Poder Judiciário
Justiça do Trabalho
Tribunal Superior do Trabalho

PROCESSO Nº TST-RRAg - 0000734-12.2024.5.17.0001

A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/rsb/rdc

PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. DIRETOR DE COOPERATIVA DE CONSUMO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas do TST, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O dirigente de cooperativa de consumo possui direito à estabilidade provisória ainda que não haja conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador? Incidente de recursos repetitivos admitido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST-RRAg - 0000734-12.2024.5.17.0001, em que é AGRAVANTE DOUGLAS GARCIA DOS REIS e é AGRAVADO BANCO BRADESCO S.A., é RECORRENTE DOUGLAS GARCIA DOS REIS e é RECORRIDO BANCO BRADESCO S.A..

Trata-se de proposta de afetação de recurso, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.

É o relatório.

V O T O

AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME

A matéria discutida no recurso de revista diz respeito a definir se o dirigente de cooperativa de consumo possui direito à estabilidade provisória ainda que não haja conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador.

A Lei n° 5.764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências, estabelece em seu artigo 55 que:

Art. 55. Os empregados de empresas que sejam eleitos diretores de sociedades cooperativas pelos mesmos criadas, gozarão das garantias asseguradas aos dirigentes sindicais pelo artigo 543 da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1° de maio de 1943).

A partir do dispositivo acima transcrito, surgiram duas principais correntes acerca de sua aplicabilidade: a primeira, no sentido de que o diretor de cooperativa de consumo possui direito à estabilidade provisória, qualquer que seja a sua finalidade; a segunda, no sentido de que o diretor de cooperativa de consumo apenas possuiria direito à estabilidade provisória se houvesse conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador.

No caso em exame, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região registrou a premissa fática de que o reclamante foi eleito para compor a Diretoria da Cooperativa de Consumo dos Bancários do Estado do Espírito Santo - COOPBAN, atual COOPCONPIF, em 28/03/2019 e reeleito para mais 4 anos em 31/12/2023; que, ainda quando desempenhava a função de diretor da cooperativa, foi demitido; e que o reclamante não defendia nenhum interesse dos associados da cooperativa que possa se contrapor aos interesses do empregador. Ao final, entendeu o Regional pela inexistência de estabilidade provisória, pois “o mister do reclamante pode ser exercido sem qualquer temor ou pressão por parte do Banco réu”. Assim, deu provimento ao recurso ordinário do reclamado para declarar válida a dispensa do reclamante.

No recurso de revista, a reclamada sustenta que a Lei n° 5.764/1971 não faz qualquer exceção à espécie de cooperativa, tampouco a exigência de conflito de interesse da cooperativa e o empregador; que se a exigência de conflito de interesse fosse necessária, não haveria lógica em o empregador criar uma cooperativa para concorrer com ele mesmo; que se houvesse conflito de interesse, tal fato ensejaria motivo para a dispensa por justa causa; e que a estabilidade se faz necessária pelo fato de o empregado passar a exercer uma atividade paralela, que exige tempo e dedicação, o que não seria de interesse do empregador. Fundamenta o recurso de revista na alegação de ofensa ao art. 55 da Lei n° 5.764/1971 e ao art. 543, caput e §§ 3º e 4º, da CLT, contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 253 da SDI-I e em divergência jurisprudencial.

Assim delineada a controvérsia, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.

MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO

Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput, da CLT, segundo o qual “Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal.” (destaquei).

No que diz respeito ao requisito da multiplicidade de recursos de revista em que se discute a mesma questão de direito do presente caso, verifica-se que, em pesquisa jurisprudencial realizada em 23/07/2025, no sítio eletrônico deste tribunal, adotando-se como critério de busca as expressões “cooperativa”, “consumo” e “estabilidade”, foram localizados, nos últimos 24 meses, 44 acórdãos e 199 decisões monocráticas.

RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE AS TURMAS

O tema de fundo diz respeito à necessidade de haver conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador para que o dirigente de cooperativa de consumo tenha direito à estabilidade provisória cuja relevância decorre da necessidade de sanear a insegurança quanto às diferentes interpretações existentes acerca do tema.

A controvérsia é bastante conhecida e reiteradamente levada à apreciação desta Corte Superior, com expressivo número de demandas já julgadas e ainda em curso na Justiça do Trabalho.

Além disso, a ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas desta Corte incentiva a recorribilidade e propicia o surgimento de entendimentos dissonantes entre os Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema, como precedente qualificado, nos termos do art. 926 do CPC.

Cito, a título de exemplo, os seguintes julgados divergentes de Tribunais Regionais:

ESTABILIDADE SINDICAL. DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE CONSUMO. INAPLICABILIDADE DO ART. 543 DA CLT. A estabilidade prevista no art. 543, § 3º, da CLT é restrita aos dirigentes de cooperativas do ramo da atividade econômica da empregadora, quando previstas em norma coletiva. Inaplicabilidade quando se tratar de cooperativa de consumo não vinculada à atividade bancária. Recurso não provido. (TRT da 1ª Região (5ª Turma). Acórdão: 0100386-59.2023.5.01.0202. Relator(a): PAULO GUILHERME SANTOS PERISSE. Data de julgamento: 09/07/2025).

MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO DE REINTEGRAÇÃO DE EMPREGADO ELEITO DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE CONSUMO. JURISPRUDÊNCIA DO TST QUE NÃO RECONHECE ESTABILIDADE DE EMPREGADO DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE CONSUMO QUANDO NÃO CONFIGURADO CONFLITO DE INTERESSE ENTRE OBJETO SOCIAL E ATIVIDADE DO EMPREGADOR. SEGURANÇA DENEGADA. A Jurisprudência do TST é firme ao não reconhecer o direito à estabilidade de empregado dirigente de cooperativa de consumo quando não se configura conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador. Não demonstrada a probabilidade do direito para o deferimento da tutela de urgência pretendida na presente ação em decorrência da não extensão da garantia da estabilidade prevista no art. 55 da Lei nº 5.764/1971 aos dirigentes de cooperativas de consumo. Segurança denegada. (TRT da 19ª Região (Tribunal Pleno). Acórdão: 0000095-74.2023.5.19.0000. Relator(a): LAERTE NEVES DE SOUZA. Data de julgamento: 07/06/2023).

EMPREGADO DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE CONSUMO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA GARANTIDA POR LEI. REINTEGRAÇÃO. A garantia concedida ao empregado eleito diretor de cooperativa criada pelos próprios empregados tem por escopo resguardar o emprego do dirigente, a fim de permitir a livre persecução dos fins sociais da cooperativa, previstos no artigo 4º da Lei n.º 5.764 /71, sem qualquer pressão por parte da empresa ou de seus prepostos. [...]. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido. (TRT da 16ª Região (1ª Turma). Acórdão: 0016725-85.2020.5.16.0004. Relator(a): JOSE EVANDRO DE SOUZA. Data de julgamento: 20/06/2024).

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE CONSUMO. ART. 55 DA LEI Nº 5.764/71. DECISÃO ANTERIOR COM TRÂNSITO EM JULGADO. Caso em que, em decisão anterior transitada em julgado, foi reconhecida a regularidade da criação da cooperativa de consumo dos bancários e a ilegalidade do desligamento do aqui reclamante por ser dirigente de cooperativa, havendo prova nos autos que ele, depois de tal decisão, novamente foi eleito diretor da mesma cooperativa, para novo mandato. Direito à reintegração reconhecido. Recurso ordinário improvido. (TRT da 18ª Região (2ª TURMA). Acórdão: 0010763-56.2022.5.18.0004. Relator(a): KATHIA MARIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE. Data de julgamento: 12/06/2024).

Com efeito, há entendimentos divergentes entre Turmas do Tribunal, eis que se verificam 6 Turmas decidindo no sentido de que o dirigente de cooperativa de consumo não possui direito à estabilidade provisória no caso em que não haja conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador. Nesse sentido:

"RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA NÃO ASSEGURADA. DIRETOR DE COOPERATIVA DE CONSUMO. À luz da jurisprudência deste Colegiado, a eleição do reclamante para o cargo de diretor de cooperativa de consumo, sem relação com as atividades desenvolvidas pelo empregador, não assegura o direito à estabilidade provisória. Recurso de revista não conhecido" (RR-1060-48.2015.5.17.0013, 1ª Turma, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 07/04/2025).

"AGRAVO INTERNO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. ESTABILIDADE - DIRIGENTE DE COOPERATIVA – AUSÊNCIA DE CONFLITO DE INTERESSES. A estabilidade atribuída ao empregado eleito diretor de cooperativa criada pelos próprios empregados, objetiva essencialmente assegurar que o dirigente possa atuar livremente na defesa dos fins precípuos da sociedade cooperativa, nos termos contidos no art. 4º da Lei nº 5.764/71, sem que seu emprego se encontre ameaçado. Assim, a estabilidade provisória ao emprego assegurada pelo art. 55 da Lei 5.764/1971 visa proteger o dirigente de cooperativa constituída por empregados de eventual perseguição da empregadora, em razão da atividade econômica desenvolvida pela cooperativa, situação que não se vislumbra quando a organização objetiva apenas proporcionar aos cooperados a aquisição de produtos por preços mais baixos do que os de mercado, não conflitando com os interesses da empresa. Nesse sentido, precedentes da e. SBDI-2 do TST, bem como de Turmas desta Corte Superior. No caso em tela, o TRT de origem registrou que o reclamante foi eleito Diretor Presidente de cooperativa, cujo objeto social pretende comercializar produtos alimentícios para seus associados à baixo custo. Deste modo, está evidente a ausência de identidade e similaridade da atividade da cooperativa, exclusivamente de consumo (consumo de alimentos), com a atividade principal da empregadora (instituição bancária), não se justificando a incidência do art. 55 da Lei 5.764/1971 à hipótese dos autos, pelo que o reclamante não faz jus à estabilidade provisória . Precedentes. Agravo interno não provido " (Ag-RR-363-54.2022.5.17.0151, 2ª Turma, Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 03/06/2025).

"AGRAVO EM TUTELA CAUTELAR - DIRETOR DE COOPERATIVA - ESTABILIDADE PROVISÓRIA - OBJETO SOCIAL DA COOPERATIVA DISTINTO DA ATIVIDADE DO EMPREGADOR - EXECUÇÃO PROVISÓRIA JÁ INICIADA E COM REAL POSSIBILIDADE DE REINTEGRAÇÃO IMEDIATA DO RECLAMANTE NO EMPREGO - CONFIGURADO O FUMUS BONI IURIS E O PERICULUM IN MORA - LIMINAR DEFERIDA - DESPROVIMENTO. 1. Trata-se de tutela de urgência, com pedido liminar, aforada pelo Banco Bradesco S.A., no bojo dos presentes autos, objetivando a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento em recurso de revista interposto no Processo TST-AIRR-792-42.2020.5.17.0005, bem como a suspensão da execução provisória (CumpPrSe-0000610-17.2024.5.17.0005), em curso na Vara do Trabalho de origem. 2. In casu , não merece reparo a decisão agravada, em que se deferiu a liminar pleiteada, pois: a) a jurisprudência atual da SBDI-2 e de Turmas desta Corte, inclusive da 4ª Turma, segue no sentido de que a garantia prevista no art. 55 da Lei do Cooperativismo visa à devida proteção daqueles que, por ocuparem posições de poder e tomada de decisão nessas sociedades, acabam se expondo aos empregadores, por vezes, como resultado da defesa dos interesses da categoria econômica ou classe de empregados; b) se o objeto social da cooperativa não conflita com a atividade principal do empregador, ou seja, se a cooperativa não possui interação ou conflito com os empregadores ou seus diretores, não há embasamento para o usufruto de benesse da estabilidade aos dirigentes de cooperativa de consumo; c) o perigo do dano se justifica porquanto já iniciada a execução provisória da sentença, com real possibilidade da determinação de reintegração do Reclamante no emprego, além da eventual constrição de bens do devedor visando à garantia de pagamento das verbas deferidas, aliada ao temor de que o Banco não possa proceder à repetição do indébito caso provido o seu apelo. 3. Não tendo o Agravante apresentado nenhum argumento que infirmasse os fundamentos da decisão hostilizada, esta merece ser mantida incólume, e desprovido o agravo. Agravo desprovido" (Ag-AIRR-792-42.2020.5.17.0005, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 23/08/2024).

"[...]. II - RECURSO DE REVISTA. REGIDO LEI 13.467/2017. ESTABILIDADE PROVISÓRIA DE DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE CONSUMO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. OBJETO SOCIAL DA COOPERATIVA DISTINTO DA ATIVIDADE DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE CONFLITO DE INTERESSES. SÚMULAS 126 E 333 DO TST. TRANSCENDÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. 1. Esta Corte Superior tem entendimento consolidado no sentido de que a estabilidade prevista no artigo 55 da Lei 5.764/1971 direciona-se ao dirigente de cooperativa constituída por empregados de empresa, a fim de protegê-los de eventual pressão ou perseguição por parte do empregador ou de seus prepostos. Fora dessa singular situação, a garantia provisória de emprego não deve ser reconhecida, sob pena de deturpação da regra legal. Com efeito, se o objeto social da cooperativa não conflita com a atividade principal do empregador, ou seja, se a cooperativa não possui interação ou conflito com os empregadores ou seus diretores, não há embasamento para o usufruto de benesse da estabilidade aos dirigentes de cooperativa de consumo. 2. In casu, consta do acórdão regional que a COOCONPROFABRA " tem por finalidade precípua arregimentar fabricantes e/ou comerciantes de eletrodomésticos, eletrônicos de áudio e vídeo, inclusive automotivos, eletro-portáteis, aparelhos de celular, equipamentos e suprimentos de informática, para fornecer aos associados melhores preços e condições de pagamento ". 3. Nesse contexto, a circunstância de o Reclamante ocupar cargo em diretoria de sociedade cooperativa de consumo, cujo objeto não tem pertinência e em nada antagoniza com a atividade empresarial desenvolvida pelo empregador, não é suficiente para atrair a garantia provisória de emprego prevista no art. 55 da Lei 5.764/1971, motivo pelo qual indevido o reconhecimento da estabilidade e reintegração postuladas. Recurso de revista não conhecido" (RRAg-717-79.2016.5.05.0036, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 06/12/2024).

"[...]. II - AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. REINTEGRAÇÃO. ESTABILIDADE. DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE TRABALHO. LEI Nº 12.690/12. ÓBICES DAS SÚMULAS 126 E 297 DO TST. Extrai-se do acórdão regional, após exame do estatuto da COOPERITA - Cooperativa de Consumo dos Propagandistas, propagandistas vendedores e vendedores de produtos farmacêuticos do Estado do Rio de Janeiro - para a qual o autor foi eleito diretor, a premissa fática (Súmula 126 do TST) de que a cooperativa em questão amolda-se ao conceito de cooperativa de trabalho nos termos da Lei 12.690/12. Sendo assim, no tocante à alegação recursal contida na revista de que a " COOPERITA não pode ser enquadrada como cooperativa de trabalho nos termos da Lei nº 12.690/2012", pois teria observado os ditames da Lei 5.764/71, incide o óbice da Súmula 126 do TST. Isso porque a referida alegação é frontalmente contrária ao quadro fático narrado pelo Regional. Ademais, o entendimento desta Corte Superior é no sentido de que o dirigente de cooperativa de trabalho terá direito à estabilidade provisória se ficar demonstrado que há conflito de interesses entre o objeto social desta e a atividade principal do empregador. Precedentes. Todavia, a partir da leitura da decisão recorrida, tem-se que a controvérsia não foi solucionada com base na existência, ou não, de conflito de interesse, o que denota a ausência de tese explícita no acórdão regional sobre a matéria, de modo que incide o óbice da Súmula 297, I, do TST, no aspecto. Também não se cogita de prequestionamento ficto da referida tese jurídica, pois é certo que o recorrente não se valeu dos embargos declaratórios para intentar superar essa barreira. E sem pronunciamento prévio da Corte Regional acerca da tese formulada pelo agravante, o processamento da revista não se perfaz. Inviável, pois, a aferição das violações legais e da divergência jurisprudencial ventiladas, no ponto. Não ficou demonstrado o desacerto da decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento. Agravo não provido. [...]." (Ag-AIRR-101211-21.2017.5.01.0264, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 29/11/2024).

"[...]. 3. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DIRIGENTE DE COOPERATIVA. REGISTRO DE AUSÊNCIA DE CONFLITO ENTRE O OBJETO SOCIAL DA COOPERATIVA E A ATIVIDADE PRINCIPAL DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE CONFRONTO COM O EMPREGADOR NA LIVRE PERSECUÇÃO DOS FINS SOCIAIS DA COOPERATIVA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. A garantia concedida ao empregado eleito diretor de cooperativa criada pelos próprios empregados tem por escopo resguardar o emprego do dirigente, a fim de permitir a livre persecução dos fins sociais da cooperativa, previstos no artigo 4º da Lei n.º 5.764/71, sem qualquer pressão por parte da empresa ou de seus prepostos. Tal visa a assegurar o empregado que defende a coletividade, muitas vezes em nítido confronto com o empregador, evitando, assim, a interferência nas decisões e na luta dos interesses coletivos. Logo, a garantia prevista no artigo 55 da Lei do Cooperativismo visa à devida proteção daqueles que, por ocuparem posições de poder e tomada de decisão nessas sociedades, acabam se expondo aos empregadores, por vezes, como resultado da defesa dos interesses da categoria econômica ou classe de empregados. Nesse contexto, se o objeto social da cooperativa não conflita com a atividade principal do empregador, ou seja, se a cooperativa não possui interação ou conflito com os empregadores ou seus diretores, não há embasamento para o usufruto de benesse da estabilidade aos dirigentes de cooperativa de consumo. O artigo 3º da referida lei é expresso no sentido de que, embora exerça atividade econômica, as cooperativas não visam lucro. No caso, o Tribunal Regional registrou que a cooperativa dirigida pelo autor “foi criada visando à satisfação de interesses particulares dos cooperados” e que “não defende interesse que se contraponha às atividades desempenhadas pelo reclamado” (Súmula nº 126 do TST) . Não se tratando, portanto, de uma cooperativa de empregados com objeto conflitante com a atividade do empregador, não pode gerar a estabilidade aos seus diretores. Agravo de instrumento conhecido e não provido" (AIRR-386-45.2022.5.09.0014, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 21/03/2025).

De outro lado, verifica-se que 2 Turmas posicionaram-se em sentido diverso, entendendo que o diretor de cooperativa de consumo possui direito à estabilidade provisória, qualquer que seja a finalidade da cooperativa, pois a lei não teria feito qualquer ressalva nesse sentido. Nesse sentido os seguintes julgados:

[...]. III - RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DIRETOR DE COOPERATIVA DE CONSUMO CRIADA PARA COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS PARA OS PRÓPRIOS ASSOCIADOS. APLICAÇÃO DA LEI Nº 5.764/1971. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE FRAUDE NA CRIAÇÃO DA COOPERATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RESTRITIVA DE DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO. ARTIGO 8º, INCISO III, DA CF/88. No caso dos autos, é incontroverso que o reclamante era, na época da dispensa, Diretor da Cooperativa dos Propagandistas Vendedores de Produtos Farmacêuticos - cooperativa de consumo. Nos termos do acórdão regional, a cooperativa em questão foi criada com o objetivo de repassar aos seus associados, para consumo final, bens duráveis e não duráveis, sem conflitar com a atividade principal do empregador, de modo que a Corte regional concluiu não haver direito à estabilidade provisória definida na Lei nº 5.764/71. Ressalta-se que o direito à estabilidade provisória do dirigente de cooperativa, na forma da Lei nº 5.764/71, equiparado à estabilidade do dirigente sindical prevista no artigo 543, § 3º, da CLT, consiste em direito social constitucionalmente assegurado (artigo 8º, inciso III, da CF/88). Importante salientar que a Lei 5.764/71 dispôs sobre a estabilidade provisória do dirigente de cooperativa sem distinção quanto à sua natureza, não constando no artigo 55 da mencionada lei condição referente à formação apenas por empregados de uma mesma empresa ou obrigatoriedade de destinação específica ao patrocinar os direitos trabalhistas dos cooperados em face dos interesses patronais. Desse modo, inviável interpretação legislativa restritiva quanto à estabilidade provisória do dirigente de cooperativa, prevista no artigo 55 da Lei nº 5.764/71. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-Ag-1026-65.2015.5.22.0003, 3ª Turma, Relator Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, DEJT 14/06/2024).

"AGRAVO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. ESTABILIDADE. GARANTIA DE EMPREGO. DIRIGENTE DE COOPERATIVA DE CONSUMO. 1. É assegurada a estabilidade provisória aos diretores de cooperativa, nos termos da Orientação Jurisprudencial 253 da SBDI-1 do TST e do art. 55 da Lei 5 . 764/71. 2. As razões recursais não desconstituem os fundamentos da decisão agravada. Agravo não provido" (Ag-ED-AIRR-100846-13.2020.5.01.0247, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 11/03/2024).

Outrossim, constata-se que a matéria encontra-se em debate na SDI-I por meio do processo E-RR - 1299-79.2016.5.05.0036, tendo já sido proferidos votos tanto no sentido de dar provimento ao recurso de embargos quanto no sentido de negar provimento.

A divergência verificada, associada à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permite concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em um precedente obrigatório, como forma de promover a isonomia, a segurança jurídica e a razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT proponho a afetação do processo TST-RRAg-0000734-12.2024.5.17.0001 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

O dirigente de cooperativa de consumo possui direito à estabilidade provisória ainda que não haja conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador?

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O dirigente de cooperativa de consumo possui direito à estabilidade provisória ainda que não haja conflito de interesse entre o objeto social da cooperativa e a atividade principal do empregador? Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.

Brasília, 25 de agosto de 2025.

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST