A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/iao

REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. MÉDICO E ENGENHEIRO. JORNADA DE TRABALHO. LEIS NºS 3.999/1961 E 4.950-A/1966. MATÉRIA PACIFICADA NA SÚMULA Nº 370 DO TST. CONTEÚDO PERSUASIVO. RECORRIBILIDADE. NECESSIDADE DE QUALIFICAÇÃO DA MATÉRIA PARA O FIM DE VINCULAÇÃO DE TESE JURÍDICA. Cinge-se a controvérsia a definir se as Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966 fixam jornadas reduzidas para os fins de condenação das horas excedentes como extraordinárias. No caso dos autos, o acórdão regional deu provimento ao recurso ordinário da reclamada para excluir da condenação as horas extraordinárias referentes ao labor entre a 6ª e a 8ª horas, sob o fundamento de que a Lei nº 4950-A/1966 não prevê jornada reduzida. O recurso interposto trata acerca de matéria que já restou pacificada nesta Corte, cristalizada no verbete da Súmula nº 370. Ainda que retrate a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, ainda vem sendo objeto de recorribilidade. O Sistema Nacional de Precedentes Judiciais Obrigatórios tem por fim trazer coerência às decisões e, para tal fim, a uniformização da jurisprudência deve ocorrer, inclusive, naqueles casos em que a Súmula, por não ser vinculante, não tem surtido o desejável efeito de pacificação nacional e de redução da recorribilidade. De tal modo, diante da necessidade de trazer a integridade da jurisprudência em face do entendimento consagrado na Súmula em questão, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de reafirmar a respectiva tese: Tendo em vista que as Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extraordinárias, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias. Recurso de revista representativo da controvérsia não conhecido, por incidência da tese ora reafirmada.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR - 0000014-52.2024.5.20.0004 , em que é RECORRENTE CLAUDIO JUNIOR DOS SANTOS e é RECORRIDO SERGYENE INDUSTRIA E COMERCIO LTDA .

O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de ter sido pacificada nesta Corte a ponto de atingir os rígidos pressupostos para a aprovação de Súmula, sob o nº 370 , ainda vem sendo objeto de recorribilidade, colocando em risco a celeridade processual, segurança jurídica e a própria missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes, responsável pela unidade nacional do direito nas matérias de sua competência.

Em tal contexto, faz-se necessária a utilização da sistemática dos incidentes de recursos repetitivos (IRR), com o trâmite preconizado pelo art. 132-A do Regimento Interno para os casos de reafirmação da jurisprudência pacificada. De tal forma, com a celeridade necessária, eleva-se à eficácia vinculante o tradicional entendimento deste Tribunal Superior, com a finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, reduzindo-se a litigiosidade através de dinâmica que impede a interposição de recursos infundados.

Apresentada, portanto, a presente proposta de afetação do processo TST-RR - 0000014-52.2024.5.20.0004 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, em matéria que já restou pacificada nesta Corte e está cristalizada no verbete da Súmula nº 370 , de seguinte teor:

MÉDICO E ENGENHEIRO. JORNADA DE TRABALHO. LEIS NºS 3.999/1961 E 4.950-A/1966. Tendo em vista que as Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias.

No caso em exame, as razões de decidir da linha jurisprudencial subjacente à Súmula devem ser objeto de análise, para o fim de verificar se a tese ali firmada, de natureza jurídica persuasiva, deve ser reafirmada de forma vinculante no julgamento do presente caso, diante da renitência das partes que interpõem recurso contra decisão que foi objeto de pacificação na Corte Superior.

Necessário, portanto, solucionar a controvérsia objeto do recurso de revista da parte reclamante, do qual consta a matéria acima delimitada, MÉDICO E ENGENHEIRO. JORNADA DE TRABALHO. LEIS NºS 3.999/1961 E 4.950-A/1966. HORAS EXTRAS REFERENTES ÀS TRABALHADAS ENTRE A 6ª E A 8ª HORAS , além de: NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA E JULGAMENTO EXTRA PETITA, NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL e HORAS EXTRAS REFERENTES À JORNADA EXCEDENTES À 8ª HORA DIÁRIA .

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA – TEMA PACIFICADO POR SÚMULA DE NATUREZA PERSUASIVA.

