A C Ó R D Ã O

(3ª Turma)

GMABB/ts/rt

RECURSO DE REVISTA. SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/17. DIREITO INTERTEMPORAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA . 1. A discussão dos autos gira em torno da aplicação da nova redação dada ao § 2º do art. 457 da CLT aos contratos de trabalho vigentes à época da entrada em vigor da Lei 13.467/2017. 2. Uniformizando a temática afeta à modificação da base de cálculo de adicional de periculosidade para eletricitários, essa Corte, em 2016, consolidou o entendimento, por meio do item III, da Súmula 191, de que não deveria prevalecer a alteração legislativa para os contratos em curso. 3. Em análise mais aprofundada, entendo que, em observância ao direito intertemporal, às alterações dadas ao § 2º do art. 457 da CLT pela Lei 13.467/2017 são inaplicáveis aos contratos de trabalho que se encontravam em curso, quando da sua edição, uma vez que suprime e/ou altera direito preexistente, incorporado ao patrimônio jurídico do empregado, sob pena de redução da remuneração e violação ao direito adquirido do trabalhador, a teor do que dispõe os arts. 5º, XXXVI, e 7º, VI, da Constituição da República. Precedentes.

Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-11311-18.2019.5.15.0086 , em que é Recorrente ADIL MARIA DOS SANTOS e é Recorrido MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA D'OESTE.

Irresignada, a reclamante interpõe recurso de revista, buscando reformar a decisão proferida pelo Tribunal Regional no tocante ao tema "Auxílio Alimentação. Natureza Jurídica". Aponta ofensa a dispositivos de lei e da Constituição da República, contrariedade a Súmulas e Orientações Jurisprudenciais, bem como transcreve arestos para confronto de teses (fls. 476/496).

O Recurso foi admitido mediante o despacho de fls. 498/499 .

Não foram oferecidas contrarrazões.

Parecer do Ministério Público do Trabalho às fls. 512/514, oficiando-se pelo prosseguimento do feito .

É o relatório.

V O T O

Trata-se de recurso interposto contra acórdão publicado após a vigência da Lei 13.015/2014 (art. 896, § 1º-A, da CLT), e da Lei 13.467/2017 (demonstração prévia de transcendência da causa, conforme estabelecido nos artigos 896-A da CLT e 246 e 247 do Regimento Interno desta Corte Superior).

Ante a possível desconformidade da decisão com recente posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho sobre as matérias, o recurso oferece transcendência política hábil a viabilizar a sua apreciação (artigo 896-A, § 1º, II, da CLT).

Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade do recurso de revista, prossigo no exame dos pressupostos específicos, conforme o art. 896 da CLT.

1. CONHECIMENTO

1.1. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/17. DIREITO INTERTEMPORAL

O Tribunal Regional concedeu parcial provimento ao recurso interposto pela reclamante, sob os seguintes fundamentos, transcritos nas razões do recurso de revista, a teor do que dispõe o art. 896, § 1º-A, I, da CLT:

"AUXILIO-ALIMENTAÇÃO

Irresigna-se A reclamante contra a r. decisão que deferiu a integração do auxílio-alimentação até 10/11/2017, indeferindo sua incorporação. Alega que ‘a integração salarial do auxílio alimentação também para período posterior a 10/11/2017, conforme pleiteado na inicial, é absolutamente viável, porque autorizada pelo art. 458 da CLT e Súmula 241 do TST, dispositivos que, além de serem os principais fundamentos jurídicos do direito vindicado pelo recorrente, tratam especificamente da hipótese de integração de verbas relacionadas à alimentação ao salário do trabalho.’ ; que ‘a Lei Complementar Municipal nº 12/2005 não atribuiu natureza indenizatória à parcela, remanescendo, portanto, a natureza salarial, inafastável ante a incontroversa inexistência e inscrição do Município ao PAT.’ ; que ‘mesmo que se entenda que a integração pretendida redundará em majoração salarial, não se pode olvidar que o ente público, quando contrata pelo regime celetista, iguala-se a qualquer outro empregador, atraindo, assim, a aplicação da Normal Laboral e os princípios a ela afeitos.’ ; que não há violação ao artigo 37 da CF; que ‘tendo sido pago fora dos ditames da Lei nº 6.321/76, o auxílio alimentação pago ao(à) recorrente só pode ser compreendido como salário in natura, a teor do disposto no art. 458 da CLT.’ ; que há que ser observada a Súmula 241 do C. TST, independentemente da nova redação dada ao artigo 457, §2º da CLT. Aponta garantia da irredutibilidade salarial e do direito adquirido. Por fim, refere que as alterações promovidas pela Lei 13.467/2017, quando aplicáveis aos contratos ainda existentes na época da transição legislativa, não alcançam situações jurídicas consolidadas anteriormente à entrada em vigor da nova Lei. Colaciona jurisprudência.

Em contrapartida, o reclamado pugna pela exclusão dos reflexos do auxílio alimentação concedido sob o argumento e que o título possui natureza indenizatória, nos termos do §2º do art.457 da CLT.

É incontroverso nos autos que a reclamante foi admitida em 14/02/1996, na função de auxiliar de serviços gerais, com contrato em vigente.

A reclamada alegou que o auxílio-alimentação passou a ser fornecido por meio de cartão magnético em 2005 por força da Lei Complementar Municipal 12/2005, que estabeleceu o benefício a todos os servidores em substituição à cesta básica que era fornecida até então.

A jurisprudência do TST é pacifica ao afirmar que a natureza jurídica salarial do auxílio-alimentação incorpora-se ao contrato dos empregados que foram admitidos antes da adesão ao PAT que estipula que referida verba tem natureza indenizatória, com fulcro na OJ n. 413, do TST, observando, também, o item I, da Súmula n. 51, do TST.

No caso, restou incontroverso que a reclamante recebia cestas básicas por força da Lei Municipal n. 1.976/1992, revogada pela Lei Complementar Municipal n. 12/2005, a qual instituiu o ‘cartão auxilio alimentação’ e, sendo certo que nestas Leis não há qualquer menção a natureza da verba que, paga mensalmente, possuem natureza salarial.

Portanto, quando a autora iniciou seu contrato de trabalho não havia inscrição do reclamado no PAT nem norma coletiva dispondo sobre a natureza jurídica da ajuda alimentação, devendo ser aplicada a regra contida no art. 458 da CLT e na Súmula 241 do C. TST segundo a qual a alimentação fornecida pelo empregador possui natureza salarial. Isso porque, essa é a condição que aderiu ao contrato de trabalho do reclamante e que não pode ser afetada por alterações posteriores, sob pena de violação ao art. 468 da CLT.

Com efeito, possuindo o auxílio-alimentação natureza salarial este integra a remuneração para refletir nas demais verbas.

Neste sentido é o entendimento deste Egrégio TRT, em consonância com a OJ nº 413 da SDI-I do C. TST, a teor da Súmula 72:

‘AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO E CESTA-ALIMENTAÇÃO. ALTERAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA POR NORMA COLETIVA OU ADESÃO AO PAT. OJ Nº 413-SDI1/TST. A pactuação em norma coletiva conferindo caráter indenizatório à verba ‘auxílio-alimentação’ ou a adesão posterior do empregador ao Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT - não altera a natureza salarial da parcela, instituída anteriormente, para aqueles empregados que, habitualmente, já percebiam o benefício. Aplicação da OJ nº 413-SDI1/TST. (RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 014/2016, de 3 de outubro de 2016 - Divulgada no D.E.J.T. de 5/10/2016, págs. 01-02; D.E.J.T. de 6/10/2016, págs. 01-02; D.E.J.T. de 7/10/2016, págs. 01-02).’

Porém, a partir da vigência da Lei 13.467/17, aplicável ao contrato de trabalho da autora, conforme abordado no item ‘Questão Processual’, o auxílio alimentação passou a ter natureza indenizatória por expressa disposição legal, consoante §2º, do art.457 da CLT.

Desse modo, tendo em vista a natureza da parcela em exame, não há que se falar em reflexos do auxílio alimentação em relação ao período posterior a 10/11/2017, razão pela qual correto o r. decisório em seus exatos termos" . (fls.460/462).

A reclamante pretende a reforma do julgado. Sustenta que deve ser afastada a aplicação do § 2º do art. 457 da CLT, deferindo a integração salarial do auxílio alimentação, e consequente pagamento dos reflexos nas verbas contratuais, também para período posterior à 10/11/2017, pois seu contrato de trabalho é anterior à edição da Lei 13.467/2017 - Reforma Trabalhista. Aponta violação aos arts. 5º, XXXVI, 7º, VI, 195, I, 201, § 11, da Constituição da República e 458 da CLT, à Lei 6.321/76 e indica contrariedade à Súmula 241 e a Orientação Jurisprudencial 413 da SDI-1, ambas do TST. Transcreve arestos para cotejo de tese.

De início, verifica-se que a relação de trabalho teve início em 14/2/1996 e, não consta dos autos, notícia de rescisão contratual. Portanto, a vigência se deu tanto no período anterior, quanto no posterior à edição da Lei 13.467/2017, que alterou a natureza jurídica do auxílio-alimentação.

Na hipótese, o Tribunal Regional limitou a condenação ao pagamento do auxílio alimentação à 10/11/2017, sob o argumento de que sua natureza jurídica passou a ser indenizatória, ante as alterações dadas ao § 2º do art. 457 da CLT, pela Lei 13.467/2017.

Com efeito, a alteração legislativa introduzida pelo art. 457, § 2º, da CLT, suprimiu direito à parcela salarial, cabendo discussão acerca da sua incidência aos contratos de trabalho vigentes à época da entrada em vigor da Lei 13.467/2017.

A matéria referente à incidência da Lei 13.467/17 aos contratos de trabalho em curso quando da sua edição ainda tem suscitado posicionamentos divergentes entre as turmas desta Corte ante a inequívoca complexidade do tema.

A jurisprudência desta 3ª Turma, à luz do direito intertemporal, tem assentado o entendimento de que "em observância à segurança jurídica, ao princípio da confiança e ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CRFB; art. 6º da LINDB), são inaplicáveis as disposições constantes na Lei 13.467/17 aos contratos trabalhistas firmados em momento anterior à sua entrada em vigor, que devem permanecer imunes a modificações posteriores, inclusive legislativas , que suprimam direitos já exercidos por seus titulares e já incorporados ao seu patrimônio jurídico - caso dos autos. 3 . Portanto, as disposições contidas na Lei 13.467/17, em especial quanto ao intervalo em comento, aplicam-se, tão somente, aos contratos de trabalho firmados após o início de sua vigência " (ED-ARR-753-10.2010.5.20.0006, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/06/2021).

Neste mesmo sentido, lembro ainda os seguintes julgados desse colegiado turmário:

"(...) II - RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. CONTRATO DE TRABALHO QUE PERPASSA A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/17. ARTIGO 457, § 2º, DA CLT. VIGÊNCIA DA NOVA LEI. A Lei nº 13.467/2017, que deu a nova redação ao artigo 457, § 2º, da CLT, entrou em vigência em 11/11/2017, conforme determinou seu artigo 6º. Pela Instrução Normativa nº 41/2018, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho determinou, em seu artigo 1º, que ‘A aplicação das normas processuais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, alteradas pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, com eficácia a partir de 11 de novembro de 2017, é imediata, sem atingir, no entanto, situações pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da lei revogada’ . O artigo 457, § 2º, da CLT trata de verbas que não mais integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário, e versa sobre norma de direito material, cabendo o debate acerca da sua aplicação imediata ou não às reclamações trabalhistas em curso, como no presente caso, em que a ação foi ajuizada em novembro de 2019 e o contrato de trabalho perpassa a data de vigência da Lei nº 13.467/17. A aplicação imediata da nova lei tem previsão no artigo 6º da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), daí resultando que os novos contratos, as normas coletivas de trabalho e as relações processuais devem a ela se conformar. No caso concreto, o Tribunal Regional, ao limitar a integração do auxílio-alimentação ao salário até o dia 10/11/2017, no entendimento deste Relator, conferiu vigência à Lei nº 13.467/2017, que, ao alterar a redação do artigo 457, § 2º, da CLT, exclui da remuneração o valor pago a título de auxílio-alimentação. Logo, somente seria devida a integração do auxílio-alimentação ao salário até essa data, uma vez que, com a vigência da nova lei, não há previsão legal para tal pagamento, tampouco por negociação coletiva. Ainda que o contrato de trabalho tenha iniciado antes da vigência da Lei nº 13.467/2017, não pode a lei anterior permanecer vigendo para situações futuras, quando a nova lei, com disposição oposta, já entrou em vigor para as situações presentes e futuras. Nesse passo, a decisão regional não comportaria reforma. No entanto, não é este o entendimento que tem prevalecido na maioria desta Eg. 3ª turma, razão pela qual, por disciplina judiciária, após ter ficado vencido em diversas oportunidades, passo apenas a ressalvar meu entendimento. Dessa forma, considerando que no caso dos autos o contrato de trabalho teve início em 13/11/2006 e ainda encontra-se em vigor, a alteração promovida pela Lei nº 13.467/2017 no art. 457, § 2º, da CLT, suprimindo o direito à integração da verba auxílio-alimentação ao salário, não alcança o patrimônio jurídico da autora, que teve o direito à referida parcela, de natureza salarial, incorporado ao seu contrato de trabalho . Recurso de revista conhecido, por má aplicação do art. 457, § 2º, da CLT, e provido" (RRAg-11994-55.2019.5.15.0086, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18/02/2022).

"RECURSO DE REVISTA. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. INTEGRAÇÃO. INOVAÇÕES INTRODUZIDAS NA CLT PELA LEI Nº 13.467/2017. IRRETROATIVIDADE. A Lei nº 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido. A anomia quanto à vigência da Lei para esses contratos, entretanto, inviabiliza a aplicação imediata pretendida. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-0010949-16.2019.5.15.0086, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 26/11/2021).

Nesse mesmo sentido, posicionando-se pela inaplicabilidade das alterações promovidas pela Lei 13.467/17 aos contratos de trabalho em curso, são as recentes decisões da 2ª e 6ª Turma desta Corte:

"III - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017. NATUREZA SALARIAL DO AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. DIREITO MATERIAL. REFORMA TRABALHISTA. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM . DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DA NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ART. 457 AOS CONTRATOS DE TRABALHO VIGENTES À EPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017. Preenchidos os requisitos do art. 896, § 1º-A, da CLT. A controvérsia dos autos limita-se em saber se é aplicável a nova redação do art. 457, § 2º, da CLT, que afasta a natureza salarial do auxílio-alimentação, no período posterior à Reforma Trabalhista, uma vez que o contrato de trabalho fora firmado antes da vigência da Lei nº 13.467/2017. Extrai-se da decisão recorrida que o Tribunal Regional considerou devida a aplicação da nova redação do art. 457, § 2º, da CLT a partir de 11/11/2017, resguardando a natureza salarial do auxílio-alimentação para o período anterior à referida data. Consta da nova redação do § 2º do art. 457, inserida pela Lei nº 13.467/17, com vigência a partir de 11/11/2017, que ‘As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação , vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário’ (grifos nossos). Sob a ótica do direito intertemporal, aplicam-se as normas de Direito Material do Trabalho do tempo dos fatos, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei ‘tempus regit actum’ (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal). Acerca da aplicação da Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso, tratando-se de direito material, notadamente parcela salarial (devida se configuradas determinadas circunstâncias), a alteração legislativa que suprimiu ou alterou o direito à parcela não alcança os contratos daqueles trabalhadores que já possuíam o direito a seu pagamento, tampouco atinge efeitos futuros de contrato iniciado antes da sua vigência. Do contrário, estaríamos albergando a redução da remuneração do trabalhador, embora não alterada a situação de fato que a amparava, e admitindo violação de direito adquirido . A questão já foi apreciada por essa Turma, no julgamento do RR-1556-35.2017.5.12.0017, com acórdão publicado no DEJT em 21/02/2020. Este também é o entendimento de outras Turmas do Tribunal Superior do Trabalho. Julgados. Recurso de revista a que se dá provimento" (RRAg-530-70.2020.5.14.0007, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 25/02/2022).

Por outro lado, no âmbito da 5ª Turma (colegiado que integrei ao ingressar nesta Corte e, portanto, anteriormente a minha recente remoção para esta 3ª Turma, embora pessoalmente não tenha votado sobre o tema), tem prevalecido o entendimento de que as alterações promovidas pela Lei 13.467/2017 alcançam os contratos em curso.

Nesse sentido, são os seguintes julgados:

"AGRAVO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/17. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA APÓS 11/11/2017. CONTRATO DE TRABALHO FIRMADO ANTES DA LEI 13.767/17. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Caso em que o Tribunal Regional limitou a integração do auxílio-alimentação até a data da vigência da Lei 13.467/2017, qual seja, até o dia 10/11/2017. Com o advento da Lei 13.467/17, o auxílio-alimentação passou a ter natureza indenizatória, não repercutindo nas demais verbas salariais, conforme nova redação do art. 457, § 2º, da CLT, o qual tem aplicação imediata aos contratos vigentes, respeitadas as situações consolidadas até a entrada em vigor da nova lei. Nesse contexto, como os argumentos trazidos pela parte não são suficientes a alterar tal constatação, resta íntegra a decisão atacada. Agravo não provido" (Ag-RR-10247-56.2020.5.15.0144, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 26/11/2021).

"RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. PERÍODO DE LABOR POSTERIOR A 11/11/2017. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . O recurso de revista versa sobre o tema ‘natureza jurídica do auxílio-alimentação. Aplicação da Lei nº 13.467/2017’ , sendo matéria nova no âmbito desta Corte. Nesse contexto, verifica-se a existência de transcendência jurídica apta a autorizar o exame dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista. Cinge-se a controvérsia em saber se o auxílio-alimentação repercute nas demais verbas salariais, no período posterior à Reforma Trabalhista, sendo certo que o contrato de trabalho fora firmado antes da vigência da Lei nº 13.467/2017. Não se pode negar a aplicação da Lei nº 13.467/2017 aos contratos que, embora iniciados em período anterior à sua vigência, continuam em vigor, como no caso dos autos. A nova redação do art. 457, § 2°, da CLT, introduzida com a Reforma Trabalhista, dispõe que ‘As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação , vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário’ (destacou-se). Diante desse contexto, após a vigência da Lei 13.467/2017, ocorrida em 11/11/2017, o auxílio-alimentação possui natureza indenizatória e não repercute nas demais verbas salariais. Nesse passo, uma vez que a decisão recorrida está em consonância com a nova realidade normativa decorrente da vigência da Lei nº 13.467/17, incólumes os dispositivos indicados. Recurso de revista não conhecido" (RR-10711-94.2019.5.15.0086, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 04/12/2020).

Em que pese inicialmente apenas em única decisão monocrática tenha acompanhado esse entendimento, após refletir sobre o papel uniformizador dessa Corte (1) e adentrar o tema de forma mais aprofundada (2), a matéria nesse momento parece-me requerer solução diversa da que vinha até então adotando.

Embora a temática específica da chamada Reforma Trabalhista – Lei 13.467/2017 – ainda não tenha sido examinada pela SBD1-1 dessa Corte, analisando o histórico de decisões acerca da temática de fundo (influência da alteração legislativa sobre contratos em curso) encontramos importante consolidação de entendimentos em hipótese similar.

De fato, uniformizando a temática afeta a modificação da base de cálculo de adicional de periculosidade para eletricitários, essa Corte, em 2016, consolidou o entendimento, por meio do item III, da Súmula 191, que não deveria prevalecer a alteração legislativa promovida pela Lei 12.740/2012 para os contratos celebrados sob a égide da Lei 7.369/1985.

Com efeito, consta dos itens II e III da Súmula 191, in verbis :

"ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. INCIDÊNCIA. BASE DE CÁLCULO.

(...)

II - O adicional de periculosidade do empregado eletricitário, contratado sob a égide da Lei nº 7.369/1985, deve ser calculado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial. Não é válida norma coletiva mediante a qual se determina a incidência do referido adicional sobre o salário básico.

III - A alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei nº 12.740/2012 atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT.

Observação: (cancelada a parte final da antiga redação e inseridos os itens II e III) - Res. 214/2016, DEJT divulgado em 30.11.2016 e 01 e 02.12.2016

A duas , entendo que o tema trazido a exame, relativo ao alcance da lei nova sobre os contratos celebrados anteriormente ao seu advento, envolve a necessidade de se adentrar nas noções de segurança jurídica, direito intertemporal e ato jurídico perfeito.

No ordenamento jurídico brasileiro está assegurado em norma constitucional que " a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada " (art. 5º, XXXVI – grifo nosso).

O art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro estabelece que: " A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito , o direito adquirido e a coisa julgada " (grifo nosso).

Nesse contexto, o contrato de trabalho, nos termos em que celebrado, configura ato jurídico perfeito, não podendo ser alcançado por normas posteriores, sob pena de comprometimento da segurança jurídica.

Sobre os contratos e a proteção constitucional do ato jurídico perfeito, transcrevo ensinamento do Ministro Luís Roberto Barroso no artigo intitulado "Em Algum Lugar do Passado: Segurança Jurídica, Direito Intertemporal e o Novo Código Civil":

"A teoria do ato jurídico perfeito e do direito adquirido teve especial desenvolvimento no campo dos contratos, tendo em conta a importância da autonomia da vontade nesse particular. Ao manifestarem o desejo de se vincular em um ajuste, as partes avaliam as consequências dessa decisão, considerando as normas em vigor, naquele momento. É incompatível com a ideia de segurança jurídica admitir que a modificação posterior da norma pudesse surpreender as partes para alterar aquilo que tinham antevisto no momento da celebração do contrato. Por essa razão é que mesmo Paul Roubier, o defensor da incidência imediata da lei nova sobre os fatos pendentes, abria exceção explícita em sua teoria aos contratos. Estes, assinalou Roubier, não se regem pelo princípio da incidência imediata da lei nova, e sim pela da sobrevivência da lei antiga.

Em suma: as relações contratuais regem-se, durante toda a sua existência, pela lei vigente quando da sua constituição. Isto é: a lei nova não pode afetar um contrato já firmado, nem no que diz respeito à sua constituição válida, nem à sua eficácia. Os efeitos provenientes do contrato, independentemente de se produzirem antes ou depois da entrada em vigor do direito novo, são também objeto de salvaguarda, na medida em que não podem ser dissociados de sua causa jurídica, o próprio contrato. A lição de Henri de Page sobre o assunto é clássica e foi reproduzida por Caio Mário da Silva Pereira nos seguintes termos:

Os contratos nascidos sob o império da lei antiga permanecem a ela submetidos, mesmo quando os seus efeitos se desenvolvem sob o domínio da lei nova. O que a inspira é a necessidade da segurança em matéria contratual. No conflito dos dois interesses, o do progresso, que comanda a aplicação imediata da lei nova, e o da estabilidade do contrato, que conserva aplicável a lei antiga, tanto no que concerne às condições de formação, de validade e de prova, quanto no que alude aos efeitos dos contratos celebrados na vigência da lei anterior, preleve este sobre aquele.

A questão, na verdade, como já se tinha destacado desde o início, não é controvertida. A doutrina aponta a existência de consenso no sentido de subordinar os efeitos do contrato à lei vigente no momento em que tenha sido firmado, mesmo quando tal aplicação importa em atribuir ultratividade à lei anterior; negando-se efeito à lei nova. A aplicação imediata da lei nova, nesse caso, produziria a denominada retroatividade mínima, que por ser igualmente gravosa à segurança jurídica, é também vedada pelo sistema constitucional. Reaviva-se aqui a passagem clássica do Ministro Moreira Alves sobre o assunto, in verbis :

Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. Nesse caso, a aplicação imediata se faz, mas com efeito retroativo.

Vale ainda observar que as conclusões expostas acima não se alteram quando estejam em questão contratos de trato sucessivo ou de execução continuada, cuja característica é exatamente a produção de efeitos que se protraem no tempo. Parece fora de dúvida que também esses ajustes consubstanciam atos jurídicos perfeitos e devem reger-se, para todos os seus efeitos, pela lei vigente ao tempo de sua constituição. A doutrina, tanto clássica como mais moderna, é incontroversa a este respeito" (Constituição e Segurança Jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence / Carmem Lúcia Antunes Rocha (Coord.) 2 ed., rev. e ampl. 1. Reimpressão. Belo Horizonte. Fórum 2009).

Ainda nessa obra, prossegue o autor destacando que a jurisprudência é tranquila no sentido de que os contratos encontram-se protegidos pela garantia do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República. Cita, nesse sentido, o entendimento adotado pelo STJ quanto aos contratos em curso quando da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (REsp 31.954-0-RS, rel. p/ acórdão Min. Waldemar Zveiter, DJU 4/4/1994); o do STF, antes da Constituição Federal de 1988, quanto aos contratos de locação em relação a nova lei de regência da matéria (RE 102.216-SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU 28/9/1984) e o do STF, após o advento da Constituição Federal de 1988, em relação à caderneta de poupança (ED no AI 366.803-2-RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJU27/6/2003) e à incidência da lei dos planos de saúde sobre as relações preexistentes (Informativo STF, 317, j. 21.8.2003, ADin MC 1.931-DF, rel. Min. Maurício Corrêa).

Considerando, portanto, o papel desta Corte de uniformização da jurisprudência quanto à interpretação da legislação trabalhista, bem como o entendimento mais recente deste Tribunal em relação à impossibilidade de a lei nova alcançar os contratos de trabalho celebrados anteriormente a sua entrada em vigor, e, ainda, o exame mais aprofundado do tema, doravante passo a adotar a orientação que já prevalecia nesta 3ª Turma em sua composição anterior.

Assim, em observância ao direito intertemporal, a alteração dada ao § 2º do art. 457 da CLT pela Lei 13.467/2017 é inaplicável aos contratos de trabalho que se encontravam em curso, quando da sua edição, uma vez que suprime e/ou altera direito preexistente, incorporado ao patrimônio jurídico do empregado, sob pena de redução da remuneração e violação ao direito adquirido do trabalhador, a teor do que dispõe os arts. 5º, XXXVI, 7º, VI, da Constituição da República e 6º da LINDB.

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso de revista por violação ao art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.

2. MÉRITO

2.1. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/17. DIREITO INTERTEMPORAL

Conhecido o recurso de revista por violação ao art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, DOU-LHE PROVIMENTO para determinar a integração salarial do auxílio-alimentação, com os consequentes reflexos, durante todo o período contratual, afastando-se a limitação temporal imposta pela Corte de origem.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por violação ao art. 5º, XXXVI, da Constituição da República e, no mérito, dar-lhe provimento para determinar a integração salarial do auxílio-alimentação, com os consequentes reflexos, durante todo o período contratual, afastando-se a limitação temporal imposta pela Corte de origem.

Brasília, 29 de junho de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALBERTO BASTOS BALAZEIRO

Ministro Relator