A C Ó R D Ã O
1ª TURMA
VMF/ma/pcp/wmc
RECURSO DE REVISTA - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - TOMADOR DE SERVIÇOS . O inadimplemento das obrigações advindas do contrato de trabalho, cuja responsabilidade recai sobre o prestador de serviços, deve se estender também ao tomador dos serviços que, como beneficiário da atividade do trabalhador qualifica-se como partícipe da relação processual.
Recurso de revista não conhecido .
DESCONTOS RELATIVOS AO IMPOSTO DE RENDA . A Justiça do Trabalho é competente para determinar a retenção do imposto de renda na fonte, incidente sobre os direitos trabalhistas que a decisão conferir ao trabalhador. Inteligência e aplicação da Súmula nº 368 do TST.
Recurso de revista conhecido e provido .
EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT - FORMA DE EXECUÇÃO - VIOLAÇÃO LITERAL DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – CONFIGURADA - INCIDÊNCIA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL nº 87 DA SUBSEÇÃO I DA SEÇÃO DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. O Pleno desta Corte, no julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº IUJ-ROMS-652135/2000, em 06/11/2003, decidiu modificar a Orientação Jurisprudencial nº 87 da SBDI-1, excluindo a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, devendo a execução ser realizada via precatório, nos moldes do art. 100 da Constituição da República. A mudança da referida jurisprudência decorreu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o Decreto-Lei nº 509/1969 foi recepcionado por nossa atual Carta Magna, ratificando a impenhorabilidade dos bens da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-622013/2000.8 , em que é Recorrente EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT e Recorrida ELISA GOMES MARTINS .
O 9º Tribunal Regional do Trabalho, pelo acórdão às fls. 245-248, apreciando o recurso ordinário da reclamada, concluiu pelo seu provimento parcial, mantendo, no entanto, a sentença quanto à sua condenação subsidiária com a primeira reclamada e a aplicação da execução direta para a empresa.
Inconformada, a reclamada interpõe o presente recurso de revista (fls. 261-297), com base no art. 896 da CLT, apontando divergência jurisprudencial com os arestos que colaciona.
O recurso foi admitido pela decisão singular às fls. 300, merecendo contrariedade às fls. 305-317.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
1 - CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade da revista concernentes à tempestividade (fls. 260 e 261), à representação processual (fls. 27 e 298) e ao preparo (fls. 206 e 207), passo ao exame dos pressupostos intrínsecos de admissibilidade.
1.1 – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - TOMADOR DE SERVIÇOS
O Tribunal Regional manteve a condenação subsidiária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, valendo-se dos seguintes fundamentos (fls. 249-254):
3. Mérito
a) Subsidiariedade
A ré, como empresa pública, escorada em legislação específica (Lei 8.666/93, com as alterações trazidas pela Lei 9.032/95) contratou o fornecimento de mão-de-obra para a execução de tarefas alheias a sua finalidade.
Ocorre que o procedimento administrativo, por mais correto e isento que seja sua condução, não está livre da contingência de adjudicar o objeto à empresa que ofereça a proposta mais vantajosa apenas para assegurar o mercado, porém desprovida de estrutura e idoneidade para bem executar o contrato.
Para evitar que o interesse público seja prejudicado, na medida que a ausência ou atraso no pagamento de verbas trabalhistas e previdenciárias por certo refletirá negativamente na qualidade dos serviços prestados, não é demais esperar que aquele que contrata uma prestadora de serviços seja responsável pela fiscalização da mesma.
Atento ao fenômeno da terceirização, tanto no setor público, como no privado, editou o C.TST o Enunciado 331.
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Conclui-se, assim, que a legalidade do contrato de prestação de serviços firmado não é suficiente para afastar a condenação subsidiária, visto que não é apenas a prática de ato ilícito que gera o pagamento de indenização.
Irresignada a reclamada, sustenta que é órgão público da Administração Indireta, e que a contratação de empresas terceirizadas não pode gerar vínculo direto com a tomadora. Aduz que o item IV da Súmula nº 331 do TST não pode ser aplicado à hipótese, haja vista o disposto no item II daquele verbete. Entende, ainda, que os encargos trabalhistas são de inteira responsabilidade da empresa contratada, não havendo como se impor a subsidiariedade na condenação. Em prol de seus argumentos, transcreve arestos para o confronto de teses e indica violação dos arts. 10, § 7º, do Decreto-Lei nº 200/67 e 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.
Todavia, do exame dos autos, infere-se que a matéria objeto do recurso de revista versa sobre a responsabilização subsidiária da tomadora de serviços, no caso, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em decorrência do inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa empregadora, prestadora de serviços, inexistindo, portanto, reconhecimento de vínculo direto com a recorrente, mas apenas a condenação subsidiária.
No caso, a culpa in vigilando autoriza a condenação, pois não se exime a tomadora dos serviços da fiscalização do cumprimento das obrigações pela contratada.
A responsabilidade advém, também, da culpa in eligendo , por contratar empresa inidônea. Assim, o inadimplemento das obrigações advindas do contrato de trabalho havido, cuja responsabilidade recai sobre o prestador de serviços, deve se estender também à tomadora dos serviços, pois é inconteste que a recorrente foi beneficiária das atividades prestadas pela reclamante, de forma que se encontra na situação de partícipe da relação processual.
Portanto, nesse contexto, o acórdão recorrido encontra-se em perfeita adequação com a jurisprudência sumulada desta Corte, qual seja, o inciso IV da Súmula nº 331, como, aliás, foi expressamente mencionado na sua fundamentação, o que, na forma da legislação vigente, inviabiliza o seguimento do recurso de revista.
As decisões paradigmas colacionadas não configuram o pretendido conflito jurisprudencial ante o óbice contido na Súmula nº 333 e o impeditivo legal veiculado pelo § 4º do artigo 896 da CLT, declinando que a divergência jurisprudencial apta a ensejar o recurso de revista deve ser atual, não se considerando como tal a ultrapassada por súmula, ou superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
Na mesma seara, a decisão amparada na jurisprudência sumulada desta Corte não acarreta ofensa ao disposto na Lei de Licitações, considerando que, na atualidade, o inciso IV da Súmula nº 331 do TST assim está redigido:
O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei nº. 8.666/93).
Portanto, a norma contida no art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 não afasta a responsabilidade subsidiária das entidades da administração pública, direta e indireta, tomadoras dos serviços. Além do que, por ser ordinária e inferior, a Lei nº 8.666/93 deve ser adaptada aos termos da Constituição que, no art. 173, admite a responsabilidade da empresa pública e da sociedade de economia mista.
Por fim, a Constituição da República em seu art. 37, caput e § 6º, prevê tal responsabilidade:
A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Trata-se, portanto, de aplicação de preceitos e princípios constitucionais ao caso concreto, pelo que não há de se falar em violação da norma infraconstitucional.
Desta forma, não se conhece do recurso.
1.2 – DESCONTOS FISCAIS
Assevera a recorrente que a Corte regional, ao deixar de reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para determinar a retenção dos descontos fiscais, afrontou o disposto nos art. 5º, inciso II, da Constituição da República, e dissentiu de outros julgados.
No aresto transcrito às fls. 274 sustenta-se que a competência da Justiça do Trabalho para determinar os descontos em referência.
Comprovado o dissenso jurisprudencial, conheço do recurso de revista.
1.3 - ECT - FORMA DE EXECUÇÃO - OFENSA LITERAL AO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
A Corte Regional, negando provimento ao recurso ordinário da reclamada, concluiu que deve ser direta a execução contra a reclamada, ao fundamento de que explora atividade econômica, não gozando do privilégio pretendido de ser executada por precatório.
A reclamada em seu arrazoado sustenta, em síntese, que o Tribunal Regional aplicou incorretamente o § 2º do artigo 100 da Constituição da República. Colaciona julgados para o cotejo de teses.
O apelo se viabiliza tanto pela demonstração de violação da Constituição da República (art. 100), como de divergência jurisprudencial.
Tem-se que a discussão, ora travada, guarda relação com a manutenção ou não dos benefícios concedidos às Empresas de Correios e Telégrafos, inscritos no Decreto-Lei nº 509/69, especialmente em seu artigo 12, que tem a seguinte dicção, verbis :
A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação à imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.
A jurisprudência desta Corte, antes do advento da Orientação Jurisprudencial nº 87 da Egrégia SBDI-1, firmava-se no sentido de reconhecer a pertinência do Decreto-Lei nº 509/69 naquilo em que consagra a impenhorabilidade dos bens da empresa em comento, não obstante o surgimento da nova ordem constitucional de 1988.
Vale transcrever alguns precedentes da Corte:
MANDADO DE SEGURANÇA. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, por determinação expressa contida no art. 12, do Decreto-Lei nº 509/69, tem direito líquido e certo à impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. (RO-MS-113.801/94.5, RO-MS-112.897/94.0 e RO-MS-111.613/94.8, SDI, todos do Relator Ministro Ney Doyle)
EXECUÇÃO. Considerando que o artigo 12 do Decreto-Lei nº 509/69 concede o privilégio da impenhorabilidade dos bens da executada (ECT), a execução de suas dívidas trabalhistas se deve processar por precatório. (ROMS - 126.837/94.8, SDI, Relator Juiz Convocado Euclides Alcides Rocha).
Cumpre observar, diante daquela orientação, que a nova Carta Magna não revogou o art. 12 do Decreto-Lei nº 509/69, pois preceito idêntico ao art. 173 da atual Constituição já existia na pretérita – art. 170, pelo que, em existindo regra específica dirigida à ECT , determinando o pagamento por precatório , e não sendo esta norma incompatível com o novo texto constitucional, é certo que a execução deve se reger pelos termos do art. 730 do CPC, dada a inequívoca impenhorabilidade dos bens da reclamada.
De mais a mais, é de curial necessidade a citação de novo ordenamento legal que, por ser posterior ao advento da novel Constituição, agrega ingrediente salutar ao debate que, na hipótese, são os arts. 2º e 4º da Lei nº 8.197/91, que ali estabelecem a impenhorabilidade dos bens da empresa pública que compõe a administração indireta, dada a natureza do serviço, na hipótese de utilidade pública.
Ainda, neste mesmo sentido já temos precedente da Egrégia SBDI-1, da lavra do Exmo. Ministro Francisco Fausto, que acolhido de forma unânime, assim estabeleceu:
PRECATÓRIO. EMPRESA PÚBLICA. BENS IMPENHORÁVEIS. Por força do disposto na L ei 8.197/91, artigos 2º e 4º, os bens da empresa pública que compõem a administração indireta são impenhoráveis, dada a natureza de o serviço ser de utilidade publica. Recurso ordinário em mandado de segurança provido, para determinar que a execução se faça mediante precatório. (Processo TST-ROMS-144194/94, Ac. SDI2, DJ 11-10-1996, PG: 38733, RELATOR: MINISTRO FRANCISCO FAUSTO, RECORRENTE: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. E RECORRIDO: VENTUIL PECHE DE OLIVEIRA).
Assevere-se, ainda, que o fato da atual gestão e orientação administrativa da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos torná-la mais próxima da realidade vivenciada pelas empresas de natureza privada, ou seja com a exploração de atividades que, em muito, se distinguem daquelas à qual estavam voltadas as bases da empresa em sua criação, não descredencia a garantia da impenhorabilidade de seus bens, dada a existência de norma que assim estabelece e que não afronta a atual Constituição Federal.
Ressalte-se que referida tese recebeu por parte da Excelsa Suprema Corte o total agasalho, ensejando a superação da orientação jurisprudencial da Egrégia SBDI-1 (OJ nº 87) que, além da dissonância com a interpretação dada pela Corte Constitucional, desprestigiava os termos do Regimento Interno desta Colenda Corte, que determina a instauração de procedimento de argüição de inconstitucionalidade no seu art. 240.
Da mesma forma tem-se que, não obstante toda a modernização da empresa de correios e telégrafos, com sua atuação dentro de áreas comerciais nunca antes por ela exploradas, sua crescente participação em sistema de franquias, assim como a geração de receita e lucros, nada disso descaracteriza o fato de que a referida empresa tem seus bens protegidos por lei federal, que os considera impenhoráveis.
Assim, enquanto não for revogada, ou considerada inconstitucional, o que sequer se ventilou, permanece válido e constitucional o comando legal, ainda que nascido sob o manto da proteção estatal, incompatível com a atual situação, e deve se sobrepor a qualquer orientação jurisprudencial ou doutrinária, para que se evite o mal maior, ou seja a subversão aos princípios da atuação jurisdicional.
Cabe, aqui, diante da importante guinada jurisprudencial, a indicação dos fundamentos do Supremo Tribunal Federal ao referendar o entendimento da impenhorabilidade dos bens da ECT , nos seguintes termos:
A recorrente é empresa pública criada pelo Decreto-Lei nº 509, de 10 de março de 1969, com capital constituído integralmente pela União Federal (art. 6º), gozando de privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública.
2. Preceitua o artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69, verbis: "A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais."