A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. A despeito de reiterados recordes de produtividade, é essencial que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda, conforme demonstram as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho, que vem recebendo um volume maior de novos processos em comparação com os últimos anos. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”

Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.

Cabe destacar que as Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, bem como as Orientações Jurisprudenciais, historicamente se traduzem em importante função de uniformização da jurisprudência trabalhista.

Contudo, numa leitura atenta do objetivo do atual Sistema Nacional de Precedentes, torna-se necessária uma interpretação teleológica da origem das Súmulas e OJs no TST, do seu papel histórico, em confronto com a realidade atual, em que todos os atores sociais se unem, num espírito de cooperação e busca do ideal de justiça.

Enquanto há um elemento nodal e comum no objetivo de entregar a jurisdição plena, além da coerência e da integridade, deve ser observada, por todos que dignificam a esfera do “dizer o direito”, a razão de ser dos amplos e efetivos debates que trazem a conclusão de uma tese jurídica: a previsibilidade a que se vinculam as decisões judiciais.

Hoje, diante do volume estratosférico de processos em tramitação na Justiça do Trabalho, não se pode deixar que a jurisdição caminhe à margem dos princípios que orientam a razoável duração do processo.Se há, pelos jurisdicionados, dúvida quanto à persuasão que se entrega na edição de uma Súmula/Orientação Jurisprudencial, é preciso rever os critérios da entrega da jurisdição para que as Cortes Superiores possam dar a verdadeira razão dos debates que elevam um entendimento reiteradamente debatido nas instâncias inferiores a um precedente qualificado e vinculante.

A multiplicidade da temática e sua relevância já foram amplamente demonstrados, tendo esta Corte reconhecido como presentes os rígidos pressupostos regimentais para a edição do respectivo verbete, o qual, todavia, não se mostrou suficiente para pacificar a correspondente recorribilidade, comprometendo a isonomia e a segurança jurídica, nacionalmente.

RECURSO DE REVISTA REPRESENTATIVO AFETADO COMO INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DELINEAMENTO DO CASO CONCRETO SUBMETIDO A JULGAMENTO.

O recurso de revista ora afetado como incidente de recursos repetitivos foi interposto pela parte reclamante em face do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, quanto à matéria ora afetada, nos seguintes termos:

“A Reclamada insurge-se em face da decisão que a condenou ao pagamento de horas extras. Para tanto, argumenta:

I.1 - DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO - INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS - REFORMA DO JULGADO

Ínclitos Julgadores, inobstante tenha sido reconhecido que o recorrido exerceu a função de químico industrial no Processo n° 0000323- 44.2022.5.20.0004, que tramitou na 4° Vara do Trabalho de Aracaju/Se, o Recorrido sempre laborou em atividades de assistente de controle de qualidade, realizando o controle, a fiscalização, a inspeção dos produtos fabricados pelo Recorrente - fraldas e absorventes, sendo esses considerados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) produtos descartáveis, o que dispensa que eles sejam inclusive registrados perante aquela entidade, nos termos dosarts.3º e 4ºda Resolução da Diretoria Colegiada de n. 142/17, abaixo reproduzidos:

(...)

Nobres Julgadores, no processo tombado sob n° 000323- 44.2022.5.20.0004 que tramitou na 4° Vara do Trabalho desta especializada, foi deferida tão somente a diferença salarial em relação à função de químico industrial. Naquele processo o recorrido não teve reconhecido o pedido de adicional de insalubridade justamente pelo fato de que o mesmo confessou jamais ter trabalhado com exposição de agentes nocivos a sua saúde.

A realidade fática é que o recorrido foi contratado para trabalhar como auxiliar de controle de qualidade, com jornada de trabalho prevista nos cartões de ponto, ou seja, prevista na CLT, conforme contrato individual de trabalho.

O recorrido durante todo o contrato de trabalho laborou de segunda-feira às sexta-feira das 7h00 ás 16h48; 16h50, conforme os cartões de pontos anexos exercendo as atividades de controle de qualidade dos produtos fabricados pelo recorrente.

A legislação (Lei é nº 4.950-A/66) é bastante clara e específica no sentido de que a jornada de trabalho dos profissionais desempenhados naquela legislação será de 06horas quando não houver contrato individual específico de trabalho.

No presente caso, os documentos juntados aos autos atestam que o recorrido foi contratado como assistente de controle de qualidade, realizando a medição e a qualidade da cobertura dos absorventes e fraldas, não sendo cabível o recorrido ser enquadrado no artigo terceiro da lei específica diante da existência de contrato individual de trabalho, bem como diante da inexistência de labor insalubre, com agentes químicos, razão pelo qual não faz jus a jornada "diferenciada e específica" da presente Lei.

Transcreve abaixo o artigo terceiro da Lei é nº 4.950-A/66:

(...)

Para conhecimento deste Tribunal, o controle de qualidade dos produtos destina-se à medição, portanto, de grandezas físicas, como suas dimensões, peso, aspectos visuais e capacidade de absorção, não há a execução de reações químicas, não sendo manuseado nenhum agente químico nas atividades por ele desempenhadas, não havendo motivo pelo qual se enquadre uma jornada especial de trabalho por agentes químicos.

Tanto é verdade que o próprio recorrido afirma que nunca manuseou agentes químicos, não ensejando inclusive o recebimento de adicional de insalubridade no processo principal. O fato do recorrido fazer jus ao recebimento da diferença salarial existente noutro processo não significa dizer que o mesmo atuou em condições especiais que ensejasse o recebimento de jornada não superior a 06 horas diárias, uma vez que há previsão legal no contrato de trabalho que sua jornada seria a determinada nos cartões de ponto, sendo os mesmos anexados.

O profissional Técnico em Química atua no planejamento, coordenação, operação e controle dos processos industriais e equipamentos nos processos produtivos, além de planejar, coordenar os processos laboratoriais, realizar amostragens, análises químicas, físico-químicas e microbiológicas. O que não era a realidade no caso concreto. Os avanços da saúde e segurança do trabalho têm ensinado que a extensão do contato com certas atividades ou ambientes é elemento decisivo à configuração de seu potencial efeito insalubre.

Tais reflexões têm levado à noção de que a redução da jornada em certos ambientes ou atividades constitui-se em medida profilática importante no contexto da moderna medicina laboral. Exatamente por essa razão é que não pode o recorrido fazer jus a jornada de trabalho especial de químico industrial, simplesmente porque jamais atuou como tal na realidade, nunca tendo trabalhado com qualquer material insalubre ou similar que justificasse a redução de sua jornada como medida de diminuição do contato com certas atividades desgastantes!

A efetiva jornada de trabalho do recorrido está devidamente registrada nos cartões de ponto acostados com a presente defesa que demonstram que o autor laborava em atividade clara de controle de qualidade física de fraldas e absorventes, e namédiade44 horas semanais, mais precisamente em turnos de 07:00hs às 16:48, com uma hora de intervalo, conforme a previsão da CLT.

Pelo exposto requer a reforma da sentença monocrática.

O Reclamante, por seu turno, pugna pela reforma da sentença em relação ao quantitativo deferido. Para tanto, alega:

4. DO DIREITO DA NECESSIDADE DE REFORMA DA SENTENÇA - APURAÇÃO DAS HORAS EXTRAS PELOS CARTÕES DE PONTO

A r. sentença, ao determinar o pagamento das horas extras, não estabeleceu expressamente a forma de apuração dessas horas. A planilha de cálculos apresentada utilizou uma quantidade fixa mensal de 42,8 horas extras, em clara violação ao princípio da primazia da realidade.

Importante ressaltar que constam nos autos todos os cartões de ponto do período imprescrito (ID 608fa19), apresentados pela própria Reclamada, que demonstram a real jornada laborada pelo Reclamante. A utilização de quantidade fixa mensal de horas extras, quando existem controles de ponto nos autos, viola o art. 74, §2º da CLT e o princípio da primazia da realidade.

Em que pese a Contadoria ter informado que realizou os cálculos "conforme parâmetros da sentença", tal justificativa não prospera, uma vez que a sentença não determinou expressamente a utilização de quantidade fixa mensal de horas extras, tampouco afastou a utilização dos cartões de ponto.

Ressalta-se que o Reclamante, em seus Embargos de Declaração, inclusive disponibilizou arquivo em formato CSV com a transcrição de todos os registros de ponto, visando facilitar a importação e apuração das horas extras efetivamente laboradas, demonstrando sua boa-fé processual e interesse na correta liquidação do julgado

Consta na sentença:

DA JORNADA DE TRABALHO - DAS HORAS EXTRAS

O reclamante afirma que trabalhava de segunda a sexta-feira, das 07:00 às 16:48, com 1 (uma) hora de intervalo intrajornada, laborando 08h e 48m por dia. Informa que fora ajuizada a Reclamação Trabalhista no dia 27/04/2022, tombada sob o número 0000323-44.2022.5.20.0004, que tramitou na 4ª Vara do Trabalho de Aracaju/SE, ação que foi julgada parcialmente procedente tendo seu trânsito em julgado ocorrido no dia 06/11/2023. Nesse sentido, a sentença a quo, mantida em sede de recurso ordinário, reconheceu que o Autor exercia as atividades de Químico Industrial, regido pela lei Nº 4.950-A/66, determinando o pagamento das diferenças salariais de todo o pacto laboral. Assim, a referida lei disciplina que a jornada de trabalho do Químico Industrial é de 06 horas diárias, requerendo "as horas excedentes das 6 (seis) diárias de serviços" acrescidas de 25%.

A reclamada, por sua vez, contesta aduzindo que a sentença monocrática transitada em julgado reconheceu o direito ao reclamante ao recebimento da diferença salarial nos termos da Lei nº 4.950-A/66, porém não restou provado nos autos que o reclamante no labor de suas funções exercia suas atividades exposto a agentes nocivos à saúde e integridade física, atividades sim estas inerentes a um Químico Industrial. Segue afirmando que naquele processo o reclamante não teve reconhecido o pedido de adicional de insalubridade justamente pelo fato de que mesmo confessou jamais ter trabalhado com exposição de agentes nocivos a sua saúde.

Analiso.

Razão não assiste à reclamada.

Eis que, embora na lide da RT nº 0000323-44.2022.5.20.0004, ter sido deferido as diferenças salariais e indeferido o pedido de adicional de insalubridade, o cerne dos autos do processo em epígrafe trata-se da jornada de trabalho do reclamante com o respectivo labor extraordinário nos termos da Lei nº 4.950-A/66 em razão de já ter se reconhecido a qualidade da função de Químico Industrial, não se confundindo com a natureza das atividades prestadas pelo reclamante, como quer fazer crer a reclamada. Pois, a sentença aquo (ID. a9cd8e0, fls. 52 e seguintes), e sentença mantida pelo acórdão (ID. a9cd8e0, fls. 62 e seguintes) da RT nº 0000323-44.2022.5.20.0004, bem pontuaram acerca do enquadramento funcional do reclamante em função diversa daquela para qual foi contratado, havendo inclusive, trânsito em julgado de ID. d58e4ed.

Nesse sentido, com base no princípio da coisa julgada, estabelecido no art. 502 do CPC, e considerando que o processo em questão já transitou em julgado, não havendo possibilidade de recurso, fica configurada a imutabilidade da decisão judicial. Portanto, qualquer discussão referente a esse ponto específico torna-se infrutífera e sem efeito, uma vez que a matéria já foi devidamente decidida e consolidada.

Ademais, considerando que a sentença exarada na Reclamação Trabalhista nos autos do processo n° 0000323-44.2022.5.20.0004, já transitada em julgado, reconheceu a atividade de Químico Industrial desempenhada por CLAUDIO JUNIOR DOS SANTOS na função de Responsável Técnico da empresa SERGYENE INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, sendo aplicado a lei nº 4.950-A/6.

E mais, na sentença aquo em comento, resta latente o reconhecimento de que o reclamante cumpria jornada de 08 horas, mas somente requereu o labor de 6 horas, senão vejamos, in verbis:

(...)

Aliado a isto, tem-se que em contestação, a própria reclamada confirmou a jornada de trabalho aduzida na inicial, qual seja, de segunda a sexta-feira, das 07:00 às 16:48, com 1 (uma) hora de intervalo intrajornada, confirmando ainda, o controle de jornada que está em anexo, razão pela qual, DEFIRO as horas extras excedentes a partir da 6ª diária acrescidas de 25% com base na Lei nº 4.950-A/6, e reflexos em RSR, aviso prévio, férias com adicional de 1/3, 13º salário e incidência em FGTS de todo o pacto.

Consta na decisão de Embargos de Declaração:

DO ERRO DE CÁLCULO - DO DIVISOR UTILIZADO PARA OS CÁLCULOS

Alega a embargante que as horas extras foram apuradas incorretamente, ao utilizar o divisor 220. Dispõe que a jornada de trabalho do obreiro é de 06 horas diárias, conforme previsto na Lei n.º 4.950-A/66. Consigna, assim, que nos termos do art. 65 da CLT, deve ser aplicado o divisor 180 para o cálculo das horas extras, com o direito à jornada semanal de 30 horas.

Dessa forma, aduz que deve ser aplicado o divisor de 180 horas para o cálculo das horas extras, tendo em vista que a jornada do obreiro é de 06 horas diárias. Pugna pelo provimento dos embargos.

Com razão a embargante.

Com efeito, conforme assegurado pelo Setor de Cálculos, na certidão de ID 3d5eecc, atesta-se que a planinha que integra a sentença apresenta vício quanto ao divisor utilizado para a realização dos cálculos, devendo ser de 180 horas ao invés de 220 horas.

Julgo PROCEDENTES os embargos neste aspecto.

Ao exame.

Sob Id a9cd8e0, foi juntada sentença proferida pela 4° Vara do Trabalho de Aracaju, mantida por este Regional, em que se reconheceu que o Reclamante fora contratado como Responsável Técnico da Reclamada com jornada de 08 horas, fazendo jus, portanto, ao piso salarial previsto na Lei nº 4950-A/1996.

A mencionada lei, nos termos da Súmula nº 370 do TST, não estabelece jornada reduzida, mas impõe remuneração diferenciada para as horas que excedam as 6ª diária, alterando o piso salarial, de modo que não podem ser consideradas extraordinárias a 7ª e a 8ª hora diária.

Quanto às horas que ultrapassaram a 8ª, os cartões de ponto juntado sob Id 1d69ff5, mostram a concessão de folgas compensatórias aos sábados, não tendo o Reclamante demonstrado, sequer por amostragem, o desrespeito ao módulo semanal de 44h, pelo que deve o pedido ser julgado improcedente.

Inverte-se a sucumbência, condenando-se o Reclamante ao pagamento de custas ficando isento em razão da concessão das benesses da justiça gratuita e, do mesmo modo, honorários advocatícios sucumbenciais no percentual de 10% do valor da causa, ficando sob condição suspensiva de exigibilidade. Prejudicados os demais tópicos do recurso patronal e o recurso autoral, e honorários advocatícios sucumbenciais, estes no percentual de 10% do valor dos pedidos julgados improcedentes, ficando sob condição suspensiva de exigibilidade, ante o deferimento da justiça gratuita.

Prejudicados os demais tópicos do recurso patronal e do recurso autoral.

Posto isso, conheço dos Recursos Ordinários e, no mérito, dou provimento ao recurso da Reclamada para excluir a condenação ao pagamento de horas extras . Inverte-se a sucumbência, condenando-se o Reclamante ao pagamento de custas, ficando isento em razão da concessão das benesses da justiça gratuita e, do mesmo modo, honorários advocatícios sucumbenciais no percentual de 10% do valor dos pedidos julgados improcedentes, ficando sob condição suspensiva de exigibilidade. Prejudicados os demais tópicos do recurso patronal e o recurso autoral.

Conforme se verifica da transcrição acima, o acórdão regional deu provimento ao recurso ordinário da reclamada para excluir da condenação as horas extras referentes ao labor entre a 6ª e a 8ª horas, sob o fundamento de que a Lei nº 4950-A/1966 não prevê jornada reduzida.

No recurso de revista, a parte recorrente sustenta que são devidas as horas extras, fundamentando o recurso de revista na alegação de ofensa aos arts. 1º, III, e 5º, XXXVI, da Constituição Federal e 6º da Lei nº 4.950-A/66, de contrariedade à Súmula nº 370 do TST e em divergência jurisprudencial.

Assim delineados os contornos fáticos e jurídicos do caso concreto em julgamento, passo à análise da jurisprudência pacífica desta Corte Superior ora submetida à reafirmação e suas repercussões no julgamento do caso.

REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO SOBRE A MATÉRIA SUBMETIDA À AFETAÇÃO.

O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, conforme veiculado na Súmula nº 370 do TST, é que “ Tendo em vista que as Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias” .

O teor do verbete demonstra o entendimento desta Corte, a partir da interpretação das Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966, no sentido de que referidos diplomas legais apenas estabelecem os critérios de cálculo do piso remuneratório das respectiva categorias, não fixando jornada de trabalho reduzida e, por conseguinte, ensejando a condenação em horas extras, salvo aquelas trabalhadas além da oitava diária. Nesse sentido, são os julgados que ensejaram a edição da Súmula, entre os quais destaco o proferido no ERR-RR - 639-79.1986.5.01.5555, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz José Guimarães Falcão, 29/09/1989, cujos fundamentos seguem transcritos:

“No mérito, tenho entendimento no sentido de que a precitada Lei nº 3999/61 não estabeleceu jornada reduzida para os médicos, pois finalizou fixar parâmetros para o cômputo de salário, estabelecendo a forma de calcular-se o mínimo. Desta sorte, se o profissional ajusta a prestação de serviços por período superior a quatro horas, como admitido no art. 8º da aludida Lei, lícito é o pagamento de valor global, por isso que inexistem horas extras, se respeitado o limite da jornada normal para os trabalhadores em geral, de oito horas.”

Oportuno, ainda, citar os seguintes julgados desta Corte com aplicação da Súmula nº 370:

ENQUADRAMENTO COMO VETERINÁRIA - DIFERENÇAS SALARIAIS - HORAS EXTRAS. 3.1 - o Tribunal Regional concluiu que a reclamante exercia a função de veterinária com fundamento nas provas dos autos, no caso, Termo de Responsabilidade Técnica e a prova testemunhal, determinando a alteração da CTPS e o pagamento das diferenças salariais, observado o salário-base da categoria fixado na Lei 4.950-A/66, e as horas extras após a 4.ª hora diária e 20.ª semanal. A Corte de origem ressaltou, ainda, que a Lei 4.950-A/66 em nenhum momento estabelece que a jornada do veterinário deverá se ater ao máximo de seis horas diárias ou 36 semanais, mas apenas faz distinção da jornada apenas para fins de fixação do salário-base mínimo . 3.2 - Dessa feita, o exame das alegações da reclamada, no sentido de que as atividades exercidas pela reclamante não se enquadravam naquelas descritas para a categoria dos veterinários, ou, ainda, de que a jornada não era de 20 horas semanais encontra óbice na Súmula 126 do TST. 3.3 - Da forma como proferido, o acórdão recorrido está em consonância com a Orientação Jurisprudencial 71 da SBDI-2 do TST e com a Súmula 370 do TST . 3.4 - Em razão da incidência do óbice processual relativo à Súmula n.º 126 do TST, prejudicado o exame dos indicadores de transcendência previstos no art. 896-A, §1.º, da CLT. Agravo de instrumento não provido quanto ao tema " (AIRR-ROT-505-64.2018.5.23.0108, 8ª Turma , Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 24/09/2024).

HORAS EXTRAS. JORNADA DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA . O e. TRT, analisando o teor do disposto na Lei 4.950-A/66, concluiu que esta jamais limitou a jornada dos trabalhadores engenheiros químicos em 6 horas. Desta maneira, a decisão regional está em harmonia com a jurisprudência pacífica desta Corte, consubstanciada na Súmula 370, pelo que incide a Súmula nº 333 do TST como obstáculo à extraordinária intervenção deste Tribunal Superior no feito. A existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame da matéria de fundo veiculada, como no caso , acaba por evidenciar, em última análise, a própria ausência de transcendência do recurso de revista, em qualquer das suas modalidades. Agravo não provido." (Ag-AIRR-6800-51.2008.5.01.0021, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 20/05/2022).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA AUTORA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. HORAS EXTRAS. MÉDICO. JORNADA DE TRABALHO. Registrou a Corte de origem que as horas extras eram pagas da seguinte forma: " a partir dos esclarecimentos prestados pelo perito contador e do exame dos documentos juntados aos autos, denoto o seguinte: 1) em um plantão de até 6 horas, o reclamado pagava as quatro primeiras horas como hora normal (sob a rubrica 'SALÁRIO HORA NORMAL') e as duas horas subsequentes como hora suplementar (sob a rubrica 'ADIC S/HORA SUPLEMEN', correspondente ao adicional de 100% sobre o salário hora normal); 2) em um plantão de 12 horas ou mais, o reclamado pagava oito horas normais e as horas subsequentes como hora suplementar (remunerando apenas o adicional), utilizando as mesmas rubricas anteriormente mencionadas; e 3) o reclamado pagava as horas excedentes àquelas previstas nas planilhas (fls. 67/82), no campo da carga horária a ser efetivamente trabalhada, como extraordinárias, ou seja, remunerava o salário hora acrescido do adicional de 100%, sob a rubrica 'HORAS EXTRAS 100%'. " Acrescentou que " o pagamento do adicional de 100% nas horas excedentes à quarta, nos dias em que há plantão de seis horas, constitui-se em liberalidade do empregador, já incorporada ao contrato de trabalho da Reclamante, não havendo falar em pagamento como extras, nos termos propostos pela Reclamante ." Com efeito, diante das premissas acima consignadas, não há falar em pagamento de horas extras a partir da quarta diária, nos termos propostos pela autora. A decisão regional está em sintonia com a Súmula nº 370 desta Corte: " Tendo em vista que as Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias . " Ademais, não se verifica violação ao artigo 468 da CLT, tampouco contrariedade à Súmula nº 51 do TST, na medida em que não se discute nos autos sobre alteração das condições de trabalho do empregado. Divergência jurisprudencial não configurada. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (ARR-86900-05.2009.5.04.0011, 7ª Turma , Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 18/09/2020).

A permanência da litigiosidade, mesmo em face de ampla pacificação da matéria neste Tribunal Superior, a ponto de ensejar a edição do verbete em comento, constitui disfunção de nossa sistemática recursal que permite que esta Corte tenha de desviar sua atenção das questões verdadeiramente novas, tendo de examinar recursos em matérias já pacificadas, com os quais não deveria mais ter de se ocupar. A presente controvérsia evidencia, justamente, que a jurisprudência meramente persuasiva não foi capaz de racionalizar o sistema recursal, detendo a desnecessária recorribilidade em temas já resolvidos pelas instâncias superiores.

Em tal contexto, faz-se imperativo que o presente recurso seja afetado a fim de que, em seu julgamento, se possa reafirmar de forma vinculante a tradicional corrente jurisprudencial representada pela Súmula nº 370 do TST.

Feitos tais registros, verifica-se que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região que, adotando entendimento conforme ao deste C. Tribunal Superior do Trabalho, decidiu no sentido de excluir da condenação as horas extras laboradas entre a 6ª e a 8ª por incidência da Súmula nº 370.

À vista da jurisprudência pacífica desta Corte, objeto de Súmula, enfrenta desnecessária e renitente recorribilidade, forçoso admitir a afetação do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência, nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno do TST, o qual autoriza que “o julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação .”

A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar o inchaço do sistema recursal e o desnecessário prolongamento das lides.

Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi que permeou os precedentes que originaram a Súmula nº 370 do TST, firmando-se a tese jurídica do presente incidente de recursos repetitivos nos mesmos termos , a saber:

MÉDICO E ENGENHEIRO. JORNADA DE TRABALHO. LEIS NºS 3.999/1961 E 4.950-A/1966. Tendo em vista que as Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extraordinárias, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias.

No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia não merece ser conhecido, por incidência da tese ora reafirmada.

Quanto aos demais temas recursais listados no relatório, determina-se o seu oportuno julgamento por uma das Turmas do Tribunal.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: Tendo em vista que as Leis nº 3.999/1961 e 4.950-A/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extraordinárias, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias. II – Não conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por incidência da tese ora reafirmada. III – Determinar a oportuna redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.

Brasília, de de

Aloysio Silva Corrêa da Veiga

Ministro Presidente do TST