Marco Aurélio, DJU 15.3.1996)
Nesse contexto, evidente a conclusão de que o concurso público é requisito essencial para investidura em cargo público, sendo defesa a ascensão, aproveitamento, acesso ou enquadramento que importe em deslocamento do empregado do cargo inicial para outro cargo, função ou emprego público diferente daquele no qual foi investido mediante aprovação em certame público.
No caso, ante o desvio de função pelo exercício de atribuições de cargo diverso daquele para o qual foi aprovado em concurso público, o reclamante faz jus apenas às diferenças salariais em decorrência desse desvio, mas não ao reenquadramento, por ser juridicamente inviável devolver a força de trabalho despendida pelo empregado.
Nesse sentido firmou-se a Orientação Jurisprudencial 125/SDI-I do TST, verbis :
“DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA. O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/88.”
Cito, ainda, os seguintes precedentes desta Corte:
“RECURSO DE REVISTA. DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. O artigo 37, II e § 2º, da Constituição Federal, ao disciplinar o ingresso em cargo ou emprego público, não autoriza a investidura decorrente de reenquadramento. O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas (OJ 125-SDI-I/TST). Revista conhecida e provida.” (TST-RR-265/2003-050-01-00, 3ª Turma, Rel. Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJ 12.9.2008)
“RECURSO DE EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR O REENQUADRAMENTO E MANTER APENAS DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DO DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. O artigo 37, II e § 2º, da Constituição Federal disciplina o ingresso dos servidores dos entes públicos, ainda que no âmbito de empresas públicas e sociedades de economia mista, a regramento próprio. Tal dispositivo não autoriza a investidura, mesmo derivada, em decorrência de reenquadramento. No caso da comprovação de desvio funcional, não cabe o reposicionamento do empregado no quadro da empresa, mas apenas as diferenças salariais decorrentes do desvio, conforme deferido no v. acórdão embargado (Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1). Embargos não conhecidos.” (TST-E-RR-49414/2002-900-04-00, SDI-I, Rel. Min. Aloysio Correa da Veiga, DJ 09.3.2007)
“RECURSO DE EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR O REENQUADRAMENTO E MANTER APENAS DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DO DESVIO DE FUNÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. A decisão da C. Turma está de acordo com a jurisprudência desta C. Corte, no sentido de que os empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista não tem direito a novo reenquadramento oriundo de desvio funcional, mas a eles deve ser assegurado o pagamento das diferenças salariais respectivas enquanto perdurar o desvio (TST - Orientação Jurisprudencial n.º 125 da SBDI-1). Embargos não conhecidos.” (TST-E-ED-RR-708.559/2000.7, SDI-I, Rel. Min. Aloysio Correa da Veiga, DJ 17.02.2006)
“REENQUADRAMENTO SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - IMPOSSIBILIDADE - DESVIO DE FUNÇÃO - DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. O desvio de função, no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista, não autoriza o reenquadramento do empregado, sob pena de afronta ao artigo 37, II, da CF. Devidas as diferenças salariais respectivas (orientação jurisprudencial n.º 125 da SDI). Recurso de Revista provido.” (TST-RR-120/2003-461-04-00.9, 4ª Turma, Rel. Min. Milton de Moura França, DJ 03.3.2006)
Conheço do recurso, por violação do art. 37, II, § 2º, da Carta Magna.
II – MÉRITO
Conhecido o recurso de revista, por violação do art. 37, II, § 2º, da Carta Magna, dou-lhe parcial provimento para, afastando o reenquadramento deferido, restringir a condenação ao pagamento das diferenças salariais decorrentes do desvio de função, enquanto perdurar, com seus reflexos, observada a prescrição quinquenal pronunciada na sentença.
Revista parcialmente provida .
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, (a) conhecer e negar provimento ao agravo de instrumento do reclamante; (b) conhecido e provido o agravo de instrumento da reclamada, conhecer o recurso de revista da reclamada, por violação do art. 37, II, § 2º, da Carta Magna, e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para, afastando o reenquadramento deferido, restringir a condenação ao pagamento das diferenças salariais decorrentes do desvio de função, enquanto perdurar, com seus reflexos, observada a prescrição quinquenal pronunciada na sentença.
Brasília, 10 de junho de 2009.
ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA
Ministra Relatora