3. No caso sub examine trata-se de pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X).
4. Assinalo que a Primeira Turma desta Corte já se manifestou sobre a matéria por ocasião do julgamento do RE nº 100.433-RJ, de que foi relator o eminente Ministro SYDNEY SANCHES, em acórdão assim ementado, verbis: "EMENTA: EXECUÇÃO FISCAL. Impenhorabilidade de bens de empresa pública (ECT) que explora serviço monopolizado (§ 3º do art. 170 da Constituição Federal - EC-01/69), reservado exclusivamente à União (art. 8º, inciso XII, da Constituição Federal - EC-01/69). Recurso extraordinário não conhecido." (RTJ 113/786)
5. Observo que o referido precedente foi julgado à luz da Carta pretérita (EC-01/69, artigos 8º, XII, e 170, § 3º). Contudo, a disciplina da matéria não foi alterada com a promulgação da Constituição de 1988, permanecendo íntegra a competência da União Federal para manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional (CF, artigo 21, X), bem como a regra para exploração de atividade econômica por empresa pública (CF, artigo 173, caput e § 1º).
6. Dispõe o artigo 173, caput, da Carta Federal, que "ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei". Em seu § 1º reza que "a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias". Daí não há como se inferir que seja dispensável a expedição de precatórios nas execuções contra empresas públicas que exerçam atividade tipicamente estatal.
7. Note-se que as empresas prestadoras de serviço público operam em setor próprio do Estado, no qual só podem atuar em decorrência de ato dele emanado. Assim, o fato de as empresas públicas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica estarem sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas não significa que a elas sejam equiparadas sem qualquer restrição. Veja-se, por exemplo, que, em face da norma constitucional, as empresas públicas somente podem admitir servidores mediante concurso público, vedada a acumulação de cargos. No entanto, tais limitações não se aplicam às empresas privadas.
8. Há ainda que se indagar quanto ao alcance da expressão "que explorem atividade econômica...", contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal. Preleciona José Afonso da Silva, in "Curso de Direito Constitucional Positivo", 12ª Edição, Revista, 1996, págs. 732 e seguintes, que o tema da atuação do Estado no domínio econômico exige prévia distinção entre serviços públicos, especialmente os de conteúdo econômico e social, e atividades econômicas. Enquanto a atividade econômica se desenvolve no regime da livre iniciativa sob a orientação de administradores privados, o serviço público, dada sua natureza estatal, sujeita-se ao regime jurídico do direito público.
9. Conclui o eminente jurista que "a exploração dos serviços públicos por empresa estatal não se subordina às limitações do art. 173, que nada tem com eles, sendo certo que a empresa estatal prestadora daqueles e outros serviços públicos pode assumir formas diversas, não necessariamente sob o regime jurídico próprio das empresas privadas", já que somente por lei e não pela via contratual os serviços são outorgados às estatais (CF, artigo 37, XIX). Assim, não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (CF, artigo 173, § 2º).
10. A interferência do Estado na ordem econômica está consagrada nos artigos 173 e 174 da Constituição Federal: o próprio Estado, em casos excepcionais, atua empresarialmente no setor, mediante pessoas jurídicas instituídas por lei para tal fim; o Estado, como agente normativo e regulador, fiscaliza, incentiva e planeja a atividade econômica.
11. Desse modo, os princípios gerais que informam a distribuição de atividades entre o Estado e a iniciativa privada resultam dos princípios da participação estatal na economia e da subsidiariedade, em seus aspectos suplementar e complementar à iniciativa privada.
12. Em obediência a esses princípios a atividade econômica estatal exsurge nos serviços públicos, nos serviços públicos econômicos e nos de interesse geral, donde a possibilidade de o Estado (CF, artigo 173) monopolizar os serviços públicos específicos, os de interesse geral e ainda os econômicos, por motivo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Vê-se, pois, que a legitimidade da participação do Estado na economia se fundamenta em três conceitos fundamentais: segurança nacional, serviço público econômico e interesse público.
13. A Constituição Federal, em seu artigo 173, cuida da exploração direta de atividade econômica pelo Estado. A respeito da matéria escreveu o constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS que "por tais atividades deve entender-se toda função voltada à produção de bens e serviços, que possam ser vendidos no mercado, ressalvada aquela porção das referidas atividades que a própria Constituição já reservou como próprias do Estado, por tê-las definido como serviço público nos termos dos incisos XI e XII do artigo 21 do Texto Constitucional. Ou então quando forem reservadas a título de monopólio da União (CF, art. 177). Tal circunstância é que justifica a inserção da cláusula "ressalvados os casos previstos nesta Constituição" (Comentários à Constituição do Brasil, 7º v, p. 75).
14. Assim, a exploração de atividade econômica pela ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do artigo 173 da Constituição Federal ("Ressalvados os casos previstos nesta Constituição..."), por se tratar de serviço público mantido pela União Federal, pois seu orçamento, elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei nº 4.320/64 e com as normas estabelecidas pela Lei nº 9.473/97 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), é previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento - Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, sendo sua receita constituída de subsídio do Tesouro Nacional, conforme extrato do Diário Oficial da União acostado à contra-capa destes autos. Logo, são impenhoráveis seus bens por pertencerem à entidade estatal mantenedora. Ante o exposto, tenho como recepcionado o Decreto-lei nº 509/69, que estendeu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos à Fazenda Pública, dentre eles o da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, devendo a execução fazer-se mediante precatório, sob pena de vulneração ao disposto no artigo 100 da Constituição de 1988.
Por conseguinte, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento. (Processo STF-RE 220.906-DF, Relator : Ministro Maurício Corrêa).
Ilustres doutrinadores tecem considerações acerca da figura da Empresa Pública, como MARIA SYLVIA ZANELA DI PIETRO, que ressalta a impenhorabilidade dos bens públicos de uso especial, quais sejam, aqueles destinados ao atendimento de fins públicos, resultando na sua indisponibilidade.
Nesse sentido, ensina que:
(...) dentre as entidades da administração indireta, grande parte presta serviços públicos; desse modo, a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos bens de uso especial, pertencentes à União, Estados e Municípios, tornando-os inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e de direitos reais, justifica a adoção de idêntico regime para os bens de entidades da administração indireta afetados à realização de serviços públicos (Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Atlas, p. 344)
Esclarece referida doutrinadora que esse entendimento aplica-se também aos entes de direito privado, com relação aos bens destinados à prestação de serviços públicos, por força do princípio da continuidade dos mesmos, que visam atender às necessidades essenciais da coletividade, as quais poderiam ficar à míngua de atendimento, caso tais bens pudessem ser penhorados ou alienados.
Daí, portanto, conheço do recurso.
2 - MÉRITO
2.1 - DESCONTOS FISCAIS
O art. 46 da Lei no 8.541/92 determina a retenção dos descontos fiscais, em face de decisão judicial que confere direitos trabalhistas em prol da reclamante, proferida em sede de dissídio individual.
Por outro lado, o art. 114 da Constituição Federal, em seu § 3o, introduzido pela Emenda Constitucional no 20/98, de 16/12/98, ampliou, expressamente, a competência da Justiça do Trabalho, inclusive para executar, de ofício, as contribuições sociais, decorrentes das sentenças que proferir.
Na esfera pretoriana, caminha no mesmo sentido a Súmula nº 368, I , do TST , segundo a qual é da competência da Justiça do Trabalho a determinação dos descontos fiscais, in verbis :
DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. FORMA DE CÁLCULO. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 32, 141 e 228 da SDI-1) Alterada pela Res. 138/2005, DJ 23.11.2005
I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário-de-contribuição. (ex-OJ nº 141 - Inserida em 27.11.1998).
Nesse contexto, vê-se que a decisão impugnada, ao negar competência à Justiça do Trabalho para determinar a retenção, atrita com as disposições legais pertinentes e diverge do entendimento jurisprudencial superior.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, no particular, para autorizar a retenção fiscal, nos termos da já aludida Súmula nº 368 do TST.
2.2 - ECT - FORMA DE EXECUÇÃO - OFENSA LITERAL AO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
O Pleno desta Corte, no julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº IUJ-ROMS-652.135/2000, em 06/11/2003, decidiu modificar a Orientação Jurisprudencial nº 87 da Egrégia Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, excluindo da sua aplicação a ECT, por entender que esta deve ser submetida à execução via precatório.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso de revista para determinar a aplicação do artigo 100 da Constituição da República à ECT, devendo a execução, desta forma, ser feita mediante precatório.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Egrégia 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista da reclamada no tocante à condenação subsidiária. Por unanimidade, conhecer do recurso de revista quanto aos descontos fiscais e à execução por precatório, por divergência jurisprudencial, e, no mérito dar-lhe provimento para, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho, determinar que seja procedida a retenção do imposto de renda na forma preconizada na Súmula nº 368 do TST e determinar que a execução se processe por meio de precatório.
Brasília, 08 de novembro de 2006.
MINISTRO VIEIRA DE MELLO FILHO
Relator