A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
GPACV/iao
REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EMPREGADO QUE ACOMPANHA O ABASTECIMENTO DE VEÍCULO POR TERCEIRO. ADICIONAL INDEVIDO. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1 indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado que apenas acompanha o abastecimento do veículo realizado por terceiro? Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: Os empregados motoristas e outros que utilizem ou exerçam atividades em veículo automotor não têm direito ao adicional de periculosidade quando apenas acompanham o abastecimento realizado por terceiro, sem contato direto com o combustível.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST- RRAg - 0020213-03.2023.5.04.0772 , em que são AGRAVANTES SERGIO LUIS BAPTISTA e CONPASUL CONSTRUCAO E SERVICOS LTDA e são AGRAVADOS SERGIO LUIS BAPTISTA e CONPASUL CONSTRUCAO E SERVICOS LTDA e é RECORRIDO SERGIO LUIS BAPTISTA , é RECORRENTE CONPASUL CONSTRUCAO E SERVICOS LTDA e é CUSTOS LEGIS MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO .
O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito turmas e na Subseção I de Dissídios Individuais do TST , ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.
A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.
Apresentada, portanto, a presente proposta de afetação do processo RRAg - 0020213-03.2023.5.04.0772 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica:
Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado que apenas acompanha o abastecimento do veículo realizado por terceiro?
No caso em exame, se trata de tema a ser reafirmado no recurso de revista da reclamada CONPASUL CONSTRUCAO E SERVICOS LTDA., em que consta a matéria acima delimitada (Adicional de periculosidade. Empregado que acompanha o abastecimento de veículo por terceiro.) e, ainda: “Direito Individual do Trabalho / Duração do Trabalho / intervalo Interjonadas”.
Consta, também, agravo de instrumento interposto pela mesma reclamada quanto aos temas “Verbas Remuneratórias, Indenizatórias e Benefícios / Prêmio / Produção”, “Duração do Trabalho /Compensação de Jornada / Compensação em Atividade Insalubre” e “Atos Processuais / Valor da Causa”, bem como agravo de instrumento interposto pelo reclamante quanto ao tema “Verbas Remuneratórias, Indenizatórias e Benefícios / Salário/Diferença Salarial / Salário por Acúmulo de Cargo /Função”.
É o relatório.
V O T O
ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST
A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. A despeito de reiterados recordes de produtividade, é essencial que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda, conforme demonstram as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho, que vem recebendo um volume maior de novos processos em comparação com os últimos anos. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:
“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”
Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.
Quanto à multiplicidade de recursos sobre o debate da questão jurídica no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentado, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST, a partir da temática ora em exame, revelou 376 acórdãos e 738 decisões monocráticas , nos últimos 12 meses (pesquisa realizada em 11/03/2025 no sítio www.tst.jus.br).
A relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema se configura justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Tribunais Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.
O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho pode ser sintetizado no sentido de que o empregado que apenas acompanha o abastecimento do veículo realizado por terceiro não tem direito ao adicional de periculosidade.
Nesse sentido, a jurisprudência de todas as Turmas desta Corte Superior:
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA DE CAMINHÃO. ACOMPANHAMENTO DO ABASTECIMENTO DO VEÍCULO. PARCELA INDEVIDA. TRANSCENDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. 1. A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, em seu papel de ente uniformizador da jurisprudência "interna corporis", tem firme entendimento no sentido de que, na hipótese em que o motorista de caminhão limita-se a acompanhar o abastecimento do veículo realizado por terceiro, não é devido o pagamento do adicional de periculosidade. O mero acompanhamento do serviço não se enquadra no Anexo 2 da NR 16 da Portaria MTb nº 3.214/1978. 2. Considerando que a função precípua desta Corte Superior é a uniformização da jurisprudência trabalhista em âmbito nacional e que o posicionamento deste Tribunal sobre a matéria ora debatida já se encontra firmado, no mesmo sentido do acórdão regional, tem-se que o apelo não se viabiliza, ante os termos do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST. Precedentes desta primeira Turma. Agravo a que se nega provimento. (Ag-AIRR-11415-20.2020.5.15.0039, 1ª Turma , Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 11/10/2024).
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - MOTORISTA QUE ACOMPANHA O ABASTECIMENTO DE VEÍCULO POR TERCEIRO . 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o acompanhamento do abastecimento do veículo pelo motorista não gera, por si só, direito ao adicional de periculosidade. 2. O Quadro 3 do Anexo 2 da NR 16 do Ministério do Trabalho, ao estabelecer as atividades perigosas realizadas na operação em postos de bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos, não contemplou o empregado que acompanha o abastecimento do veículo por terceiros. Precedentes . Agravo interno desprovido " (Ag-AIRR-10783-47.2017.5.15.0120, 2ª Turma , Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 12/04/2024).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEIS NOS 13.015/2014 E 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA QUE APENAS ACOMPANHA O ABASTECIMENTO DO VEÍCULO. PARCELA NÃO DEVIDA. A parte agravante não demonstra o desacerto da decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento, uma vez que o recurso de revista não atendeu ao disposto no art. 896 da CLT. Consoante jurisprudência desta Corte, o acompanhamento do abastecimento do veículo pelo motorista não gera, por si só, direito ao adicional de periculosidade, visto que o Quadro 3 do Anexo 2 da NR 16 do Ministério do Trabalho, ao estabelecer as atividades perigosas realizadas na operação em postos de bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos, não contemplou o empregado que acompanha o abastecimento do veículo por terceiros. Precedentes. Agravo a que se nega provimento" (AIRR-0011205-66.2021.5.15.0060, 3ª Turma , Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 28/02/2025).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE SOB A SISTEMÁTICA DA LEI Nº 13.467/2017 - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - MOTORISTA - ACOMPANHAMENTO DE ABASTECIMENTO - PERMANÊNCIA NA ÁREA DE RISCO APENAS DURANTE O TEMPO DE ESPERA PARA ABASTECIMENTO DO VEÍCULO - INDEVIDO – AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA A C. SBDI-1 firmou o entendimento de que, na hipótese em que o motorista limita-se a acompanhar o abastecimento do veículo realizado por um terceiro, não é devido o pagamento do adicional de periculosidade, por não se enquadrar a atividade na hipótese prevista no Anexo 2 da NR 16 da Portaria nº 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego. Agravo de Instrumento desprovido" (AIRR-0010601-85.2022.5.15.0120, 4ª Turma , Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 08/11/2024).
ECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA. ACOMPANHAMENTO DE ABASTECIMENTO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Na hipótese dos autos, as premissas fáticas contidas no acórdão regional permitem concluir de forma inequívoca que o autor não realizava o abastecimento das máquinas por ele operadas. 2. Na esteira da iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte Superior, o mero acompanhamento de abastecimento de veículo não expõe o trabalhador ao contato direto com o elemento de risco, pelo que ausente a periculosidade da atividade. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-Ag-AIRR-806-08.2017.5.08.0126, 5ª Turma , Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 18/10/2024).
RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ABASTECIMENTO DE VEÍCULO. ACOMPANHAMENTO. INDEVIDO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. A decisão regional foi fundamentada em prova pericial que concluiu ser devido o pagamento do adicional de periculosidade em razão do reclamante acompanhar o abastecimento do veículo em local considerado área de risco. Dessa forma, o Regional consignou em seus fundamentos, reforçando inclusive em sede de decisão de embargos de declaração, que o adicional de periculosidade é devido em razão da condição de adentrar e permanecer dentro da área de risco. Entretanto, é jurisprudência consolidada desta Corte que o empregado que acompanha o abastecimento do veículo por terceiro não fica exposto a agente periculoso, ainda que permaneça na área de risco durante o procedimento. Assim, é indevido o adicional de periculosidade, pois não é atividade prevista no Anexo 2 da NR 16 da Portaria nº 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego. Recurso de revista conhecido e provido . (RR-10336-88.2018.5.15.0099, 6ª Turma , Relator Ministro Antonio Fabricio de Matos Goncalves, DEJT 07/02/2025).
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ACOMPANHAMENTO NO ABASTECIMENTO DE VEÍCULO. INFLAMÁVEIS. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DIREITO À PARCELA. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA CONSTATADA . O Tribunal Regional registrou estar comprovado nos autos que o autor exerceu a função de assessor de mercado empresarial, onde apenas acompanhava o abastecimento dos veículos, para avaliar o funcionamento de equipamentos, ou adentra brevemente na área de risco . Esta Corte Superior possui posicionamento no sentido de que o empregado que apenas acompanha o abastecimento de veículo não faz jus ao adicional de periculosidade, tendo em vista que o Quadro 3 do Anexo 2 da NR 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, ao classificar as atividades perigosas realizadas na operação em postos de bombas de abastecimento de líquidos inflamáveis, se refere apenas ao "operador de bomba e trabalhadores que operam na área de risco". Agravo interno conhecido e não provido. (RRAg-10393-29.2020.5.03.0016, 7ª Turma , Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 21/02/2025).
"AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - REGÊNCIA PELA LEI Nº 13.467/2017 - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ACOMPANHAMENTO DE ABASTECIMENTO VEICULAR . Esta Corte Superior compreende indevido o pagamento do adicional de periculosidade, posto que a atividade de abastecimento veicular era realizada por terceiro e não pelo próprio reclamante. É irrelevante se a atividade era desempenhada de modo contínuo ou intermitente, por longos ou curtos períodos. Desse modo, não faz jus à periculosidade o empregado que realiza o acompanhamento de abastecimento veicular, uma vez que a Norma Regulamentadora 16 do MT somente classifica como perigosa a atividade de contato direto do trabalhador com o inflamável no momento do abastecimento. Deve ser mantida a decisão monocrática que conheceu e deu provimento ao recurso de revista da parte reclamada. Agravo a que se nega provimento" (Ag-RRAg-1000878-69.2020.5.02.0342, 8ª Turma , Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 08/07/2024).
A C. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais posicionou-se no mesmo sentido:
"RECURSO DE EMBARGOS. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA DE ÔNIBUS. ACOMPANHAMENTO DO ABASTECIMENTO DE VEÍCULO. A c. Quarta Turma manteve a decisão por meio da qual se conheceu do recurso de revista da reclamada, por violação do art. 193 da CLT, e, no mérito, deu-lhe provimento para restabelecer a sentença que julgou improcedente o pedido de adicional de periculosidade. Assentou que o “ entendimento desta Corte Superior é no sentido de que o empregado que acompanha o abastecimento do veículo por ele conduzido não faz jus ao pagamento do adicional de periculosidade, porque não configurado o contato direto com inflamáveis, em condições de risco acentuado, nos termos do art. 193 da CLT e da NR-16 do Ministério do Trabalho. ”. Consta incontroverso nos autos a premissa de que “ o abastecimento do veículo por ele dirigido ocorria mediante o deslocamento até posto de gasolina conveniado, onde acompanhava o procedimento ”. O acórdão embargado foi proferido em conformidade com o entendimento firmado nesta Corte Superior, no sentido de que não caracteriza situação perigosa a mera permanência do empregado em área de risco, de forma que, na hipótese do empregado limitar-se a acompanhar o abastecimento realizado por terceiro, sem contato direto com o combustível, não é devido o adicional de periculosidade. Precedentes da SBDI-1. Óbice do artigo 894, § 2º, da CLT. Recurso de embargos não conhecido" (Emb-Ag-ARR-20603-59.2014.5.04.0231 , Subseção I Especializada em Dissídios Individuais , Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 07/03/2025).
A despeito da uniformização da jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, verificou-se que ainda remanescem recentes divergências nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se infere das seguintes ementas:
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. LABOR EM CONTATO COM INFLAMÁVEIS. LAUDO PERICIAL. Constatado pelo perito que o reclamante permanecia habitualmente em área de risco durante o procedimento de abastecimento de óleo diesel, devido o pagamento de adicional de periculosidade.” (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (6ª Turma). Acórdão: 0100870-06.2016.5.01.0207. Relator(a): ANGELO GALVAO ZAMORANO. Data de julgamento: 11/09/2020. Juntado aos autos em 24/09/2020. Disponível em: https://link.jt.jus.br/LErhsH)
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA QUE ACOMPANHA O ABASTECIMENTO DO VEÍCULO. O motorista que acompanha o abastecimento do veículo, realizado por terceiro, não faz jus ao adicional de periculosidade, pois se trata de exposição eventual, nos termos da Súmula nº 364 do TST.” Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (Quarta Turma). Acórdão: 0000228-12.2016.5.05.0531. Relator(a): ALCINO BARBOSA DE FELIZOLA SOARES. Data de julgamento: 15/07/2020. Juntado aos autos em 24/07/2020. Disponível em: https://link.jt.jus.br/GMV3t8)
Feitos tais registros, verifico que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região que, adotando entendimento diverso deste C. Tribunal Superior do Trabalho decidiu no sentido de que é devido o adicional de periculosidade ao motorista que acompanhava o abastecimento do veículo por terceiro. Oportuna a transcrição da decisão de admissibilidade do recurso de revista, quanto ao tema:
Direito Individual do Trabalho / Verbas Remuneratórias, Indenizatórias e Benefícios / Adicional / Adicional de Periculosidade
No item "DO INDEVIDO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE PELO SIMPLES FATO DE ACOMPANHAR O ABASTECIMENTO DO VEÍCULO - CONTRARIEDADE A SUMULA 364 DO TST E INCISO XXXV DO ART. 5º DA CF/88", o trecho transcrito nas razões recursais para demonstrar o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista é o seguinte:
(...)No laudo pericial sob Id dc6fd09, esclarece o perito: "O reclamante informou que acompanhava que era realizado o abastecimento do caminhão 2 vezes por semana. Na sede de Eldorado do Sul era realizada em posto comercial pelo frentista e na sede de Lajeado na sede da reclamada também por frentista. O autor dirigia o caminhão até o local e acompanhava o abastecimento que podia durar 10 minutos.
O autor não operava a bomba de abastecimento, apenas aguardava no local dentro ou fora do caminhão. Permanecendo por poucos minutos na área de abastecimento.
Embora a legislação estabeleça no item 3 da alínea "q" do anexo 2 da NR-16 para a atividade de abastecimento um raio de 7,5 metros ao redor da bomba de abastecimento como área de risco, o autor não operava a bomba e podia permanecer no local por 10 minutos a cada abastecimento por 2 vezes por semana. Não entrava na área de risco para qualquer outra atividade. [...]
A atividade de dirigir o caminhão para o posto de abastecimento e aguardar o abastecimento (dentro ou fora do caminhão) não é enquadrada como periculosa, pois ocorre por um tempo reduzido, não é realizado pelo autor e sim pelo frentista e a bomba de abastecimento possuí diversos mecanismos de proteção para evitar a ocorrência de vazamento, de um Incêndio ou de uma explosão.
Dessa forma, as atividades do autor na reclamada não serão enquadradas como periculosas, não havendo qualquer situação prevista pelo anexo 2 da NR- 16 em suas atividades de trabalho."
Ainda, informa o especialista no laudo complementar de Id 5efa7dd:
"9) Diga senhor perito, se na inspeção in loco foi possível verificar se toda a área da empresa é considerada de risco em razão de não haver delimitação da área de risco do tanque de abastecimento dos caminhões?
Não existe essa possibilidade, já que a área é definida pelo raio.
10) Quando o reclamante laborava nas demais atividades dentro da empresa, este ficava próximo ao tanque de abastecimento dos caminhões?
Não, ficava distante da área de risco, ver figura 9 do laudo pericial. Em vermelho a área de risco e em amarelo a área de circulação do autor em suas atividade de trabalho. Podia entrar em área de risco para levar o caminhão para o abastecimento (até 2 vezes por semana), mas não realizava o abastecimento. Podia permanecer ou não junto ao caminhão durante o abastecimento, porém não configura uma exposição intermitente com risco à vida do autor. [...]
13) Desta forma, o obreiro permanecia exposto a periculosidade quando desenvolvia outras atividades dentro da empresa a não ser a de abastecimento?
Não, pois não entrava na área de risco nas outras atividades."
Nos termos da NR-16 da Portaria nº 3.214 /78 do Ministério do Trabalho, é considerada operação perigosa qualquer atividade executada em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos (letra m do quadro 1 do Anexo nº 2 da NR-16), sendo considerada área de risco "toda a área de operação, abrangendo, no mínimo, círculo com raio de 7,5 metros com centro no ponto de abastecimento e o círculo com raio de 7,5 metros com centro na bomba de abastecimento da viatura e faixa de 7,5 metros de largura para ambos os lados da máquina" (letra q do item 3 do Anexo nº 2 da NR-16) - o que se aplica ao caso dos autos. Sendo incontroverso que a reclamada possuía tanques de combustível em suas dependências em Lajeado /RS (Id dc6fd09) e que o reclamante passou a laborar no local em 24.11.2021 (ficha de registro de Id 82a1f2d), ingressando na área de risco, é devido o adicional de periculosidade a partir de 24.11.2021.
Cabe ressaltar que a exposição permanente é aquela que decorre do conteúdo ocupacional da função do empregado, ou seja, o conceito de contato permanente, para o deferimento do adicional de periculosidade, deve ser considerado quando o trabalho não se mostra eventual, esporádico, fortuito ou acidental, sendo de repelir-se a ideia gramatical de só ser permanente o contínuo e ininterrupto. Com efeito, fazia parte das atividades habituais do reclamante o ingresso na área de risco, o qual ocorria duas vezes por semana, lá permanecendo por cerca de 10 minutos. Aplicável ao caso em análise a primeira parte do entendimento esposado na Súmula 364 do TST: "Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco".
Assim, tendo em vista que o Juiz não está adstrito ao laudo pericial, a teor do art. 479 do CPC, entende-se que o trabalhador faz jus ao pagamento do adicional de periculosidade a partir de 24.11.2021, quando passou a laborar na cidade de Lajeado/RS, considerando os limites da exordial. (...)
Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao recurso do reclamante para acrescer à condenação o pagamento de adicional de periculosidade a partir de 24.11.2021, a ser calculado sobre o salário básico do autor, e reflexos em horas extras, férias com 1/3, 13º salários, aviso-prévio e FGTS com 40%. Não são devidos reflexos em repousos semanais remunerados, por aplicação analógica da OJ 103 da SDI-1 do TST. Determina-se que, em liquidação de sentença, o autor opte pelo adicional mais benéfico (adicional de insalubridade ou adicional de periculosidade).
Admito o recurso de revista no item.
Embora o TST considere que o abastecimento habitual de veículo /máquina pelo empregado, ainda que intermitente, caracterize risco acentuado, com incidência da sua Súmula n. 364, I, primeira parte, está consolidado o entendimento de que, quando esse abastecimento é feito por terceiro, mesmo que acompanhado pelo empregado, com permanência deste último na área de risco, o adicional em questão não é devido, por falta contato direto com inflamável em condições de risco acentuado, carecendo a atividade de enquadramento como perigosa aos termos do art. 193 da CLT e da NR 16 da Portaria MTE n. 3.214/78.
Nesse sentido: [...] No mesmo sentido, decisões unânimes da SDI-I, do TST: E-ED-RR-1057-75.2010.5.15.0029, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 25/05/2018; E-ED-RR-148500-67.2009.5.15.0125, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 13/10/2017; E-ED-ED-RR-2743-88.2012.5.15.0011, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Joao Oreste Dalazen, DEJT 30/09/2016.
Nessa linha, entendo demonstrada a divergência jurisprudencial pelo aresto oriundo do TRT da 11ª Região:
"RECURSO DA RECLAMANTE(...)4- ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - INDEVIDO - MOTORISTA MANOBRISTA - PERMANÊNCIA NA ÁREA DE ABASTECIMENTO - ABASTECIMENTO REALIZADO POR TERCEIROS - A jurisprudência do C. TST sedimentou entendimento no sentido de que, diferentemente do motorista que realiza o abastecimento do veículo, que faz jus ao adicional de periculosidade, o caso em que ele apenas acompanha o abastecimento, realizado por terceiro, não se enquadra na hipótese prevista no Anexo 2 da NR 16, que reconhece a periculosidade na atividade de operador de bomba e de "trabalhadores que operam na área de risco". Recurso improvido, na matéria. Recurso ordinário conhecido e improvido." (TRT-11ª R. - RO 0001561-79.2015.5.11.0009 - - DJe 09.11.2016 - p. 173).
Admito o recurso, com base no artigo 896, alínea "a", da CLT.”
Nesse sentido, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso admitir a necessidade de uniformizar a matéria, por meio do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência, nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno do TST:
“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.”
A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.
Como já mencionado, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que o empregado que apenas acompanha o abastecimento do veículo realizado por terceiro não tem direito ao adicional de periculosidade.
A jurisprudência desta Corte tem por fundamento o disposto no art. 193, I, da CLT e no Anexo 2 da NR 16 do MTE. O referido dispositivo legal preceitua o seguinte:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego , aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
A regulamentação referida no dispositivo transcrito consta do Anexo 2 da NR 16 do MTE, o qual versa sobre “ATIVIDADES E OPERAÇÕES PERIGOSAS COM INFLAMÁVEIS”. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, entre as atividades descritas na norma regulamentadora como perigosas, não está inserido o mero acompanhamento do abastecimento de veículos realizado por terceiros.
Pertinente, ainda, a Súmula nº 364, I, do TST, para afastar o direito ao adicional de periculosidade nesses casos, uma vez que não se tem por configurado trabalho em condição de risco:
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE. I - Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco . Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido.
No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia merece ser conhecido, por contrariedade à Súmula 364, I, do TST, já que a parte logrou demonstrar que o Tribunal Regional julgou procedente o pedido de adicional de periculosidade sem que o reclamante tenha efetivamente laborado em condição de risco.
Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada no julgamento da SBDI-1 transcrito acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:
Os empregados motoristas e outros que utilizem ou exerçam atividades em veículo automotor não têm direito ao adicional de periculosidade quando apenas acompanham o abastecimento realizado por terceiro, sem contato direto com o combustível.
No mérito, quanto ao recurso de revista interposto pela parte reclamada, no tema ora afetado, dou-lhe provimento para julgar improcedente o pedido de adicional de periculosidade e seus reflexos.
Quanto aos demais temas recursais listados no relatório, determina-se a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: Os empregados motoristas e outros que utilizem ou exerçam atividades em veículo automotor não têm direito ao adicional de periculosidade quando apenas acompanham o abastecimento realizado por terceiro, sem contato direto com o combustível . II – Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por contrariedade à Súmula 364, I, do TST, e, no mérito, dar-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada para julgar improcedente o pedido de adicional de periculosidade e seus reflexos. III – Determinar a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST