A C Ó R D Ã O

6ª Turma

KA/tbc

RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRT POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL . A prestação jurisdicional foi plena, com análise de todas as questões suscitadas pelos recorrentes, embora com adoção de tese contrária a seus interesses o que, entretanto, não configura negativa de prestação jurisdicional. Intacto o art. 93, IX, da Constituição Federal. Recurso de revista de que não se conhece.

ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO PROCESSO DO TRABALHO . O item III do art. 83 da Lei Complementar n.º 75/93, em consonância com o art. 129, III, da Constituição Federal, dispõe expressamente que é cabível o ajuizamento, pelo Ministério Público do Trabalho, de ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para a "defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos". A tese restritiva defendida pelos recorrentes está superada, sendo pacífico o entendimento de que a ação civil pública é instrumento apto para a defesa de interesses coletivos, difusos ou individuais homogêneos trabalhistas perante a Justiça do Trabalho. Recurso de revista de que não se conhece.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE PROCESSUAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. No campo das relações de trabalho, ao Ministério Público compete promover a ação civil pública no âmbito desta Justiça, para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem como outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (arts. 129, III, da Constituição Federal, 6º, VII, d , e 83, III, da Lei Complementar n.º 75/93). No caso dos autos, a alegação formulada na petição inicial é de que os réus adotam o procedimento de contratarem trabalhadores para lhes prestarem serviços de forma subordinada e pessoal, para a angariação de clientes e vendas de apólices de seguros em geral e planos de previdência privada, camuflando típicas relações empregatícias sob a fachada de trabalho autônomo de corretagem de seguros com a criação de pessoas jurídicas, ou contratação por pessoa interposta. Conforme a inicial, há direito de origem comum, lesado pela prática ilegal dos recorrentes, e seus titulares são identificáveis, tratando-se, pois, de direito individual homogêneo. Por outro lado, definida a natureza jurídica dos interesses defendidos como individuais homogêneos, e constatando-se a efetiva burla à legislação pátria, a situação de cada trabalhador será apreciada individualmente na execução da sentença, ante os termos do art. 97 do CDC, o que ensejará a possibilidade da declaração de vínculo empregatício e ressarcimento dos haveres trabalhistas inadimplidos. Recurso de revista de que não se conhece.

INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. IRREGULARIDADES. NÃO CONSTATAÇÃO . O inquérito civil público é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público, que objetiva a apuração prévia da existência de elementos que ensejem posterior ajuizamento de ação civil pública. Tem por finalidade formar a convicção do próprio Ministério Público sobre a ocorrência de lesões a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e, caso conclua pela inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o seu arquivamento (art. 9.º da Lei n.º 7.347/85). É procedimento e, não, processo, não sendo obrigatória a observância do contraditório, compromisso de eventuais depoentes, ou a presença dos advogados dos inquiridos. Precedentes desta Corte. Recurso de revista de que não se conhece.

VÍNCULO DE EMPREGO. CORRETORES DE SEGURO. É pacífico o entendimento desta Corte de que é possível o reconhecimento de vínculo empregatício entre o corretor de seguros e a seguradora, caso estejam caracterizados os requisitos de que trata o art. 3.º da CLT. Essa circunstância demonstra o desrespeito, pela empresa, das normas trabalhistas e daquela que regulamenta a profissão de corretor de seguros. A vedação, no art. 17 da Lei nº 4594/64 - de que o corretor de seguros seja empregado de empresa seguradora - só se legitima se resguardada a sua autonomia na condução dos negócios de corretagem, não sendo esse o quadro fático apresentado no acórdão do Regional, que, ao revés, consigna que há todos os elementos caracterizadores da relação de emprego, mormente a subordinação jurídica. Decisão contrária à da Corte de origem demandaria novo exame das provas, o que é vedado pela Súmula n.º 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece.

DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO . A lesão à ordem jurídica comprovada nos autos extrapola interesses individuais para alcançar os trabalhadores em caráter amplo, genérico e massivo, o que autoriza a sua recomposição mediante a indenização em comento. Ademais, sua imposição tem caráter pedagógico, prevenindo a reincidência na conduta ilícita. Precedentes. Recurso de revista de que não se conhece.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-142400-69.2003.5.01.0037 , em que é Recorrente BANCO BRADESCO S.A. E OUTROS e Recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO .

O TRT, por meio do acórdão às fls. 1802/1822, rejeitou as preliminares arguidas pelos réus em recurso ordinário e contrarrazões ao recurso ordinário adesivo, e negou provimento aos recursos interpostos por ambas as partes.

Opostos embargos de declaração pelos réus, tiveram provimento negado às fls. 1793/1795. Foi determinada a retificação de erro material no acórdão, o que levou à sua nova juntada, às fls. 1802/1822.

Os réus interpuseram recurso de revista, alegando violações da lei e da Constituição Federal, e colacionando arestos.

O recurso foi admitido, às fls. 1930/1931.

Contrarrazões apresentadas, às fls. 1936/1945.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho para emissão de parecer, pois é o autor da ação.

É o relatório.

V O T O

1. CONHECIMENTO

1.1. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRT POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Afirmam os recorrentes que, mesmo com a oposição de embargos de declaração, o TRT não analisou o seguinte:

a) Compatibilidade entre os direitos dos consumidores e os decorrentes do Direito do Trabalho, que possibilite a aplicação do CDC e da Lei de Ação Civil Pública a fim de viabilizar a utilização da ação civil pública na tutela de direito coletivo trabalhista. Também não foi apreciada a compatibilidade entre a Lei Complementar n.º 75/93 e a ação que ora se examina, pois o art. 6.º, VII, da mencionada Lei dispõe que a ACT se destina apenas à defesa de interesses indisponíveis difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor, bem como interesses indisponíveis homogêneos sociais, difusos e coletivos, que não abrangem os direitos sociais trabalhistas, definidos no art. 6.º da Constituição Federal.

b) O fato de o art. 114 da Constituição Federal conferir competência à Justiça do Trabalho para o exame das controvérsias decorrentes da relação de trabalho, mas apenas "mediante lei", e não há lei que autorize a utilização da ação civil pública nesta Justiça.

c) Possibilidade de ajuizamento da ação pelo Ministério Público, tendo em vista que o art. 8.º, III, da Constituição Federal, conferiu legitimidade processual extraordinária às entidades sindicais na defesa do interesse dos trabalhadores.

d) Ilegitimidade do Ministério Público para o ajuizamento desta ação civil pública, já que, conforme registrado na sentença, o caso de cada trabalhador corretor de seguros deverá ser analisado individualmente, a fim de averiguar a existência de serviços diretos e subordinados. Assim, não está caracterizado o interesse ou direito coletivo, o que afasta a legitimidade do Ministério Público.

e) Impossibilidade de utilização da ação civil pública para obter vínculo empregatício e direitos trabalhistas.

f) o caráter hipotético da sentença, que determina aos recorrentes o cumprimento da lei trabalhista e da lei regulamentadora da profissão do corretor de seguros, o que não atende o art. 460, parágrafo único, do CPC, segundo o qual a sentença deve ser certa e determinada.

g) o fato de o art. 17 da Lei n.º 4.594/64 proibir o vínculo entre corretores de seguros e seguradora, o que impede a configuração dos requisitos do art. 3.º da CLT.

h) o fato de que não houve pagamento de salários aos corretores (um dos requisitos do art. 3.º da CLT), pois a comissão de corretagem não constitui verba paga pela empresa seguradora ou devida por esta, mas tão somente pelo segurado.

i) o fato de que o Juiz de primeiro grau declarou expressamente que o provimento jurisdicional solicitado pelo autor deveria limitar-se à condenação dos réus em obrigação de fazer ou não fazer, o que impediria a condenação em dinheiro.

j) quanto ao depoimento da testemunha do autor, relativa à localização da sede da maioria das empresas constituídas pelos "corretores de seguro/empregados", apenas foi transcrita "parte do relatório fiscal, que nem sequer está em conformidade com o depoimento prestado em Juízo". Desse modo, a questão deveria ter sido apreciada sob o enfoque do artigo 415 do Código de Processo Civil.

Alegam violação dos arts. 5.º, LV, e 93, IX, da Constituição Federal.

Não se constata, entretanto, a alegada nulidade porque :

a) o TRT, às fls. 1740/1741, consignou o entendimento de que não há norma trabalhista específica que verse sobre a ação civil pública. Porém, firmou o entendimento de que o art. 129, III, da Constituição Federal, ao dispor que cabe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, dentre outros, dos interesses difusos e coletivos, consubstancia-se em norma máxima de um sistema integrado de acesso coletivo dos trabalhadores à Justiça do Trabalho. Dentro desse sistema, encontram-se a Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, todos aplicáveis de forma subsidiária ao Processo do Trabalho. Afirmou que esse sistema é "mais do que compatível com as normas e princípios processuais trabalhistas" e que "concretiza o direito fundamental de acesso à justiça".

b) conforme esclarecido no item anterior, o TRT considerou que há leis, aplicáveis subsidiariamente por força do art. 769 da CLT, que autorizam o ajuizamento de ação civil pública perante a Justiça do Trabalho, o que evidencia seu entendimento de que o exame da matéria em debate nos autos é da competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114 da Constituição Federal.

c) o TRT, à fl. 1742, reconheceu a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público do Trabalho, ante a interpretação sistemática dos seguintes dispositivos: arts. 127 e 129, III e IX da Constituição Federal; arts. 5º e 21 da Lei 7.347/85; arts. 81 a 90, 103 e 104 da Lei 8.078/90; e art. 6º, VII e XII c/c art. 83, III da Lei Complementar 75/93. Evidencia-se, pois, seu entendimento de que a legitimidade atribuída aos sindicatos para a defesa do interesse dos trabalhadores pelo art. 8.º, III, da Constituição Federal, não exclui a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento da ação civil pública, que encontra amparo na Constituição Federal, bem como na legislação infraconstitucional.

d) o TRT considerou que o direito defendido nesta ação civil pública enquadra-se entre os "direitos e interesses coletivos em sentido amplo", que abrangem "interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos". Por esse motivo, considerou que o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para o ajuizamento desta ação civil pública, ainda que, no mérito, sua pretensão viesse a ser julgada improcedente, já que "o direito de ação é autônomo, público e instrumental" (fl. 1742).

e) conforme se extrai do acórdão do TRT, ao apreciar o tema "impossibilidade jurídica do pedido" (fls. 1745/1745, verso) e a questão relativa ao "vínculo empregatício" (às fls. 1756/1762), o entendimento daquela Corte é de que não há óbice à utilização da ação civil pública em caso como o dos autos, em que se alegou burla à legislação trabalhista relativa ao trabalho com vínculo empregatício, desde que esse direito possa ser enquadrado como de "interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos".

f) o TRT, à fl. 1762, afastou a alegação de que a sentença seria hipotética e/ou condicional, afirmando que nela há determinação judicial clara de que os réus cumpram a lei, tanto a trabalhista quanto a regulamentadora da profissão de corretor de seguros, impondo a regularização jurídica dos trabalhadores.

g) O TRT, à fl. 1760, afirmou que o disposto no art. 17 da Lei n.º 4.594/64 não impede o reconhecimento do liame empregatício, "sempre que verificada a presença dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego", o que, a seu ver, é o caso dos autos.

h) Extrai-se do acórdão do TRT o seu entendimento de que os valores recebidos pelos trabalhadores, embora sob a forma de corretagem de seguros, constituíam a sua remuneração pelos serviços prestados com subordinação aos réus.

i) O TRT, transcrevendo os pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho em sua inicial, consignou que dentre eles constava a condenação ao pagamento de "indenização face aos danos já causados por suas condutas ilegais (multa reparatória), bem como aos lucros obtidos pela irregular substituição de mão de obra e pela ilegal exigência de labor, sem o devido cumprimento dos direitos constitucionalmente assegurados, no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões) de reais reversível ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador" (fl. 1756). Também esclareceu que efetivamente houve condenação no pagamento de indenização no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais – fl. 1757). Ou seja: o TRT afirmou que havia pedido quanto à condenação em dinheiro (multa), a qual foi deferida, ainda que em algum momento durante o julgamento do processo o Juiz de primeiro grau tenha afirmado que a condenação constituiria simples obrigação de fazer ou não fazer.

j) Ainda que eventualmente haja equívoco na transcrição de parte do depoimento da testemunha do Ministério Público, verifica-se que isso não alteraria o julgado do TRT, pois a localização da sede da maioria das empresas constituídas pelos "corretores de seguro/empregados" não é aspecto fundamental para a análise das irregularidades imputadas aos réus, servindo apenas como mais um indício de sua ocorrência. Ademais, o TRT não se limita transcrever o depoimento da testemunha quanto a essa questão, mas também analisa os documentos juntados aos autos, e afirma que eles demonstram que diversas "empresas" constituídas tinham sede no mesmo endereço: "na Rua Josefina Gasparim, n.º 61, sala 08/Parte, Centro, Comendador Levy Gasparian-RJ".

Por todo o exposto, a prestação jurisdicional foi plena, com análise de todas as questões suscitadas pelos recorrentes, embora com adoção de tese contrária a seus interesses o que, entretanto, não configura negativa de prestação jurisdicional.

Intacto o art. 93, IX, da Constituição Federal.

Registro que a alegação de afronta ao art. 5.º, LV, da Constituição Federal não serve de fundamento para uma preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, ante o teor da OJ n.º 115 da SBDI-1 do TST.

Não conheço.

1.2. ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO PROCESSO DO TRABALHO

O TRT rejeitou a preliminar de inadmissibilidade da ação civil pública no processo do Trabalho, afirmando o seguinte (fls. 1740/1741):

A Ação Civil Pública é importante instrumento jurídico para a tutela de direitos e interesses metaindividuais, prevista no ordenamento jurídico pátrio e a Constituição da República prevê sua utilização como uma das funções institucionais do Ministério Publico (art. 129, 111, in verbis):

‘São funções institucionais do Ministério Publico:

(...)

III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’.

De fato, não há norma trabalhista específica sobre a matéria; todavia, o supracitado dispositivo constitucional é norma máxima do sistema integrado de acesso coletivo dos trabalhadores a Justiça do Trabalho, formado também pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Complementar 75/93), aplicadas de forma subsidiária, na forma do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, porquanto mais do que compatível com as normas e princípios processuais trabalhistas, tal sistema integrado concretiza o direito fundamental de acesso a justiça (art. 5º, XXXVI), bem como a efetiva tutela, através de Ação Civil Pública, de qualquer interesse ou direito metaindividual na Justiça do Trabalho (LEITE. Bezerra. Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2005.p. 899).

No mesmo sentido há julgados recentes do C. Tribunal Superior do Trabalho, entre os quais citamos:

(…)"

No recurso de revista, os recorrentes reiteram a alegação de que a ação civil pública não é admissível na Justiça do Trabalho. Em longo arrazoado, afirmam que o Direito do Trabalho é direito especial, desvinculado do Direito Comum, e possui normatividade própria, de modo que é incabível a utilização, ainda que subsidiária, das Leis n.ºs 7.347/85 (Ação Civil Pública), 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público). Sustentam que a Constituição Federal define e delimita os poderes da Justiça do Trabalho, de modo que a utilização da ação civil pública sem lei específica transgride nossa Lei Maior. Discorrem sobre as diferenças existentes entre o Direito do Trabalho e aqueles tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor. Afirmam que a ação civil pública não se amolda à estrutura do Direito do Trabalho como veículo de tutela abstrata, inadequada e supérflua no mundo do trabalho. Dizem que a defesa dos "direitos coletivos, individuais homogêneos, difusos, relativos ao trabalho como direito social" não está enquadrada no art. 6.º, VII, da Lei Complementar n.º 75/93, e que esses direitos somente podem ser defendidos pelas entidades sindicais, nos termos do art. 8.º, III, da Constituição Federal. Argumentam que, em tese, se for considerada possível a utilização de ação civil pública pelo Ministério Público para a defesa de interesses coletivos do Direito do Trabalho, na prática não poderia ser utilizada, pois não há regulamentação quanto a qual procedimento a ser utilizado e qual o órgão competente originalmente para seu exame (se as Varas do Trabalho ou Tribunais). Nesse particular, afirmam que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para a análise de "outras controvérsias" decorrentes das relações do trabalho somente se dá "mediante lei" (lei completa, específica) que não existe em relação à ação civil pública. Alegam violação dos arts. 5.º, II, e 114, da Constituição Federal. Juntam um aresto.

Sem razão.

O item III do art. 83 da Lei Complementar n.º 75/93, em consonância com o art. 129, III, da Constituição Federal, dispõe expressamente que é cabível o ajuizamento, pelo Ministério Público do Trabalho, de ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para a "defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos".

A tese restritiva defendida pelos recorrentes está superada, sendo pacífico o entendimento de que a ação civil pública é instrumento apto para a defesa de interesses coletivos, difusos ou individuais homogêneos trabalhistas perante a Justiça do Trabalho. Não é possível restringir a função institucional do Ministério Público perante um ramo da Justiça que diariamente se depara com o desrespeito a direitos trabalhistas, em dimensões que excedem o interesse individual e que, portanto, demandam a reparação por meio de instrumentos cujos resultados alcancem o maior número possível de trabalhadores, restabelecendo a observância da norma jurídica afrontada.

O procedimento da ação civil pública não difere daquele adotado perante os demais ramos da Justiça, e a competência funcional para o seu exame já está pacificado por meio da Orientação Jurisprudencial n.º 130 da SBDI-2 do TST:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI Nº 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 93 (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I – A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano.

II – Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos.

III – Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a Ação Civil Pública das varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho.

IV – Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída."

Cito ainda o seguinte precedente, que se amolda ao caso dos autos:

"RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI N.º 11.496/2007. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. tutela coletiva. obrigação de não fazer. empresa estatal. concurso público. exigência de avaliação psicológica ou teste psicotécnico. 1. Consoante disposto no artigo 114 da Constituição da República, ‘compete à Justiça do Trabalho processar e julgar’, na forma da lei, ‘outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho’. 2. Inclui-se dentro do conceito consagrado no referido texto constitucional a tutela - mediante o ajuizamento de ação civil pública- de interesses difusos relacionados com o direito de acesso ao emprego, uma vez que diz respeito a relação envolvendo trabalhador desempregado na busca de um emprego e potencial empregador. 3. Nesse contexto, é competente a Justiça do Trabalho para julgar ação civil pública em que se pretende impor obrigação de não fazer a empresa estatal, no sentido de abster-se de considerar como requisito à admissão de empregado a aprovação ou aptidão em avaliação psicológica ou teste psicotécnico. 4. Recurso de embargos não conhecido." (Processo: E-RR - 702000-35.2000.5.04.0022 Data de Julgamento: 15/12/2011, Relator Juiz Convocado: Hugo Carlos Scheuermann, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 03/02/2012)

Superado, assim, o paradigma cotejado.

Intactos os dispositivos de lei e da Constituição Federal mencionados pelos recorrentes.

Não conheço.

1.3. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE PROCESSUAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

O TRT rejeitou a preliminar de ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho, sob os seguintes fundamentos (fls. 1742/1746):

"Verifico nestes autos a pertinência subjetiva, porquanto o Ministério Público está legalmente legitimado a promover a defesa de direitos e interesses coletivos em sentido amplo, abrangendo interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Assim, ainda que injurídica seja sua pretensão - o que será apreciado no mérito, eis que o direito de ação é autônomo, público e instrumental - a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para esta causa é inegável, conforme se conclui da interpretação sistemática da Constituição da República, art.127, 129, III e IX e da legislação infraconstitucional: art. 5º, art. 21 da Lei 7.347/85, art. 81 a 90, art. 82, art. 103 e 104 da Lei 8.078/90, e art. 6º, VII e XII c/c art. 83, III da Lei Complementar 75/93. No mesmo sentido já há julgados do C. Tribunal Superior do Trabalho (in verbis):

(...)

Sobre o tema há também jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura de Ação Civil Pública pretendendo a defesa de qualquer interesse coletivo (in verbis):

EMENTA: - Recurso extraordinário. Trabalhista. Ação civil pública. 2. Acórdão que rejeitou embargos infringentes, assentando que ação civil pública trabalhista não é o meio adequado para a defesa de interesses que não possuem natureza coletiva. 3. Alegação de ofensa ao disposto no art. 129, III, da Carta Magna. Postulação de comando sentencia1 que vedasse a exigência de jornada de trabalho superior a 6 horas diárias. 4. A Lei Complementar nº 75/93 conferiu ao Ministério Público do Trabalho legitimidade ativa, no campo da defesa dos interesses difusos e coletivos, no âmbito trabalhista. 5.lndependentemente de a própria lei fixar o conceito de interesse coletivo, é conceito de Direito Constitucional, na medida em que a Carta Política dele faz uso para especificar as espécies de interesses que compete ao Ministério Público defender (CF, art. 129, III). 6. Recurso conhecido e provido para afastar a ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho. Votação: unânime. Resultado: provido. RE 213015/DF - DISTRITO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Rel. Acórdão. Julgado em 08/04/2002 (grifos nossos).

Rejeito".

A preliminar de falta de interesse processual foi assim afastada (fl. 1745):

"A pertinência objetiva da ação é verificada pela existência do trinômio utilidade, necessidade e adequação, abstratamente considerados.

O recorrido pretende a tutela de direitos coletivos, latu sensu , e narra situação de macrolesão destes direitos, demonstrando a utilidade e a necessidade da medida. Provoca o judiciário através de Ação Civil Pública, instrumento jurídico adequado à defesa de direitos e interesses metaindividuais, loco, rejeito a preliminar. Se sua pretensão será ou não acolhida pelo Judiciário é matéria de mérito que será apreciada e julgada no momento oportuno."

O TRT rejeitou a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, afirmando (fls. 1745/1746):

"A recorrente argumenta que o pedido é impossível eis que a legislação veda expressamente o reconhecimento de liame empregatício de corretor de seguros.

Tal questão controvertida se confunde com o mérito desta ação e com ele será apreciada."

No recurso de revista, os recorrentes reiteram as preliminares. Afirmam, inicialmente, que não há lei que autorize a atuação do Ministério Público do Trabalho por meio de ação civil pública perante a Justiça do Trabalho. Dizem, por outro lado, que é juridicamente impossível a pretensão de reconhecimento de vínculo empregatício e direitos trabalhistas por meio de ação civil pública. Sustentam que o próprio acórdão recorrido registra que a coletividade dos trabalhadores é identificável, e que os casos não são todos iguais, o que demonstra que a ação não versa sobre a defesa de interesses coletivos ou difusos. Argumentam que, uma vez admitido o ajuizamento de demandas individuais, não se está diante de interesse coletivo, e o Ministério Público não pode substituir a parte ou o sindicato. Dizem que sequer há a defesa de interesses individuais homogêneos. Postulam, assim, a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Colacionam julgados.

À análise.

Ao contrário do que alegam os recorrentes, verifica-se a legitimidade e o interesse processual do Ministério Público do Trabalho .

O art. 129, III, da Constituição Federal estabelece a legitimidade do Ministério Público para atuar no polo ativo da ação civil pública, com o intuito de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.

No campo das relações de trabalho, ao Ministério Público compete promover a ação civil no âmbito desta Justiça, para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem como outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

De fato, dispõem os arts. 6º, VII, d , e 83, III, da Lei Complementar n.º 75/93:

"Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

(...)

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

(...)

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

"Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

(...)

III – promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;"

Direito coletivo, de acordo com a Lei n.º 8.078/90, é aquele "transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por um relação jurídica básica". Direito difuso é aquele transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. A indeterminação é característica imprescindível para o interesse difuso. Já o direito individual homogêneo é aquele que decorre de origem comum, e cujos titulares são identificáveis.

Desta feita, o Ministério Público, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, cuja atribuição precípua é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, pode agir perante a Justiça do Trabalho em nome da sociedade na defesa de "interesses ou direitos individuais homogêneos".

E, no caso dos autos, o Ministério Público do Trabalho atua em defesa de direito individual homogêneo, pois decorre de origem comum e possui titulares identificáveis .

Com efeito, o Tribunal de origem transcreveu os pedidos formulados na ação civil pública, à fl. 1756, quais sejam:

a) registrar todos os contratos de trabalho de trabalhadores admitidos para prestar serviços de forma pessoal e subordinada nas agências do Banco Bradesco S.A. para angariação de clientes e vendas de apólices de seguros em geral e planos de previdência privada;

b) abster-se de contratar trabalhadores que lhe prestam serviços diretos e subordinados por intermédio de qualquer empresa, criada ou utilizada para tal fim, ou de qualquer outra prestadora de serviços ou corretora;

c) garantir aos trabalhadores que prestam serviços nas agências do Banco Bradesco S.A nas funções de corretores e angariadores todos os direitos previstos na legislação trabalhista, sem utilizar-se de subterfúgios como a criação de "pessoas jurídicas" ou de contratação de empresas para a contratação por pessoa interposta;

d) pagamento de indenização face aos danos já causados por suas condutas ilegais (multa reparatória), bem como face aos lucros obtidos pela irregular substituição de mão de obra e pela ilegal exigência de labor, sem o devido cumprimento dos direitos constitucionalmente assegurados, no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões) de reais reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador);

e) na hipótese de descumprimento da decisão, multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia e por trabalhador enquadrado em situação ilegal.

Como se verifica, a alegação formulada na petição inicial é de que os réus adotam o procedimento de contratarem trabalhadores para lhes prestarem serviços de forma subordinada e pessoal, para a angariação de clientes e vendas de apólices de seguros em geral e planos de previdência privada, camuflando típicas relações empregatícias sob a fachada de trabalho autônomo de corretagem de seguros, com a criação de pessoas jurídicas, ou contratação por pessoa interposta. Conforme a inicial, há direito de origem comum, lesado pela prática ilegal dos recorrentes, e seus titulares são identificáveis.

Cito os seguintes precedentes que reconhecem a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos na Justiça do Trabalho:

"RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 11.496/2007. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. 1. Na dicção da jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Federal, os direitos individuais homogêneos nada mais são senão direitos coletivos em sentido lato, uma vez que todas as formas de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) são direitos coletivos e, portanto, passíveis de tutela mediante ação civil pública (ou coletiva). 2. Consagrando interpretação sistêmica e harmônica às leis que tratam da legitimidade do Ministério Público do Trabalho (artigos 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 da Lei Complementar n.º 75/1993), não há como negar a legitimidade do Parquet para postular tutela judicial de direitos e interesses individuais homogêneos. 3. Constatado, no presente caso, que o objeto da ação civil pública diz respeito a direito individual que, por ostentar origem comum - uma vez que decorre de irregularidade praticada pela empregadora, relativa ao não pagamento das verbas rescisórias, consoante previsto no artigo 477, § 6º, da CLT -, qualifica-se como direito individual homogêneo, atraindo, assim, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a causa. 4. Recurso de embargos conhecido e provido." (Processo: E-ED-RR - 205300-81.2001.5.01.0062 Data de Julgamento: 03/05/2012, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 18/05/2012)

"RECURSO DE EMBARGOS. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JORNADA DE TRABALHO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE. A legitimidade do Ministério Público do Trabalho, na defesa de interesses individuais homogêneos, em ação civil pública, já está consagrada, na doutrina e na jurisprudência do c. Tribunal Superior do Trabalho e do e. Supremo Tribunal Federal. Constatado ser o bem tutelado a condenação do reclamado ao cumprimento das normas que disciplinam a jornada de trabalho de seus empregados, sobressai a legitimidade do Ministério Público em face da existência de lesão comum, a grupo de trabalhadores, inerentes a uma mesma relação jurídica, a determinar que, mesmo que o resultado da demanda refira-se a direitos disponíveis de empregados, decorre de interesses individuais homogêneos que, embora tenham seus titulares determináveis, não deixam de estar relacionados aos interesses coletivos, sendo divisível apenas a reparação do dano fático indivisível. O interesse coletivo presente determina a atuação, quando identificada lesão comum a grupo de trabalhadores que laboram a latere das normas que disciplinam a jornada de trabalho, em desrespeito aos direitos sociais garantidos no art. 7º da CF. Precedentes. Embargos conhecidos e desprovidos." (Processo: E-ED-RR - 745271-68.2001.5.16.0003 Data de Julgamento: 12/04/2012, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/04/2012)

"RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM . DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS. PRETENSÃO DE CARÁTER HOMOGÊNEO. FRAUDE EM INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA CONDIÇÃO DE COOPERADOS. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. O Ministério Público do Trabalho ostenta legitimidade ativa ad causam para postular em juízo o reconhecimento do vínculo empregatício de trabalhadores contratados na condição de cooperados, ante a origem comum das pretensões individuais deduzidas, decorrência lógica da própria causa de pedir remota constitutiva dos direitos postulados na exordial - fraude na contratação, a afetar, igualmente, todos os interessados - e indutora da sua homogeneidade. A circunstância de serem experimentados de maneira singularizada pelos respectivos titulares, podendo variar no tocante à sua dimensão quantitativa, longe de descaracterizá-los, é o próprio traço distintivo dos direitos e interesses individuais homogêneos em face de outras categorias jurídicas de direitos subjetivos sujeitos à tutela coletiva, como os direitos difusos e direitos coletivos stricto sensu . Precedentes desta SDI-I. Recurso de embargos conhecido e provido." (Processo: E-ED-RR - 795997-30.2001.5.07.0024 Data de Julgamento: 15/12/2011, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/04/2012

O Supremo Tribunal Federal também já se pronunciou sobre a matéria:

‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO.

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.

4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.

5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.

5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.’ (RE-163.231-3/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 29/06/2001).

Por todo o exposto, o interesse processual é patente, haja vista a utilidade, a necessidade e a adequação da medida utilizada, estando caracterizado o interesse processual do Ministério Público .

Finalmente, sem razão os recorrentes quando afirmam que não há possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e direitos consequentes por meio de ação civil pública .

Com efeito, definida a natureza jurídica dos interesses defendidos como individuais homogêneos, aplica-se ao caso o disposto no art. 97 do Código de Defesa do Consumidor, que confere não somente ao Ministério Público mas também às "vítimas" (aqui considerados os trabalhadores efetivamente lesados), o direito de promover a liquidação e execução da sentença que, quando proferida, é necessariamente genérica, nos termos do art. 95 do mesmo Código. Isso implica dizer que, constatada judicialmente a burla à legislação trabalhista alegada na ação civil pública, a situação de cada trabalhador será apreciada individualmente em nova fase da ação, conforme prevê a lei.

Vejamos elucidativo artigo a respeito do tema:

"O art. 97 do CDC estabelece a legitimidade para a propositura da liquidação e execução da sentença coletiva, conferindo-se às vítimas e seus sucessores, bem como aos legitimados do art. 82 do CDC. Os referidos artigos tratam dos direitos individuais homogêneos; (...)

O art. 95 do CDC prescreve que, em caso de procedência do pedido, a sentença será genérica. Por essa razão, alguns autores, como Luiz Rodrigues Wambier, sustentam o caráter absoluto desta regra, que traz como consequência lógica a imprescindibilidade da liquidação em todas as demandas coletivas, pois não haveria qualquer possibilidade dos legitimados obterem sentença condenatória que defina desde logo o quantum .

(...)

Assim, conclui-se que a necessidade da sentença genérica é própria dos direitos individuais homogêneos e decorre justamente do tratamento coletivo incidental que lhes é conferido, o qual permanece somente até o momento da prolação da sentença, a partir da qual as diversas pretensões particulares e perfeitamente individualizáveis, com suas nuances até então irrelevantes para a responsabilização do autor do fato, deverão ser identificadas, a fim de se verificar a ocorrência do dano e o nexo de causalidade com a conduta do agente, por meio da liquidação.

(...)

Diferentemente da sentença genérica do processo civil tradicional, na qual falta apenas a delimitação do quantum debeatur , na sentença genérica que verse sobre direitos individuais homogêneos faz-se necessária a identificação de um outro elemento da obrigação, qual seja, o próprio sujeito ativo lesado, que será beneficiário da decisão condenatória.

Nesse sentido, o âmbito cognitivo da liquidação em referência será mais amplo, avaliando-se o cui debeatur , a ocorrência do dano, o nexo de causalidade entre a conduta e o responsável condenado na sentença genérica e a lesão experimentada pelo liquidante e, finalmente, o próprio valor e a extensão do dano.

(...)

A possibilidade da ocorrência da denominada ‘liquidação zero’ no processo tradicional não é pacífica (....)

Calamandrei, citado por Elton Venturi, tenta resolver esse absurdo lógico afirmando que não haveria qualquer violação da sentença condenatória genérica caso a sentença de liquidação decidisse não haver expressão econômica dos danos, pois aquela se prestaria somente a declarar a ilicitude objetiva do ato e a responsabilidade do agente.

(....)

No processo coletivo, para determinar a possibilidade de liquidação zero, deve-se distinguir a hipótese de liquidação decorrente de sentença genérica que verse sobre direitos difusos e coletivos em sentido estrito da hipótese de liquidação que verse sobre direitos individuais homogêneos.

(....)

Na segunda hipótese, verifica-se plenamente possível chegar-se ao valor zero na liquidação promovida pela vítima ou seus sucessores, dado que estes podem não conseguir demonstrar sua condição de lesados, o nexo de causalidade e a extensão de seu dano.

Entretanto, quando decorrido o prazo de um ano sem habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade do dano, os legitimados do art. 82 do CDC poderão promover a liquidação. A hipótese encontra-se prevista no art. 100 do CDC e, a despeito da sentença genérica também versar sobre direitos individuais homogêneos, não será possível a liquidação zero, tendo em vista que ao menos um montante reparatório destinado ao Fundo da LACP existirá.

(...)" (BUSSINGER, Marcela de Azevedo. Liquidação e Execução Coletivas, in Tutela Metaindividual Trabalhista, São Paulo: Ltr, 2009, p. 242-248)

Cito o seguinte precedente desta Corte:

"I - RECURSO DE EMBARGOS DO BANCO. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007. DA PRELIMINAR DE CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. Não prospera a tese que sustenta o cabimento da ação civil pública apenas para a defesa dos interesses difusos e coletivos no sentido estrito, enquanto que para a defesa dos direitos individuais homogêneos indica a utilização somente da ação civil coletiva. É que, na linha da doutrina mais moderna, referente aos processos coletivos, quanto à tutela dos direitos individuais homogêneos, há uma cisão da atividade cognitiva, cujo objetivo, na primeira fase, é a obtenção de uma tese jurídica geral que beneficie, sem distinção, os substituídos, sem considerar os elementos típicos de cada situação individual de seus titulares e nem mesmo se preocupar em identificá-los, ficando a prestação jurisdicional limitada ao núcleo de homogeneidade dos direitos controvertidos. Nesta etapa os direitos individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis. Na segunda fase, a cognição judicial já se preocupa com os aspectos particulares e individuais dos direitos subjetivos. Trata-se da liquidação e execução do direito individual a que se referem os arts. 91 a 100 do CDC. Nela são verificados os valores devidos para cada um dos titulares dos direitos individuais lesados, que, por sua vez, serão identificados, constituindo a chamada margem de heterogeneidade. Nesta fase, os direitos são divisíveis e disponíveis, sendo possível tanto a execução coletiva como a execução individual a ser promovida pelas vítimas. Seguindo esta tendência, o Código de Defesa do Consumidor, ao acrescentar o art. 21 na Lei 7.347/85, assegurou o uso da ação civil pública para a defesa dos direitos individuais homogêneos, determinando a aplicação dos dispositivos do Título III, entre os quais se incluem os artigos relativos às ações coletivas tratada no Capítulo II, que tratam da fase da liquidação e execução. Portanto, não há como ver empecilho para a utilização da ação civil pública para a tutela dos direitos individuais homogêneos, bastando aplicar-lhe os dispositivos do Título III do CDC. Por outro lado, o direito individual homogêneo, apesar de não ser coletivo em sua essência, mas considerado subespécie de direito coletivo, em face do seu núcleo de homogeneidade dos direitos subjetivos individuais decorrentes de origem comum, deve ter a sua proteção judicial realizada em bloco (molecular) a fim de obter uma resposta judicial unitária do mega-conflito, bem como evitar a proliferação de ações similares com as consequentes decisões contraditórias, conferindo maior credibilidade ao Poder Judiciário e atendendo ao interesse social relativo à eficiência, celeridade, economia processual e a efetivação do objetivo constitucional fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Desse modo, tem-se evidente a intenção do legislador de, ao acrescentar o art. 21 na Lei 7.347/85, possibilitar a utilização das mesmas ações coletivas destinadas à tutela dos direitos e interesses difusos e coletivos, dentre as quais se encontra a ação civil pública, para a defesa dos interesses individuais homogêneos. No caso dos autos, discute-se o direito dos aposentados do BANESPA em receber parcelas vencidas e vincendas referentes às gratificações semestrais ou verba equivalente à que foi paga ao pessoal da ativa a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), sendo que os direitos pretendidos possuem identidade quanto ao an debeatur , já que decorrem da mesma situação jurídica em que todos os aposentados tiveram relação de trabalho com o banco. Logo, sendo inquestionável a origem comum desses direitos, não há dúvida de que se trata de direitos individuais homogêneos, sendo cabível a ação civil pública como instrumento para sua tutela, com a aplicação dos dispositivos normativos previstos no Título III do Código de Defesa do Consumidor. Recurso de embargos conhecido e não provido. (...)" (Processo: E-ED-RR - 42400-13.1998.5.02.0036 Data de Julgamento: 24/02/2011, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 25/03/2011)

A particularidade de os trabalhadores substituídos lidarem com corretagem de seguros, por si apenas, não torna o pedido juridicamente impossível, pois a interpretação a ser conferida à Lei n.º 4.594/64 e à CLT, diante dos fatos comprovados nos autos, que atestam o descumprimento da lei, constitui o próprio cerne da controvérsia.

Registro que os dois primeiros paradigmas colacionados pelos recorrentes quanto ao tema, às fls. 1852/1856, são oriundos de Turma do TST, fonte não autorizada pelo art. 896 da CLT. Não foi devidamente mencionada a fonte de publicação dos dois últimos arestos, pois mencionado apenas um "J" seguido de uma data. O único aresto servível, oriundo do TRT da 3.ª Região, está superado, conforme precedentes desta Corte acima transcritos.

Intacto o dispositivo de lei mencionado.

Não conheço.

1.4. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. IRREGULARIDADES. NÃO CONSTATAÇÃO

O TRT não acolheu as alegações dos recorrentes sobre a ocorrência de irregularidades no inquérito civil público. Afirmou (fls. 1746/1756):

"Das Alegadas Irregularidades Cometidas no Inquérito Civil Público

Os recorrentes alegam que no inquérito civil público foram ouvidas testemunhas sem a presença dos réus ou de seus advogado. Argumentam que os depoimentos colhidos não poderiam ser considerados provas, eis que fere o exercício do direito a contradita, previsto no art. 414 do Código de Processo Civil, bem como o art. 451 do mesmo diploma legal, pois foram prestados sem compromisso de dizer a verdade e a advertência quanto a consequência penais, na hipótese de afirmações inverídicas. Argumenta que o Banco Bradesco e as demais recorrentes não foram notificados para prestar esclarecimentos quanto aos fatos narrados nesta ação, e entende que não foram observados os procedimentos pertinentes ao inquérito civil público. Sustenta que o Ministério Público deixou de analisar as diversas normas que dispõem a respeito das atividades bancária, de seguros e de previdência privada. Afirma que houve abuso de poder pelo Ministério Público do Trabalho, e violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

O Inquérito Civil Público é mero procedimento administrativo, de caráter preparatório e facultativo. Na lição do Min. José Celso de Mello Filho, citada por Rodolfo Mancuso: ‘ Trata-se de procedimento meramente administrativo, de caráter pré-processual, que se realiza extrajudicialmente (...), o inquérito civil, em suma, configura um procedimento preparatório, destinado a viabilizar o exercício responsável da ação civil pública ’. Mancuso continua, in verbis :

‘... tal inquérito é mera peça informativa, de utilização restrita do parquet, cujas conclusões ou mesmo a arquivamento em nada empecem a propositura da ação (civil pública) pelos demais colegitimados (...) Por outras palavras, esse inquérito é um instrumento destinado a possibilitar uma 'triagem' das várias denúncias que chegam ao conhecimento do Ministério Publico: somente as que resultarem fundadas e relevantes acarretarão, por certo, a propositura de ação; de todo modo, a conclusão a que chegue o Ministério Público não é vinculante para a entidade denunciante1’

... tal inquérito não é condição de procedibilidade da ação civil pública, que pode ser movida antes ou no curso daquele (ex.cautelar satisfativa), ou mesmo independentemente dele (se o parquet já conta com suficientes subsídios e já formou sua convicção quanto a necessidade e oportunidade de propositura da ação’ (MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação Civil Publica.São Paulo. RT.1996.p.98/102).

Procedimento administrativo e não processo administrativo. A distinção tem relevância na hipótese, pois no processo administrativo deve-se assegurar a garantia dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV). O processo caracteriza-se pelo ordenamento de atos para solução de uma controvérsia MEIRELLES. Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:Malheiros. p. 658/659).

No procedimento expresso no inquérito civil, ainda não há controvérsia, não há litigância: esta pode ou não ocorrer, o inquérito tem caráter preparatório de eventual controvérsia, enfim, caráter pré-processual. Não há acusados, nem litigantes no inquérito civil, mas inquiridos, portanto, não há incidência do princípio do contraditório.

Neste sentido há recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, interpretando que o princípio do contraditório não prevalece no inquérito civil público, bem como o valor probatório relativo das informações colhidas (in verbis):

PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS - INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. NATUREZA INQUISITIVA. VALOR PROBATÓRIO. 1. O inquérito civil público é procedimento informativo, destinado a formar a opinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza inquisitiva. 2. "As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório " (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003). 3. As provas colhidas no inquérito civil, uma vez que instruem a peça vestibular, incorporam-se ao processo, devendo ser analisadas e devidamente valoradas pelo julgador.

4. Recurso especial conhecido e provido. STJ. REsp 644994/MG ; RECURSO ESPECIAL. 2003/0215491- O. Relator Ministro JOAO OTÁVIO DE NORONHA

PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PUBLICA INQUÉRITO CIVIL: VALOR PROBATÓRIO REEXAME DE PROVA: SUMULA 7/STJ.

1. O inquérito civil público é procedimento facultativo que visa colher elementos probatórios e informações para o ajuizamento de ação civil pública.

2. As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório.

3. A prova colhida inquisitorialmente não se afasta por mera negativa, cabendo ao juiz, no seu livre convencimento, sopesá-las.

4. Avanço na questão probatória que esbarra na Súmula 7/STJ.

5. Recursos especiais improvidos.STJ. DJ 04.08.2003 p. 274. Relatora Ministra ELIANA CALMON. REsp 476660/MG ;RECURSO ESPECIAL. 2002/0151838-7

PROCESSUAL CIVIL. AÇÁO CIVIL PUBLICA. INQUERITO CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO FEDERAL. COMPETENCIA DO JUIZ CORREGEDOR DO DEPARTAMENTO DE INQUERITOS POLICIAIS PARA MEDIDAS INVESTIGATORIAS URGENTES. CONSTITUIÇAO FEDERAL, ARTS. 5., X E XII, 37, 127 E 129, III. LC 70/93. LEI 4.595/64 (ART. 38). LEI 7.347/85. LEI 4.728/65 (ART. 4., PAR. 2.) E LEI 8.625/93 (ARTS. 25 E 26).

1. A PARLA DE RELEVANTE INTERESSE PUBLICO E SOCIAL, AMPLIOU-SE O AMBITO DE ATIVIDADE DO MINISTERIO PUBLICO PARA REALIZAR ATIVIDADES INVESTIGATORIAS, FICANDO ALICERÇADA A SUA LEGITIMAÇAO PARA PROMOVER O INQUERITO E AÇÁO CIVIL PUBLICA (C.F., ARTS. 127 E 129, III, -LEI 7.347/85, ARTS. 1. E 5.).

2. O SIGILO BANCARIO NAO E LIM DIREITO ABSOLUTO, QUANDO DEMONSTRADAS FUNDADAS RAZOES, PODENDO SER DESVENDADO POR REQUISIÇÁO DO MINISTERIO PUBIICO EM MEDIDAS E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS, INQLIERITOS E AÇÓES, MEDIANTE REQUISIÇAO SUBMETIDA AO PODER JUDICIARIO.

3. A "QUEBRA DO SIGILO" COMPATIBIIIZA-SE COM A NORMA INSCRITA NO ART. 5., X E XII, C.F., CONSONO JURISPRUDENCIA DO STF.

4. O PRINCIPIO DO CONTRADITORIO NÃO PREVALECE NO CURSO DAS INVESTIGACÕES PREPARATORIAS ENCETADAS PELO MINISTERIO PUBLICO (RE 136.239 AG.REG. EM INQLIERITO N. 897 - DJU DE 24.03.95).

5. NO CASO CONCRETO DO JUIZ CORREGEDOR DO DEPARTAMENTO DE INQUERITOS - TJSP, EXERCENDO COMPETENCIA DIFUSA, PODE DECIDIR PEDIDOS DE REQUISIÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO, APARELHANDO A DEMONSTRAÇÃO DE ILICITOS PRENUNCIADOS E FAVORECENDO A COLETA DE RELEVANTES E URGENTES ELEMENTOS DE INFORMAÇAO.

6. RECURSO IMPROVIDOS.STJ.DJ 03.11.1997 p. 56217 RSTJ vol. 102 p. 62. Relator Ministro MILTON LUIZ PEREIRA. RMS 7423/SP ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1996/0042888-3.

Destaco que o Inquérito Civil Público no 795/03 foi instaurado através a Portaria 115/2003 (f1.328), mas, ainda que não fosse instaurado, a ação civil pública poderia ter sido ajuizada, eis que a instauração daquele não é requisito de admissibilidade desta. Ressalto, ainda, como registrou o julgador de primeiro grau, que a instrução deste processo foi realizada sem cerceamento de prova (fl. 1537) - de fato, foram inquiridas 4 (quatro) testemunhas trazidas pelas recorrentes(fls. 1372/1376), e as demais foram dispensadas pelas próprias recorrentes (ata de fl. 1377).

Rejeito" (g.n.).

No recurso de revista, os recorrentes dizem que houve irregularidades no inquérito civil público, pois somente foi instaurado perante o Banco Bradesco, sem a participação dos recorrentes. Daí, foram colhidas provas sem a participação de réus e seus advogados. Afirmam que os depoimentos colhidos durante o inquérito foram prestados sem o compromisso de dizer a verdade, e sem advertência quanto às possíveis sanções penais em caso de afirmações inverídicas. Dizem que o fato de ter ocorrido produção de provas em juízo não sana as irregularidades do inquérito. Sustentam que mesmo na instauração de procedimento investigatório é necessário conceder a ampla defesa às partes. Alegam violação dos arts. 414, 415, 416 do CPC, 820 da CLT, 5.º, LIV e 133 da Constituição Federal.

Sem razão.

O inquérito civil público é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público, que objetiva a apuração prévia da existência de elementos que ensejem posterior ajuizamento de ação civil pública. Tem por finalidade formar a convicção do próprio Ministério Público sobre a ocorrência de lesões a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e, caso conclua pela inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o seu arquivamento (art. 9.º da Lei n.º 7.347/85). É procedimento e, não, processo, não sendo obrigatória a observância do contraditório, ou compromisso de eventuais depoentes.

Quanto à atuação do advogado e o acesso das partes aos autos do inquérito civil, considerando-se a natureza inquisitorial do instrumento, traz-se à colação doutrina de Raimundo Simão de Melo:

" É o inquérito civil procedimento administrativo de natureza inquisitiva tendente a recolher elementos de prova que ensejem o ajuizamento da ação civil pública (²).

Diz Hugo Nigro Mazzilli que o inquérito civil é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a escolher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública ou coletiva (³). Porém, o inquérito civil não se destina apenas a colher prova para ajuizamento da ação civil pública ou outra medida judicial; tem ele, também, como importante objetivo, a obtenção de ajustamento de conduta do inquirido às disposições legais (4), de forma rápida, informal e barata para todos.

Nesse sentido, assevera Hugo Nigro Mazzilli que não se caracteriza o inquérito civil como procedimento contraditório. Antes, ressalte-se nele sua informalidade, pois destina-se tão somente a carregar elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje a propositura de medida judicial de sua iniciativa que, ademais, é concorrente com a dos demais legitimados ativos á ação civil pública(5).

Questão não raramente levantada por advogados dos inquiridos em inquéritos civis diz respeito ao devido processo legal ou direito de ampla defesa, com base no inciso LV do artigo 5° da CF (aos limites, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, como os meios e recursos a ela inerentes), querendo-se estabelecer no seu âmbito verdadeiro contraditório. Esse, contudo, como estabelece a disposição constitucional mencionada, aplica-se somente em processo judicial ou administrativo, não se tratando o inquérito civil de processo administrativo e muito menos judicial, não cabendo ao inquirido, por outro lado, o qualificativo de acusado. Não é o inquérito civil processo, mas, procedimento administrativo que visa investigar sobre o ato denunciado; não se fala em acusação, na aplicação de sanção ao inquirido, nem em limitações ou perda de direitos deste; nele não se decide controvérsia, como ocorre em processo judicial ou administrativo. Com o inquérito busca-se elementos de convicção para propositura de eventual medida judicial ou então, configurada a ilegalidade do ato, a assinatura de em termo de ajustamento de conduta, de forma espontânea. O inquirido não é obrigado a assinar termo de ajustamento de conduta, embora deva ser esclarecido pelo membro do Ministério Público, condutor do inquérito, de que, não havendo adequação às disposições legais violadas, medidas judiciais serão tomadas, como o ajuizamento de ação civil pública e que, conforme o caso, serão remetidos dados a outros órgãos públicos para a tomada de providências nos seus respectivos âmbitos, inclusive para a instauração de procedimentos criminais, se a conduta irregular também tiver irradiações no campo penal, como ocorre com certa frequência" ( In . Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, 2002 – n. 19, página 133-134).

Nesse sentido, há julgados desta Corte:

"I - RECURSO DE REVISTA. (...) II - PROVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÔNUS DA PROVA. EFICÁCIA DOS ELEMENTOS DE PROVA TRAZIDOS COM A INICIAL. APURAÇÃO, POR MEIO DO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO QUE PRECEDEU AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO, DAS IRREGULARIDADES DENUNCIADAS. PROVA DE NATUREZA DOCUMENTAL, QUE NÃO FICA, POR ESSA RAZÃO, INQUINADA COMO INVÁLIDA PELA FALTA DE COMPROMISSO LEGAL DOS DECLARANTES NO INQUÉRITO. Não se tem como vulnerado o artigo 5º, LV, da Carta Magna, que consagra o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, porque expressamente consignado pela Corte regional que, embora não tenha ocorrido prestação de compromisso em relação aos depoimentos colhidos no inquérito civil público que deu origem a esta ação civil pública, tais depoimentos ‘não têm natureza de prova testemunhal, mas de prova documental’, tendo, nessa condição, passado pelo crivo do contraditório, ‘na medida em que dela teve ciência a ré, que, no entanto, não ofereceu impugnação na audiência realizada em 17.06.2005, quedando-se inerte’. Também não resulta configurada a indigitada ofensa ao artigo 818 da CLT, porquanto o Tribunal Regional não dirimiu a controvérsia à luz dos princípios disciplinadores da repartição do onus probandi . Conforme assentado na jurisprudência desta Turma, no exame de situações similares (v.g., no RR-9950200-16.2006.5.09.0010 Rel. Min. Rosa Maria Weber, DEJT 19/12/20011), -[A]s normas legais concernentes à distribuição do ônus da prova constituem regras de julgamento que têm como finalidade dotar o juiz de um critério para decidir a lide nos casos em que não se produziu prova ou esta se revelou insuficiente para formar-lhe o convencimento. Com efeito, chega-se à ilação, contrario sensu, de que é logicamente inconcebível a vulneração do artigo 818 da CLT em caso como o dos autos, no qual o litígio foi solucionado com base na prova efetivamente produzida-, em consonância com o permissivo do art. 131 do CPC, consagrador do princípio da livre persuasão racional. Revista não conhecida também neste item. (...)" (Processo: RR - 157400-94.2004.5.01.0063 Data de Julgamento: 23/05/2012, Relator Juiz Convocado: Flavio Portinho Sirangelo, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/06/2012)

"RECURSO DE REVISTA (...) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. INQUÉRITO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ABUSO DE PODER. O procedimento administrativo investigatório tem previsão legal no artigo 8º, § 1º da Lei 7347/85 e destina-se à formação da convicção do membro do Ministério Público. Não se divisa, portanto, como a estrita obediência à previsão legal pode constituir abuso de poder. Ademais, o contraditório e a ampla defesa foram plenamente observados na atual ação, na qual os elementos colhidos no inquérito civil serviram de prova. Recurso de Revista não conhecido. (...)" (Processo: RR - 33900-69.2005.5.01.0058 Data de Julgamento: 04/05/2011, Relator Ministro: Carlos Alberto Reis de Paula, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/05/2011)

Registre-se, ademais, que o Regional não se baseou apenas no inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público do Trabalho para formar seu convencimento a respeito do vínculo empregatício objeto desta ação , mas sim em todo o acervo probatório produzido em processo judicial, tornando inócua a discussão sobre o valor probante do instrumento. Realmente, foram ouvidas testemunhas perante o juízo de primeiro grau, tendo, inclusive, consignado o acórdão recorrido que " a instrução deste processo foi realizada sem cerceamento de prova (fl. 1537) - de fato, foram inquiridas 4 (quatro) testemunhas trazidas pelas recorrentes(fls. 1372/1376), e as demais foram dispensadas pelas próprias recorrentes (ata de fl. 1377)".

Esta Corte já pacificou o entendimento de que tem valor probante o inquérito civil público promovido pelo Ministério Público. Cito, como precedentes:

"DANO MORAL. PROVA. VALIDADE. ELEMENTOS PROBATÓRIOS OBTIDOS EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CONDUZIDO POR ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. 1. O Ministério Público do Trabalho é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos dos artigos 127 e 128 da Constituição da República Federativa do Brasil. Entre as suas funções institucionais encontra-se a promoção do inquérito civil ou de outros procedimentos administrativos necessários à consecução de suas finalidades (artigos 129, inciso III, da Constituição e 6º, inciso VII, e 84, inciso II, da Lei Complementar n.º 75/1993). Assim, a descrição dos fatos ocorridos perante seus órgãos - e devidamente certificados - goza de presunção de veracidade, inclusive por força da fé pública inerente às suas declarações. 2. Nesse contexto, tem-se que os elementos colhidos pelo órgão do MPT em procedimento investigatório, desde que carreados aos autos, devem ser livremente sopesados pelo juiz por ocasião da avaliação da prova produzida, e cotejados com os elementos de fato aventados - e devidamente comprovados - pelas partes. Aliás, constituiria contrassenso admitir a força probante dos documentos particulares apresentados pelos sujeitos processuais e negar tal atributo àqueles extraídos de procedimento em trâmite perante o órgão do Ministério Público do Trabalho. É importante frisar, nesse particular, que, por força dos princípios da aquisição processual e da livre apreciação das provas, as partes as produzem para o processo, cabendo ao juiz avaliá-las e daí extrair as consequências que entender pertinentes, nos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil. 3. Fixadas tais premissas, tem-se que a valoração, pela instância de prova, de elementos probatórios extraídos dos autos de procedimento investigatório conduzido pelo MPT não importa em violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República. Reforça tal conclusão a circunstância de a parte não lançar qualquer questionamento quanto à integridade da prova em questão, nem tampouco contestar a sua correspondência com a realidade fática, limitando-se, ao revés, a aventar a mera irregularidade formal do procedimento de instrução. 4. Recurso de revista não conhecido. (RR - 68000-51.2002.5.12.0025, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT 18/02/2011);

INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. VALIDADE DAS PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. As peças de inquérito civil público, promovido pelo Ministério Público do Trabalho, desfrutam de valor probante e, sem elementos que contradigam os fatos neles descritos, não podem ser ignorados como meios de prova. Sua utilização em Juízo não ensejará cerceamento de defesa ou violação do devido processo legal. Recurso de revista não conhecido. (RR - 9891400-77.2006.5.09.0015, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 03/09/2010);

INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. LAUDO DE INSPEÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. MEIO DE PROVA. VALIDADE. À luz do disposto no art. 364 do CPC, os documentos públicos gozam de presunção de legitimidade e somente podem ser desconstituídos por meio de contraprova produzida pela parte adversa, não bastando para tanto, a singela impugnação. O laudo de inspeção do Ministério do Trabalho e as peças de inquérito civil público, promovido pelo Ministério Público do Trabalho, desfrutam de valor probante e, sem elementos que contradigam os fatos neles descritos, não podem ser ignorados como meios de prova. Recurso de revista conhecido e provido. (ED-RR-57600-73.2005.5.03.0105, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 14/08/2009).

Incólumes, portanto, os dispositivos legais e constitucionais mencionados pelos recorrentes.

Não conheço.

1.5. VÍNCULO DE EMPREGO. CORRETORES DE SEGURO

O TRT negou provimento ao recurso ordinário dos réus, mantendo a sentença que condenou as reclamadas no pagamento de "indenização de R$ 3.000.000,00 a favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador, bem como BRADESCO SEGUROS S.A., BRADESCO SAÚDE S.A. e BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S.A. nas obrigações de: a)registrar todos os contratos de trabalho de trabalhadores admitidos direta ou indiretamente para prestar serviços de forma pessoal e subordinada nas agências da primeira reclamada para a venda de apólices de seguros em geral e planos de previdência privada; b) abster-se de contratar trabalhadores que lhe prestam serviços diretos e subordinados por intermédio de qualquer empresa, criada ou utilizada para tal fim, ou de qualquer outra prestadora de serviços ou corretora; c) garantir aos trabalhadores que prestam serviços subordinados nas agências da primeira reclamada nas funções de corretores e angariadores todos os direitos previstos na legislação trabalhista, sem a utilização de subterfúgios como a criação de ‘pessoas jurídicas’ ou de contratação de empresas para a contratação de pessoas interposta, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 por dia e por trabalhador encontrado em situação irregular" (fls. 1542/1543).

Afirmou a Corte de origem (fls. 1756/1762):

"Os recorrentes postulam a reforma da decisão que julgou procedente, em parte, a pretensão autoral: o Ministério Público do Trabalho ajuizou esta Ação Civil Pública postulando que os ora recorrentes fossem condenados a: a) registrar todos os contratos de trabalho de trabalhadores admitidos para prestar serviços de forma pessoal e subordinada nas agências do Banco Bradesco S.A. para angariação de clientes e vendas de apólices de seguros em geral e planos de previdência privada; b) abster-se de contratar trabalhadores que lhe prestam serviços diretos e subordinados por intermédio de qualquer empresa, criada ou utilizada para tal fim, ou de qualquer outra prestadora de serviços ou corretora; c) garantir aos trabalhadores que prestam serviços nas agências do Banco Bradesco S.A nas funções de corretores e angariadores todos os direitos previstos na legislação trabalhista, sem utilizar-se de subterfúgios como a criação de 'pessoas jurídicas' ou de contratação de empresas para a contratação por pessoa interposta; d) pagamento de indenização face aos danos já causados por suas condutas ilegais (multa reparatória), bem como face aos lucros obtidos pela irregular substituição de mão de obra e pela ilegal exigência de labor, sem o devido cumprimento dos direitos constitucionalmente assegurados, no valor de R$ 8000.000,00 (oito milhões) de reais reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador); e) na hipótese de descumprimento da decisão, multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia e por trabalhador enquadrado em situação ilegal) (Cf. Inicial).

O julgador a quo deferiu em parte dos pedidos, limitando a condenação solidária das recorridas a indenização ao valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), concluiu que as irregularidades restaram provadas na área de seguros e previdência, não havendo provas de atuação irregular de trabalhador em atividade bancária, contudo, determinou a responsabilidade solidária do Banco Bradesco, porque este integra o grupo econômico. Limitou a antecipação da tutela as futuras contratações, conforme expomos em tópico anterior.

Em suas razões recursais as recorrentes argumentam, em síntese, que houve violação ao art. 17, b , da Lei no 4.594/64, que veda o vínculo de emprego entre corretores de seguros e seguradoras.

Aprecio a controvérsia a luz do princípio da primazia realidade e, assim, reconheço a vigência da Lei 4.594/64, mas nego sua eficácia na hipótese, porquanto, conforme demonstrou a prova contida nos autos, as recorrentes, através de contratação apenas formalmente de acordo com este diploma legal buscaram, em realidade, burlar as normas de proteção a relação de emprego :

As irregularidades na contratação de trabalhadores foram denunciadas pelo Sindicato dos Trabalhadores Bancários do Município do Rio de Janeiro a Delegacia Regional do Trabalho, que promoveu a competente fiscalização, conforme documentos de fls. 42/85, entre outros.

O Auditor Fiscal constatou em diferentes agências, entre outras irregularidades, que o trabalho era exercido sem autonomia, durante o expediente bancário, nas dependências do Banco Bradesco, atendendo a clientes do Banco e os que vieram a ser clientes do Banco (fls.51/52; 85/86, entre outras).

Este Auditor Fiscal prestou depoimento como testemunha (fls. 1370/1371) no qual reafirmou os fatos narrados nos relatórios de fiscalização, e foi coerente com a documentação anexadas aos autos, em que se constata a interferência das recorrentes na constituição das pessoas jurídicas contratadas para prestar serviços . O Auditor Fiscal informou o seguinte (in verbis):

‘Excetuando os angariadores que fazem parte de contrato social de corretora, os demais passaram por processo de seleção em corretoras que possuem contrato com o Grupo Bradesco (...) Sobre estes trabalhadores averiguei que:

a) não possuem autonomia, pois têm que laborar diariamente, durante o expediente bancário, nas agências o Banco Bradesco S.A., comercializando apenas os produtos Bradesco. Além disso, ainda têm que prestar contas de seus serviços a supervisores das seguradoras do Grupo Bradesco (...)

b) têm que ter conta corrente no Bradesco, onde são depositadas as comissões de comercialização de seus produtos;

c) as visitas externas a clientes são indicadas pela gerência da agência bancária e são organizadas de modo que tenha um angariador, pelo menos, do mesmo ramo de seguros, durante o expediente bancário na agência;

d) aqueles que tiveram que constituir uma empresa não possuem empregados, só eles estão autorizados a prestar o serviço, pois dependem de uma carta de apresentação do Grupo Bradesco que autoria o concessionário, e não a empresa, a comercializar produtos;

e) os que possuem contrato de prestação de serviços de autônomo com uma corretora, mas sem experiência ou carteira da SUSEP, trabalham com a denominação de estagiários, sendo que não se enquadram nesta situação, pois não há termo de compromisso nem a interveniência de nenhuma instituição de ensino;

f) há casos de ex-funcionários do Grupo Bradesco como concessionários;

g) utilizam crachá com a logomarca do Grupo Bradesco e se confundem com os funcionários do banco;

h) os que fazem parte de contrato social de corretora recebem todo o material de serviço do Grupo Bradesco;

i) a maioria das empresas constituídas, na situação relatada, possui endereço da sede na Rua Josefina Gasparian, 61, sala 08 ou 20, Centro, Comendador Levy Gasparian-RJ, outra parte na Rua Eudoro Berlinck, 15, loja -A, Higienópolis, Rio de Janeiro-RJ ou na residência de um dos sócios, que geralmente são parentes;

j) é comum serem transferidos de uma para outra agência, por posição da gerência, dos supervisares ou a pedido do próprio concessionário’ (fl. 85).

Destaco que os documentos registram o mesmo endereço como sede de diversas ‘empresas1’, a exemplo das empresas Rio Água Corretora de Seguros de Vida SC LTDA (fl. 157); Dinimic Prev. Corretora de Seguros de Vida LTDA (fl. 163), Guirra Prev. Corretora de Seguros de Vida SC LTDA (fl. 179) Juveza Corretora de Seguros de Vida LTDA (fl. 224) e J. Guedes Corretora de Seguros de Vida SC LTDA, todas situadas na Rua Josefina Gasparian, no 61, sala 08/Parte, Centro, Comendador Levy Gasparian-RJ.

Nem se argumente que a Lei 4594/64 impede o reconhecimento de liame empregatício entre o corretor de seguros e a seguradora. Com efeito, o art.17, b deste diploma legal veda aos corretores a possibilidade de serem empregados das empresas seguradores, tal fato não é controvertido nestes autos. Entretanto, esta circunstância, por si só, não é capaz de afastar o reconhecimento do liame empregatício sempre que verificada a presença dos elementos fáticos-jurídicos da relação de emprego .

Nesta perspectiva, a testemunha de fl. 1374, presidente da empresa Assurê Administração e Corretagem de Seguros Ltda esclareceu que ‘ o corretor de seguros tem o papel e defender o segurado e por isso não deve ter ou sofrer qualquer ingerência por parte da seguradora ’.

Logo, o fato destes trabalhadores prestarem serviços de forma subordinada, retira a eficácia da norma, cujo objetivo -defesa do segurado - não é efetivamente atingido em razão da conduta ilícita das recorrentes. Estas não podem se utilizar de sua própria torpeza para afastar as respectivas responsabilidades decorrentes da conduta ilícita.

Como bem asseverou o juiz a quo , a um só tempo as recorrentes burlaram as normas trabalhistas e a lei especifica que regulamenta a atividade de corretagem de seguros. No mesmo sentido, há julgados recentes do C. Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CORRETOR DE SEGUROS. VINCULO EMPREGATICIO. Inexiste violação direta do art. 17, b, da Lei no 4.594/64, quando a Corte Regional deixa de aplicá-lo com esteio no princípio de que a ninguém é dado argüir a ‘própria torpeza para exonerar-se dos ônus decorrentes de sua conduta contra legem’, estando presentes, em relação ao prestador de trabalho, os requisitos de pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade. Agravo de instrumento a que se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista no TST- AIRR-724.471/01.8, em que são Agravantes BRADESCO PREVIDÊNCIA E SEGUROS S.A. e OUTRO e Agravado JÚLIO CÉSAR PEREIRA LIMA. PROCESSO: AIRR NÚMERO: 724471 ANO: 2001 PUBLICAÇÃO: DJ -08/02/2002 ACÓRDÃO 5a - TURMA GA/DTB. GELSON DE AZEVEDO Ministro-Relator

RELAÇAO DE EMPREGO. CORRETOR DE SEGUROS. Uma vez demonstrado o preenchimento dos requisitos do artigo 3º da CLT e comprovado que os serviços prestados pelo autor se restringiram a atividades diversas daquelas típicas do corretor de seguros, não há por que concluir pela ocorrência de afronta ao artigo 17 da Lei no 4.594/64. ... TST. Brasília, 29 de setembro de 2004. EMMANOEL PEREIRA Ministro Relator.(PROC. NºTST-RR-634.749/2000.1 C: ACÓRDÃO 1a Turma EMP/Vs 1.PROCESSO: RR NUMERO: 634749 ANO: 2000 PUBLICAÇAO: DJ – 22/10/2004.)

Acrescento que não verifico hipótese de sentença hipotética e/ou condicional, mas de determinação judicial clara de que as recorrentes cumpram com a Lei - tanto a trabalhista, quanto a regulamentadora da profissão de corretor de seguros, impondo a regularização jurídica dos trabalhadores com as recorrentes.

Aliás, o juiz de primeiro grau reconheceu que depoimento das testemunhas de fls. 1374 e 1375 demonstraram que há situações em que o trabalho das corretoras é exercido sem interferência das recorrentes - quanto à estas nada há a deferir, o que não impede que o Judiciário, ao verificar situações irregulares, condene os responsáveis em obrigação de fazer (regularizar o vínculo jurídico daqueles que prestam serviços de forma subordinada) e de não fazer (abster-se de contratar de forma irregular).

Assim, a sentença, com base no conjunto probatório contido nos autos, que demonstrou a existência de fraude a legislação, determinou a urgente regularização das relações jurídicas de trabalho subordinado .

Nego provimento" (Grifei).

No recurso de revista, os recorrentes sustentam que a Lei n.º 4.594/64, o Decreto-lei n.º 73/66 e outras normas relativas à SUSEP exigem que a captação e celebração do contrato de seguros se dê com intermediação de um corretor, de modo que a Bradesco Seguros e a Bradesco Saúde são proibidas por lei de comercializar seguros. Afirmam que o mesmo ocorre quanto à Bradesco Vida e Previdência, que tem como objetivo social as operações de seguro de vida e a instituição e operação de planos previdenciários de pecúlio e renda, à qual se aplicam as normas que regem as sociedades seguradoras. Dizem que o art. 722 do Código Civil dispõe sobre a autonomia e independência que possui o corretor em relação ao dono do negócio. Afirmam que não é cabível, assim, o reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes. Sob outro prisma, afirmam que a sentença é condicional ou hipotética, pois se condiciona à verificação da existência de prestação de serviços diretos e subordinados. Afirmam que não há amparo para a condenação de se absterem de descumprir a lei trabalhista, pois é impossível de ser cumprida ou ter cumprimento fiscalizado. Argumentam que a sentença nada mais fez do que declarar o mesmo que já dispõe o art. 3.º da CLT, porém com cominação de multa. Dizem que, se a tutela não pode ser efetivada, não é cabível a imposição de multa. Afirmam que o depoimento do auditor fiscal do trabalho transcrito no acórdão não se sustenta diante dos demais depoimentos colhidos em audiência, que essa testemunha desconhece a legislação relativa aos corretores de seguros, e que não verificou a realidade dos fatos, não podendo ser mantido o entendimento do TRT quanto à subordinação. Dizem que não há prova de que foram criadas empresas para burlar a lei trabalhista, e que o fato de essas empresas não terem o mesmo endereço de seus sócios não indica fraude à legislação. Sustentam que a Lei n.º 4.594/64 é eficaz e não foi declarada inconstitucional, de modo que deve ser aplicada, declarando-se a impossibilidade do reconhecimento de vínculo empregatício dos corretores de seguros. Argumentam que a comissão de corretagem constitui verba paga pelo segurado e, não, pela empresa seguradora. Alegam violação dos arts. 5.º, II e XIII, 170, II, IV e parágrafo único, da Constituição Federal, 17 da lei n.º 4.594/64, 460, parágrafo único, do CPC. Colacionam arestos.

Sem razão.

É pacífico o entendimento desta Corte de que é possível o reconhecimento de vínculo empregatício entre o corretor de seguros e a seguradora se estiverem caracterizados os requisitos de que trata o art. 3.º da CLT. Essa circunstância demonstra o desrespeito, pela empresa, das normas trabalhistas e daquela que regulamenta a profissão de corretor de seguros.

A vedação, no art. 17 da Lei nº 4594/64 - de que o corretor de seguros seja empregado de empresa seguradora - só se legitima se resguardada a sua autonomia na condução dos negócios de corretagem, não sendo esse o quadro fático apresentado no acórdão do Regional, que, ao revés, consigna que há todos os elementos caracterizadores da relação de emprego, mormente a subordinação jurídica. Logo, sem autonomia e com subordinação, trata-se de empregado e não de corretor autônomo.

Cito os seguintes precedentes:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - CORRETORDE SEGUROS – VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A SEGURADORA. Apesar de o art. 17 da Lei nº 4594/64 vedar aos corretores o estabelecimento de relação de emprego com empresa de seguros, o contrato de trabalho, cujos requisitos se inserem nos arts. 2º e 3º da CLT, é contrato realidade, que se perfaz em razão da prestação de serviços revestida dos pressupostos fático-jurídicos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, à revelia de qualquer roupagem diversa que tenha sido formalizada. Nesse sentido, ainda que a lei prescreva que a contratação do trabalhador, no caso, se dê sob determinada forma, o desrespeito a essa exigência pelo tomador, que já se beneficiou da irregularidade quando aproveitou a energia da reclamante em favor de sua atividade econômica, não pode justificar o enriquecimento ilícito da empresa e o desprestígio ao valor social do trabalho. Se o serviço foi prestado nos moldes empregatícios, ainda que a lei vede essa possibilidade, o empregador que já praticou a ilicitude deverá reconhecê-lo e remunerá-lo como tal, sem afastar do empregado as garantias mais amplas inerentes a essa modalidade de contratação. Incide, no caso, a Teoria Trabalhista das Nulidades. Ademais, considerando que o reconhecimento dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego se deu em razão das circunstâncias de fato verificadas no caso concreto, a pretensão de revolvê-las encontra óbice na Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido." (Processo: AIRR - 501-03.2011.5.08.0201 Data de Julgamento: 19/09/2012, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/09/2012)

"RECURSO DE REVISTA. (...) VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CORRETOR DE SEGUROS. Não viola a literalidade dos artigos 2º da Lei nº 4.594/64 e 125 do Decreto-Lei nº 73/66 a decisão regional que, com esteio na prova dos autos (art. 131 do CPC), reconhece relação de emprego entre pretenso corretor de seguros autônomo, quando efetivamente preenchidos os requisitos essenciais ao negócio jurídico (arts. 2º, 3º e 9º da CLT). Recurso de revista não conhecido. (...)" (Processo: RR - 442-57.2010.5.24.0022 Data de Julgamento: 30/05/2012, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/06/2012)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CORRETOR DE SEGUROS. VÍNCULODE EMPREGO. (...) Em relação ao artigo 17, alínea ‘b’, da mesma lei, não há violação. A vedação aos corretores de serem empregados de empresa de seguros não tem o condão de impedir a caracterização de eventual relação de emprego, pois, estando preenchidos todos os requisitos caracterizadores do contrato de trabalho, deve prevalecer a aplicação da legislação trabalhista, impondo-se o reconhecimento do vínculo de emprego. Portanto, o acórdão Regional pelo que se reconheceu a relação empregatícia não violou o dispositivo da citada lei, mas apenas aplicou o disposto no artigo 3º da CLT. Agravo de instrumento desprovido. (...)" (Processo: AIRR - 56040-07.2004.5.01.0067 Data de Julgamento: 15/02/2012, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/02/2012)

"RECURSO DE REVISTA – (...) CORRETOR DE SEGUROS – VÍNCULO DE EMPREGO. De acordo com o acórdão Regional, o Reclamante não era corretor de seguros autônomo, existindo, na realidade, tentativa de fraudar às leis trabalhistas, atitude rechaçada pelo art. 9º da CLT. Assim, presentes, na hipótese, todos os elementos da relação de emprego, especialmente a subordinação, e em homenagem ao princípio da primazia da realidade, deve ser reconhecido o vínculo de emprego com a primeira Reclamada. Recurso não conhecido. (...)" (Processo: RR - 76300-36.2006.5.01.0035 Data de Julgamento: 07/12/2011, Relator Juiz Convocado: Sebastião Geraldo de Oliveira, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/12/2011)

Nesse contexto, tendo o TRT se amparado nas provas dos autos, e não tendo sido consignados elementos de fato no acórdão que autorizem conclusão contrária à da Corte de origem, o recurso de revista encontra óbice na Súmula n.º 126 do TST, o que impede a análise dos arestos cotejados, bem como da alegada violação da lei e da Constituição Federal.

Registro que a determinação de que os recorrentes cumpram a lei trabalhista e aquela que regulamenta a profissão do corretor de seguros não constitui sentença hipotética e/ou condicional, sendo perfeitamente possível tanto o seu cumprimento quanto a sua fiscalização. Igualmente, não é condicional a sentença pelo fato de a execução da sentença demandar a análise de cada caso concreto, a fim de averiguar, relativamente aos trabalhadores individualmente considerados, a afronta às normas jurídicas (esta, já comprovada e reconhecida nos autos), pois se trata de procedimento ínsito às decisões proferidas nas ações civis públicas nas quais são defendidos direitos individuais homogêneos, conforme já esclarecido alhures (ver tópico 1.3, a partir da folha 21 deste acórdão).

Cito a doutrinadora Rita Nolasco que nas ações em que se postula a sentença de procedência apenas declara a responsabilidade do réu pelos danos causados e que caberá ao lesado ou seu sucessor, diante do caso concreto e de suas condições pessoais, provar o nexo de causalidade entre o dano pessoal e o dano geral reconhecido pela sentença e o montante da indenização. Transcrevo:

"Devido à necessidade de alegação e prova de fatos novos, a liquidação será feita por artigos. Esse especialíssimo processo de liquidação por artigos possui objeto mais amplo do que o da tradicional liquidação disciplinada no CPC" ( in ‘Contornos Nucleares da Execução Coletiva. Processo Civil Coletivo. São Paulo. Ed. Quartier Latin, 2005).

Não conheço.

1.6. DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO

O TRT manteve a indenização em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador, afirmando o seguinte (fls. 1763):

"Verificada a macrolesão, impõe-se o pagamento de indenização em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador, como forma, inclusive, de inibir a continuidade da conduta ilícita. Vale repetir: não verifico a existência de sentença condicional pelas razões acima expressas. Restou demonstrado nestes autos que é comum a contratação irregular de trabalhadores para exercer a função de corretores e angariadores, embora tais irregularidades não ocorram com a totalidade dos contratos.

Restou verificada a lesão a uma coletividade identificável de trabalhadores, pela prática comum de contratação irregular, assim, cabível a condenação dos responsáveis ao pagamento de indenização, sobretudo porque demonstrado o dano, o nexo causal e a culpa dos recorrentes.

Como destacaram as recorrentes, o brilhante Rodolfo Mancuso ensina que a sentença da Ação Civil Pública tem, primordialmente, natureza cominatória - primordialmente, diz o doutrinador, e não exclusivamente. Tanto é assim no capítulo seguinte (Capítulo 13. Responsabilidade Civil) conclui que é natural que a Lei 7.347/85 não defina o regime de responsabilidade civil, esta Lei não tem característica de direito material, mas sim de direito processual, e a responsabilidade civil é tema próprio de direito material (in Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. Lei 7.347185 e legislação complementar. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1996. p.221).

O respaldo legal para a condenação solidária do Banco Bradesco é a existência de grupo econômico, nos termo do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Nego provimento". (fls. 1806/1820)

Os recorrentes sustentam que é incabível a condenação a título de danos morais coletivos, pois a eficácia da sentença dependerá da verificação da existência de trabalho subordinado camuflado de trabalho autônomo de corretor de seguros. Dizem que as provas dos autos demonstram que não houve lesão a nenhum trabalhador, o que será verificado posteriormente. Afirmam que o próprio juiz sentenciante já havia declarado que o provimento jurisdicional seria limitado a obrigação de fazer ou não fazer sendo, pois, indevida a indenização. Argumentam que a ação civil pública ajuizada em defesa de interesses coletivos trabalhistas não pode ter intuito reparatório, mas apenas de preservação da ordem jurídica. Dizem que a condenação é mais grave em relação ao Banco Bradesco, que foi condenado de forma solidária quando, em relação a ele, foram julgados improcedentes todos os pedidos. Alegam violação dos arts. 5.º, II, 170, II, da Constituição Federal e 265 do Código Civil, e colacionam arestos.

Sem razão.

Conforme já consignado alhures, o TRT afirmou que há prova nos autos de que os recorrentes utilizaram-se da mão de obra de "corretores de seguros", numa relação que contém todos os elementos caracterizadores do vínculo empregatício, mormente a subordinação jurídica. Embora tenha sido admitido que alguns trabalhadores não estavam em situação irregular, isso não afasta o reconhecimento de burla à legislação trabalhista em relação aos demais , nem torna condicional a sentença.

O Banco Bradesco foi condenado solidariamente porque forma grupo econômico com os demais recorrentes, com amparo no art. 2.º, § 2.º, da CLT, de modo que não há alegada violação do art. 265 do Código Civil.

A indenização por dano coletivo em favor do FAT constava do pedido inicial, conforme revela o TRT. Assim, eventual afirmativa do Juiz de primeiro grau de que o provimento jurisdicional seria limitado a obrigação de fazer ou não fazer poderia, quando muito, configurar uma contradição na sentença, mas não impedir a condenação.

Ademais, a lesão à ordem jurídica comprovada nos autos extrapola o interesse individual para alcançar os trabalhadores em caráter amplo, genérico e massivo, o que autoriza a sua recomposição mediante a indenização em comento. Sua imposição tem caráter pedagógico, prevenindo a reincidência na conduta ilícita.

Vale mencionar os seguintes precedentes:

"INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO . O dano moral coletivo, compreendido como a ‘lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados por toda a coletividade (considerada em seu todo ou em qualquer de suas expressões - grupos, classes ou categorias de pessoas) os quais possuem natureza extrapatrimonial, refletindo valores e bens fundamentais para a sociedade’ (Xisto Tiago de Medeiros Neto. O dano moral coletivo. São Paulo: LTr, 2006), ampara-se em construção jurídica diversa daquela erigida acerca do dano moral individual, não sendo possível enquadrar o instituto a partir dos modelos teóricos civilistas clássicos. A ofensa a direitos transindividuais, que demanda recomposição, se traduz, objetivamente, na lesão intolerável à ordem jurídica, que é patrimônio jurídico de toda a coletividade, de modo que sua configuração independe de lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade ou mesmo da verificação de um sentimento coletivo de desapreço ou repulsa, ou seja, de uma repercussão subjetiva específica. É nesse contexto que resulta incabível perquirir, na conduta da ré no caso concreto, a existência de incômodo moral com gravidade suficiente a atingir não apenas o patrimônio jurídico dos trabalhadores envolvidos, mas o patrimônio de toda a coletividade. O que releva investigar, no caso em tela, é a gravidade da violação infligida pela ré à ordem jurídica. A coletividade é tida por moralmente ofendida a partir do fato objetivo da violação da ordem jurídica. No caso, impossível afastar da conduta da ré tal caráter ofensivo e intolerável porque caracterizado o descumprimento de norma relativa a limitação da jornada de trabalho, inserida no rol das normas de indisponibilidade absoluta, eis que tem por bem jurídico protegido a saúde e a segurança dos trabalhadores. Ademais, embora a reclamada pretensamente tenha adequado sua conduta às disposições legais no curso do processo judicial, restou firmado nos autos que por lapso temporal significativo a empresa procedeu mediante violação da ordem jurídica, o que é suficiente para caracterizar o dano moral coletivo e, por conseguinte, justificar a recomposição da coletividade mediante pagamento de indenização. A medida é punitiva e pedagógica: funciona como forma de desestímulo à reiteração do ilícito e sanciona a empresa, que, de fato, teve favorecido ilicitamente seu processo produtivo e competiu em condições desproporcionais com os demais componentes da iniciativa privada. Cuida-se aqui, de reprimir o empregador que se enriquece ilicitamente a partir da inobservância do ordenamento justrabalhista. Recurso de Revista conhecido e provido" (TST-RR-107500-26.2007.5.09.0513, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT de 23/09/2011).

"DANO MORAL COLETIVO . A jurisprudência reiterada desta Corte é no sentido de admitir a obrigação de indenizar o dano moral coletivo quando o descumprimento das regras e dos princípios trabalhistas implica ofensa aos interesses extrapatrimoniais da coletividade, bem como de que a condenação imposta deve reverter em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Recurso de revista não conhecido . […] " ( TST-RR-26540-87.2005.5.10.0008, 8ª Turma, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT de 02/09/2011).

"RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL COLETIVO. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. COOPERATIVA. A reclamada incorreu na prática de ato ilícito ao fomentar de forma generalizada a contratação irregular de trabalhadores, ao servir como mera intermediadora de mão de obra a inúmeras empresas, precarizando as relações de trabalho no segmento em que atuava e desvirtuando por completo sua finalidade social e o caráter de proteção que estaria inerentemente atrelado ao conceito do cooperativismo. E pela singela circunstância de a lesividade transcender o interesse dos cooperados atuais, mas alcançar, virtualmente, todos os possíveis candidatos à filiação e ao emprego no segmento econômico, fica configurado o dano moral coletivo. E também assim o é porquanto verificado que houve violação a preceitos constitucionais, bem assim a disposições encartadas na legislação trabalhista consolidada, em razão da atitude ilícita praticada pela ré de não cumprir as normas nacionais relacionadas à proteção do emprego e dos trabalhadores, tendo-se, por consequência, a violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Recurso de revista conhecido e provido" (TST-RR- 60541-35.2006.5.03.0016, 6ª Turma, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, DEJT de 05/08/2011).

Ilesos, portanto, os dispositivos da Constituição citados.

O recurso de revista também não ultrapassa a fase de conhecimento pela divergência jurisprudencial, na medida em que os arestos não enfrentam os mesmos pressupostos fático-probatórios do acórdão do TRT, que concluiu que " restou verificada a lesão a uma coletividade identificável de trabalhadores, pela prática comum de contratação irregular, assim, cabível a condenação dos responsáveis ao pagamento de indenização, sobretudo porque demonstrado o dano, o nexo causal e a culpa dos recorrentes". Incidência da Súmula nº 296 do TST.

Não conheço.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista.

Brasília, 8 de Maio de 2013.

Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)

KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA

Ministra Relatora