A C Ó R D Ã O

(Órgão Especial)

IGM/wh/as

REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO NO TRT DA 1ª REGIÃO - ATO COATOR CONSISTENTE NO INDEFERIMENTO DA INSCRIÇÃO DA CANDIDATA EM VAGA DESTINADA A PARDOS E NEGROS - OBSERVÂNCIA DA LEI 12.990/14 , DA ORIENTAÇÃO NORMATIVA 3/16 DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO E DO EDITAL DO CERTAME - NÃO CARACTERIZADA A ILEGALIDADE DO ATO OU O ABUSO DE PODER – PROVIMENTO DE AMBOS OS APELOS – SEGURANÇA DENEGADA .

1. A Lei 12.990/14, em seu art. 1º, dispõe que "ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União".

2. O Supremo Tribunal Federal fixou a tese jurídica de que "é constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa" (STF-ADC/DF 41, Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 17/08/17) .

3. Por sua vez, a Orientação Normativa 3/16 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, vigente à época do Concurso Público realizado pelo TRT da 1ª Região, a qual estabelece

"regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros para fins do disposto na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 1994", estipula em seu art. 2º, II e § 1º, respectivamente, que os editais de concurso devem "prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração, com a indicação de comissão designada para tal fim, com competência deliberativa", bem como que as "formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato". E tal fixação no fenótipo tem sua razão de ser, na medida em que eventual discriminação adviria da apareência, sendo que a política de cotas visa a coibí-la e não à promoção de determinados segmentos da sociedade em razão de sua ascendência, fundada no genótipo das pessoas.

4. O Edital de Concurso 01/18 do TRT da 1ª Região previu expressamente que a avaliação da Comissão quanto à condição de pessoa negra considerará o "fenótipo apresentado pelo candidato e foto tirada pela equipe do Instituto AOCP, no momento da aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa preta ou parda", e que "as formas e os critérios de aferição da veracidade da autodeclaração considerarão, presencialmente, tão somente os aspectos fenótipos dos candidatos" (item 6.8 , "c" e "d"), disciplinando, ainda, que o candidato será considerado não enquadrado na condição de pessoa preta ou parda, dentre outros motivos, quando "houver unanimidade entre os integrantes da Comissão quanto ao não atendimento do quesito cor ou raça por parte do candidato" (itens 6.9 e 6.9.3).

5. In casu, o 1º Regional concedeu a segurança para deferir a inscrição da candidata (ora Impetrante) no aludido concurso , em vaga destinada a pardos e negros, por entender que o forte acervo probatório juntado aos autos, consistente em documentos e fotografias não apenas pessoais, mas também de seu genitor, genitora e avó, não deixa margem a dúvida quanto ao alegado na exordial, tanto em relação ao seu fenótipo ("parda") quanto ao tratamento diferenciado efetuado pela Comissão avaliadora.

6. Analisado o recurso da União porém, conclui-se assistir razão à Recorrente, pois: a) considerado o arcabouço jurídico supracitado e a tese fixada pelo STF, nos autos da ADC 41, a autodeclaração do candidato quanto ao seu fenótipo goza de presunção relativa de veracidade, e não absoluta, devendo, portanto, ser confrontada com outros elementos (formas e critérios), a fim de se aferir a veracidade da informação, de modo a coibir eventual fraude à política estatal de ação afirmativa alusiva às cotas raciais; b) as regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros em concursos públicos foram estabelecidas na Orientação Normativa 3/16 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e seguidas pelo edital e comissão examinadora do TRT da 1ª Região; c) in casu, a Comissão de heteroidentificação do certame, analisando tão somente, como previsto no edital, os traços fenotípicos da Candidata, tais como, cabelo, nariz, espessura dos lábios, formato de olhos e orelhas, forma de crescimento dos fios de cabelo e barba, tonalidade da pele nos braços e pernas e tomando cautelas, inclusive, a respeito da exposição da pele ao sol – bronzeamento, bem como a foto tirada no momento do procedimento de aferição, concluiu, à unanimidade, que "a candidata não apresenta os fenótipos característicos"; d) se apenas um examinador da Comissão houvesse considerado a Candidata parda, ela não teria sido excluída do concurso, porém, tendo sido unânime a conclusão, tem-se que o Poder Judiciário não pode se substituir à Banca Examinadora para corrigir suposto equívoco perpetrado na avaliação dos traços fenotípicos da Impetrante; e) o acervo fotográfico da Candidata, de seu genitor, genitora e avó paterna, juntado no presente writ, com o escopo de comprovar os seus traços fenotípicos como parda, não tem o condão, por si só, de modificar o resultado da avaliação da Banca Examinadora, pois, a contrario sensu, por mais absurdo que possa parecer diante da simples análise visual das referidas fotografias, se mantido o acórdão regional, tal decisão, aí sim, configuraria flagrante ilegalidade frente à conclusão da Comissão de heteroidentificação, porquanto levado em consideração critério não previsto no edital do concurso.

7. Desse modo, ante a ausência de ilegalidade do ato ou do abuso de poder, ambos os apelos merecem provimento, a fim de ser denegada a segurança.

Reexame necessário e recurso ordinário providos, para denegar a segurança .

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário e Recurso Ordinário n° TST-ReeNec e RO-101690-93.2018.5.01.0000 , em que é Recorrente UNIÃO (PGU) e Recorrida RENATA ARÊAS GOMES VIGNERON e Autoridades Coatoras PRESIDENTE DO INSTITUTO AOCP e DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO .

R E L A T Ó R I O

Renata Arêas Gomes Vigneron impetrou mandado de segurança , com pedido liminar (págs. 11-28), contra ato praticado pelo Presidente do TRT da 1ª Região que indeferiu o seu pedido de inscrição como candidata em vaga destinada a pardos e negros (cfr. págs. 651, 652, 668 e 669).

No mérito , sustentou, em síntese, que:

a) se inscreveu no concurso realizado pelo TRT da 1ª Região para os cargos de "Analista Judiciário , na Área Judiciária", e "Analista Judiciário , Especialidade Oficial de Justiça Avaliador", oportunidade na qual se autodeclarou parda;

b) apesar de ter sido classificada no 352º lugar para o cargo de analista judiciário e no 37º lugar para o cargo de oficial de justiça, a Comissão avaliadora, de forma surpreendente, entendeu que a ora Impetrante não era parda, o que resultou na sua eliminação prematura do certame e impediu a correção de suas provas discursivas;

c) foi eliminada sem nenhum tipo de fundamentação idônea , tendo a Banca Examinadora se limitado a divulgar uma singela lista dos candidatos cujo prosseguimento no concurso restou indeferido, o que vai de encontro aos princípios da impessoalidade e do devido processo legal;

d) interpôs recurso administrativo às cegas contra a referida decisão (cfr. págs. 756-762) , por não ter conhecimento das razões de sua eliminação, sendo que a Banca respondeu de forma padronizada , sem rechaçar os argumentos do apelo (cfr. págs. 762-764);

e) conforme acervo fotográfico juntado aos autos, não há dúvida de que a Impetrante é parda (cfr. págs. 31 e 777-786), pois o seu pai (Sr. Osvaldo Luiz Manhães Vigneron) é negro , embora conste ser pardo em sua certidão de nascimento (cfr. págs. 790 , 791 e 795), sua mãe (Sra. Zélia Arêas Gomes das Neves) é parda, como consta na certidão de nascimento (cfr. págs. 788 , 789 e 793) , e a sua avó paterna é negra (cfr. pág. 792);

f) muitos candidatos aprovados pela Comissão ostentam características físicas idênticas ou muito semelhantes ao perfil da Impetrante , como demonstrado por fotos em redes sociais (cfr. págs. 800-804);

g) a Lei 12.990/14 foi alvo de Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF, que confirmou a sua compatibilidade com a Carta Magna de 1988 , notadamente com o princípio da igualdade, sendo que a referida Lei adotou uma opção muito clara quanto ao mecanismo a ser utilizado para a aferição da cor do candidato , qual seja, a autodeclaração, sem prejuízo da utilização de outros mecanismos para coibir fraudes;

h) o Ministério do Planejamento editou a Orientação Normativa 3/16 , que dispõe sobre as regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros para fins do disposto na Lei 12.990/14, pela qual os postulantes a algum cargo na Administração Pública Federal que se declararem pretos ou pardos serão submetidos a uma avaliação exclusivamente fenotípica a ser realizada por uma comissão , do que se conclui que a autodeclaração conjugada com a avaliação fenotípica realizada pela comissão materializam critérios igualmente relevantes e imbuídos de um mesmo objetivo, qual seja, evitar a ocorrência de fraudes , para que pessoas que não são pretas ou pardas ocupem cargos públicos via cotas raciais, o que subverteria toda a lógica da ação afirmativa;

i) por fim, requereu a sua inclusão " na listagem de cotistas que tiveram o seu prosseguimento no concurso deferido (Analista judiciário – área judiciária e Analista judiciário – oficial de justiça avaliador), bem como que tenha as suas avaliações discursivas corrigidas (Analista judiciário – área judiciária e Analista judiciário – oficial de justiça avaliador) " (pág. 28).

O 1º Regional concedeu a segurança para " deferir sua inscrição no Concurso para Ingresso nos quadros do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região em vaga destinada a negros , prosseguindo no certame enquanto restarem atendidos os requisitos previstos e exigidos no respectivo Edital " (cfr. pág. 1.317), pelos seguintes fundamentos:

a) segundo Petrônio Domingues , Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e estudioso do movimento negro, em entrevista à revista Carta Capital, a " raça não existe cientificamente. No limite, é um critério político de definição. Raça é uma invenção, uma construção. Qualquer comissão que for constituída vai usar também critérios políticos e arbitrários". O professor defende o sistema de autodeclaração, mesmo com o risco de haver algum caso isolado de fraude. Sustentando que "o perigoso é partir dessa comissão todo o sistema de ações afirmativas e o sistema de cotas em especial perder credibilidade, ser colocado em xeque em função disso " (pág. 1.315);

b) o Professor Dennis Oliveira , da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) , afirma que grande parte do movimento negro é a favor das comissões, justamente por reduzir o risco de candidatos usarem de má-fé e que " a fraude é minoritária, mas existe ", salientando, ainda, que deve haver mecanismo de controle em todas as políticas públicas e , infelizmente, a autodeclaração não é suficiente, uma vez que " já presenciei casos de pessoas brancas que fizeram bronzeamento artificial. As fraudes são usadas, inclusive, para desmoralizar essa política tão importante " . Defende, assim, a existência de uma mistura de critérios, a fim de aferir se a pessoa é parda ou negra , e que outra forma de atestar a afro-descendência é a comprovação de que pai ou mãe são negros ou pardos, visto que " o conceito de pardo é muito amplo, mas se estiver escrito na certidão de nascimento que aquela pessoa é parda, não tem como recusar um documento oficial " (págs. 1.315-1.316);

c) o mesmo Professor Dennis define que " as pessoas pardas são aquelas que tem mãe negra e pai branco ou vice-versa, ou aquelas cujos pais são pardos e ainda assim, nem sempre é possível determinar a cor da pessoa, principalmente quando não há essa informação na documentação de nascimento ou quando o pai é desconhecido, defendendo para estes casos, que as comissões realizem pequenas entrevistas, para entender o grau de pertencimento do candidato, não podendo esse questionário ser algo traumático, servindo apenas para evitar que a política de cotas seja fraudada, eis que em sua opinião, a simples possibilidade de se fazerem comissões pode inibir que brancos tentem burlar as cotas " (pág. 1.316);

d) para Rodrigo Gomes , mestrando da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Direito Constitucional e comunidades quilombolas, o primeiro passo para termos uma comissão justa é entender que cada cidade ou universidade vive uma realidade específica e , segundo ele, Salvador e São Luís têm uma realidade racial completamente distinta de Brasília, por exemplo, sendo importante que cada instituição tenha essa consciência, afirmando que " fiz parte da comissão da pós-graduação em Direito da Unb, que tem um número bem menor de candidatos. A Universidade de Brasília foi a primeira do Brasil a instalar as cotas e, por isso, temos essa perspectiva cultural tão importante " (pág. 1.316)

e) o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão publicou a Orientação Normativa 3/16 sobre as regras de aferição da autodeclaração prestada por candidatos negros , em concursos públicos de órgãos federais e instituições que respondem à União, devendo cada edital prever e detalhar os métodos de verificação, indicando como será composta a comissão e em que momento do processo ela ocorrerá;

f) apesar de explicar quais fatores são necessários para os comitês avaliativos, cada organização continua livre para desenhar o seu processo avaliativo e entender como as comissões podem fazer jus à importância da política de cotas, olhando inicialmente o fenótipo, porquanto o objetivo é o de não permitir que as pessoas brancas se façam passar por negras, a fim de tirar as vagas daqueles que realmente precisam da política afirmativa;

g) mesmo que tenham afro-descendência , aqueles que têm a pele mais clara devem concorrer às vagas junto aos brancos, na chamada ampla concorrência, eis que o fenótipo é mais importante e a prioridade deve ser atender sempre os que têm a pele mais escura, que são os que mais sofrem preconceito;

h) in casu , o forte acervo probatório trazido pela Impetrante, consistente em documentos e fotografias , não apenas pessoais (ID's 21594a6, 0665734 e ec49d67), mas também de seu genitor , genitora e avó (ID's 2c3c7f6), não deixa margem a dúvida quanto ao alegado na exordial, tanto no que concerne ao seu fenótipo quanto ao tratamento diferenciado dispensado pela Comissão que a avaliou;

i) necessário examinar , para fins de confronto com a referida prova fotográfica , aquela de igual natureza e relativa a outros candidatos do certame , identificados nos documentos no ID 9a5384a e que foram extraídas pela Impetrante das redes sociais, os quais apresentam seu mesmo fenótipo , mas que, contraditoriamente , tiveram os respectivos pedidos de inscrição deferidos , caracterizando, portanto, induvidosa discriminação;

j) restou comprovado que a Impetrante atendeu plenamente os requisitos para ser deferida em definitivo a sua inscrição em vaga destinada a pardos e negros , porquanto ilegal o ato impugnado (págs. 1.306-1.317) .

Inconformada, a União ( PGU ) interpõe o presente recurso ordinário (págs. 1.326-1.336) , sustentando que não restou violado o direito líquido e certo da Impetrante, tampouco o ato hostilizado reveste-se de abuso de poder ou de ilegalidade (seja por vício formal ou material), pois:

a) embora o art. 2º da Lei 12.990/14 tenha estabelecido o critério da autodeclaração da condição prevista na lei, há necessidade de verificação posterior visando afastar possível desvirtuamento do escopo pretendido com a política pública afirmativa veiculada na referida norma;

b) a manifestação exarada pela Comissão responsável por aferir a conformidade da autodeclaração encontra-se devidamente motivada , tratando-se de pronunciamento veiculado por profissionais especialmente habilitados e com renomada expertise na respectiva área objeto do exame de verificação;

c) a ancestralidade ou consanguinidade não são suficientes para evidenciar , por si só , o direito de a Postulante concorrer à reserva de vaga em relação à cota racial, como bem destacado no parecer do Ministério Público do Trabalho , verbis :

"[ ...]

E mais. Destaca-se que a decisão da Comissão, ao se basear única e exclusivamente no fenótipo da candidata – e não na sua ascendência e no seu genótipo –, acompanhou a Orientação Normativa nº 3/2016 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, prevista no art. 2º, § 1º.

Com efeito, é cediço que a discriminação sofrida pela população negra ao longo dos anos reside justamente nas características fenotípicas, ou seja, no modo como a candidata se apresenta na sociedade, com suas características externas e visíveis, e não de acordo com o produto de seu exame genético.

Destarte, tendo a Comissão – composta por membros que detêm expertise na temática e que analisou pessoalmente a impetrante – concluído pelo não enquadramento da impetrante na condição de negra, a partir da análise discricionária e exclusiva de seu fenótipo, não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-se em tal análise para chancelar ou modificar tal entendimento, diante do conceito jurídico fluido do enquadramento como negra.

Inviabiliza-se, portanto, o cotejo, pelo Judiciário, do fenótipo da impetrante de per si considerada ou em comparação com os demais candidatos cuja inscrição especial fora confirmada, devendo ser respeitada a decisão da Comissão, uma vez que adotada com base em critérios objetivos (fenótipos), expressamente apontados na respectiva decisão" (cfr. págs. 1.332-1.333);

d) as razões que conduziram ao indeferimento da inscrição da Candidata como negra ou parda foram ratificadas na manifestação prestada pelo Instituto organizador do certame , ao pontuar que " ao contrário do que alega o Impetrante, a avaliação não é feita de maneira subjetiva, sendo que a Banca se vale da análise de traços característicos como: cabelo, nariz, espessura dos lábios, formato de olhos e orelha, forma de crescimento dos fios de cabelo e barba, tonalidade da pele nos braços e pernas, tomando cautelas, inclusive, a respeito, da exposição da pele ao sol (bronzeamento) " (cfr. pág. 1.333);

e) tampouco a existência de documentos de identificação pessoal da Impetrante nos quais constasse o registro de "cor parda", o que nem sequer foi alegado ou juntado aos autos, seriam suficientes para afastar as conclusões a que chegou a Banca Examinadora , uma vez que devem também ser considerados aspectos fenótipos do candidato, como bem assinalado no seguinte precedente:

" ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. CRITÉRIO DE AUTODECLARAÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA. COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO CRITÉRIO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO BASEADO NO FENÓTIPO. LEGALIDADE .

1. Como é cediço, a intervenção do Poder Judiciário no âmbito de concurso público deve restringir-se ao exame da legalidade do certame e do respeito às normas do edital que o norteia.

2. No presente caso, a comissão designada para verificar a veracidade da autodeclaração prestadas pelos candidatos negros ou pardos analisou o fenótipo do candidato – mediante avaliação presencial - e concluiu pela eliminação do impetrante do concurso, por entender que o candidato não possuía o fenótipo de ‘pardo’, inviabilizando sua aprovação no concurso nas vagas das cotas destinadas à candidatos negros e pardos.

3. A autodeclaração pelo candidato é condição necessária, mas não suficiente, para concorrer às vagas reservadas aos cotistas de cor negra/parda. Nesse sentido, depreende-se que a autodeclaração não constitui presunção absoluta de afrodescendência, podendo ser o candidato submetido à análise e verificação por banca designada pelo Poder Público para tal mister .

4. No caso dos autos, o edital do concurso, foi retificado para fazer a inclusão, no seu item 21, da previsão da aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros ou pardos, consoante a Orientação Normativa nº 03, de 1º de agosto de 2016, que determinou que os concursos já em andamento deveriam retificar seus editais para atender às novas regras previstas na referida orientação.

5. Tal medida se propõe para evitar que a autodeclaração transforme-se em instrumento de fraude à lei, em prejuízo justamente do segmento social que o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) visa a proteger.

6. Neste desiderato, devem ser considerados os aspectos fenotípicos do candidato, pois, se o sistema de cotas raciais visa a reparar e compensar a discriminação social, real ou hipotética, sofrida pelo afrodescendente, para que dele se valha o candidato, faz-se imperioso que ostente o fenótipo negro ou pardo. Se não o possui, não é discriminado, e, consequentemente, não faz jus ao privilégio concorrencial .

7. In casu, o edital previu que a autodeclaração seria confirmada por uma comissão julgadora composta por no mínimo 3 integrantes designados pelo Reitor do IFMS, a qual consideraria, tão-somente, os aspectos fenotípicos do candidato, aferidos obrigatoriamente na presença do candidato.

8. Saliente-se que, nesses casos, as alegações de ancestralidade e consanguinidade não são definidoras de direitos para que os candidatos possam figurar nas vagas reservadas. Assim, ainda que a certidão de nascimento do autor conste a sua cor como parda, o critério estabelecido pela banca é o do fenótipo e não do genótipo.

9. De mais a mais, frise-se que os elementos constantes dos autos também não são suficientes para infirmar a conclusão da Comissão Avaliadora, a qual à unanimidade concluiu que o candidato não apresentava traço fenótipo de negro/pardo.

10. É certo que a conclusão da Comissão Avaliadora não pode ser considerada arbitrária, porquanto afastou o conteúdo da autodeclaração, no exercício de sua legítima função regimental. Assim, o acolhimento da pretensão da parte autora requer a superação da presunção de legitimidade desse ato administrativo, que somente pode ser elidida mediante prova em contrário, a qual não foi de plano produzida na via estreita desses autos de mandado de segurança .

11. Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap – APELAÇÃO CÍVEL - 368717 - 0012052-89.2016.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 20/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/09/2017)" (sic) (cfr. págs. 1.333-1.335)(grifos originais) .

O pleito da Impetrante visando o imediato cumprimento do acórdão regional (págs. 1.321-1.322) foi indeferido pela Presidência do 1º Regional (pág. 1.363).

Admitido o apelo, no duplo efeito (págs. 1.337 e 1.363), foram apresentadas contrarrazões (págs. 1.340-1.356), tendo o Ministério Público do Trabalho, em manifestação do Dr. Ronaldo Tolentino da Silva , pronunciado-se pela falta de interesse público de modo a justificar a intervenção do Parquet (pág. 1.379).

É o relatório.

V O T O

I) CONHECIMENTO

O reexame necessário é cabível, nos termos da Súmula 303, IV, do TST e do art. 14, § 1º, da Lei 12.016/09. O recurso ordinário é tempestivo (págs. 1.320 e 1.327), tem representação regular, porquanto subscrito por Advogada da União, e não houve condenação em custas, razão pela qual merece conhecimento .

II) PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO

Em contrarrazões , requer a Impetrante seja acolhida a preliminar de não conhecimento do recurso ordinário da União, pois " o recurso apresentado não preenche o pressuposto da dialeticidade ou discursividade recursal, uma vez que suas razões são demasiadamente genéricas " (págs. 1.341-1.343).

Da análise do recurso ordinário , verifica-se efetivamente que foram atacados os fundamentos da decisão recorrida (cfr. págs. 1.326-1.336), o que afasta o óbice da Súmula 422, I, do TST.

Ademais, porquanto cabível o reexame necessário , in casu , à luz da Súmula 303, IV, do TST e do art. 14, § 1º, da Lei 12.016/09, tem-se que toda a matéria vertida no presente writ é devolvida para análise desta Corte.

Assim, REJEITA-SE, a preliminar.

III) MÉRITO

1) ATO COATOR

O presente writ impugna ato praticado pelo Presidente do TRT da 1ª Região (cfr. págs. 652, 666, 668 e 669) que indeferiu o pedido de inscrição da ora Impetrante como candidata em vaga destinada a pardos e negros, no concurso público destinado ao provimento dos cargos de " Analista Judiciário, Área Judiciária " , e " Analista Judiciário, Especialidade Oficial de Justiça Avaliador ", verbis:

" EDITAL N º 13/2018 - DE RESULTADO DA AFERIÇÃO DA VERACIDADE DA AUTO DECLARAÇÃO COMO PESSOA PRETA OU PARDA CONCURSO PÚBLICO TRT 1 ª REGIÃO - R J

O Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região – TRT 1ª Região, no uso de suas atribuições legais, mediante as condições estipuladas neste Edital, seu anexo e demais disposições legais aplicáveis, TORNA PÚBLICO o EDITAL Nº 13/2018 – DE RESULTADO DA AFERIÇÃO DA VERACIDADE DA AUTODECLARAÇÃO COMO PESSOA PRETA OU PARDA , para o CONCURSO PÚBLICO TRT 1ª Região – RJ, aberto pelo Edital n° 01/2018, conforme as seguintes disposições:

Art. 1º Fica divulgado no ANEXO ÚNICO deste Edital, o resultado da Aferição da Veracidade da Autodeclaração como Pessoa Preta ou Parda, realizada no dia 29/07/2018, dos candidatos convocados pelo Edital Nº 12/2018 – de Convocação para Aferição da Veracidade da Autodeclaração como Pessoa Preta ou Parda, divulgado em 18/07/2018 no endereço eletrônico.

Art. 2º Quanto ao resultado divulgado caberá interposição de recurso, que deverá ser protocolado em formulário próprio, disponível no endereço eletrônico , no período da 0h00min do dia 06/08/2018 até as 23h59min do dia 07/08/2018, observado o horário oficial de Brasília – DF.

Art. 3º Este Edital entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições contrárias.

Rio de Janeiro/RJ, 02 de agosto de 2018" (pág. 651, grifos nossos).

" ANEXO ÚNICO DO EDITAL N º 13/2018 - DE RESULTADO DA AFERIÇÃO DA VERACIDADE DA AUTODECLARAÇÃO COMO PESSOA PRETA OU PARDA

CONCURSO PÚBLICO TRT 1ª REGIÃO - RJ

Art. 1º Fica divulgado abaixo, o resultado da Aferição da Veracidade da Autodeclaração como Pessoa Negra ou Parda realizada no dia 29/07/2018 , dos candidatos que foram deferidos como Pessoa Negra ou Parda, em conformidade com a Lei n° 12.990/2014, e normativa do item 6 do Edital de Abertura nº 01/2018:

[...]

402 - ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA JUDICIÁRIA

[...]

403 - ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA JUDICIÁRIA-ESPEC OFICIAL DE JUSTIÇA AVALIADOR FEDERAL

[...]

[...]" (grifos nossos).

2) EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO

O referido ato não comporta outro meio de impugnação que não seja o mandado de segurança, por se tratar de decisão de cunho administrativo cujo recurso tem efeito meramente devolutivo, sendo perfeitamente cabível o writ , nos termos do art. 5º, I, da Lei 12.016/09.

3) DECADÊNCIA

O ato coator foi proferido em 02/08/18 (cfr. págs. 651, 652, 666, 668 e 669) , sendo que o presente writ foi impetrado em 13/09/18 (cfr. págs. 2 e 28), portanto dentro do prazo decadencial de 120 dias de que cogita o art. 23 da Lei 12.016/09.

4) DIREITO LÍQUIDO E CERTO

A Lei 12.990/14 assim dispõe:

" Art. Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.

§ 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três).

§ 2º Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas a candidatos negros, esse será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos), ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos).

§ 3º A reserva de vagas a candidatos negros constará expressamente dos editais dos concursos públicos , que deverão especificar o total de vagas correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido.

Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público , conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Parágrafo único. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis" (grifos nossos).

O Supremo Tribunal Federal , nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade 41 , fixou a tese jurídica de que " é constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa " (STF-ADC/DF 41, Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso , DJe de 17/08/17).

Por sua vez, a Orientação Normativa 3/16 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que dispõe sobre as " regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros para fins do disposto na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014 ", assim dispõe:

" Art. 1º Estabelecer orientação para aferição da veracidade da informação prestada por candidatos negros, que se declararem pretos ou pardos , para fins do disposto no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 12.990, de 2014.

Art. 2º Nos editais de concurso público para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União deverão ser abordados os seguintes aspectos :

I - especificar que as informações prestadas no momento da inscrição são de inteira responsabilidade do candidato;

II - prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração, com a indicação de comissão designada para tal fim, com competência deliberativa ;

III - informar em que momento, obrigatoriamente antes da homologação do resultado final do concurso público, se dará a verificação da veracidade da autodeclaração; e

IV - prever a possibilidade de recurso para candidatos não considerados pretos ou pardos após decisão da comissão.

§ 1º As formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato .

§ 2º A comissão designada para a verificação da veracidade da autodeclaração deverá ter seus membros distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.

§ 3º Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Art. 3º Concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União em andamento, ou seja, antes da publicação da homologação do resultado final, que não tiverem a previsão da verificação da veracidade da autodeclaração, deverão ter seus editais retificados para atender ao determinado por esta Orientação Normativa " (grifos nossos).

A Portaria Normativa 4/18 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que " regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014 ", estabelece que , verbis :

" Art. 1º - Esta Portaria Normativa disciplina o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, a ser previsto nos editais de abertura de concursos públicos para provimento de cargos públicos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, para fins de preenchimento das vagas reservadas, previstas na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014.

Parágrafo único - O procedimento de heteroidentificação previsto nesta Portaria Normativa submete-se aos seguintes princípios e diretrizes:

I - respeito à dignidade da pessoa humana;

II - observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal;

III - garantia de padronização e de igualdade de tratamento entre os candidatos submetidos ao procedimento de heteroidentificação promovido no mesmo concurso público;

IV - garantia da publicidade e do controle social do procedimento de heteroidentificação, resguardadas as hipóteses de sigilo previstas nesta Portaria Normativa;

V - atendimento ao dever de autotutela da legalidade pela administração pública; e

VI - garantia da efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas a candidatos negros nos concursos públicos de ingresso no serviço público federal.

Art. 2º - Para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros, o candidato deverá assim se autodeclarar, no momento da inscrição no concurso público, de acordo com os critérios de raça e cor utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

§ 1º - Os candidatos que se autodeclararem negros indicarão em campo específico, no momento da inscrição, se pretendem concorrer pelo sistema de reserva de vagas.

§ 2º - Até o final do período de inscrição do concurso público, será facultado ao candidato desistir de concorrer pelo sistema de reserva de vagas.

§ 3º - Os candidatos negros que optarem por concorrer às vagas reservadas na forma do § 1º concorrerão concomitantemente às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com sua classificação no concurso público.

Art. 3º - A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade.

§ 1º - Sem prejuízo do disposto no  caput , a autodeclaração do candidato será confirmada mediante procedimento de heteroidentificação;

§ 2º A presunção relativa de veracidade de que goza a autodeclaração do candidato prevalecerá em caso de dúvida razoável a respeito de seu fenótipo, motivada no parecer da comissão de heteroidentificação.

Art. 4º - Os editais de abertura de concursos públicos para provimento de cargos públicos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional explicitarão as providências a serem adotadas no procedimento de heteroidentificação, nos termos da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, bem como o local provável de sua realização.

Seção II

Do Procedimento para Fins de Heteroidentificação

Art. 5º - Considera-se procedimento de heteroidentificação a identificação por terceiros da condição autodeclarada.

Art. 6º - O procedimento de heteroidentificação será realizado por comissão criada especificamente para este fim.

§ 1º - A comissão de heteroidentificação será constituída por cidadãos:

I - de reputação ilibada;

II - residentes no Brasil;

III - que tenham participado de oficina sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo com base em conteúdo disponibilizado pelo órgão responsável pela promoção da igualdade étnica previsto no § 1º do art. 49 da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010; e

IV - preferencialmente experientes na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo.

§ 2º - A comissão de heteroidentificação será composta por cinco membros e seus suplentes.

§ 3º - Em caso de impedimento ou suspeição, nos termos dos artigos 18 a 21 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, o membro da comissão de heteroidentificação será substituído por suplente.

§ 4º - A composição da comissão de heteroidentificação deverá atender ao critério da diversidade, garantindo que seus membros sejam distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.

Art. 7º - Os membros da comissão de heteroidentificação assinarão termo de confidencialidade sobre as informações pessoais dos candidatos a que tiverem acesso durante o procedimento de heteroidentificação.

§ 1º - Serão resguardos o sigilo dos nomes dos membros da comissão de heteroidentificação, podendo ser disponibilizados aos órgãos de controle interno e externo, se requeridos.

§ 2º - Os currículos dos membros da comissão de heteroidentificação deverão ser publicados em sítio eletrônico da entidade responsável pela realização do certame.

Art. 8º - Os candidatos que optarem por concorrer às vagas reservadas às pessoas negras, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência, e satisfizerem as condições de habilitação estabelecidas em edital deverão se submeter ao procedimento de heteroidentificação.

§ 1º - O edital definirá se o procedimento de heteroidentificação será promovido sob a forma presencial ou, excepcionalmente e por decisão motivada, telepresencial, mediante utilização de recursos de tecnologia de comunicação.

§ 2º - A fase específica do procedimento de heteroidentificação ocorrerá imediatamente antes do curso de formação, quando houver, e da homologação do resultado final do concurso público.

§ 3º - Será convocada para o procedimento de heteroidentificação, no mínimo, a quantidade de candidatos equivalente a três vezes o número de vagas reservadas às pessoas negras previstas no edital, ou dez candidatos, o que for maior, resguardadas as condições de aprovação estabelecidas no edital do concurso.

§ 4º - Os candidatos habilitados dentro do quantitativo previsto no § 3º serão convocados para participarem do procedimento de heteroidentificação, com indicação de local, data e horário prováveis para realização do procedimento.

§ 5º - O candidato que não comparecer ao procedimento de heteroidentificação será eliminado do concurso público, dispensada a convocação suplementar de candidatos não habilitados.

Art. 9º - A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público.

§ 1º - Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação.

§ 2º - Não serão considerados, para os fins do  caput , quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

Art. 10 - O procedimento de heteroidentificação será filmado e sua gravação será utilizada na análise de eventuais recursos interpostos pelos candidatos.

Parágrafo único - O candidato que recusar a realização da filmagem do procedimento para fins de heteroidentificação, nos termos do  caput , será eliminado do concurso público, dispensada a convocação suplementar de candidatos não habilitados.

Art. 11 - Serão eliminados do concurso público os candidatos cujas autodeclarações não forem confirmadas em procedimento de heteroidentificação, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência e independentemente de alegação de boa-fé.

Parágrafo único - A eliminação de candidato por não confirmação da autodeclaração não enseja o dever de convocar suplementarmente candidatos não convocados para o procedimento de heteroidentificação.

Art. 12 - A comissão de heteroidentificação deliberará pela maioria dos seus membros, sob forma de parecer motivado.

§ 1º - As deliberações da comissão de heteroidentificação terão validade apenas para o concurso público para o qual foi designada, não servindo para outras finalidades.

§ 2º - É vedado à comissão de heteroidentificação deliberar na presença dos candidatos.

§ 3º - O teor do parecer motivado será de acesso restrito, nos termos do art. 31 da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.

§ 4º - O resultado provisório do procedimento de heteroidentificação será publicado em sítio eletrônico da entidade responsável pela realização do certame, do qual constarão os dados de identificação do candidato, a conclusão do parecer da comissão de heteroidentificação a respeito da confirmação da autodeclaração e as condições para exercício do direito de recurso pelos interessados.

Seção III

Da Fase Recursal

Art. 13 - Os editais preverão a existência de comissão recursal.

§ 1º - A comissão recursal será composta por três integrantes distintos dos membros da comissão de heteroidentificação.

§ 2º - Aplica-se à comissão recursal o disposto nos artigos 6º, 7º e 12.

Art. 14 - Das decisões da comissão de heteroidentificação caberá recurso dirigido à comissão recursal, nos termos do edital.

Parágrafo único - Em face de decisão que não confirmar a autodeclaração terá interesse recursal o candidato por ela prejudicado.

Art. 15 - Em suas decisões, a comissão recursal deverá considerar a filmagem do procedimento para fins de heteroidentificação, o parecer emitido pela comissão e o conteúdo do recurso elaborado pelo candidato.

§ 1º - Das decisões da comissão recursal não caberá recurso.

§ 2º - O resultado definitivo do procedimento de heteroidentificação será publicado em sítio eletrônico da entidade responsável pela realização do certame, do qual constarão os dados de identificação do candidato e a conclusão final a respeito da confirmação da autodeclaração.

Seção IV

Disposições Finais

Art. 16 - Não se aplicam as disposições desta Portaria Normativa aos concursos públicos cujos editais de abertura estejam publicados na data de sua entrada em vigor.

Art. 17 - Esta Portaria Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 18 - Fica revogada a Orientação Normativa SEGRT/MP nº 3, de 1º de agosto de 2016, da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho no Serviço Público do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão".

Ora, a fixação no fenótipo como elemento caracterizador da diferenciação racial tem sua razão de ser, na medida em que eventual discriminação adviria da aparência pessoal, sendo que a política de cotas visa a coibí-la e não à promoção de determinados segumentos da sociedade em razão de sua ascendência racial, social ou cultural, eventualmente fundado no genótipo das pessoas.

O Edital de Abertura 01/18 do Concurso Público do TRT da 1ª Região (cfr. págs. 35-56), em seu item 6 , que trata da " reserva de vagas aos candidatos negros ", assim dispõe, verbis :

" 6.1 Conforme previsto na Lei nº 12.990/2014, serão reservados 20% (vinte por cento) das vagas dos cargos elencados na Tabela 2.1 deste Edital, durante validade do Concurso Público, aos candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos.

[...]

6.3 Para concorrer às vagas reservadas, o candidato deverá, no momento do preenchimento do Formulário de Solicitação de Inscrição, se declarar preto ou pardo, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

[....]

6.3.3 A autodeclaracão terá validade somente para este concurso público.

[...]

6.7 Os candidatos inscritos como negros, aprovados neste Concurso Público, serão convocados pelo Instituto AOCP, antes da homologação do resultado final do concurso, para o comparecimento presencial para aferição da veracidade da autodeclaração como negro, com a finalidade de atestar o enquadramento previsto na Lei nº 12.990/2014. O documento da autodeclaração como pessoa preta ou parda, em conformidade com a Lei nº 12.990/2014, será fornecido pelo Instituto AOCP.

6.7.1 Somente será convocado para realizar a aferição o candidato inscrito como negro que obter a pontuação estabelecida no subitem 9.4 (Prova Objetiva) e estar classificado na prova objetiva até o limite disposto na Tabela 6.1, além de não ser eliminado por outros critérios estabelecidos neste Edital.

[...]

6.7.5 O Instituto AOCP constituirá uma Banca examinadora para aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa negra com requisitos habilitantes, conforme determinado pela Orientação Normativa nº 3 de 1º de agosto de 2016. A Banca Examinadora será responsável pela emissão de um parecer conclusivo favorável ou não à declaração do candidato, considerando os aspectos fenotípicos deste.

6.8 A avaliação da Comissão quanto à condição de pessoa negra considerará os seguintes aspectos :

a) informação prestada no ato da inscrição quanto à condição de pessoa preta ou parda;

b) autodeclaração assinada pelo(a) candidato(a) no momento da aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa preta ou parda, ratificando sua condição de pessoa preta ou parda, indicada no ato da inscrição;

c) fenótipo apresentado pelo(a) candidato(a) e foto (s) tirada(s) pela equipe do Instituto AOCP, no momento da aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa preta ou parda ;

d) as formas e os critérios de aferição da veracidade da autodeclaração considerarão, presencialmente, tão somente os aspectos fenotípicos dos candidatos .

[...]

6.9 O(a) candidato(a) será considerado(a) não enquadrado(a) na condição de pessoa preta ou parda quando:

6.9.1 não cumprir os requisitos indicados no subitem 6.8;

[...]

6.9.3 houver unanimidade entre os integrantes da Comissão quanto ao não atendimento do quesito cor ou raça por parte do(a) candidato (a)" (cfr. págs. 41-42) (grifos nossos).

Quanto ao mérito, assiste razão à Recorrente ( União ), pois, diversamente do entendimento esposado na exordial pela Impetrante e pelo acórdão regional , verifica-se que:

a) considerado o arcabouço jurídico supracitado e a tese fixada pelo STF , nos autos da ADC 41 , a autodeclaração do candidato quanto ao seu fenótipo goza de presunção relativa de veracidade , e não absoluta, devendo, portanto, ser confrontada com outros elementos ( formas e critérios ), a fim de aferir a veracidade da informação , de modo a coibir eventual fraude à política governamental de ação afirmativa alusiva às cotas raciais ;

b) as regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros em concursos públicos foram estabelecidas na Orientação Normativa 3/16 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão , vigente à época do Concurso Público realizado pelo TRT da 1ª Região, que, em seu art. 2º, II e § 1º , respectivamente, dispôs que os editais de concurso devem " prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração, com a indicação de comissão designada para tal fim, com competência deliberativa ", bem como que as " formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar , tão somente , os aspectos fenotípicos do candidato , os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato " (grifos nossos);

c) o edital do concurso em apreço previu expressamente, no item 6.8 , letras "c" e "d" (cfr. pág. 42), que a avaliação da Comissão quanto à condição de pessoa negra considerará, de forma presencial , tão somente os aspectos fenotípicos do candidato e a foto tirada pela equipe do Instituto AOCP, no momento da aferição da veracidade da autodeclaração como pessoa preta ou parda;

d) os itens 6.9 e 6.9.3 do edital em questão dispuseram que o candidato será considerado não enquadrado na condição de pessoa preta ou parda quando, dentre outros motivos, houver unanimidade entre os membros integrantes da Comissão quanto ao não atendimento do quesito cor ou raça;

e) in casu, a Comissão de heteroidentificação do certame , analisando tão somente, como previsto no edital , os traços fenotípicos da Candidata, tais como, cabelo, nariz, espessura dos lábios, formato de olhos e orelhas, forma de crescimento dos fios de cabelo e barba, tonalidade da pele nos braços e pernas e tomando cautelas, inclusive, a respeito da exposição da pele ao sol – bronzeamento (cfr. pág. 1.060) , bem como a foto tirada no momento do procedimento de aferição (cfr. pág. 1.061), concluiu, à unanimidade, que " a candidata não apresenta os fenótipos característicos " (cfr. pág. 1.062);

f) se apenas um examinador da Comissão houvesse considerado a Candidata parda , ela não teria sido excluída do concurso, porém, tendo sido unânime a conclusão, tem-se que o Poder Judiciário não pode se substituir a Banca Examinadora para corrigir suposto equívoco perpetrado na avaliação dos traços fenotípicos da Impetrante;

g) o acervo fotográfico da Candidata , de seu genitor , genitora e avó paterna , juntado no presente writ (cfr. págs. 777-792), com o escopo de comprovar os seus traços fenotípicos como pard ", não tem o condão, por si só, de modificar o resultado da avaliação da Banca examinadora, pois, a contrario sensu , por mais absurdo que possa parecer diante da simples análise visual das referidas fotografias, se mantido o acórdão regional , tal decisão, aí sim, configuraria flagrante ilegalidade frente à conclusão da Comissão de heteroidentificação , porquanto levado em consideração critério não previsto no edital do concurso .

Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes do Órgão Especial desta Corte:

" MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO QUADRO PERMANENTE DE PESSOAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. INSCRIÇÃO PARA VAGAS DESTINADAS A CANDIDATOS NEGROS INDEFERIMENTO DO ENQUADRAMENTO DO IMPETRANTE PELA COMISSÃO AVALIADORA INSTITUÍDA PELO EDITAL DO CERTAME. ILEGALIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado em face de ato do Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, consistente na manutenção do indeferimento do reconhecimento do impetrante como negro pela comissão instituída pelo edital do concurso público para provimento de cargos do quadro permanente desta Corte Superior.

2. A Lei nº 12.990/2014, como ação afirmativa em consonância com o princípio da isonomia, instituiu uma reserva aos negros de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mistas controladas pela União.

3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, firmou a seguinte tese jurídica: ‘É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa’.

4. Em consonância com a tese firmada pela Suprema Corte quanto à legitimidade da utilização de critério subsidiário à autodeclaração, o edital do concurso público para provimento de cargos do quadro permanente do Tribunal Superior do Trabalho estabeleceu que ‘os candidatos aprovados no concurso que se autodeclararem negros serão convocados, antes da homologação do resultado final do concurso público, por meio de Edital específico, para avaliação da veracidade de sua declaração por Comissão a ser instituída pelo Tribunal Superior do Trabalho para esse fim’, sendo que a avaliação levará em consideração, além da autodeclaração firmada no momento da inscrição, os critérios de fenotipia do candidato.

5. Previu o edital do certame que será considerado negro o candidato que assim for reconhecido por pelo menos um dos três membros da comissão avaliadora.

6. Na presente hipótese, a Comissão instituída pelo edital do concurso público para provimento de cargos do quadro permanente do Tribunal Superior do Trabalho, com base em critérios de fenotipia, indeferiu o enquadramento do impetrante como negro, ratificando a decisão administrativa no julgamento do recurso administrativo.

7. Justamente pelo fato de o edital do concurso público, lei interna do certame em conformidade com a tese jurídica firmada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, prever que, além da autodeclaração, o candidato deverá ser avaliado por uma comissão que utilizará critérios de fenotipia para confirmar o enquadramento como negro, não se configura a ilegalidade do ato coator com base em fotos selecionadas e anexadas pelo requerente no momento em que impetrada a ação mandamental.

8. Corrobora a tese de ausência de ilegalidade ou abusividade do ato impugnado a Portaria Normativa nº 4/2018 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei nº 12.990/2014.

9. De acordo com o artigo 9º da referida portaria, a comissão de heteroidentificação do certamente utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato, sendo tais características aferidas ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação.

10. O § 2º do artigo 9º da citada Portaria nº 4/2018 é expresso em consignar que não serão considerados, para fins de avaliação do critério fenotípico, quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

11. Considerando que as fotos selecionadas e anexadas pelo impetrante com a petição inicial da ação mandamental não têm o condão de afastar a avaliação realizada pela comissão avaliadora, não se visualiza a violação de direito líquido e certo, hábil a concessão da segurança, nos termos do artigo 1º da Lei nº 12.016/2009.

Segurança Denegada " (TST-MS-1000530-35.2018.5.00.0000, Rel. Min. Emmanoel Pereira, DEJT de 17/05/19).

" MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO E APRECIADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.105/2015. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DO QUADRO PERMANENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. CANDIDATA QUE CONCORRE ÀS VAGAS RESERVADAS AOS NEGROS. NÃO CONFIRMAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO DA CANDIDATA COMO PARDA PELA COMISSÃO AVALIADORA, NO PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO, DO CRITÉRIO DE FENOTIPIA PREVISTO NA LEI Nº 12.990/2014 E NO EDITAL DE ABERTURA DO CONCURSO.

Discute-se o enquadramento da impetrante como parda, de forma a garantir sua participação em concurso público, concorrendo a vaga destinada aos candidatos negros. A Lei nº 12.990/2014 prevê a reserva de 20% das vagas ofertadas em concurso público para negros. Já a Orientação Normativa nº 3, de 1º/8/2016 (DOU de 2/8/2016), da Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que ‘dispõe sobre regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros para fins do disposto na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014’, a qual estava em vigor quando da publicação do Edital de Abertura do Concurso, estabelecia, no art. 2º, § 1º, que ‘as formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato’. No caso sob exame, a impetrante se autodeclarou parda. O Edital do Concurso, no item 6.15.1, estabelece que ‘a avaliação da Comissão de Avaliação quanto à condição de pessoa negra levará em consideração em seu parecer a autodeclaração firmada no ato de inscrição no concurso público e os critérios de fenotipia do candidato’, em cuja aplicação avalia-se a aparência do candidato. A Comissão de Verificação da Veracidade da Autodeclaração do concurso, composta por três membros indicados pelo Tribunal Superior do Trabalho, conforme previsão editalícia, por unanimidade avaliou que a candidata não é negra ou parda, conforme ID. ec95084. Ressalta-se que o item 6.15.5 do edital do concurso determina que: ‘Será considerado negro o candidato que assim for reconhecido por pelo menos um dos membros da comissão avaliadora’. Com efeito, na avaliação os membros da comissão de heteroidentificação, individualmente e identificados, apenas respondem sim ou não à pergunta: ‘De acordo com a avaliação do fenótipo do candidato diante da apresentação presencial, a Comissão deliberou’ preto ou pardo? (vide ID. ec95084). Não há justificativa para a resposta ou qualquer outra explicação, ficando os candidatos sem saber as razões que levam à rejeição da autodeclaração, porém não havendo previsão de justificativa no edital, prevalece o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Por outro lado, a alegação da impetrante de que foi considerada negra por outras bancas de concurso não a socorre, pois não há previsão em lei ou no edital do concurso de que esse seja um critério vinculativo. Ao contrário, os concursos públicos são independentes e as comissões de heteroidentificação, além de autônomas, são formadas para cada concurso específico, geralmente com indicação do próprio Órgão, não havendo prova alguma de que os membros da comissão que avaliaram a candidata no concurso do Tribunal Superior do Trabalho sejam os mesmos nos outros concursos por ela indicados. Assim, deve prevalecer a avaliação presencial do candidato pela comissão de heteroidentificação. Precedente. Segurança denegada e liminar cassada " (TST-MS-1000605-74.2018.5.00.0000, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT de 06/09/19).

No mesmo sentido, seguem precedentes do Supremo Tribunal Federal :

" DECISÃO

RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. PRECEDENTES. RECLAMAÇÃO À QUAL SE NEGA SEGUIMENTO .

Relatório

1. Reclamação, com requerimento de medida liminar, ajuizada em 12.6.2019 por Ramon Garcia Mendes Vasconcelos contra a decisão proferida no Processo Administrativo n. 23746.000493/2018-16 pela Universidade Federal do Sul da Bahia e a proferida pelo juízo da Vara Federal Cível e Criminal Subseção Judiciária de Teixeira de Freitas/BA no Processo n. 1000154-58.2018.4.01.3313, pelas quais teriam sido contrariadas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186.

O caso

2. O reclamante teria sido selecionado, conforme o Edital n. 36/2017 para ingresso no Curso de Medicina na Universidade Federal do Sul da Bahia pela aplicação da reserva de vagas de acordo com a Lei n. 12.711/2012 e a Resolução n. 7/2017 da Universidade.

A Universidade Federal do Sul da Bahia, pelo Processo Administrativo n. 23746.000493/2018-16, apurou a existência de fraude no processo seletivo e estaria na iminência de cancelamento da matrícula do reclamante.

Contra essa decisão o reclamante ajuizou ação ordinária com requerimento de tutela de urgência, julgada improcedente pelo juízo da Vara Federal Cível e Criminal Subseção Judiciária de Teixeira de Freitas/BA:

‘Trata-se de ação ordinária com pedido liminar, proposta pelo estudante universitário RAMON GARCIA MENDES VASCONCELOS, em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA – UFSB, pretendendo a exclusão da sua submissão à avaliação da cor fenotípica por comissão de heteroidentificação, por considerar a conduta da Universidade ilegal, supostamente violando as regras do edital de progressão para o curso de medicina, além da violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, isonomia, legalidade e boa-fé administrativa. (…)

A controvérsia dos autos reside na indagação acerca da (i)legalidade da instauração da Comissão de Heteroidentificação que possui o escopo de investigar denúncias e demonstrar a correspondência do fenótipo declarado pelo estudante para inscrição através do sistema de cotas para progressão ao curso de medicina, sem que tenha havido previsão no edital do processo seletivo e após o estudante já ter cursado o primeiro ciclo pelo mesmo sistema de cotas, sem ser submetido a avaliação semelhante.

Compulsando os autos, observo que, embora o Edital nº 36/2017 (id. 6233751) tenha disposto que a autodeclaração pelos candidatos cotistas seja condição necessária para o processo seletivo, não aponta que é condição absolutamente suficiente para garantir as vagas reservadas aos cotistas, porquanto, plenamente admissível a confirmação do critério fenótipo por Comissão de Heteroidentificação, mormente quando se apresentam denúncias de ocupação indevida das vagas reservadas aos negros, pardos ou indígenas. (…)

Desta forma, a denominada comissão de heteroidentificação destina-se a evitar burla ao sistema de cotas raciais e assim, não verifico fundamento legal para a exclusão da parte autora em ser submetida a avaliação, a qual se ampara na mera aferição de suas características em correspondência a autodeclaração prestada no certame .

A avaliação, tal como implementada, tem por alegado propósito promover a igualdade material de oportunidades para ingresso diferenciado no ensino superior mediante a instituição de cotas para afrodescendentes lastreado em critério de autodeclaração do candidato, o que se coaduna com o artigo 1º, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial).

A autodeclaração prestada pelo estudante não se reveste de presunção absoluta e, tratando-se de acesso ao ensino superior público, sujeita-se ao crivo da Administração Pública , a qual tem o dever de conferir a veracidade das informações prestadas pelo estudante, pois, do contrário, não haveria hipótese de reconhecimento de falsidade daquela.

Ante o exposto, julgo o pedido, com resolução do IMPROCEDENTE mérito (art. 487, inciso I do CPC)’ (doc. 30).

A presente reclamação é ajuizada contra a decisão proferida no Processo Administrativo n. 23746.000493/2018-16 pela Universidade Federal do Sul da Bahia e a proferida pelo Juízo da Vara Federal Cível e Criminal Subseção Judiciária de Teixeira de Freitas/BA no Processo n. 1000154-58.2018.4.01.3313.

3. O reclamante alega que ‘a Comissão determinou que o órgão de deliberação máxima da Universidade (CONSUNI) cancele a matrícula da parte reclamante, fato que pode ocorrer a qualquer momento. Assim, com a homologação do resultado da Comissão pelo CONSUNI, a matrícula da parte autora será imediatamente cancelada’ (fl. 2, doc. 1).

Sustenta que ‘o vestibular em Universidade Pública é uma espécie de concurso público, razão pela qual deve observar o decidido nos acórdãos da ADPF n. 186 e ADC n. 41 . Heteroidentificação racial é a avaliação da cor fenotípica de alguém feita por terceiros. Sobre o tema da heteroidentificação racial, os acórdãos da ADPF n. 186 e ADC n. 41’ (fl. 3, doc. 1).

Salienta que ‘ a ADPF 186 e a ADC 41 não autorizam heteroidentificação sem previsão no edital . Realizar heteroidentificação sem previsão no edital significa instituir nova etapa no processo seletivo, com exigências adicionais, o que viola o princípio da vinculação ao edital, a legalidade (art. 12, § 1º da Lei 8.112/90) e afeta diretamente sua dignidade humana, intimidade, honra e privacidade’ (fl. 4, doc. 1).

Assevera que ‘a Portaria Normativa n. 4/2018 do Ministério do Planejamento prescreve que a heteroidentificação em concurso público é válida somente se observados os seguintes requisitos : a) Previsão expressa da heteroidentificação no edital disciplinador do certame (art. 1º, caput; art. 4º; art. 8º, § 1º); b) Realização da heteroidentificação antes da conclusão do concurso (art. 8º, § 2º)’ (fl. 5, doc. 1).

Requer ‘liminar para que a UFSB se abstenha de cancelar a matrícula da parte reclamante até o julgamento do mérito da presente reclamação’ (fl. 8, doc. 1).

Pede a gratuidade de justiça e ‘a) seja declarada a nulidade do Processo Administrativo de heteroidentificação n. 23746.000493/2018-16; b) seja declarada a nulidade da decisão reclamada’ (fl. 8, doc. 1).

Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO.

4. No parágrafo único do art. 161 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispõe-se que ‘o Relator poderá julgar a reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal", como ocorre na espécie.

5. Põe-se em foco na presente reclamação se as autoridades reclamadas, ao constatarem fraude na autodeclaração étnico-racial do reclamante e determinar a submissão à avaliação da cor fenotípica por comissão de heteroidentificação , teriam contrariado o decidido pelo Supremo Tribunal Federal nas decisões proferidas na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186.

6. Na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41 , Relator o Ministro Roberto Barroso, este Supremo Tribunal assentou ser constitucional a Lei n. 12.990/2014 :

Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014. Procedência do pedido . 1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator ‘raça’ como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma ‘burocracia representativa’, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei n. 12.990/2014.2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas.4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014. Tese de julgamento: ‘É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa’ ( ADC n. 41 , Relator o Ministro Roberto Barroso , Plenário, DJe 17.8.2017).

Os embargos de declaração opostos na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41 foram acolhidos para assentar ‘que as vagas oferecidas nos concursos promovidos pelas Forças Armadas sujeitam-se à política de cotas prevista na Lei 12.990/2014’ (DJe 7.5.2018).

7. Este Supremo Tribunal julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186 , sob os seguintes fundamentos:

‘ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICORACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente" ( ADPF n. 186 , Relator o Ministro Ricardo Lewandowski , Plenário, DJe 20.10.2014).

8. Na espécie em exame, a autoridade reclamada ressaltou que, ‘embora o Edital n. 36/2017 (id. 6233751) tenha disposto que a autodeclaração pelos candidatos cotistas seja condição necessária para o processo seletivo, não aponta que é condição absolutamente suficiente para garantir as vagas reservadas aos cotistas, porquanto, plenamente admissível a confirmação do critério fenótipo por Comissão de Heteroidentificação, mormente quando se apresentam denúncias de ocupação indevida das vagas reservadas aos negros, pardos ou indígenas’ (fl. 3, doc. 30).

A Universidade Federal do Sul da Bahia determinou a submissão do reclamante à avaliação da cor fenotípica por comissão de heteroidentificação para avaliar a autodeclaração étnico-racial. Assim, apenas se constatada fraude na declaração, a matrícula do reclamante será cancelada.

Nas decisões paradigmáticas, este Supremo Tribunal assentou a constitucionalidade do sistema de reserva de vagas com base em critérios étnico-raciais no processo seletivo para ingresso em instituição pública de ensino superior.

Não se assentou nos paradigmas do Supremo Tribunal Federal o parâmetro a ser utilizado para fins de aferição do direito de acesso às vagas reservadas (autoidentificação, heteroidentificação ou ambos os sistemas combinados).

Patente, portanto, a ausência de identidade material entre a decisão reclamada e o alegado descumprimento dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, tendo sido desatendidos os requisitos constitucionais da reclamação (al. l do inc. I do art. 102 e § 3º do 103-A da Constituição da República).

De se realçar que a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo recursal, sendo instrumento inidôneo para o reexame do conteúdo do ato reclamado. Assim, por exemplo:

‘AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO DECIDIDO NA ADPF 186. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INOCORRÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A FUNDAMENTO DA DECISÃO ORA AGRAVADA. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVI DO . 1. Na ADPF 186, esta Corte afirmou a constitucionalidade do sistema de reserva de vagas com base em critérios étnico-raciais no processo seletivo para ingresso em instituição pública de ensino superior. 2. Não se assentou, naquela oportunidade, qual o parâmetro a ser utilizado para fins de aferição do direito de acesso às vagas reservadas (autoidentificação, heteroidentificação, ou ambos os sistemas combinados). 3. Inexiste, dessarte, identidade material entre o ato de comissão avaliadora que não homologa declaração de autoidentificação e a decisão apontada como paradigma, o que evidencia a ausência de atendimento dos requisitos constitucionais para a utilização da via reclamatória. 4. Ainda que assim não fosse, ultrapassaria os limites da cognição em sede de reclamação constitucional a verificação quanto à correção ou não da decisão que impediu a matrícula da reclamante em universidade, o que demandaria dilação probatória incompatível com a presente ação .5. Agravo regimental desprovido’ (Rcl n. 29.971-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux , Primeira Turma, DJe 17.9.2018).

‘Ausentes os pressupostos legitimadores da reclamação, este remédio constitucional não pode ser utilizado como um atalho processual destinado à submissão imediata do litígio ao exame direto desta Suprema Corte, nem tampouco como sucedâneo recursal viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado’ (Rcl n. 10.036-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa , Plenário, DJe 1º.2.2012).

‘O remédio constitucional da reclamação não pode ser utilizado como um (inadmissível) atalho processual destinado a permitir, por razões de caráter meramente pragmático, a submissão imediata do litígio ao exame direto do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. - A reclamação, constitucionalmente vocacionada a cumprir a dupla função a que alude o art. 102, I, l, da Carta Política (RTJ 134/1033), não se qualifica como sucedâneo recursal nem configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade revela-se estranha à destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida processual. Precedentes’ (Rcl n. 4.381-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJe 5.8.2011).

Ausentes, na espécie, os requisitos processuais viabilizadores do regular trâmite desta reclamação.

9. Pelo exposto, nego seguimento à presente reclamação (§ 1º do art. 21 e parágrafo único do 161 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), prejudicada a medida liminar requerida " (STF-Rcl-35363/BA, decisão monocrática, Rel. Min. Cármen Lúcia , DJE de 19/06/19) (grifos originais e nossos).

" DECISÃO : O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo foi interposto por Thaiane Flor Borges contra acórdão que, proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está assim ementado :

‘PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. CRITÉRIOS DE AUTODECLARAÇÃO. CRITÉRIO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO BASEADO NO FENÓTIPO. NEGATIVA. EDITAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. SISTEMA MISTO DE IDENTIFICAÇÃO. AUTONOMIA DA ADMINISTRAÇÃO.’

A parte ora recorrente, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustentou que o Tribunal ‘a quo’ teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República.

Cumpre ressaltar , desde logo, que a suposta ofensa ao texto constitucional, caso existente , apresentar-se-ia por via reflexa, eis que a sua constatação reclamaria – para que se configurasse – a formulação de juízo prévio de legalidade, fundado na vulneração e infringência de dispositivos de ordem meramente legal. Não se tratando de conflito direto e frontal com o texto da Constituição, como exigido pela jurisprudência da Corte ( RTJ 120/912 , Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ 132/455 , Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável o trânsito do recurso extraordinário.

Com efeito , o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária, ao decidir a controvérsia jurídica objeto deste processo, dirimiu a questão com fundamento em legislação infraconstitucional (Lei nº 12.990/2014), o que torna incognoscível o apelo extremo.

Cabe registrar , de outro lado, que incidem , na espécie, os enunciados constantes das Súmulas 279/STF e 454/STF, que assim dispõem :

‘Para simples reexame de prova, não cabe recurso extraordinário.’ (grifei)

Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário.’ (grifei)

É que , para se acolher o pleito deduzido pela parte recorrente, tornar-se-ia necessário o reexame dos fatos e das provas constantes dos autos e a interpretação de cláusulas contratuais, circunstâncias essas que obstam , como acima observado, o próprio conhecimento do apelo extremo, em face do que se contêm nas Súmulas 279/STF e 454/STF .

A mera análise do acórdão recorrido torna evidente que o Tribunal ‘a quo’, ao proferir a decisão questionada, sustentou as suas conclusões em interpretação de legislação infraconstitucional , em aspectos fático-probatórios e em cláusulas contratuais :

‘Segundo a Lei nº 12.990/14, em seu artigo 1º, ‘caput’, ‘Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

O artigo 3º, ‘caput’, da mesma Lei determina que 'Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.'.

….................

Desta forma, concomitantemente à autodeclaração , critério utilizado pela Lei para definir as características étnico-raciais do candidato, existe a possibilidade de posterior verificação ou confirmação pela Administração , a fim de evitar fraudes . No caso concreto, o critério fenotípico foi o adotado pelo certame, como se infere do Edital 01/2016 (evento 1, Edital 4):

Tem-se, portanto, que a Administração possui a obrigação de ofertar o percentual legal de vagas aos candidatos por cotas raciais, com base em autodeclaração, sendo esta verificável por meio de procedimento determinado pela própria Administração, em edital.

No caso, a Comissão de Verificação, mediante entrevista e observação presencial, entendeu que a impetrante não apresenta fenótipo característico, entendido como 'conjunto de caracteres visíveis de um indivíduo ou de um organismo, em relação a sua constituição e às condições do seu meio ambiente, ou seja, aparência, tais como: tom de pele, cabelos, traços faciais' (evento 1, OUT8).

Portanto, no ponto, devem ser considerados elementos de contexto em que se insere o cidadão, desde seu trabalho, participação cultural e social sobre a temática da raça, como forma de demonstrar o pertencimento real à condição afrodescendente. (...).’

Sendo assim , e em face das razões expostas, ao apreciar o presente agravo, não conheço do recurso extraordinário a que ele se refere, por ser este manifestamente inadmissível (CPC, art. 932, III).

Não incide , neste caso, o que prescreve o art. 85, § 11, do CPC, ante a ausência de condenação em verba honorária na origem" (STF-ARE-1217044/SC, decisão monocrática, Rel. Min. Celso de Mello , DJE de 1º/08/19) (grifos originais e nossos).

Desse modo, ante a ausência de ilegalidade do ato ou de abuso de poder , ambos os apelos merecem provimento , a fim de ser denegada a segurança .

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao reexame necessário e ao recurso ordinário da União, para denegar a segurança . Custas, pela Impetrante, no importe de R$ 200,00 (duzentos reais), calculadas sobre o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) atribuído à causa.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – rejeitar a preliminar de não conhecimento do recurso ordinário, suscitada em contrarrazões; II – conhecer e dar provimento ao reexame necessário e ao recurso ordinário da União, para denegar a segurança . Custas, pela Impetrante, no importe de R$ 200,00 (duzentos reais), calculadas sobre o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) atribuído à causa.

Brasília, 14 de setembro de 2020.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Ministro Relator