A C Ó R D Ã O

7ª Turma

CMB/mf/dssl/cmb

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA PARTE RÉ. LEI Nº 13.467/2017. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DECISÃO COMPLETA, VÁLIDA E FUNDAMENTADA NO EXAME DE TODO O CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. 2. CONTRATOS DE TRABALHO E DE PARCERIA PECUÁRIA SIMULTÂNEOS. PARTICIPAÇÃO NOS FRUTOS DA PARCERIA DE APENAS 7% DO VALOR BRUTO PARA O TRABALHADOR PARCEIRO. REAL AUTONOMIA NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. Não se constata a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. Agravo interno conhecido e não provido, por ausência de transcendência da causa .

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-Ag-AIRR-11506-83.2019.5.15.0027 , em que é Agravante EDSON ALUISIO MANGOLIN E OUTRA e Agravado MILTON MOREIRA DE FREITAS.

A parte ré, não se conformando com a decisão unipessoal às fls. 490/493, interpõe o presente agravo interno .

É o relatório.

V O T O

MARCOS PROCESSUAIS E NORMAS GERAIS APLICÁVEIS

Considerando que o acórdão regional foi publicado em 03/10/2022 e que a decisão de admissibilidade foi publicada em 10/03/2023 , incidem: Lei nº 13.015/2014; CPC/2015; Instrução Normativa nº 40 do TST; Lei nº 13.467/2017.

Registre-se, ainda, que os presentes autos foram remetidos a esta Corte Superior em 18/04/2023 .

CONHECIMENTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do agravo.

MÉRITO

Em exame anterior do caso, concluí pelo acerto da decisão que denegou seguimento ao recurso de revista e aderi às razões nela consignadas.

Diante da interposição do presente agravo interno, submeto ao Colegiado os fundamentos a seguir, que adoto em substituição àqueles incorporados à decisão unipessoal.

Ressalto, ainda, que somente os temas expressamente impugnados serão apreciados, em atenção ao Princípio da Delimitação Recursal.

TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA

Nos termos do artigo 896-A da CLT, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.467/2017, antes de adentrar o exame dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista, é necessário verificar se a causa oferece transcendência.

Primeiramente, destaco que o rol de critérios de transcendência previsto no mencionado preceito é taxativo, porém, os indicadores de cada um desses critérios, elencados no § 1º, são meramente exemplificativos. É o que se conclui da expressão "entre outros", utilizada pelo legislador.

Pois bem.

A parte insiste no processamento do seu recurso de revista quanto aos temas: negativa de prestação jurisdicional e contratos de trabalho e de parceria pecuária simultâneos .

Merecem destaque os seguintes trechos da decisão regional:

"2. Duplicidade contratual e vínculo de emprego

O Juízo de origem considerou válidos os contratos simultâneos de trabalho e parceria firmados entre o reclamante e os reclamados, pelos seguintes fundamentos (f. 280/284):

Ao se insurgir quanto às horas extraordinárias e ao alegado salário ‘por fora’ a reclamada faz referência à existência de dois contratos distintos: o contrato de trabalho e o contrato de parceria rural.

(...)

Assim, a parte reclamada trouxe aos autos contratos de parceria (f. 98/110) entabulados com o reclamante e a sua esposa Sra. Márcia Cristina da Silva Freitas, com previsão de remuneração, responsabilidades, prazos, dentre outras obrigações.

Para o deslinde da controvérsia, necessária a análise de alguns elementos da prova oral produzida:

- testemunha Antônio

‘3- Relata ao juízo que nunca prestou serviços perante a ordenha;

9- Que nenhum dos prestadores entrava no curral, que por sua vez todos os procedimentos eram relacionados à ordenha’. (f. 249)

- testemunha Moacir:

‘5- Que, em média, uma vez por mês, comparecia na propriedade dos reclamados para visitar o reclamante, fazendo o depoente referência que a esposa do reclamante prestava auxílio nos procedimentos de ordenha;’ (f. 250)

- Testemunha Tiago:

‘1-Trabalhava com trator, na cerca, manutenção geral, bem como realizava o manejo das bezerras solteiras, relatando ao Juízo que nunca prestou serviços e /ou auxílio perante o setor de ordenha;

2- Que as funções desempenhadas consistem em prestar auxílio ao reclamante;

3-Que trabalhava de segunda a sexta-feira, das 6h50 às 17 horas, e aos sábados, das 6h50 ao meio-dia;

4- Que usufruía uma hora de intervalo intrajornada de segunda a sexta-feira, o que também ocorria com o reclamante;

5- Que perante a ordenha atuavam somente reclamante e sua esposa, relatando o depoente que presenciava a senhora Márcia no referido setor diariamente;

6- Relata ao juízo que a esposa do reclamante prestava auxílio em todas as atividades relacionadas a ordenha, o que incluía o manejo da ração

7- Que o reclamante e sua esposa atuavam na raspagem do Curral;

8- Relata que no período em que atuou havia a ordenha no período da manhã e no período da tarde, fazendo referência que a esposa do reclamante participava dos trabalhos dos dois horários

9- Que o reclamante atuava com trator apenas na área relacionada ao trato do gado leiteiro, ao contrário do depoente, que fazia seu trabalho nas áreas de manutenção;

10- Que o reclamante não chegou atuar com triturador no período de prestação de serviços do depoente;

11- Que o reclamante trabalhou de forma ininterrupta, independente da função, no período de atuação do depoente;

12- Relata ao juízo que era o responsável pela trituração para alimentação dos animais (bezerras solteiras), sendo que em relação às vacas leiteiras o produto já vinha pré-preparado.’ (f. 250/251) (grifei)

Já o depoimento pessoal do autor revela que os trabalhos da ordenha eram em horários diversos dos horários dos demais serviços, revelando uma clara divisão entre os diferentes trabalhos prestados:

‘1- Que realizava ordenha das 5 horas às 8 horas e das 15 horas às 18 horas, de segunda-feira a domingo;

2- Que no horário entre a ordenha atuava com a roça das plantações, adubagem, preparação e colocação de esterco, arrumação de cercas dentre outros trabalhos.’ (f. 246)

Assim, as informações trazidas aos autos revelam serviços distintos e independentes, inclusive com as particularidades inerentes ao meio rural.

Mais.

Em nenhum momento a petição inicial faz referência ao contrato de parceria existente entre reclamante e sua esposa com os reclamados, tampouco que os valores recebidos eram oriundos do trabalho de ordenha, não havendo pedido de nulidade correspondente.

Diante de tal quadro, não há como entender pela ausência de ciência do autor quanto à existência dos contratos, vez que reiteradamente renovados, inclusive com a assinatura da sua esposa.

Portanto, conheço do contrato de parceria existente entre reclamante e reclamados, sendo que o horário trabalhado na ordenha (segunda-feira a domingo: das 5h às 8h e das 15h às 18h) não fazem parte do contrato de trabalho entabulado, tampouco a remuneração recebida pelos trabalhos prestados perante a ordenha.

Já entre os referidos horários, o reclamado Edson, informou que o reclamante realizava os trabalhos relativos ao vínculo empregatício entre os trabalhos na ordenha, o que ocorria das 8 às 15h (item 10). Por sua vez, a testemunha Antônio informou ao Juízo que usufruíam 1h de intervalo intrajornada (item 12).

Diante de tal quadro, fixo a jornada de trabalho do reclamante como sendo:

- segunda a domingo: das 8h às 15h, com 1h de intervalo intrajornada.

Ante o exposto, condeno a reclamada ao pagamento de horas extraordinárias, com base na jornada de trabalho fixada, apenas em relação aos dias trabalhados em domingos e feriados (100%).

O reclamante recorreu desta decisão e requereu a sua reforma.

Restou provado que o reclamante foi contratado como trabalhador rural pelo reclamado EDSON ALUISIO MANGOLIN em 1.12.2005 e dispensado em 16.6.2019 (f. 36).

Os reclamados provaram a existência de contratos de parceria assinados pelo reclamante ao longo do contrato de trabalho (f. 98/110). Ou seja, no período, coexistiram dois contratos: o de trabalho e o de parceria.

O autor nada mencionou na petição inicial sobre a existência de tais contratos de parceria e tampouco pediu a nulidade deles naquele instante. Este pedido de nulidade ocorreu em seu memorial de razões finais e na manifestação à defesa e documentos conforme f. 264 :

Os Contratos Particulares de Parceria Extrativa de Leite de fls. 98/110 são Nulos de pleno direito e nos termos do artigo 9º, da CLT, devendo assim ser declarados, uma vez que representam verdadeira relação empregatícia entre o Reclamante e os Reclamados.

Portanto, é necessário examinar a validade dos contratos de parceria firmados, pois implica alteração no exame dos pedidos postulados.

Como visto, os reclamados juntaram contratos de parceria, nos quais constam que os réus forneciam o espaço físico (fazenda), animais e instrumentos de trabalho e o reclamante retirava o leite destes animais e recebia 7% do valor bruto recebido do laticínio (f. 98).

Do ponto de vista legal, não há óbice a esse tipo de contrato, pois o artigo 981 do Código Civil estabelece que ‘celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados’ .

Ocorre que o reclamado confessou em audiência ‘Que até o final do ano de 2011 o reclamante realizava a ordenha apenas no período da manhã, o fazendo no horário das 6 horas às 8h30/9 horas; Que a partir do ano de 2012, em virtude do aumento do número de animais, além do horário da manhã, o reclamante passou a realizar a ordenha no período da tarde, das 15h30 às 18 horas; Que a ordenha ocorre sem interrupção’ e ‘ Que o reclamante e sua esposa foram os responsáveis pela operação da ordenha durante todo o período, sendo que apenas eventualmente o sogro do reclamante chegou auxiliá-lo ’ e ‘Que ao finalizar os trabalhos na ordenha, o reclamante partia para os trabalhos decorrentes de seu contrato de trabalho ininterrupto’ (f. 248).

Por outro lado, a única testemunha ouvida a convite do reclamante afirmou ‘Os demais trabalhadores que atuam no local também trabalhavam das 7 horas às 17 horas, de segunda a sexta-feira ’ (f. 249).

Isso demonstrou que o reclamante foi contratado como trabalhador rural e se ativou de maneira subordinada, pessoal, habitual e onerosa nas atividades na fazenda e na de ordenha, a qual se dava na maior parte do dia trabalhado . Isso foi confirmado pela segunda testemunha ouvida a convite dos reclamados ao dizer ‘que no período em que atuou havia a ordenha no período da manhã e no período da tarde, fazendo referência que a esposa do reclamante participava dos trabalhos dos dois horários ’ (f. 251).

Além disso, a primeira testemunha ouvida a convite dos reclamados afirmou ‘Relata que em virtude da experiência do reclamante o mesmo foi indicado para trabalhar para os reclamados no retiro de leite’ (f. 250).

Em outros termos, os reclamados assumiram os riscos da atividade econômica, como previsto no artigo 2o da CLT, e o reclamante prestou serviços sob dependência jurídica, nos moldes do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Esses elementos e a circunstância que o reclamante prestou serviços diretamente relacionados à atividade desenvolvida pelo reclamado fazem presumir a subordinação, pela conhecida teoria dos fins da empresa.

Sendo assim, cabia aos réus provar a autonomia do autor na parceria de ordenha do leite, ônus do qual não se desvencilharam.

Por fim, o valor de 7% pago ao reclamante relativo ao leite extraído e vendido ao laticínio não se mostrou ser um percentual razoável para equilibrar a relação de parceria. Pelo contrário, referido percentual se mostrou um valor pago pelo trabalho prestado.

A parceria real e efetiva pressupõe uma negociação justa e razoável a exemplo do acerto de 50% do valor para cada parte envolvida ou 60% para um e 40% para outro etc., mas não 93% aos réus e 7% ao reclamante.

Sendo assim, e considerando que estão presentes os requisitos da relação de emprego, isto é, pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação (artigos 2º e 3º da CLT), reconheço que o reclamante trabalhou como trabalhador rural durante todo o contrato de trabalho e com vínculo de emprego direto com os reclamados, inclusive quando se ativava na ordenha do leite.

Por conseguinte, declaro nulos os contratos de parceria e o distrato firmado entre o reclamante e os réus, valendo esclarecer que tais contratos não foram objeto da prova documental para a concessão da aposentadoria do rural junto ao INSS (f. 131).

Em face dos embargos de declaração opostos pelos réus, não foram feitos esclarecimentos ou acréscimos de fundamentação (acórdão às fls. 403/406).

Os réus sustentam a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional , uma vez que o Tribunal Regional, instado por regulares embargos de declaração, não se manifestou sobre as provas documentais e testemunhais relevantes dos autos que infirmariam a conclusão adotada a respeito do vínculo empregatício reconhecido, dada a autonomia no labor da atividade de parceria na ordenha de leite (ausência de subordinação jurídica), destacando-se as seguintes: a) depoimento pessoal do autor em que confessou nunca ter realizado anotação de horário de trabalho (não possuía controle de jornada); b) depoimento da testemunha indicada pela parte ré afirmando que o autor contava com o auxílio de sua esposa na ordenha de leite; c) depoimento da testemunha indicada pelo autor, a qual afirmou que a ordenha de leite era local de uso exclusivo do autor; d) prova documental e depoimento pessoal do obreiro comprovando que, antes de prestar serviços aos réus, o autor já contava com vasta experiência de mais de quarenta e dois anos no ramo ordenha de leite e parcerias pecuárias; e) a expertise do autor no trabalho de ordenha demonstra sua capacidade de atuar de forma autônoma, sem submeter-se ao comando e ordens relativas ao modo de executar os serviços de extração de leite; f) depoimento pessoal do autor, no qual afirmou que os réus compareciam na propriedade somente nos finais de semana (não era submetido à fiscalização diária dos serviços).

No que se refere aos contratos de trabalho e de parceria pecuária simultâneos , sustentam a validade do contrato de parceria pecuária, uma vez que havia distinção e independência de remuneração e de serviços em relação a ele ( ordenha: de segunda-feira à domingo, das 5h à 8h e das 15h às 18h ) e contrato de trabalho rural ( das 8h às 15h ) , inclusive com as particularidades inerentes ao meio rural. Aduzem que a participação de 7% do valor bruto pago pelo laticínio corresponde a 40% do valor líquido, considerando a dedução das despesas e encargos fiscais, o que revela a inexistência de prejuízo ao trabalhador. Defendem que o simples fato dos empregadores estabelecerem diretrizes e aferirem resultados não implica a existência de subordinação jurídica entre os contratantes e o contratado.

Em relação à transcendência econômica , esta Turma estabeleceu como referência, para o recurso do empregador, pessoa física, o valor fixado no artigo 852-A da CLT. No caso, o Tribunal Regional manteve o valor de R$15mil, arbitrado à condenação pela sentença e, assim, não foi alcançado o patamar da transcendência. A parte tampouco demonstrou ser cabível a adoção de valor superior ao fixado, mais consentâneo com a realidade da condenação, para se aferir tal pressuposto. Se possível, considerar apenas os valores dos temas devolvidos no recurso de revista .

Também não se verifica aparente contrariedade a súmula, orientação jurisprudencial, jurisprudência atual, iterativa e notória, precedentes de observância obrigatória, tampouco matéria em que haja divergência atual entre as Turmas do TST. Ausente, portanto, a transcendência política.

A transcendência social aplica-se apenas aos recursos do empregado.

A transcendência jurídica diz respeito à interpretação e aplicação de novas leis ou alterações de lei já existente e, no entendimento consagrado por esta Turma, também à provável violação de direitos e garantias constitucionais de especial relevância , com a possibilidade de reconhecimento de afronta direta a dispositivo da Lei Maior. Não é o que se verifica na hipótese dos autos.

Acrescente-se que a Corte a quo proferiu decisão completa, válida e devidamente fundamentada e a adoção de conclusão distinta à pretendida pela parte acerca do conjunto fático-probatório dos autos não caracteriza a alegada negativa de prestação jurisdicional.

Assim, nego provimento ao agravo, por ausência de transcendência da causa.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, por ausência de transcendência da causa.

Brasília, 23 de abril de 2024.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CLÁUDIO BRANDÃO

Ministro Relator