A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
GPACV/iao/sp/pp
REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. DESCUMPRIMENTO DO INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT. PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/17. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. EXIGÊNCIA DE TEMPO MÍNIMO DE SOBREJORNADA. CONDIÇÃO INDEVIDA. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1 indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: Definir se são devidas horas extras pela inobservância do intervalo previsto no art. 384 da CLT, independentemente do tempo de sobrejornada. Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: O descumprimento do intervalo previsto no art. 384 da CLT, no período anterior à vigência da Lei nº 13.467/17, enseja o pagamento de 15 minutos como labor extraordinário, não se exigindo tempo mínimo de sobrejornada como condição para concessão do intervalo à mulher.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST- RRAg - 0000038-03.2022.5.09.0022 , em que é AGRAVANTE SUELEN SILVA DA CUNHA COSTA e é AGRAVADO BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. , é RECORRENTE SUELEN SILVA DA CUNHA COSTA e é RECORRIDO BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. .
Os presentes recursos são representativos de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito turmas e na Subseção 1 de Dissídios Individuais do TST , ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.
A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.
Apresentada, portanto, proposta de afetação do processo RRAg - 0000038-03.2022.5.09.0022 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 131-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica.
São devidas horas extras pela inobservância do intervalo previsto no art. 384 da CLT, independentemente do tempo de sobrejornada?
É o relatório.
V O T O
ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST
De início, destaca-se que a matéria a ser examinada tem origem no seguinte dispositivo: CLT, art. 384.
A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. É essencial para que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda – que saltou de 430.850 processos recebidos em 2023, para 530.021 processos em 2024, a despeito de reiterados recordes de produtividade. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024), segundo o qual:
“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”
Compete ao Presidente do Tribunal “indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal”.
Quanto à multiplicidade da discussão de tal questão no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentada, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST a partir dos termos “intervalo”, "art. 384" e "tempo mínimo" ou "período mínimo" revelou, para os últimos 12 meses, 247 acórdãos e 1007 decisões monocráticas sobre a questão jurídica em exame.
Já quanto à relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema, esta se dá justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.
Quanto à posição do Tribunal Superior do Trabalho , esta pode ser sintetizada no sentido de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo devidas, no período anterior à sua revogação pela Lei nº 13.467/17, as horas extras pela inobservância do intervalo nele previsto, não se exigindo tempo mínimo de sobrejornada para a caracterização do direito ao intervalo. Em tal sentido os seguintes exemplos de todas as suas Turmas:
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA AUTORA. TRABALHO DA MULHER. INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT. REVOGAÇÃO. SITUAÇÕES ANTERIORES E POSTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. LIMITAÇÃO DO PAGAMENTO À PRESTAÇÃO DE HORAS EXTRAS SUPERIORES A TRINTA MINUTOS. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Recurso de revista interposto pela autora contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. 2. Cinge-se a controvérsia em definir se é possível estabelecer um tempo mínimo de labor em sobrejornada como condição para concessão do intervalo à mulher. 3. Na hipótese, a Corte de origem limitou a condenação relativa à inobservância do intervalo previsto no art. 384 da CLT aos dias em que o trabalho extraordinário fosse superior a 30 (trinta) minutos. 4. Não obstante, este Tribunal Superior do Trabalho possui firme entendimento no sentido de que basta a realização de trabalho extraordinário para que seja devido o intervalo previsto no art. 384 da CLT à empregada, sem quaisquer restrições ou condicionamentos, haja vista que o legislador ordinário não instituiu tais limitações. 5. No caso, incontroverso que a autora foi admitida em 14/5/2013. Portanto, o contrato se iniciou em data anterior à Lei n. 13.467/2017, aplicando-se a diretriz da decisão vinculante do STF até a vigência da Lei. Recurso de revista conhecido e provido. (RRAg-180-13.2020.5.09.0657, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 13/12/2024).
"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. NORMA DE PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER. FIXAÇÃO DE PERÍODO MÍNIMO DE SOBREJORNADA. IMPOSSIBILIDADE. O artigo 384 da CLT dispõe que " em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho ". A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o intervalo previsto no artigo 384 da CLT é devido sempre que houver labor em sobrejornada, não havendo fixação legal de um tempo mínimo de trabalho extraordinário para concessão do intervalo. A decisão regional, ao condicionar a concessão do intervalo previsto no art. 384 da CLT à prestação de , no mínimo , 30 (trinta) minutos de sobrelabor, violou o art. 384 da CLT. Precedentes . Recurso de revista conhecido e provido" (RRAg-687-67.2018.5.09.0002, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 13/12/2024).
"RECURSO DE REVISTA. INTERVALO PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. RELAÇÃO DE EMPREGO EM PERÍODO ANTERIOR À ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/2017. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO TEMPO DE DURAÇÃO DA SOBREJORNADA. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. A questão em discussão nos autos consiste em saber se é possível o condicionamento do pagamento do intervalo de 15 (quinze) minutos, previsto no art.384, da Consolidação das Leis do Trabalho, à extrapolação de 30 (trinta) minutos da jornada ordinária. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há nenhuma restrição para a concessão da pausa prévia à jornada extraordinária da mulher. Isso porque o art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho não fixa tempo mínimo de sobrelabor para a concessão do período de descanso. 3. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional restringiu o direito ao intervalo previsto no art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho aos dias em que a sobrejornada for superior a 30 minutos, contrariando a jurisprudência atual, iterativa e notória desta Corte. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-298-82.2017.5.09.0660, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 22/11/2024).
"INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT - MULHER - HORAS EXTRAS - LIMITAÇÃO - TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA Nos termos da jurisprudência desta Eg. Corte, é obrigatório o intervalo do artigo 384 da CLT, independentemente de tempo mínimo de prorrogação de jornada. Recurso de Revista conhecido e provido" (RRAg-1476-12.2017.5.09.0872, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 26/04/2024).
"TRABALHO DA MULHER. INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT. RELAÇÃO DE EMPREGO ENCERRADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO. LABOR EM SOBREJORNADA SUPERIOR A 30 MINUTOS. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. 1. O Tribunal Regional, ratificando a sentença, manteve a condenação da Demandada ao pagamento, como horas extras, do intervalo previsto no art. 384 da CLT, condicionando o respectivo pagamento, contudo, à realização de labor extraordinário superior a 30 minutos. 2. A limitação imposta pelo Tribunal Regional para o pagamento do intervalo previsto no art. 384 da CLT - prorrogação da jornada superior a 30 minutos - mostra-se contrária à jurisprudência iterativa e atual desta Corte e implica ofensa ao art. 384 da CLT, dispositivo em que não estipulada qualquer condição ou limitação à concessão do intervalo à luz do tempo mínimo de trabalho em sobrejornada. Transcendência política reconhecida. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-28-80.2017.5.09.0006, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 05/08/2024).
"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO TEMPO DE DURAÇÃO DA SOBREJORNADA. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que não há condição à concessão da pausa prévia à jornada extraordinária da mulher, porquanto o artigo 384 da CLT não fixa tempo mínimo de sobrelabor para a sua concessão. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1305-95.2015.5.17.0001, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 19/12/2024).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. JORNADA MÍNIMA. LIMITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. RECONHECIMENTO. I . A jurisprudência desta Corte Superior sedimentou posição de que a concessão do intervalo de 15 minutos antes do labor extraordinário, previsto no art. 384 da CLT, não é passível de ser condicionada a um determinado tempo de prorrogação de jornada, o que se dá por completa ausência de amparo legal. Assim, bastaria, para a incidência da norma, o simples ultrapassar da jornada normal de trabalho. II . No caso vertente, o Tribunal Regional entendeu que o intervalo do art. 384 da CLT apenas é devido quando a prorrogação da jornada de trabalho chegar a 30 minutos, e que não se aplica quando a extrapolação se der por poucos minutos. III . Desse modo, à luz da jurisprudência assente desta Corte Superior, o Tribunal Regional, ao condicionar a concessão do intervalo de 15 minutos da mulher ao labor em tempo superior a 30 minutos extraordinários, afrontou o art. 384 da CLT. IV . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (ARR-973-76.2017.5.09.0003, 7ª Turma, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 31/01/2025).
"INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. LIMITAÇÃO DO DIREITO AOS DIAS EM QUE O TRABALHO EXTRAORDINÁRIO FOR SUPERIOR A 30 MINUTOS. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. RECONHECIDA . 1. O Tribunal Regional reconheceu a constitucionalidade do art. 384 da CLT, porém restringiu o direito ao intervalo previsto no art. 384 da CLT aos dias em que a sobrejornada for superior a 30 minutos. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há nenhuma restrição para a concessão da pausa prévia à jornada extraordinária da mulher. Isso porque o art. 384 da CLT não fixa tempo mínimo de sobrelabor para a concessão do período de descanso. 3. Desse modo, a decisão do Regional, ao restringir o direito ao intervalo previsto no art. 384 da CLT aos dias em que a sobrejornada for superior a 30 minutos, diverge da jurisprudência atual, notória e iterativa do TST diverge da jurisprudência Julgados. Recurso de revista conhecido e provido. (ARR-11388-03.2016.5.18.0101, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 24/01/2025).
A c. SDI1 traz o mesmo entendimento:
"RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA. INTERVALO ESTATUÍDO PELO ART. 384 DA CLT. INCIDÊNCIA DA DIRETRIZ DA SÚMULA N° 366 DO TST. 1. Esta Corte Superior Trabalhista, em composição plenária, ao rejeitar o incidente de inconstitucionalidade suscitado em recurso de revista, decidiu que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal (TST-IIN-RR-1540/2005-046-12-00. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal nos autos do RE-658312, apreciando o tema 528 da repercussão geral, fixou a tese de que " o art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras ". Assim, homens e mulheres, embora iguais em direitos e obrigações, diferenciam-se em alguns pontos, especialmente no tocante ao aspecto fisiológico, merecendo, portanto, a mulher um tratamento diferenciado quando o trabalho lhe exige um desgaste físico maior, como nas ocasiões em que presta horas extras. Por essa razão, faz jus ao intervalo de quinze minutos antes do início do período extraordinário, sendo que o não cumprimento do intervalo previsto no art. 384 da CLT entre a jornada regular e a extraordinária atrai os efeitos da não observância do intervalo intrajornada (art. 71, § 4º, da CLT) e implica pagamento integral do período de quinze minutos não usufruído, como horas extras. 2. Por outro lado, alguns Regionais tem entendido que o intervalo do art. 384 da CLT apenas é devido nas hipóteses em que o trabalho extraordinário exceder a trinta minutos, o que tem sido rechaçado por esta Corte Superior, ao fundamento de que o mencionado interregno é devido sempre que houver labor em sobrejornada, não havendo fixação legal de um tempo mínimo de sobrelabor para concessão da benesse. 3. Logo, havendo labor extraordinário, a trabalhadora fará jus ao intervalo estatuído no art. 384 da CLT, independentemente da duração da jornada extraordinária. 4. Entretanto, não se pode olvidar que o referido interregno somente será devido diante da efetiva jornada extraordinária, ou seja, da prorrogação do horário normal de trabalho, cuja configuração deve se pautar nas normas afetas ao elastecimento da jornada, tais como o § 1° do art. 58 da CLT e a Súmula n° 366 do TST. 5. Ademais, não haveria como rechaçar a aplicabilidade da diretriz da Súmula n° 366 para efeitos do intervalo estatuído pelo art. 384 da CLT, pois, na verdade, o referido verbete sumulado incide para os fins de se concluir pela existência, ou não, de horas extras e, por conseguinte, pelo direito, ou não, ao intervalo em liça. Recurso de embargos conhecido e não provido" (E-ED-Ag-RR-1304-63.2015.5.09.0121, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 11/02/2022).
Ocorre que, após levantamento, verificou-se que há divergência nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se transcreve:
“INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. Nos termos da Súmula Regional nº 37, o direito ao intervalo do art. 384 da CLT independe da existência de tempo mínimo de labor em jornada extraordinária. RESCISÃO INDIRETA. ATRASO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS E NOS DEPÓSITOS DO FGTS. O reiterado atraso no pagamento dos salários e nos depósitos do FGTS justifica a rescisão indireta do contrato de trabalho, pela incidência da alínea d do art. 483 da CLT. (TRT-4 - ROT: 0020276-42.2022.5.04.0811, Data de Julgamento: 18/03/2024, 2ª Turma)
“INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. Prestadas horas extras, É devida a condenação do empregador ao pagamento do intervalo do art. 384 da CLT nos dias correspondentes. Todavia, nos termos da Súmula nº 22 deste E. Regional, o direito ao intervalo de 15 minutos previsto no art. 384 da CLT será limitado aos casos em que o trabalho extraordinário exceder a 30 minutos diários. Recurso Ordinário da Reclamante conhecido e desprovido, no particular.” (TRT-9 - RORSum: 00002307820235090513, Relator: SERGIO GUIMARAES SAMPAIO, Data de Julgamento: 12/03/2024, 5ª Turma)
Não bastasse isso, destaco que todos os oito precedentes das Turmas desta Corte citados acima deram provimento aos recursos de revista respectivos para reconhecer o direito ao intervalo do art. 384 da CLT, o que deixa evidente que, nesses processos, os respectivos TRTs decidiram em contrariedade à jurisprudência pacífica do TST.
Por outro lado, o representativo definido para alçar o tema a debate, que cumpre os requisitos para ensejar o exame de mérito do tema, também evidencia dissenso em relação à posição do TST, sendo que a questão trazida foi decidida de modo diverso deste c. TST pelo TRT da 9ª Região, no sentido de que é indevido o intervalo do art. 384 da CLT nos dias em que a sobrejornada foi inferior a 30 minutos.
Nesse contexto, verifica-se que o recurso de revista afetado merece conhecimento, por violação do art. 384 da CLT.
Dessa forma, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso reconhecer a necessidade de uniformizar a matéria, através do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência do c. TST.
Nos termos do §5º do art. 132-A do Regimento Interno, procede-se à reafirmação da jurisprudência desta c. Corte:
Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.
Como já mencionado supra, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo devidas, no período anterior à sua revogação pela Lei nº 13.467/17, as horas extras pela inobservância do intervalo nele previsto, não se exigindo tempo mínimo de sobrejornada para a caracterização do direito ao intervalo, conforme precedentes de todas as suas Turmas, assim como da SBDI-1, já transcritos acima.
A jurisprudência desta Corte parte da interpretação do art. 384 da CLT que, em sua redação anterior à Lei 13.467/2017 dispunha que ”Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”.
No julgamento do 154000-83.2005.5.12.0046, o Pleno desta Corte Superior firmou o entendimento de que o referido dispositivo legal foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos:
“MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF. 1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não-recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico. 2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST). 3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso. 4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. 5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado.” (IIN-RR - 154000-83.2005.5.12.0046 , Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 17/11/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DEJT 13/02/2009)
Na mesma linha do entendimento consolidado pelo TST, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 658312, submetido ao regime de repercussão geral (Tema 528), também concluiu pela recepção do art. 384 da CLT pela Constituição Federal de 1988, conforme segue:
“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Direito do Trabalho e Constitucional. Recepção do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho pela Constituição Federal de 1988. Constitucionalidade do intervalo de 15 minutos para mulheres trabalhadoras antes da jornada extraordinária. Ausência de ofensa ao princípio da isonomia. Mantida a decisão do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso não provido. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 528 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do Supremo Tribunal Federal na internet. 2. O princípio da igualdade não é absoluto, sendo mister a verificação da correlação lógica entre a situação de discriminação apresentada e a razão do tratamento desigual. 3. A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para um tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma. 4. Esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado desde que esse sirva, como na hipótese, para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na compensação das diferenças. 5. Recurso extraordinário não provido, com a fixação das teses jurídicas de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e de que a norma se aplica a todas as mulheres trabalhadoras.” (RE 658312, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27-11-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015)
Com efeito, considerando que o art. 384 da CLT não prevê tempo mínimo de sobrejornada para que a trabalhadora tenha direito ao intervalo nele previsto, não pode o intérprete fazê-lo para fins de restringir o direito previsto na norma, sob pena de manifesta ofensa ao dispositivo.
Constatando-se o labor em horas extras e a não concessão do intervalo previsto no art. 384 da CLT, o tempo respectivo é devido como horas extras, acrescidas do adicional, por aplicação analógica do art. 71, § 4º, da CLT.
Saliente-se, todavia, que no julgamento do IncJulgRREmbRep-528-80.2018.5.14.0004 em 25/11/2024, o Pleno desta Corte Superior firmou o entendimento de que “A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência”.
Assim, do julgamento do presente caso, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada nos precedentes das Turmas e da SBDI-1 desta Corte citados acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:
O descumprimento do intervalo previsto no art. 384 da CLT, no período anterior à vigência da Lei nº 13.467/17, enseja o pagamento de 15 minutos como labor extraordinário, não se exigindo tempo mínimo de sobrejornada como condição para concessão do intervalo à mulher.
Diante disso, no mérito, aplica-se o entendimento ora reafirmado no sentido de que somente são devidas as horas extras pela inobservância do intervalo do art. 384 da CLT quanto aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.467/17.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: O descumprimento do intervalo previsto no art. 384 da CLT, no período anterior à vigência da Lei nº 13.467/17, enseja o pagamento de 15 minutos como labor extraordinário, não se exigindo tempo mínimo de sobrejornada como condição para concessão do intervalo à mulher. II – Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por violação do art. 384 da CLT e, no mérito, dar-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada para julgar procedente o pedido de horas extras pela inobservância do art. 384 da CLT, afastando-se o requisito da sobrejornada mínima de 30 minutos fixado pela sentença. Observem-se os demais critérios de cálculo fixados pelas instâncias ordinárias. III – Determinar a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST