A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/iao/sp

PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ENQUADRAMENTO DO GRAU DE INSALUBRIDADE FIXADO EM NORMA COLETIVA. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas do TST, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: “ É válida norma coletiva que dispõe sobre o enquadramento do grau de insalubridade para pagamento do respectivo adicional? ”. Incidente de recursos repetitivos admitido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista TST-RR-0000148-36.2023.5.12.0037 , em que é RECORRENTE ORBENK ADMINISTRACAO E SERVICOS LTDA. e é RECORRIDO MARIZELMA SANTOS SALES .

Trata-se de proposta de afetação de recurso de revista ao procedimento de recursos repetitivos, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.

É o relatório.

V O T O

AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME

A matéria discutida no recurso de revista sob análise diz respeito a definir se é válida norma coletiva que dispõe sobre o enquadramento do grau do adicional de insalubridade ou se o grau do referido adicional é direito indisponível, insuscetível de flexibilização por norma coletiva.

O reconhecimento das normas coletivas decorre do disposto no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, segundo o qual “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho ”.

Interpretando a referida norma constitucional, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese no julgamento do tema 1.046 da tabela de repercussão:

São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas , independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis . (destaquei)

Especificamente no tocante ao adicional de insalubridade, dispõe o art. 611-A da CLT que “ a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: [...] XII - enquadramento do grau de insalubridade .”

De outro lado, dispõe o art. 611-B da CLT que “ constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: [...] XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas ”.

Em face das normas citadas e do entendimento vinculante fixado pelo Supremo Tribunal Federal, surge a controvérsia em torno da indisponibilidade do grau de insalubridade fixado em lei para fins de concluir pela possibilidade ou não de que o enquadramento respectivo seja flexibilizado por norma coletiva.

Assim delineada a controvérsia, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.

MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO

Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput , da CLT, segundo o qual “ Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito , a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal ” (destaquei).

No que diz respeito ao requisito da multiplicidade de recursos de revista em que se discute a mesma questão de direito discutida no presente caso, verifica-se em consulta ao sistema de gestão de acervo processual que, somente no acervo de recursos que tramitam na Presidência do TST, adotando como critério de busca as expressões " adicional de insalubridade ", " norma coletiva " e “ grau ”, foram localizados 263 recursos aguardando distribuição às Turmas desta Corte Superior.

Ainda com vistas a demonstrar o requisito da multiplicidade, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho a partir das expressões " adicional de insalubridade ", " norma coletiva " e “ grau ” revelou, para os últimos 12 meses, 318 acórdãos e 5.805 decisões monocráticas sobre a questão jurídica em exame no presente recurso de revista.

RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE AS TURMAS

O tema de fundo diz respeito à validade de normas coletivas que fixam o grau do adicional de insalubridade, cuja relevância decorre da necessidade de se fixar os direitos indisponíveis mínimos em contraponto com o reconhecimento constitucional das normas coletivas e com o entendimento vinculante fixado pelo STF no tema 1.046 da repercussão geral.

Além disso, a ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas desta Corte incentiva a recorribilidade e propicia o surgimento de entendimentos dissonantes entre os Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema, como precedente qualificado, nos termos do art. 926 do CPC.

Cito, a título de exemplo, os seguintes julgados divergentes de Tribunais Regionais:

“ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. GARI VARREDOR. Em que pese a previsão em norma coletiva de pagamento do adicional de insalubridade em grau médio, provada por meio de laudo técnico a exposição direta e habitual do reclamante a agentes insalubres, sem que haja prova da atuação eficaz dos equipamentos de proteção, mantém-se a condenação ao pagamento do referido adicional em grau máximo.” (Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (Primeira Turma). Acórdão: 0000283-69.2014.5.05.0001. Relator(a): SUZANA MARIA INÁCIO GOMES. Data de julgamento: 31/08/2017. Juntado aos autos em 27/09/2017. Disponível em: https://link.jt.jus.br/RlAzyu)

“EMENTA: ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Conforme decidido pelo E. STF no julgamento do TEMA 1046 (repercussão geral), são constitucionais as normas coletivas que restringem os direitos previstos no art. 611-A, da CLT. A este respeito, o item XII do referido dispositivo dispõe sobre o enquadramento do grau do adicional de insalubridade, autorizando, assim a prevalência das normas coletivas que fixou o grau médio. Recurso ao qual se nega provimento.” (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (11ª Turma). Acórdão: 1001525-17.2022.5.02.0432. Relator(a): SERGIO ROBERTO RODRIGUES. Data de julgamento: 15/04/2024. Juntado aos autos em 22/04/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/BBLLAK)

Com efeito, há entendimentos divergentes entre Turmas do Tribunal do Trabalho , eis que se verificam 4 Turmas decidindo no sentido de que é válida norma coletiva que dispõe sobre o enquadramento do grau do adicional de insalubridade. Nesse sentido:

"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. PERCENTUAL. NORMA COLETIVA QUE DISPÕE SOBRE O ENQUADRAMENTO DO GRAU DE INSALUBRIDADE. VALIDADE. DIREITO TRABALHISTA NÃO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. APLICAÇÃO DA TESE VINCULANTE FIXADA PELO STF NO TEMA 1.046 DA REPERCUSSÃO GERAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. Agravo interno interposto em face de decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto pela autora. 2. Cinge-se a controvérsia em discutir a validade das normas coletivas que dispuserem sobre enquadramento do grau de insalubridade. 3. No exame da temática atinente à validade de norma coletiva que limita ou restringe direito do trabalho não assegurado constitucionalmente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.046 da Repercussão Geral, fixou a tese de que  "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". 4. Significa dizer que vantagens compensatórias são necessárias – pelo fato de as “concessões recíprocas” serem ontologicamente inerentes às transações (CC, 840) –, mas não é preciso que haja discriminação concernente a cada parcela singularmente trocada por um benefício determinado, aceitando-se a presunção de comutatividade. 5. Podem ser consideradas absolutamente indisponíveis as garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores que preservem as condições de dignidade e de identidade social do empregado. O art. 611-B da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/2017, inventariou, de modo exaustivo, os direitos cuja supressão ou redução constitui objeto ilícito (CC, 104, II) de negociação coletiva. 6. O enquadramento do grau de insalubridade não se caracteriza como direito indisponível, sendo, portanto, válida a negociação coletiva. 7. Ainda, no caso do adicional de insalubridade, cumpre destacar que houve inclusão do art. 611- A, XII, à CLT pela Lei nº 13.467/2017, que estabeleceu que terá prevalência sobre a lei a norma coletiva que dispuser em relação ao enquadramento do grau de insalubridade. Precedentes. Agravo a que se nega provimento" (Ag-AIRR-885-76.2022.5.12.0036, 1ª Turma , Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 17/02/2025).

"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 . 1. NULIDADE PROCESSUAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. 2. ENQUADRAMENTO DO GRAU DE INSALUBRIDADE POR NORMA COLETIVA. TEMA 1046 DE REPERCUSSÃO GERAL. 3. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA ANTE O INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL NO QUE TANGE AO GRAU DE INSALUBRIDADE. PROVA DESNECESSÁRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE DENEGA SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. [...] II. Quanto ao tema " enquadramento do grau de insalubridade por norma coletiva ", registre-se que, em 02/06/2022, o STF pacificou a questão da autonomia negocial coletiva, fixando tese jurídica no Tema 1046 de sua Tabela de Repercussão Geral, no sentido de que " são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis ". Logo, a regra geral é da validade das normas coletivas, ainda que pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, com exceção dos direitos absolutamente indisponíveis, assim entendidos aqueles infensos à negociação sindical, que encontram explicitação taxativa no rol do art. 611-B da CLT. Na hipótese, o enquadramento do grau de insalubridade é matéria que não se enquadra na vedação à negociação coletiva, nos termos da tese descrita no Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral da Suprema Corte. III. Inclusive, o inciso XII do artigo 611-A da CLT prevê que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando dispuserem sobre enquadramento do grau de insalubridade, hipótese dos autos. IV. Ademais, interpretando os arts. 611-B, XVIII, e 611-A da CLT, sobressai a ilação de que efetivamente o que a norma proíbe é se afastar o adicional de insalubridade em si quando for o caso de labor insalubre. Em outras palavras, não se pode afastar o adicional de insalubridade, mas a negociação pode prever o enquadramento do grau de insalubridade. V. De outra banda, não há de se falar em " cerceamento do direito de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de prova pericial no que tange ao grau de insalubridade das atividades exercidas" , sobretudo porque, à luz da tese vinculante fixada pelo STF no Tema 1046 de repercussão geral, efetivamente é desnecessária a produção de prova pericial no que tange à insalubridade, dado o teor da norma coletiva na qual se estipulou o percentual do adicional de insalubridade a ser pago aos exercentes das atividades ali listadas, sendo nesse sentido o acórdão regional recorrido. VI. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos, confirmando-se a intranscendência do recurso de revista autoral. VII. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento " (Ag-AIRR-836-65.2022.5.12.0026, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 08/11/2024).

"RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. VARREDOR DE VIAS PÚBLICAS. DIFERENÇAS DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. GRAU MÉDIO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PREVALÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, II, DA CF CARACTERIZADA. TESE FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ARE 1121633 (TEMA 1.046). TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONFIGURADA. 1 . O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 02/06/2022, apreciou o Tema 1.046 do ementário de repercussão geral e deu provimento ao recurso extraordinário (ARE 1121633) para fixar a seguinte tese: " São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis ". Portanto, segundo o entendimento consagrado pelo STF, as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, nas quais previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos gravados com a nota da indisponibilidade absoluta. Embora não tenha definido o STF, no enunciado da Tese 1046, quais seriam os direitos absolutamente indisponíveis, é fato que eventuais restrições legais ao exercício da autonomia da vontade, no plano das relações privadas, encontram substrato no interesse público de proteção do núcleo essencial da dignidade humana (CF, art. 1º, III), de que são exemplos a vinculação empregatícia formal (CTPS), a inscrição junto à Previdência Social, o pagamento de salário mínimo, a proteção à maternidade, o respeito às normas de proteção à saúde e segurança do trabalho, entre outras disposições minimamente essenciais. Nesse exato sentido, a Lei 13.467/2017, conferindo a necessária segurança jurídica a esses negócios coletivos, definiu com clareza quais seriam os direitos transacionáveis (art. 611-A da CLT) e quais estariam blindados ao procedimento negocial coletivo (art. 611-B da CLT). Ao editar a Tese 1.046, a Suprema Corte examinou recurso extraordinário interposto em instante anterior ao advento da nova legislação, fixando, objetivamente, o veto à transação de "direitos absolutamente indisponíveis", entre os quais não se inserem, obviamente, direitos de índole patrimonial, suscetíveis de submissão ao procedimento arbitral (Lei 9.307/96) e às tentativas de conciliação em reclamações trabalhistas (CLT, art. 831, par. único, e 846) e/ou perante Comissões de Conciliação Prévia (CLT, arts. 625-A a 625-H). 2. No caso presente, o Reclamante pretendeu o pagamento de diferenças do adicional de insalubridade, alegando que, exercendo a função de varredor de vias públicas, fazia jus ao adicional em grau máximo, e não em grau médio. O Tribunal Regional manteve a sentença, na qual julgado procedente o pedido, declarando a invalidade da norma coletiva em que previsto o pagamento do adicional de insalubridade em grau médio. Registrou que "não há como atribuir validade às cláusulas de norma coletiva que prevejam o pagamento de adicional de insalubridade no percentual de 20% (vinte por cento) aos trabalhadores de varrição de rua ". 3. Conforme previsão contida no art. 611-A, XII, da CLT, a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho terão prevalência sobre a lei quando dispuserem sobre enquadramento do grau de insalubridade. Nesse cenário, ao considerar inválida a norma coletiva que flexibilizou direito atinente ao grau do adicional de insalubridade, e condenou a Reclamada ao pagamento de diferenças de adicional de insalubridade, entre os graus médio e máximo, o Tribunal Regional proferiu acórdão dissonante do entendimento firmado pelo STF no julgamento recurso extraordinário (ARE 1121633), o que caracteriza a transcendência política da causa e autoriza o conhecimento do recurso de revista por violação do art. 5º, II, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-270-50.2022.5.06.0005, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 08/11/2024).

"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. REGÊNCIA PELA LEI 13467/2017. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. FIXAÇÃO DE GRAU MÉDIO EM NORMA COLETIVA. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. A controvérsia circunscreve-se à validade da norma coletiva que define o enquadramento do grau adicional de insalubridade. Havia consagrado entendimento de que, não obstante a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1046 de repercussão geral, consubstanciaria objeto ilícito de norma coletiva a supressão ou a redução do direito ao adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, de forma que a norma coletiva não poderia reduzir o percentual devido a título de adicional de insalubridade. Contudo, melhor analisando a questão, concluo que a existência de norma coletiva que dispõe sobre o enquadramento do grau do adicional de insalubridade amolda-se ao permissivo trazido pelo inciso XII do artigo 611-A da CLT, na medida em que esse enquadramento não está abrangido no conceito de direito indisponível do trabalhador e, portanto, é passível de sofrer flexibilização por ajuste coletivo. Assim, da conjunção dos artigos 7º, XXIII e XXVI, da Constituição da República, 192, 611-A, XII, e 611-B, XVIII, da CLT, à luz da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1046 do ementário de repercussão geral, é vedada à negociação coletiva dispor sobre o direito em si ao adicional de insalubridade, por ser direito indisponível do trabalhador, e, com isso, reduzir os percentuais legalmente reconhecidos; ao passo que é lícita à negociação coletiva versar sobre o enquadramento do grau desse adicional dentre aqueles fixados legalmente, porque esse enquadramento não é abrangido no conceito de direito que corresponda a patamar civilizatório mínimo. No caso, a norma coletiva, ao prever o enquadramento do adicional de insalubridade no grau médio versou sobre direito disponível do trabalhador, sendo, portanto, válida, à luz do Tema 1046 do STF e do art. 611-A, XII, da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-1028-80.2018.5.06.0001, 8ª Turma , Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 24/01/2025).

De outro lado, 4 Turmas adotam entendimento diverso , no sentido de que o grau do adicional de insalubridade é direito indisponível, insuscetível de diminuição por norma coletiva. Nesse sentido, os seguintes julgados:

"AGRAVO INTERNO. RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RESTRIÇÃO DE DIREITO EM NORMA COLETIVA – LIMPEZA DE BANHEIRO COM GRANDE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS - REDUÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA – INOBSERVÂNCIA DO PATAMAR CIVILIZATÓRIO MÍNIMO – TEMA 1046 - IMPOSSIBILIDADE . A controvérsia diz respeito ao enquadramento da atividade da reclamante, que exercia a atividade de servente, no grau máximo de insalubridade (40%). E ainda, sobre a validade da norma coletiva que estabelece para a autora o adicional de insalubridade em grau médio (20%). Ficou registrado que a parte autora exerceu a função de servente, atuando na limpeza de banheiros com grande circulação de pessoas. Não obstante, a reclamada, amparada em norma coletiva, efetuava o pagamento do adicional de insalubridade em grau médio (20%), à revelia do entendimento consolidado nesta Corte Superior. Há jurisprudência sedimentada no TST, reconhecendo devido o adicional de insalubridade em grau máximo ao trabalhador que se ativa na limpeza de banheiros com grande circulação de pessoas. Inteligência da Súmula nº 448, II, do TST. Além disso, não merece prosperar a norma coletiva que limita o adicional de insalubridade ao grau médio para o empregado que exerce a atividade de higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, como in casu , por se tratar de norma relativa à saúde e segurança do trabalhador, nos termos do artigo 7º, XXII e XXIII, da Constituição, não sujeita à negociação. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em 02/06/2022, analisou a questão relacionada à validade de normas coletivas que limitam ou restringem direitos não assegurados constitucionalmente, tendo o Plenário da Excelsa Corte, quando da apreciação do Recurso Extraordinário com Agravo n.º 1.121.633/GO, fixado a tese jurídica no Tema 1.046 de sua Tabela de Repercussão Geral, no sentido de que "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". No dia 28/04/2023, foi publicado o acórdão do aludido tema, no qual restou esclarecido que "a redução ou a limitação dos direitos trabalhistas por acordos coletivos deve, em qualquer caso, respeito aos direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente assegurados" e que "A jurisprudência do TST tem considerado que, estando determinado direito plenamente assegurado por norma imperativa estatal (Constituição, Leis Federais, Tratados e Convenções Internacionais ratificados), tal norma não poderá ser suprimida ou restringida pela negociação coletiva trabalhista, a menos que haja autorização legal ou constitucional expressa", concluindo a Suprema Corte que "isso ocorre somente nos casos em que a lei ou a própria Constituição Federal expressamente autoriza a restrição ou supressão do direto do trabalhador" e que "É o que se vislumbra, por exemplo, na redação dos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Constituição Federal de 1988, os quais estabelecem que são passíveis de restrição, por convenção ou acordo coletivo, questões relacionadas a redutibilidade salarial, duração, compensação e jornada de trabalho". Ressalte-se que a mencionada decisão transitou em julgado no dia 09/05/2023. Dessa forma, do exposto no acórdão do Tema 1046, não há como admitir a sua flexibilização por intermédio de negociação coletiva. Precedentes. Agravo interno a que se nega provimento" (RR-0001153-64.2017.5.12.0050, 2ª Turma , Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 27/11/2024).

"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DAS LEIS NOS 13.015/2014 E 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. LIMPEZA DE BANHEIROS DE USO PÚBLICO OU DE GRANDE CIRCULAÇÃO E DE AMBIENTES DE ISOLAMENTO POR DOENÇAS INFECTO-CONTAGIOSAS. DIFERENÇAS DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. GRAU MÁXIMO. SÚMULA Nº 448, II, DO TST. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA DE PAGAMENTO EM GRAU MÉDIO. ANÁLISE DOS ARTS. 611-A, XII E 611-B, XVII E XVIII, DA CLT. TEMA 1.046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. 1. A controvérsia diz respeito à possibilidade de enquadramento das atribuições da reclamante na atividade tipificada como insalubre em grau máximo (40%), nos termos do anexo 14 da NR 15 e da Súmula 448/TST, tendo em vista a previsão normativa de que a composição salarial da reclamante está acrescida de adicional de insalubridade em grau médio (20%). 2. A NR-15, Anexo 14, da Portaria 3.214/1978 enquadra como atividade insalubre de grau máximo aquela em contato permanente com lixo urbano, o qual se equipara aos banheiros públicos, e com pacientes em isolamento por doenças infecto-contagiosas, como no caso dos autos. 3. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que as atividades supracitadas devem ser enquadradas como atividade insalubre (em grau máximo), nos termos da Súmula nº 448, II, do TST. 4. O STF no julgamento do ARE 1121633 (Tema 1046 da Tabela de Repercussão Geral) fixou a tese jurídica de que "São constitucionais os acordos e convenções coletiva que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis" , excepcionando, portanto, os direitos absolutamente indisponíveis. Assim, a regra geral é de validade das normas coletivas, ainda que pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas. 5. Infere-se do conceito de direitos absolutamente indisponíveis, a garantia de um patamar civilizatório mínimo, diretamente ligado à dignidade da pessoa humana e ao conceito de trabalho decente, e que, portanto, não podem ser flexibilizados. 6. Assim, muito embora a CLT assegure a prevalência do negociado sobre o legislado, o enquadramento das atividades tipificadas como insalubres deve sempre ter em vista o princípio da dignidade da pessoa humana em conjunto com a necessidade de garantir segurança, higidez e saúde do empregado (arts. 611-A, XII e 611-B, XVII e XVIII, da CLT), constituindo, portanto, matéria de ordem pública, nos termos do art. 7º, XXIII, da Constituição da República, insuscetível de negociação coletiva. 7. Logo, a existência de norma infraconstitucional que expressamente veda a redução do adicional de insalubridade (art. 611-B, XVII e XVIII, da CLT), ao fundamento de que são normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, coaduna-se e faz incidir a exceção prevista no Tema 1046 da Tabela de Repercussão Geral do STF, por tratar-se de direito absolutamente indisponível. Agravo a que se nega provimento" (AIRR-0000240-29.2022.5.12.0011, 3ª Turma , Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 19/12/2024).

"RECURSO DE REVISTA. INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIMPEZA DE SANITÁRIOS EM ÁREA DE GRANDE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS. NORMA COLETIVA. RESTRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO VINCULANTE DO STF. TEMA 1046. O Supremo Tribunal Federal ao finalizar o julgamento do Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral, em apreciação ao Recurso Extraordinário nº 1.121.633, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, fixou limites para a negociação de direitos trabalhistas por meio de instrumentos coletivos, seja convenção ou acordo coletivo de trabalho. Na decisão, foi fixada a seguinte tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”. No voto do relator, ficaram expressos os direitos que comportariam tal negociação de forma livre, outros em que alteração pode ser parcial e aqueles cuja alteração é vedada ainda que por norma coletiva. Ademais, houve destaque de que os temas que envolvem debate sobre salário e jornada de trabalho já contam com autorização constitucional, podendo ser objeto de ajuste em norma coletiva, nos termos do art. 7º, XIII e XIV, da Constituição Federal, sendo desnecessário demonstrar as vantagens auferidas pela categoria, em atenção à teoria do conglobamento. Assim, o STF classificou as matérias de acordo com os direitos ligados fundamentalmente a impactos na saúde e segurança do trabalhador ou aqueles com impactos apenas econômicos. E estabeleceu limites à negociação coletiva em três níveis, a saber: direitos absolutamente indisponíveis; direitos relativamente indisponíveis e os direitos disponíveis para fins de flexibilização negociada entre os sindicatos representativos de patrões e empregados. O rol de direitos absolutamente indisponíveis seria “composto, em linhas gerais, (i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores”. No caso em questão, trata-se de norma de saúde, higiene e segurança do trabalho, o que faz incidir a exceção prevista no Tema 1046 da Tabela de Repercussão Geral do STF, por ser direito absolutamente indisponível. Nesse contexto, conclui-se que o percentual previsto em norma legal trata-se de patamar mínimo assegurado aos trabalhadores ocupantes das funções ali discriminadas. O acórdão regional está dissonante do entendimento vinculante do STF. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-743-42.2021.5.12.0025, 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 19/12/2024).

"AGRAVO INTERNO DA PARTE RÉ EM RECURSO DE REVISTA PROVIDO DA PARTE AUTORA. LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIMPEZA DE BANHEIROS DE GRANDE CIRCULAÇÃO. NORMA COLETIVA QUE FIXOU O PERCENTUAL NO GRAU MÉDIO (20%). TEMA Nº 1.046 DO STF. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA . O debate acerca da validade das normas coletivas que flexibilizam determinados direitos trabalhistas já não comporta maiores digressões, considerando a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, proferida no Recurso Extraordinário nº 1.121.633, com Repercussão Geral, que culminou com a tese do Tema nº 1.046, de observância obrigatória: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". Por outro lado, o próprio STF, no acórdão do Recurso Extraordinário nº 590.415, afeto ao Tema nº 152 de Repercussão Geral, sinalizou o que considera direito indisponível, ao se referir à noção de "patamar civilizatório mínimo", exemplificado pela preservação das normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, salário mínimo, liberdade de trabalho, entre outros. Essa diretriz foi reafirmada no julgamento da ADI 5322, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes (acórdão publicado no DJE em 30/08/2023). Não é possível validar o ajuste firmado em norma coletiva que reduziu o pagamento do adicional de insalubridade, em percentual inferior ao efetivamente devido ao trabalhador, por versar sobre direito absolutamente indisponível, que se vincula diretamente às normas de saúde e segurança do trabalho. Precedente da 7ª Turma. Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que, em tais situações (norma coletiva que transaciona direito indisponível), não há estrita aderência ao decidido no Tema nº 1.046 de Repercussão Geral. Agravo interno conhecido e não provido" (RRAg-0000294-32.2022.5.12.0031 , 7ª Turma , Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 19/12/2024).

As divergências verificadas, associadas à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permitem concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em um precedente obrigatório, como forma de promover a isonomia, a segurança jurídica e a razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT, proponho a afetação do processo TST-0000148-36.2023.5.12.0037 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

É válida norma coletiva que dispõe sobre o enquadramento do grau de insalubridade para pagamento do respectivo adicional?

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: “ É válida norma coletiva que dispõe sobre o enquadramento do grau de insalubridade para pagamento do respectivo adicional?” . Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.

Brasília, de de

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST