A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/iao

REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. RECONHECIMENTO EM JUÍZO. CRITÉRIO DE DEDUÇÃO/ABATIMENTO DOS VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO. MATÉRIA PACIFICADA NA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 415 DA SBDI-1. CONTEÚDO PERSUASIVO. RECORRIBILIDADE. NECESSIDADE DE QUALIFICAÇÃO DA MATÉRIA PARA O FIM DE VINCULAÇÃO DE TESE JURÍDICA. Cinge-se, a controvérsia, a definir o critério de dedução das horas extraordinárias pagas daquelas que foram objeto de condenação. O Tribunal Regional, em relação ao critério de dedução de horas extraordináriass, concluiu que “ para evitar o enriquecimento ilícito do empregado, não há falar em limitação das deduções, de qualquer espécie, a um determinado mês, devendo, pois, englobar todo o período imprescrito do contrato de trabalho ”. O recurso interposto trata acerca de matéria que já restou pacificada nesta Corte, cristalizada no verbete da OJ nº 415 da SBDI-1. Ainda que retrate a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, ainda vem sendo objeto de recorribilidade. O Sistema Nacional de Precedentes Judiciais Obrigatórios tem por fim trazer coerência às decisões e, para tal fim, a uniformização da jurisprudência deve ocorrer, inclusive, naqueles casos em que a Orientação Jurisprudencial, por não ser vinculante, não tem surtido o desejável efeito de pacificação nacional e de redução da recorribilidade. De tal modo, diante da necessidade de trazer a integridade da jurisprudência em face do entendimento consagrado na Orientação Jurisprudencial em questão, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de reafirmar a respectiva tese: A dedução das horas extraordinárias comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho . Recurso de revista representativo da controvérsia não conhecido, por incidência da tese ora fixada.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR 0011171-38.2022.5.15.0131 , em que são RECORRENTES VALTER TEIXEIRA e CPFL SERVICOS, EQUIPAMENTOS, INDUSTRIA E COMERCIO S/A, e RECORRIDOS CPFL SERVICOS, EQUIPAMENTOS, INDUSTRIA E COMERCIO S/A e VALTER TEIXEIRA .

O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de ter sido pacificada nesta Corte a ponto de atingir os rígidos pressupostos para a aprovação de Orientação Jurisprudencial da SBDI-1, sob o nº 415 , ainda vem sendo objeto de recorribilidade, colocando em risco a celeridade processual, segurança jurídica e a própria missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes, responsável pela unidade nacional do direito nas matérias de sua competência.

Em tal contexto, faz-se necessária a utilização da sistemática dos incidentes de recursos repetitivos (IRR), com o trâmite preconizado pelo art. 132-A do Regimento Interno para os casos de reafirmação da jurisprudência pacificada. De tal forma, com a celeridade necessária, eleva-se à eficácia vinculante o tradicional entendimento deste Tribunal Superior, com a finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, reduzindo-se a litigiosidade através de dinâmica que impede a interposição de recursos infundados.

Apresentada, portanto, a presente proposta de afetação do processo TST-RR - 0011171-38.2022.5.15.0131 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, em matéria que já restou pacificada nesta Corte e está cristalizada no verbete da OJ nº 415 da SBDI-I , de seguinte teor:

HORAS EXTRAS. RECONHECIMENTO EM JUÍZO. CRITÉRIO DE DEDUÇÃO/ABATIMENTO DOS VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO. A dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho. .

No caso em exame, as razões de decidir da linha jurisprudencial subjacente à Súmula/Orientação Jurisprudencial devem ser objeto de análise, para o fim de verificar se a tese ali firmada, de natureza jurídica persuasiva, deve ser reafirmada de forma vinculante no julgamento do presente caso, diante da renitência das partes que interpõem recurso contra decisão que foi objeto de pacificação na Corte Superior.

Necessário, portanto, solucionar a controvérsia objeto do recurso de revista da parte reclamante, do qual consta a matéria acima delimitada, HORAS EXTRAORDINÁRIAS. RECONHECIMENTO EM JUÍZO. CRITÉRIO DE DEDUÇÃO/ABATIMENTO DOS VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO, além de: NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, EQUIPARAÇÃO SALARIAL e BONIFICAÇÃO DE EQUIPE .

Destaque-se que no caso concreto constam ainda recurso da parte reclamada com os temas INTERVALO INTRAJORNADA, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, JUSTIÇA GRATUITA, LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO VALOR DOS PEDIDOS e DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO.

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA – TEMA PACIFICADO POR SÚMULA/OJ DE NATUREZA PERSUASIVA.

A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. A despeito de reiterados recordes de produtividade, é essencial que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda, conforme demonstram as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho, que vem recebendo um volume maior de novos processos em comparação com os últimos anos. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”

Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.

Cabe destacar que as Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, bem como as Orientações Jurisprudenciais, historicamente se traduzem em importante função de uniformização da jurisprudência trabalhista.

Contudo, numa leitura atenta do objetivo do atual Sistema Nacional de Precedentes, torna-se necessária uma interpretação teleológica da origem das Súmulas e OJs no TST, do seu papel histórico, em confronto com a realidade atual, em que todos os atores sociais se unem, num espírito de cooperação e busca do ideal de justiça.

Enquanto há um elemento nodal e comum no objetivo de entregar a jurisdição plena, além da coerência e da integridade, deve ser observada, por todos que dignificam a esfera do “dizer o direito”, a razão de ser dos amplos e efetivos debates que trazem a conclusão de uma tese jurídica: a previsibilidade a que se vinculam as decisões judiciais.

Hoje não há como, no volume estratosférico de processos tramitando na Justiça do Trabalho, podermos deixar a jurisdição caminhar ao largo dos princípios que norteiam a razoável duração do processo. Se há, pelos jurisdicionados, dúvida quanto à persuasão que se entrega na edição de uma Orientação Jurisprudencial, é preciso rever os critérios da entrega da jurisdição para que as Cortes Superiores possam dar a verdadeira razão dos debates que elevam um entendimento reiteradamente debatido nas instâncias inferiores a um precedente qualificado e vinculante.

A multiplicidade da temática e sua relevância já foram amplamente demonstrados, tendo esta Corte reconhecido como presentes os rígidos pressupostos regimentais para a edição do respectivo verbete, o qual, todavia, não se mostrou suficiente para pacificar a correspondente recorribilidade, comprometendo a isonomia e a segurança jurídica, nacionalmente.

RECURSO DE REVISTA REPRESENTATIVO AFETADO COMO INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DELINEAMENTO DO CASO CONCRETO SUBMETIDO A JULGAMENTO.

O recurso de revista ora afetado como incidente de recursos repetitivos foi interposto pela parte reclamante em face do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, quanto à matéria ora afetada, nos seguintes termos:

“8. PARÂMETROS DAS HORAS EXTRAS DEFERIDAS

O recorrente requer a reforma da decisão, a fim de que seja desautorizada a aplicação da Súmula 366 e da Orientação Jurisprudencial 415, da SDI-1, ambas do TST para quaisquer verbas que tenham sidos deferidas na presente demanda, em especial as horas extras, assim como seja extirpada a determinação no sentido de que "para as semanas em que há de fato a compensação, o reclamante é credor apenas do adicional sobre as horas excedentes da 8ª diária, inseridas nas 44h semanais, e das horas extras integrais (salário hora mais adicional) no que tange às excedentes da 44ª semanal, devendo ser observado o que estabelece o inciso IV, da Súmula nº 85, do TST e artigo 59-B da CLT", deferindo-se o pagamento das diferenças das horas extraordinárias cheias (hora normal e parcelas de natureza salarial + adicional de horas extraordinárias), tal como inclusive constou na sentença.

Ocorre que, reconhecida a validade dos controles de jornada, correta a determinação de observância da Súmula 366 do TST.

Ademais, analisando os espelhos de ponto colacionados aos autos (a partir da fl. 1028), verifica-se que houve acordo de compensação de jornada, conforme previu o acordo individual colacionado às fls. 827/ss (das 7h30 às 17h18, na escala 5x2), o que atende à exigência prevista no item I da Súmula 85 do TST.

Desse modo, deve ser mantida a condenação da reclamada nos moldes fixados na Origem, qual seja (fl. 1847): "para as semanas em que há de fato a compensação, o reclamante é credor apenas do adicional sobre as horas excedentes da 8ª diária, inseridas nas 44h semanais, e das horas extras integrais (salário hora mais adicional) no que tange às excedentes da 44ª semanal, devendo ser observado o que estabelece o inciso IV, da Súmula nº 85, do TST e artigo 59-B da CLT."

Por fim, para evitar o enriquecimento ilícito do empregado, não há falar em limitação das deduções, de qualquer espécie, a um determinado mês, devendo, pois, englobar todo o período imprescrito do contrato de trabalho, consoante jurisprudência sedimentada pela Corte Superior Trabalhista:

OJ - SDI1 - 415 - HORAS EXTRAS. RECONHECIMENTO EM JUÍZO. CRITÉRIO DE DEDUÇÃO/ABATIMENTO DOS VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO. A dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho.

Mantenho.”

Conforme se verifica da transcrição acima, o acórdão regional, em relação ao critério de dedução de horas extraordinárias, concluiu que “ para evitar o enriquecimento ilícito do empregado, não há falar em limitação das deduções, de qualquer espécie, a um determinado mês, devendo, pois, englobar todo o período imprescrito do contrato de trabalho ”.

No recurso de revista, a parte recorrente sustenta que a dedução deve observar apenas os valores pagos no respectivo mês de competência. Fundamenta o recurso de revista na alegação de ofensa aos arts. 5º, II, da CF e 459, parágrafo único, da CLT, bem como em contrariedade à Súmula nº 48 do TST.

Assim delineados os contornos fáticos e jurídicos do caso concreto em julgamento, passo à análise da jurisprudência pacífica desta Corte Superior ora submetida à reafirmação e suas repercussões no julgamento do caso.

REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO SOBRE A MATÉRIA SUBMETIDA À AFETAÇÃO.

O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, conforme veiculado na OJ-SBDI-1 nº 415, é que “ A dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho” .

O enunciado foi firmado a partir da premissa de que, para evitar o enriquecimento ilícito do empregado, deve haver dedução do que já foi pago a título de horas extraordinárias, através do critério global, e não pelo critério mês a mês. Importante ressaltar, ainda, que se o pagamento se desse a partir do critério mês a mês, não seria possível o reflexo do valor a ser adimplido no mês seguinte com relação aos demais débitos. Entre os julgados que ensejaram a edição do verbete, destaco o seguinte, que muito bem demonstra os fundamentos jurídicos que embasaram a consolidação da jurisprudência em questão:

“Inicialmente, cumpre esclarecer a distinção existente entre o abatimento e a compensação de valores.

O abatimento é a simples dedução de valores pagos a menor sob o mesmo título, e visa impedir o enriquecimento ilícito de uma das partes, razão pela qual deve ser observado independentemente do mês de pagamento e, ainda, independente de pedido.

Já a compensação é forma de extinção da obrigação, prevista no Código Civil, e ocorre quando duas pessoas são, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra.

Na compensação não há necessidade de que haja contrabalanço entre os títulos, na dedução/abatimento, se não houver identidade de títulos, não há o que se deduzir.

Nesse sentido Carlos Henrique Bezerra Leite faz a distinção:

"Não se deve confundir compensação com dedução. A compensação depende de pedido expresso do reclamado na contestação (CLT, art. 767).

Já a dedução pode ser autorizada de ofício pelo juiz e decorre da aplicação do princípio non bis idem, evitando-se, com isso, o enriquecimento sem causa de uma parte em detrimento da outra. (In Curso de Direito Processual do Trabalho."

Registre-se que enquanto no abatimento, basta a dedução de títulos que guardam perfeita identidade, a compensação determina que haja um valor a ser subtraído de outro, com o fim de contrabalançar a dívida.

Assim sendo, entendo que a jurisprudência não anda bem em proceder a compensação de valores no mês, em especial quanto às horas extraordinárias que, como bem alertou o Ministro Renato de Lacerda Paiva, acaba impondo um formato de cálculo e pagamento que protrai no tempo o pagamento da dívida, a impedir que o cálculo do mês em que fora paga a parcela seja o mesmo daquele em que se pretende proceder à dedução.

O Exmo. Ministro, com suas ponderações, norteou uma reflexão maior da Corte sobre o tema, a qual me filio, no sentido de que incumbe à esta Seção Uniformizadora estabelecer teses com o fim de evitar conflitos e não de criar mais conflitos.

Paulo Gustavo Gounet Branco orienta acerca da aplicação do subprincípio da necessidade, aplicável no presente caso, "quando o julgador deverá formular, desde logo, um juízo sobre o grau de intensidade com que a medida sob julgamento interfere sobre o princípio prejudicado. Haverá de investigar se é menor a probabilidade de a medida proposta como alternativa afetar o direito atingido, bem assim estudar se a interferência tende a ser menos alongada no tempo, além de indagar se, potencialmente, fere em menor escalara os atributos essenciais do princípio relevado". (in Juízo de Ponderação)

E jurisprudência da Corte se manifesta no sentido de que a compensação, na Justiça do Trabalho, está restrita a dívidas de natureza trabalhista (Súmula nº 18/TST), e deve ser feita dentro do próprio mês a que se referem, tendo em vista a periodicidade mensal do salário.

É de se ter em vista, portanto, o princípio que veda o enriquecimento ilícito encontra-se expresso na fórmula "Nemo potest lucupletari, jactura aliena", ou seja, ninguém pode enriquecer sem causa.

Diante da correta distinção entre abatimento de parcelas já pagas, não há se falar em compensação das horas extraordinárias, mês a mês, e sim na dedução, pelo abatimento do que foi pago seguindo o critério global, com o fim de se evitar enriquecimento ilícito do empregado, que acaba por receber, em relação a mesma parcela, por duas vezes.

Essa regra acaba por facilitar os cálculos de liquidação, por certo, a permitir que se proceda ao abatimento de parcelas comprovadamente pagas. Como destacado em Sessão pelo Exmo. Ministro João Oreste Dalazen, entendimento contrário acarretaria o desestímulo ao empregador de adimplir o pagamento de parcelas tardiamente, ante a iminência de se ver obrigado a pagá-las novamente em juízo.

Em regra é possível, inclusive, que o adimplemento de valores não pagos durante o curso do contrato de trabalho acabe por ser corrigido no momento da rescisão do contrato de trabalho. Se admitido apenas o pagamento da parcela pela regra da liquidação mês a mês, não se poderia considerar aquele valor que é pago no mês seguinte, em relação a direito trabalhista relativo ao mês anterior. Necessário aplicar o brocardo "suum cuique tribuere", dando a cada um o que é seu.

Conclui-se, portanto, que o abatimento dos valores pagos a título de horas extraordinárias já pagas não pode ser limitado ao mês da apuração, devendo ser integral e aferido pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho, o que leva à conseqüência de restabelecimento da decisão do eg. Tribunal Regional, no tópico. (E-ED-RR - 322000-34.2006.5.09.0001, SBDI-1 , Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 3/12/2010).

A partir de análise da jurisprudência recente desta Corte, verifica-se que a mesma ratio continua sendo aplicada de forma reiterada, de modo que, a dedução das horas reconhecidas em juízo em relação às horas efetivamente pagas deve se dar de forma global. Nesse sentido, precedente das oito Turmas:

(...) HORAS EXTRAS. VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO. DEDUÇÃO DAS VERBAS PAGAS SOB MESMA RUBRICA. CRITÉRIO GLOBAL. OJ 415/SDI-I/TST. 1. O TRT manteve a sentença que determinou o abatimento dos valores comprovadamente pagos sob as mesmas rubricas pelo critério mês a mês. 2. A questão sobre o critério de dedução dos valores comprovadamente pagos sob as mesmas rubricas não comporta mais discussão no âmbito dessa Corte Superior, que cristalizou a jurisprudência na OJ 415 da SBDI-1 , assim redigida: "A dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho”. (...) (RR-45200-83.2009.5.09.0666, 1ª Turma , Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 23/11/2018).

(...) 2 – ABATIMENTO DOS VALORES PAGOS SOB O MESMO TÍTULO. CRITÉRIO GLOBAL X CRITÉRIO MENSAL. Ressalvado o entendimento pessoal desta relatora, esta Corte já consolidou o entendimento de que o critério para compensação de parcelas pagas a idêntico título deve ser global, e não mensal, consoante os termos da Orientação Jurisprudencial 415 da SBDI-1 do TST . Agravo de instrumento não provido. (...) (RRAg-ARR-755-44.2015.5.09.0124, 2ª Turma , Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 24/04/2025).

(...) II - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO BANCO DO BRASIL. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. HORAS EXTRAS. COMPENSAÇÃO. CRITÉRIO GLOBAL. OJ 415/SBDI-1/TST. O entendimento desta Corte, quanto à dedução dos valores pagos a título de horas extras observará todos os valores pagos e comprovados nos autos com a mesma natureza da parcela deferida, contemplando-se o período imprescrito, ou seja, em atenção critério global (Orientação Jurisprudencial 415 da SBDI-1 desta Corte). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (...) (ARR-117-66.2013.5.04.0141, 3ª Turma , Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 22/11/2024).

(...) 3. DEDUÇÃO DE HORAS EXTRAS PAGAS DURANTE O CONTRATO DE TRABALHO. CRITÉRIO GLOBAL. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. A Corte Regional entendeu que "a aplicação da OJ 415, da SDI-1, do TST deverá observar o montante pago no próprio mês". II. Ocorre que a jurisprudência deste Tribunal Superior está consolidada no sentido de que a dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo deve ser feita com a observância do valor total apurado no período discutido (sem a limitação pelo critério da competência mensal, mas observado o período contratual não abrangido pela prescrição), nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 415 da SBDI-I do TST. III. Transcendência política reconhecida. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR-11636-24.2017.5.15.0066, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 08/10/2021).

(...) II - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E DA LEI Nº 13.467/2017. PROCESSO REDISTRIBUÍDO POR SUCESSÃO. 1. HORAS EXTRAS. CRITÉRIOS DE ABATIMENTO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 415 DA SBDI-1/TST. A compensação de valores deferidos judicialmente, quando verificado o pagamento de idêntica parcela, observará o critério global, não ficando adstrita ao mês de apuração. Inteligência da OJ 415 da SBDI-1 do TST. Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-1236-57.2012.5.09.0012, 5ª Turma , Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 26/05/2025).

(...) HORAS EXTRAS. CRITÉRIO DE ABATIMENTO DE VALORES PAGOS. Esta Corte pacificou sua jurisprudência ao entendimento de que a dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo deve ser feita pelo critério global. Nesse sentido, a OJ 415 da SBDI-1 do TST. Recurso de revista conhecido e provido. (RRAg-1846-44.2012.5.12.0011, 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 28/02/2025).

(...) HORAS EXTRAS. DEDUÇÃO DOS VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS. CRITÉRIO GLOBAL. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 415 DA SBDI-1/TST. No caso, o entendimento desta Corte é o de que a compensação de valores deferidos judicialmente em horas extras, quando verificado o pagamento de idêntica parcela, observará o critério global. Nesse sentido é a Orientação Jurisprudencial nº 415 da SBDI-1 , de seguinte teor: "A dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho". Dessa forma, estando a decisão do e. Tribunal Regional em perfeita consonância com o entendimento pacificado desta Corte incidem, na hipótese, os óbices da Súmula 333 do TST e do artigo 896, § 7º, da CLT. Incólume o dispositivo indicado. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (...) (RRAg-797-02.2019.5.09.0012, 7ª Turma , Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 23/05/2025).

(...) HORAS EXTRAS. DEDUÇÃO DE VALORES. CRITÉRIO GLOBAL. O Tribunal Regional decidiu em conformidade com a OJ 415 da SbDI-1 desta Corte ao determinar que o abatimento dos valores comprovadamente pagos pela reclamada, sob as mesmas rubricas, seja realizado de modo global. Incide o óbice da Súmula 333 do TST. Recurso de revista não conhecido. (...) (ARR-839-25.2012.5.09.0003, 8ª Turma , Relator Ministro Marcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 14/12/2018).

Ainda nesse sentido, precedente da Col. SbDI-1:

RECURSO DE EMBARGOS DA RECLAMADA REGIDO PELA LEI 11.496/2007. HORAS EXTRAS. COMPENSAÇÃO DE VALORES PAGOS. CRITÉRIO DE ABATIMENTO GLOBAL X CRITÉRIO DE COMPETÊNCIA MENSAL. Adoção do critério de abatimento global para a compensação dos valores pagos a título de horas extras, observado o período imprescrito. Inteligência da Orientação Jurisprudencial 415 da SBDI-1 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR-3500-32.2005.5.04.0012, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais , Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 30/10/2013).

A permanência da litigiosidade, mesmo em face de ampla pacificação da matéria neste Tribunal Superior, a ponto de ensejar a edição do verbete em comento, constitui disfunção de nossa sistemática recursal que permite que esta Corte tenha de desviar sua atenção das questões verdadeiramente novas, tendo de examinar recursos em matérias já pacificadas, com os quais não deveria mais ter de se ocupar. A presente controvérsia evidencia, justamente, que a jurisprudência meramente persuasiva não foi capaz de racionalizar o sistema recursal, detendo a desnecessária recorribilidade em temas já resolvidos pelas instâncias superiores.

Em tal contexto, faz-se imperativo que o presente recurso seja afetado a fim de que, em seu julgamento, se possa reafirmar de forma vinculante a tradicional corrente jurisprudencial representada pela OJ-SBDI-1 nº 415.

Feitos tais registros, verifica-se que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região que, adotando entendimento conforme ao deste C. Tribunal Superior do Trabalho, decidiu no sentido de manter a sentença quanto a dedução de horas extraordinárias pelo critério global.

Tendo em vista que a jurisprudência pacífica desta Corte, objeto de Orientação Jurisprudencial, enfrenta desnecessária e renitente recorribilidade, forçoso admitir a afetação do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência, nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno do TST, o qual autoriza que “o julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação .”

A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar o inchaço do sistema recursal e o desnecessário prolongamento das lides.

Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi que permeou os precedentes que originaram a OJ-SBDI-1 nº 415, firmando-se a tese jurídica do presente incidente de recursos repetitivos nos mesmos termos , a saber:

A dedução das horas extraordinárias comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho.

No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado como representativo de controvérsia não merece ser conhecido, por incidência da tese ora fixada.

Quanto aos demais temas recursais listados no relatório, determina-se o seu oportuno julgamento por uma das Turmas do Tribunal.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: A dedução das horas extraordinárias comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho. II – Não conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por incidência da tese ora fixada. III – Determinar a oportuna redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.

Brasília, de de

Aloysio Silva Corrêa da Veiga

Ministro Presidente do TST