A C Ó R D Ã O
(8ª Turma)
GMDMC/Gs/Dmc/nc /iv
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. O Regional confirmou a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 485, I, do CPC/2015 e 10º da Lei nº 12.016/2009, asseverando que não ficou caracterizada lesão a direito líquido e certo da impetrante e que toda a sua arguição depende de prova, " sendo ademais incontroverso que o ato atacado consiste no mero cumprimento, pelo recorrido, de decisão judicial transitada em julgado nos autos de Ação Civil Pública." Dessarte, diante de tal contexto fático, não é possível divisar violação dos artigos 5º, LIV e LXIX, 7º, VI e XXIX, e 37, XV, da CF; 11 da CLT; 169 do CC; 996 do CPC; 2º, da Lei nº 9.784/99; 5º, II, da antiga Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51) e 5º, II, da atual Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009), ante o intransponível óbice da Súmula nº 126 do TST. Os artigos 54 e 55 da Lei nº 9.784/99 não se aplicam ao caso, pois, nos termos já explicitados pelo Regional, referidos dispositivos tratam de hipóteses de anulação (atos eivados de vício de legalidade) e de revogação (motivo de conveniência ou oportunidade) de atos pela própria Administração, sendo que a presente controvérsia dirige-se a decisão judicial e seu cumprimento. Arestos inservíveis ao confronto, nos termos da alínea "a" do art. 896 da CLT e das Súmulas nos 296 e 337, I, "a", do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-10655-60.2017.5.15.0109 , em que é Agravante DULCE RODRIGUES DOS SANTOS OLIVEIRA e é Agravado DIRETOR PRESIDENTE DA URBES – EMPRESA DE DESENVOLVIMENTO URBANO E SOCIAL DE SOROCABA.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por meio da decisão de fls. 196/201, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pela impetrante que, inconformada com a referida decisão, interpôs agravo de instrumento às fls. 208/224.
O impetrado apresentou contrarrazões ao recurso de revista às fls. 231/238.
O Ministério Público do Trabalho, à fl. 245, opinou pelo prosseguimento normal do feito, por não haver justificativa para se emitir parecer circunstanciado, uma vez que se trata de defesa de interesse patrimonial privado, em que se discute prescrição e irredutibilidade salarial.
É o relatório.
V O T O
I. CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.
II. MÉRITO
INDEFERIMENTO DA INICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA.
O Regional, ao analisar o recurso ordinário impetrado por Dulce Rodrigues dos Santos Oliveira, por meio do qual requeria a manutenção no cargo que ocupava na Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba, assim decidiu:
"INDEFERIMENTO DA INICIAL
A recorrente não se conforma com a decisão que, entendendo inexistir direito líquido e certo porquanto as arguições da impetrante demandam dilação probatória, indeferiu a petição inicial, julgando extinto sem resolução do mérito o mandado de segurança impetrado contra ato administrativo praticado pelo recorrido, o Diretor Presidente da Urbes - Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba, determinando o regresso da recorrente ao seu cargo de origem em cumprimento à decisão judicial em Ação Civil Pública.
Insiste que restaram claramente demonstrados os requisitos do mandado de segurança, revelando-se abusivo ou violador de direito líquido e certo o ato administrativo emitido pelo recorrido, determinando o regresso da recorrente ao seu cargo de origem sem analisar o caso de forma individual. Argumenta ainda que o ato atacado é ilegal e abusivo porque não poderia a impetrante ser atingida pela determinação exarada na r. decisão proferida na Ação Civil Pública movida contra a Impetrada visto haver se operado a prescrição total do direito de ação, considerando a "promoção" ao cargo de Auxiliar Administrativo II efetivada em 01/04/1992 que, arguiu, somente poderia ser desfeito dentro do lapso temporal de 05 anos contados da sua edição. Aduzindo que, assim, demonstrado está o direito líquido e certo da recorrente em permanecer no mesmo cargo (Auxiliar administrativo II), pleiteia a reforma da r. sentença, para se repelir o ato administrativo atacado na presente ação mandamental.
Insistindo que a efetivação da decisão impetrada implica redução de seus vencimentos, persiste na arguição de ofensa a direito líquido e certo seu ante a redução salarial noticiada, alegando ainda que a sentença proferida na Ação Civil Pública, determinando o retorno de todos os funcionários em situação irregular aos seus cargos de origem, não estabelece de forma expressa que os vencimentos devem ser reduzidos ao patamar do cargo de origem. Invoca a Súmula 372 do TST por analogia e os princípios da segurança jurídica e do fato consumado, assim como da boa-fé. Invoca os artigos 2º, 54, 55 e 57 da Lei 9784/99. Argumenta que " ao contrário do entendimento esposado pela nobre magistrada sentenciante, o conjunto fático probatório existente nos autos é capaz de comprovar e demonstrar de forma cabal que o ato administrativo está por ferir direito líquido e certo da Recorrente, não havendo a necessidade de dilação probatória ."
Assim, requer a reforma da sentença para se conceder a segurança pleiteada.
Razão não assiste à recorrente.
O Juízo "a quo" julgou extinto o mandado de segurança, por ausência de direito líquido e certo, considerando que questão a respeito da aplicação da decisão proferida em Ação Civil Pública (processo nº 0000226-37.2012.5.15.0003) à situação específica da autora demanda dilação probatória. Eis o teor da decisão recorrida:
"A Lei 12.016/2009, estabelece em seu artigo 1º : "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".
Da análise dos autos, não verifico presentes os pressupostos para o recebimento da presente ação.
Não há direito líquido e certo a amparar a pretensão da autora, uma vez que não restou demonstrado o ato de ilegalidade ou abuso de poder pela autoridade coatora, na medida em que referido gestor apenas cumpriu a determinação judicial (CF, art. 5º, LXIX).
O presente mandamus não comporta dilação probatória e a análise acerca da situação específica da impetrante assim a requer, inclusive com a oportunidade do contraditório e ampla defesa.
O artigo 10º da Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009) assim dispõe: " A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração ".
Do exposto, revendo entendimento anterior, julgo EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos dos artigos 485, I do CPC/2015 e artigo 10º da Lei 12.016/2009, o MANDADO DE SEGURANÇA, impetrado por DULCE RODRIGUES DOS SANTOS OLIVEIRA em face do Diretor Presidente da URBES - Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba, ante a ausência de direito líquido e certo a amparar a pretensão do impetrante."
Com efeito, não resta caracterizada lesão a direito líquido e certo da impetrante, dependendo de prova toda a arguição da recorrente, sendo ademais incontroverso que o ato atacado consiste no mero cumprimento, pelo recorrido, de decisão judicial transitada em julgado nos autos de Ação Civil Pública.
Efetivamente dependem de dilação probatória, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, as alegações da recorrente quanto à análise de seu caso de forma individualizada – o que deve ser perseguido em ação trabalhista (onde a autora pode pleitear tutela de urgência para antecipar os efeitos da decisão de inaplicabilidade da decisão transitada em julgado em ACP sobre seu vigente contrato de trabalho), não sendo cabível, para tanto, a estreita via do mandado de segurança.
Destaco que na peça de ingresso, à fl. 02, a impetrante/ora recorrente afirma que " é empregada pública da empresa pública Impetrada, aprovada em concurso público para o cargo de Serviçal em 14/04/1988, ocupando desde o dia 01 de Abril de 1992 a função de Auxiliar Administrativo II, conforme se infere da certidão de Vida Funcional " e, à fl. 08, assevera que " analisando-se os termos da decisão proferida observa-se que a determinação não atinge os empregados que tiveram promoções em uma mesma classe de cargos de uma mesma carreira, COMO É O CASO DA IMPETRANTE ".
A certidão de vida funcional, trazida à fl. 42, demonstra que houve 03 promoções da reclamante: em 01/06/1988 para Serviçal , em 01/02/1989 para Copeira e em 01/04/1992 para Auxiliar Administrativo II. Na CTPS (fl. 35), constata-se admissão em 14/04/1988 na função de faxineira. No documento de fl. 32, que consiste na comunicação à recorrente do cumprimento da sentença proferida na Ação Civil Pública transitada em julgado - a decisão impetrada, ficou determinado o retorno da reclamante ao cargo de Servente, com salário de R$ 1.357,42. No entanto, não há prova nos autos de que as promoções da reclamante tenham se dado " em uma mesma classe de cargos de uma mesma carreira" . Destarte, é evidente que não se pode concluir que há direito líquido e certo, demandando, o direito alegado, dilação probatória, como bem decidido pelo Juízo "a quo".
Observo ainda que a impetrante também não juntou todas as decisões proferidas na ACP nº 0000226-37.2012.5.15.0003, mas apenas sentença e o acórdão deste E. Regional, deixando de juntar as decisões proferidas pelo TST e pelo STF, expressamente mencionadas no Ato Administrativo impugnado (fl. 32).
Quanto aos artigos 54 e 55 da lei 9784/99, invocados pela recorrente, eles tratam de hipótese de anulação (atos eivados de vício de legalidade) e de revogação (motivo de conveniência ou oportunidade) de atos pela própria Administração, não se aplicando ao caso dos autos, que trata de decisão judicial e seu cumprimento.
Ademais, está consolidado na jurisprudência do STF que o exame de ato manifestamente inconstitucional não está sujeito ao prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999:
AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA JUDICIAL. VACÂNCIA OCORRIDA APÓS 5/10/1988. DIREITO LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DO ART. 317, § 1º, DO RISTF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A agravante não refutou todos os fundamentos da decisão agravada, o que atrai a incidência do art. 317, § 1º, do RISTF. Precedentes. II - O exame de ato manifestamente inconstitucional não está sujeito ao prazo previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999. . III - Agravo regimental Precedentes a que se nega provimento. Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Afirmou suspeição o Ministro Edson Fachin. Segunda Turma, Sessão Virtual de 22.6.2018 a 28.6.2018. (STF - MS 30031 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL, AG.REG. EM MANDADO DE SEGURANÇA, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento 29/06/2018 Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJe-157 DIVULG 03-08-2018 PUBLIC 06-08-2018)
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INGRESSO. SUBSTITUTO EFETIVADO COMO TITULAR DE SERVENTIA APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, § 3º, DA CRFB/88. NORMA AUTOAPLICÁVEL. DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. OFENSA DIRETA À CARTA MAGNA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional da igualdade (CRFB/88, art. 5º, caput), vedando-se a prática intolerável do Poder Público conceder privilégios a alguns, ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros. Precedentes: ADI 3978, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe 11.12.2009; ADI 363, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 03.05.1996. 2. O litisconsórcio ulterior, sob a modalidade de assistência qualificada, após o deferimento da medida liminar, fere os princípios do Juiz Natural e da livre distribuição, insculpidos nos incisos XXXVII, LII do art. 5º da Constituição da República. Precedentes do Plenário: MS 24.569 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26.082005; MS 24.414, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 21.11.2003. 3. A delegação registral ou notarial, para legitimar-se constitucionalmente, pressupõe a indispensável aprovação em concurso público de provas e títulos, por tratar-se de regra constitucional que decorre do texto fundado no impositivo art. 236, § 3º, da Constituição da República, o qual, indubitavelmente, constitui-se norma de eficácia plena, independente, portanto, da edição de qualquer lei para sua aplicação. Precedentes: RE 229.884 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 05.08.2005; ADI 417, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 05.5.1998; ADI 126, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ 05.6.1992. 4. In casu, a situação de flagrante inconstitucionalidade não pode ser amparada em razão do decurso do tempo ou da existência de leis locais que, supostamente, agasalham a pretensão de perpetuação do ilícito. 5. A inconstitucionalidade prima facie evidente impede que se consolide o ato administrativo acoimado desse gravoso vício em função da decadência.: MS 28.371 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Precedentes Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 27.02.2013; MS 28.273 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 21.02.2013; MS 28.279, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe 29.04.2011. 6. Consectariamente, a edição de leis de ocasião para a preservação de situações notoriamente inconstitucionais, ainda que subsistam por longo período de tempo, não ostentam o caráter de base da confiança a legitimar a incidência do princípio da proteção da confiança e, muito menos, terão o condão de restringir o poder da Administração de rever seus atos. 7. A redução da eficácia normativa do texto constitucional, ínsita na aplicação do diploma legal, e a consequente superação do vício pelo decurso do prazo decadencial, permitindo, por via reflexa, o ingresso na atividade notarial e registral sem a prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, traduz-se na perpetuação de ato manifestamente inconstitucional, mercê de sinalizar a possibilidade juridicamente impensável de normas infraconstitucionais normatizarem mandamentos constitucionais autônomos, autoaplicáveis. 8. O desrespeito à imposição constitucional da necessidade de concurso público de provas e títulos para ingresso da carreira notarial, além de gerar os claros efeitos advindos da consequente nulidade do ato (CRFB/88, art. 37, II e §2º, c/c art. 236, §3º), fere frontalmente a Constituição da República de 1988, restando a efetivação na titularidade dos cartórios por outros meios um ato desprezível sob os ângulos constitucional e moral. 9. Ordem denegada. (STF - MS 26860, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2014, Acórdão Eletrônico DJe-184 divulg 22-09-2014 public 23-09-2014)
Por fim, nesse contexto, em que o ato atacado consiste em cumprimento de decisão judicial que declarou a nulidade das promoções dos empregados públicos para cargos diferentes daqueles para os quais foram nomeados após aprovação em concurso público (inconstitucionalidade), tampouco se poderia conceber direito líquido e certo da impetrante em ser mantida na função em que se encontra por mera aplicação do princípio da irredutibilidade salarial.
Não bastasse isso tudo, consistindo o ato impugnado em cumprimento de decisão judicial pelo requerido, resta evidente que o ato impugnado retrata ato de gestão, o que também implica o não cabimento da via mandamental .
A respeito do tema, em processo análogo ao dos autos (RO em MS 0010544-06.2017.5.15.0003 - de relatoria do Exmo. Des. Ricardo R. Laraia), igualmente questionando ato do Diretor Presidente da URBES (Empresa de Desenvolvimento Urbano e Social de Sorocaba), ora requerido, consistente em cumprimento da decisão judicial transitada em julgado proferida nos autos da Ação Civil Pública processo nº 0000226-37.2012.5.15.0003, decidiu recentemente esta E. 2ª Seção de Dissídios Individuais (sessão realizada em 20/02/2019), pelo indeferimento da inicial. De referido voto transcrevo e adoto os seguintes fundamentos :
"Como bem fundamentou o MM. Juízo de origem, há necessidade de produção de provas acerca da eventual ocorrência de alteração de cargos sem concurso público. O documento de f. 37 demonstra que houve "alterações de função" de auxiliar administrativo I para auxiliar administrativo II em 1.9.1992, de auxiliar administrativo II para auxiliar administrativo III em 15.7.1994, para "Suporte de Caixa" em 1.2.1996 e modificação da nomenclatura para auxiliar administrativo III em 1.3.2010.
No documento de f. 36, que se trata de comunicação à trabalhadora do cumprimento da sentença da Ação Civil Pública transitada em julgado, ficou determinado o retorno da reclamante "ao cargo de Auxiliar Administrativo I". Porém, não há no processo o quadro de cargos e salários da URBES ou indício de que as "alterações de função" da impetrante tenham se dado dentro da mesma carreira. Ou seja, não há elementos suficientes para decisão acerca da existência ou inexistência do direito postulado, o que comprova a inadequação do mandado de segurança para a tutela pretendia. Como lembra Julio Cesár Bebber, o mandado de segurança exige que a parte prove de plano e documentalmente o seu direito líquido e certo (BEBBER, Júlio César. Mandado de Segurança Individual e Coletivo na Justiça de Trabalho. São Paulo: LTR, 2014, 2. ed., p. 34), o que não ocorre no caso.
Por outro lado, as alegações da impetrante denotam que ato impugnado decorreu do exercício da gestão administrativa, e não no exercício do exercício de autoridade. Recorde-se que a ação de mandado de segurança é o meio adequado para impugnar atos de império, ao passo que a ação ordinária e a reclamação trabalhistas são apropriadas para impugnar atos de gestão. Acerca da distinção entre os atos praticados pelo gestor público, Manoel Antônio Teixeira Filho ensina (Mandado de segurança na justiça do trabalho - individual e coletivo. São Paulo: LTR, 1992, p. 139):
E importante ressaltar que a configuração da "autoridade coatora", segundo o sentido jurídico da expressão, se encontra indissoluvelmente legada ao seu status de órgão que age com parcela de poder público. Duas conclusões imediatas extraem-se desse postulado: em primeiro lugar, a de que, embora remotamente, o particular pode ser indicado como autoridade coatora, depende que o ato molestador de direito líquido e certo tenha sido praticado no exercício de funções delegadas do poder público, como acontece, e.g., com os diretores de estabelecimentos particulares de ensino superior: em segundo, a de que unicamente os denominados atos de império ensejam a impetração do mandamus. Assim o é porque, mediante os atos dessa natureza, a administração pública ostenta, finalisticamente, uma posição de preeminência jurídica em face do particular, ao qual impõe a sua vontade. Já os atos ditos de gestão são os praticados pela administração pública em condições de igualdade com o particular - igualdade no plano das relações jurídicas materiais. Se a administração pública demite um servidor contratado pelo regime da legislação trabalhista não se há que pensar em mandado de segurança para restaurar eventual direito lesado, pois a ruptura do contrato de trabalho, por parte da administração pública, amolda-se, como a mão à luva, ao conceito de atos de gestão.
Se assim não fosse, isto é, se não fossem diferenciados atos de império e de gestão e se admitisse o uso indiscriminado do mandado de segurança pelo servidor público celetista, dar-se-ia a ele tratamento processual privilegiado em face do empregado da iniciativa privada, ambos regidos pela CLT, o que, certamente, afrontaria o artigo 5ª, da Constituição Federal. Nesse sentido já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho:
(...) MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE AUTORIDADE. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. NÃO CABIMENTO. I) No caso concreto, a questão a ser definida verte sobre o cabimento de mandado de segurança em face de ato de Prefeito que dispensa por justa causa servidor público celetista. II) Cabe distinguir, então, entre o ato de império ou de autoridade, sindicável por meio de mandado de segurança, e os atos de mera gestão. III) Conforme firmado na doutrina, quando o Estado contrata sob o regime da CLT, não pratica ato de império, mas sim ato de gestão, nivelando-se ao particular e, desse modo, não pode ser tido como autoridade coatora, para efeito do art. 1º da Lei 1.533/51. IV) O mandado de segurança não pode ser manejado por servidor público celetista para questionar ato de seu empregador e relativo ao contato de trabalho. V) Prejudicado o exame dos demais temas vertentes sobre o mérito da dispensa. Não conhecido. (RR - 8300400-42.2006.5.09.0089, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 17/11/2010, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/11/2010)".
Por fim, é importante mencionar que as pretensões passíveis de dedução por mandado de segurança são sujeitas à decadência, no prazo de 120 dias (Lei n. 12.016/09, art. 23), enquanto as pretensões passíveis de dedução por reclamação trabalhistas são sujeitas à prescrição, nos prazos de 2 ou de 5 anos (Constituição Federal art. 7º, XXIX).
Todavia, em que pese o MM. Juízo tenha fundamentado boa parte de sua decisão nesse sentido, equivocou-se quanto à conclusão, porque não era o caso de indeferir a pretensão, mas de indeferir a petição inicial e extinguir o processo, sem resolução de mérito, conforme o inciso I do artigo 485 do CPC. Por essas razões, nego provimento ao recurso, e decido extinguir o processo, na forma acima."
Diante do todo exposto, revela-se correta a sentença que julgou o processo extinto, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 485, I, do CPC/2015 e artigo 10º da Lei 12.016/2009.
Nego provimento ao recurso, ainda que por outros fundamentos."(fls. 127/133)
A impetrante sustenta, às fls. 171/195, ser indevida a extinção do processo sem resolução do mérito, pois o direito em discussão se mostra líquido e certo, por estar demonstrada justamente a ilegalidade e abusividade do ato administrativo que pretende fazer cumprir a decisão exarada na Ação Civil Pública (processo nº 0000226-37.2012.5.15.0003), movida pelo Ministério Público do Trabalho, diante da prescrição total.
Assevera que a "promoção" ao cargo de Auxiliar Administrativo II que fora efetivada em 1°/4/1992 (ato este que a Autoridade entende ter sido declarado nulo por conta de decisão judicial), somente poderia ser desfeita dentro do lapso temporal de 5 anos contados da edição do ato administrativo que a levou a ocupar o referido cargo.
Ressalta que, no direito de trabalho, o ato nulo também está sujeito à prescrição e que deve permanecer no mesmo cargo ou , alternativamente , no cargo que ocupava em 1º/4/1992 (Auxiliar Administrativo II).
Aduz, ainda, que, no presente caso, ficou claramente demonstrada a presença dos requisitos do mandado de segurança, pois se revela abusivo ou violador de direito líquido e certo o ato administrativo emitido pela impetrada, determinando seu regresso ao seu cargo de origem , sem analisar o caso de forma individual.
A seguir, invoca os princípios da estabilidade financeira, da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, além das regras da boa-fé e da confiança. Salienta que referidos princípios, como norma principiológica de valor supremo, devem sobrepor-se aos princípios da legalidade, moralidade administrativa e acessibilidade aos cargos públicos.
Argumenta, outrossim, que, no caso, não se configura violação do artigo 37, II, e § 2º, da CF, nem contrariedade à Súmula nº 363 do TST.
Transcreve a ementa do Mandado de Segurança nº 6.566/DF, de Relatoria do Min. Francisco Peçanha Martins do STJ e discorre sobre o que ficou decidido pelo STF ao julgar improcedente a Ação Cível Originária nº 79.
Ressalta estar na condição de terceiro prejudicado, não integrante da Ação Civil Pública em que se deu a decisão geradora do ato administrativo impugnado, onde houve a determinação de regresso ao seu cargo de origem, com a redução de seus salários.
Aponta violação dos artigos 1º, III, 5º, LIV e LXIX, 7º, VI e XXIX, e 37, XV, da CF; 11 da CLT; 169 do CC; 996 do CPC; 1º da Lei nº 12.016/2009; 2º, 54 e 55 da Lei nº 9.784/99; 5º, II, da antiga Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51) e 5º, II, da atual Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009), contrariedade à Súmula nº 372 do TST, à Súmula nº 202 do STJ e à Súmula nº 267 do STF e traz jurisprudência a confronto.
Sem razão.
Salienta-se, de plano, que a alegação de violação a Súmulas do STJ e do STF não encontra previsão no art. 896 da CLT e que a Súmula nº 372 do TST não trata especificamente do tema em discussão, assim como os arts. 1º, III, da CF e 1º da Lei nº 12.016/2009.
Verifica-se, na sequência, ter o Regional confirmado a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 485, I, do CPC/2015 e 10º da Lei nº 12.016/2009, asseverando que não ficou caracterizada lesão a direito líquido e certo da impetrante e que toda a sua arguição depende de prova, " sendo ademais incontroverso que o ato atacado consiste no mero cumprimento, pelo recorrido, de decisão judicial transitada em julgado nos autos de Ação Civil Pública." (fl. 129)
Consignou, ainda, a decisão recorrida, que " Efetivamente dependem de dilação probatória, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, as alegações da recorrente quanto à análise de seu caso de forma individualizada – o que deve ser perseguido em ação trabalhista (onde a autora pode pleitear tutela de urgência para antecipar os efeitos da decisão de inaplicabilidade da decisão transitada em julgado em ACP sobre seu vigente contrato de trabalho), não sendo cabível, para tanto, a estreita via do mandado de segurança." (fl. 129)
Fundamentou, também, que , " na peça de ingresso, à fl. 02, a impetrante/ora recorrente afirma que "é empregada pública da empresa pública Impetrada, aprovada em concurso público para o cargo de Serviçal em 14/04/1988, ocupando desde o dia 01 de Abril de 1992 a função de Auxiliar Administrativo II, conforme se infere da certidão de Vida Funcional" e, à fl. 08, assevera que "analisando-se os termos da decisão proferida observa-se que a determinação não atinge os empregados que tiveram promoções em uma mesma classe de cargos de uma mesma carreira, COMO É O CASO DA IMPETRANTE" (fl. 129) e que " A certidão de vida funcional, trazida à fl. 42, demonstra que houve 03 promoções da reclamante: em 01/06/1988 para Serviçal, em 01/02/1989 para Copeira e em 01/04/1992 para Auxiliar Administrativo II. Na CTPS (fl. 35), constata-se admissão em 14/04/1988 na função de faxineira. No documento de fl. 32, que consiste na comunicação à recorrente do cumprimento da sentença proferida na Ação Civil Pública transitada em julgado - a decisão impetrada, ficou determinado o retorno da reclamante ao cargo de Servente, com salário de R$ 1.357,42. No entanto, não há prova nos autos de que as promoções da reclamante tenham se dado "em uma mesma classe de cargos de uma mesma carreira". Destarte, é evidente que não se pode concluir que há direito líquido e certo, demandando, o direito alegado, dilação probatória, como bem decidido pelo Juízo "a quo" (fl. 129)
Consta, outrossim, do acórdão regional que " a impetrante também não juntou todas as decisões proferidas na ACP nº 0000226-37.2012.5.15.0003, mas apenas sentença e o acórdão deste E. Regional, deixando de juntar as decisões proferidas pelo TST e pelo STF, expressamente mencionadas no Ato Administrativo impugnado (fl. 32)." (fl. 129)
Dessarte, diante de tais premissas fáticas, não é possível divisar violação dos artigos 5º, LIV e LXIX, 7º, VI e XXIX, e 37, XV, da CF; 11 da CLT; 169 do CC; 996 do CPC; 2º, da Lei nº 9.784/99; 5º, II, da antiga Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51) e 5º, II, da atual Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009) , ante o intransponível óbice da Súmula nº 126 do TST.
Os artigos 54 e 55 da Lei nº 9.784/99 não se aplicam ao caso, pois, nos termos já explicitados pelo Regional, referidos dispositivos tratam de hipóteses de anulação (atos eivados de vício de legalidade) e de revogação (motivo de conveniência ou oportunidade) de atos pela própria Administração, sendo que a presente controvérsia dirige-se a decisão judicial e seu cumprimento.
Os arestos colacionados são inservíveis ao confronto, pelas razões seguintes: o de fls. 177/178, o primeiro de fl. 178 e o de fls. 187/188, provenientes de Turmas do TST, o de fl. 185, do TRF da 1ª Região, os de fls. 190/191, do STJ e o de fls. 194/195, do STF, desatendem à alínea "a" do art. 896 da CLT; o segundo de fl. 178, que não indica sua fonte oficial de publicação, inobserva à Súmula nº 337, I, "a", do TST; e o de fl. 190 revela-se inespecífico, encontrando óbice na Súmula nº 296 do TST, pois o Regional não discutiu a questão do terceiro interessado.
Nego provimento.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento .
Brasília, 15 de setembro de 2021.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Dora Maria da Costa
Ministra Relatora