A C Ó R D Ã O

(Ac. 3ª Turma)

GMALB/mjsr/scm/AB/exo

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. 1. BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA. CONFIGURAÇÃO. ART. 224, § 2º, DA CLT. Descaracterizado o exercício de cargo de confiança, impossível renegar-se o quadro fático solidificado na instância encarregada da análise da prova, como ordena a Súmula 102, I, do TST. 2. COMPENSAÇÃO - HORAS EXTRAS - GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. Estando a decisão em conformidade com a Súmula 109/TST, não merece processamento o apelo (art. 896, § 4º, da CLT). 3. GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL. BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. O pagamento mensal da gratificação semestral afasta a incidência da Súmula 253 do TST, razão pela qual a parcela repercute no cálculo das horas extras. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-1213-52.2010.5.10.0013 , em que é Agravante BANCO DO BRASIL S.A. e Agravado JOSÉ ALEXANDRE ZANON .

Pelo despacho recorrido, originário do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, denegou-se seguimento ao recurso de revista interposto (fls. 574/575v).

Inconformado, o reclamado interpõe agravo de instrumento, sustentando, em resumo, que o recurso merece regular processamento (fls. 221/228-PE).

Sem contraminuta.

Os autos não foram encaminhados ao d. Ministério Público do Trabalho (RI/TST, art. 83).

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.

MÉRITO.

BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA. CONFIGURAÇÃO. ART. 224, § 2º, DA CLT.

O Eg. TRT negou provimento ao recurso ordinário do reclamado, nos seguintes termos (fls. 525/529):

"(...)

Irrepreensível a r. sentença de primeiro grau.

Restou incontroverso que o obreiro estava submetido à jornada de 08 (oito) horas diárias nesse específico período postulado, pelo que a questão passa pelo exame das atribuições e sua adequação ou não como cargo de confiança para os fins do artigo 224, parágrafo 2º, da CLT, já que ‘a duração normal do trabalho dos empregados em bancos’ ‘será de 6 (seis) horas contínuas’, como disposto no caput do artigo 224 consolidado.

O encargo de demonstrar o exercício do cargo de confiança pertence ao banco Reclamado, porque se trata de fato impeditivo do direito à percepção de horas extras (artigo 818 da CLT c/c artigo 333, inciso II, do CPC), haja vista que a jornada normal dos empregados de estabelecimentos bancários é, repito, de 6 (seis) horas.

Para configurar o exercício de cargo de confiança, não basta a simples percepção de gratificação correspondente a 1/3 do salário e a denominação aparentemente mais destacada do cargo ocupado, sendo imprescindível também a demonstração da fidúcia especial depositada no empregado.

Os documentos acostados aos autos pelo Reclamado não trazem qualquer contribuição para demonstrar o exercício de cargo revestido de fidúcia especial pela parte Autora.

O depoimento prestado pelo Reclamante não desmente as afirmações deduzidas na peça exordial de ausência de poder diretivo e de prestação de trabalho subordinado, como também não denota confiança diferenciada que tenha sido depositada em sua pessoa.

Note-se, de todo modo, que o próprio preposto do Reclamado confirmou as alegações obreiras, assim o desempenho de atividades meramente técnicas e sem autonomia alguma, ainda que mediante comissionamento (fls. 455/456):

‘(...) que o depoente ratifica as declarações do reclamante, com exceção àquela relativa à forma de assunção da função, já que desconhece o procedimento praticado à época; (...)’

(Grifei)

Assim, o empregador, no caso dos autos o Banco do Brasil S.A., não se desincumbiu do ônus de demonstrar a função especial ensejadora do enquadramento fático à hipótese legal descrita, como exigido pela jurisprudência.

Assevero, neste aspecto em particular, que o Autor não exerceu nas suas funções de analista de informática e de assessor sênior TI UE alguma atividade essencial ou de caráter estratégico dentro do Banco do Brasil.

As atividades executadas pelo obreiro delineiam-se meramente técnicas, sem subordinados, sem maiores poderes ou responsabilidades que requeiram grau maior de fidúcia, eis que ele apenas elaborava programas e dava a respectiva manutenção, consequentemente destituído de cunho decisório e sem acesso a segredos empresariais.

Além disso, as alegações do Reclamado no sentido de que o Reclamante trabalhava em unidade estratégica, assumindo algumas relevantes responsabilidades, não prosperam. A lotação do empregado público não revela, por si, a confiança especial nele depositada, sendo que o fato que identifica este elemento subjetivo são as reais atribuições desenvolvidas. Do mesmo modo, não há dúvidas de que as atividades do obreiro pudessem ser relevantes para o empregador, aliás, espera-se que as atividades de todos os outros empregados também o sejam, sem implicar, necessariamente, especial fidúcia.

Na verdade, há algum tempo, vários casos noticiam que o Reclamado, assim como outros bancos, passou a qualificar praticamente todos seus funcionários como exercentes de cargos de confiança para enquadrá-los em regime de 08 (oito) horas diárias, sob o enfoque da exceção do parágrafo 2º, do artigo 224, consolidado.

O resultado é que os casos em que a exceção de fato se verifica acabam por perder-se, muitas vezes, na avalanche de situações esdrúxulas em que não há a menor possibilidade de configuração de fidúcia especial para enquadrar o trabalhador na jornada estendida.

Não tenho dúvidas, portanto, que emerge silenciosa uma revolta das instituições com o regime jurídico vigente aplicável aos bancários e aos economiários, mas não é ao modo pretendido pelo banco Reclamado, com submissão geral dos seus empregados a uma situação de inexistente confiança ensejadora do enquadramento na jornada comum dos trabalhadores que a questão possa ser resolvida, mas por outra, que envolve o embate das concessões entre patrões e empregados para alcançar novas normas mais adequadas às mudanças do mundo e do País.

Neste diapasão, a tentativa do banco Reclamado em desqualificar, por sua conta, a situação dos seus empregados como economiários típicos, assim não se lhes aplicando a norma horária própria dos bancários em geral (ainda que não mais típicos), ao espúrio argumento da concessão de comissionamento por fidúcia, não parece admissível.

Ademais, assim considerado, no caso específico não emerge a exceção pretendida pelo Reclamado para enquadrar a parte Autora no artigo 224, parágrafo 2º, consolidado: não há atividade alguma de fidúcia especial, além do que a percepção de gratificação para mascarar o devido adimplemento de horas extras pertinentes à 7ª e 8ª horas trabalhadas não se mostra aceitável, já que mera verba dissimulada que deveria integrar o próprio salário-base e acaba por dele se desprender para tentar justificar o injustificável ou para dissimular o que não pode remunerar pela falta de correlação dos valores e títulos devidos por conta da sobrejornada realizada.

Não há dúvida, como antes mencionado, que a função exercida pelo obreiro delineia-se como meramente técnica, sem subordinados, sem maiores poderes ou mesmo responsabilidades que demande um maior grau de fidúcia e, ante tal constatação, emerge que o Autor não exercia função de confiança, posto que não tinha um mínimo de poder decisório e também não lidava com procedimentos confidenciais, não podendo esta realidade fática ser desvirtuada como pretende o banco Reclamado.

Dessa forma, não sendo comprovada a existência de responsabilidades especiais, mas unicamente aquelas técnico-operacionais pertinentes à área de atuação da parte Acionante, intentando a gratificação por ela recebida a contraprestação devida ante a complexidade das atividades atinentes aos cargos que exercia, não há como se cogitar em desempenho de função de confiança, nos estritos termos do artigo 224, parágrafo 2º, da CLT, ainda que receba gratificação de função ou de atividade.

Especificamente em relação à alegação recursal de que o obreiro teria manifestado expresso interesse em ocupar função que previa jornada laboral de 08 (oito) horas diárias, dentro do que estabelecia o PCC do empregador, a legislação trabalhista veda qualquer alteração nas condições de trabalho que venha a ser prejudicial para o empregado, ainda que seja estabelecida com a concordância daquele.

Assim sendo, reconheço a submissão do Reclamante à jornada de 06 (seis) horas diárias típica dos bancários, e considero como extraordinárias a 7ª e 8ª horas trabalhadas, por incontroversas, nos exatos termos da decisão de origem.

Apenas para que seja arguida omissão, assinalo que inexiste ofensa àqueles dispositivos legais e constitucionais apontados no apelo.

Nego provimento ao apelo neste aspecto".

O reclamado se insurge quanto à condenação imposta, alegando a desnecessidade da existência de amplos poderes de mando para o caso em questão. Indica ofensa aos arts. 62 e 224, § 2º, da CLT e contrariedade à Súmula 102, I, do TST. Colaciona arestos.

O Colegiado de origem verificou, com base no conjunto probatório dos autos, que o reclamante não era detentor de fidúcia especial, necessária à configuração de função de confiança bancária, nos moldes do art. 224, § 2º, da CLT.

Nos termos do item I da Súmula 102 desta Corte:

"A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos".

Logo, a aplicação do art. 224, § 2º, da CLT imprescinde da análise das reais atribuições do empregado, premissa fática que, uma vez estabelecida, torna-se infensa a reexame, em sede de recurso de revista.

Esta é a situação peculiar dos autos, como se constata da fundamentação lançada no acórdão regional.

Em decorrência, não há que se falar em violação dos preceitos evocados no apelo, que foram objeto de interpretação adequada, segundo o contexto probatório dos autos.

Da mesma forma, inexiste contrariedade ao item I da Súmula 102 do TST.

A impossibilidade de reexame de tal contexto torna ocioso o confronto jurisprudencial com os arestos ofertados (Súmulas 126 e 296/TST).

COMPENSAÇÃO - HORAS EXTRAS - GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO.

O Regional negou provimento ao apelo patronal, assim se pronunciando (fls. 530/532):

" c) horas extras: base de cálculo: compensação com o valor da gratificação: adicional de função (AF):

(...) PREVALECENDO O VOTO DO EXMO.SR.DESEMBARGADOR REVISOR:

‘Peço vênia ao Exmo. Desembargador Relator para apresentar a seguinte divergência, especificamente quanto ao tema da ‘COMPENSAÇÃO’, já que quanto aos demais tópicos recursais, perfilho do mesmo entendimento lançado no voto condutor. Pois bem. O voto propõe o provimento parcial do apelo empresarial para determinar a compensação da gratificação percebida pelo reclamante com as horas extras que lhe foram deferidas, aplicando, por extensão, a Orientação Jurisprudencial Transitória nº 70 da SBDI-1 do col. TST. Tenho opinião diversa. Penso que ao presente caso é aplicável o entendimento consolidado na Súmula n.º 109 do col. TST. Além disso, no âmbito do Banco do Brasil não há previsão normativa no sentido de pagamento de valor diferenciado ao bancário, conforme labore 6 ou 8 horas diárias. Faço notar que, devido a esse fato, a jurisprudência mencionada pelo Exmo. Des. Relator é aplicável apenas nas ações direcionadas à Caixa Econômica Federal, porque versa sobre parâmetros diversos ao quanto debatido nestes autos. Logo, ao reclamado não se estende o entendimento externado na citada Orientação Jurisprudencial Transitória Nego, pois, provimento ao recurso empresarial, nesta fração. É o voto’ ".

Insurge-se o reclamado, apontando lesão aos arts. 6º da LIDB, 182 do CCB e 224, § 2º, da CLT e contrariedade à OJ 17 da SBDI-1 e à Súmula 109 do TST. Colaciona arestos.

Desmerecerá apreço o verbete indicado somente no presente agravo, por flagrante inovação recursal.

O art. 6º da LIDB não trata da matéria sob exame.

Não vislumbro contrariedade à OJ 17 da SBDI-1/TST, uma vez que se refere a adicionais salariais, matéria diversa.

Contrariamente do que alega a parte, a decisão está em conformidade com a Súmula 109/TST, assim redigida:

"O bancário não enquadrado no § 2º do art. 224 da CLT, que receba gratificação de função, não pode ter o salário relativo a horas extraordinárias compensado com o valor daquela vantagem".

Na presença de situação moldada ao art. 896, § 4º, da CLT, impossível pretender-se o processamento da revista, com base em divergência jurisprudencial.

Pelo mesmo motivo, não há que se falar em maltrato aos preceitos evocados no apelo.

GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL - BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS.

A Corte de origem negou provimento ao recurso ordinário do reclamado, nos seguintes termos (fls. 529/530):

"(...)

Não prospera a alegação recursal.

A parcela denominada ‘gratificação semestral’ era paga mensalmente ao Reclamante, desnaturando a sua condição de semestral para configurar um verdadeiro ‘plus’ salarial, assim integrando a remuneração mensal, inclusive porque adimplida com habitualidade, e com isso compõe a remuneração para todos os efeitos legais.

Assim sendo, dada a habitualidade no seu pagamento, a gratificação semestral deve fazer parte da base de cálculo das horas extras.

Aplicação à espécie do Verbete nº 36-I/TRT-10, que dispõe:

‘BANCO DO BRASIL. GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL. INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. A gratificação semestral, paga mensalmente aos empregados do Banco do Brasil, detém natureza salarial e integra a base de cálculo das horas extras.’

Apenas para que não pairem dúvidas, assinalo que o magistrado de origem não deferiu os reflexos das horas extras sobre a gratificação semestral, circunstância que obstaria a inclusão desta na base de cálculo das extraordinárias.

Nego provimento ao recurso patronal também quanto a este tema".

O reclamado alega que as horas extras refletem sobre a gratificação semestral, não podendo, assim, compor a base de cálculo. Indica contrariedade à Súmula 253 do TST.

Consignou o Regional que a gratificação semestral era paga mensalmente, o que lhe confere caráter salarial, situação diversa daquela a que alude a Súmula 253 do TST.

Mantenho o r. despacho agravado.

Em síntese e pelo exposto, conheço do agravo de instrumento e, no mérito, nego-lhe provimento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 27 de fevereiro de 2013.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006)

Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira

Ministro Relator