A C Ó R D Ã O
(2ª Turma)
GMDMA/TF/GV
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ACÚMULO DE FUNÇÕES . 1. O parágrafo único do art. 456 da CLT dispõe que, à falta de determinação expressa em contrário, o empregado é obrigado a desempenhar na empresa atividade compatível com a sua qualificação. 2 . Na hipótese, o fato de os empregados da ré, contratados como vendedores/atendentes , auxiliarem em outras tarefas compatíveis com sua função, como a organização, manutenção, e higienização dos medicamentos, não caracteriza efetivamente acúmulo de funções (Precedente). Recurso de revista conhecido e não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-2062-30.2013.5.03.0137 , em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO e Recorrido CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA.
O Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região negou provimento ao recurso ordinário das partes.
Inconformado, o MPT interpõe recurso de revista.
Admitido o recurso.
Contrarrazões foram apresentadas .
É o relatório.
V O T O
1 – CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos genéricos de admissibilidade, passa-se ao exame dos específicos do recurso de revista.
1.1 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ACÚMULO DE FUNÇÃO.
O Tribunal Regional adotou os seguintes fundamentos quanto ao tema:
ACÚMULO DE FUNÇÕES - OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO
Argumenta o autor que as provas dos autos demonstram que os empregados do réu que exercem atividades de balconista nas drogarias estão incumbidos, concomitante e permanentemente, da limpeza e organização dos produtos nas prateleiras, inclusive da faxina do piso da loja, sem que haja previsão contratual ou contraprestação pecuniária. Aduz que se trata de tarefas distintas e autônomas, dotadas de classificação própria, conforme descrições da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, não podendo ser agregadas em um só cargo, pois, além de submeter os empregados ao contato com poeira e produtos químicos, expõem-nos a diferentes riscos ergonômicos, ausentes nas funções de vendedor. Afirma, por fim, que não se sustenta a alegação de que eventuais irregularidades já foram sanadas pela contratação de empresa de conservação e limpeza, pois não foram juntados os anexos do contrato firmado com a prestadora de serviços, o qual, inclusive, não está assinado, não servindo como meio de prova idôneo, sendo certo, contudo, que a avença não assegura que a higienização das farmácias seja executada por empregados terceirizados.
Insiste também na condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, para, além de recompor os efeitos sociais da sua conduta ilícita, coibi-lo da prática da alegada conduta anti-jurídica.
Ao exame.
Como se sabe, salário é o conjunto de parcelas retributivas pagas pelo empregador ao empregado por força do contrato de trabalho, não se tratando de verba paga necessariamente pela prestação de serviços. Nosso ordenamento justrabalhista não adota como critério de fixação salarial a contratação por serviço ou tarefa específicos, entendendo-se que o empregado se compromete a prestar qualquer serviço compatível com sua condição pessoal.
O parágrafo único do ad. 456 da CLT dispõe que, à míngua de estipulação expressa em contrário, o empregado é obrigado a desempenhar na empresa atividade compatível com a sua qualificação. O exercício de uma determinada função pode englobar tarefas distintas, sem, contudo, implicar acúmulo de funções, desde que não importe em desequilíbrio qualitativo ou quantitativo entre as atribuições inerentes à função para a qual o empregado foi contratado e o salário avençado.
O eminente professor e Ministro do c. TST Maurício Godinho Delgado ensina (in Curso de Direito de Trabalho. São Paulo. Editora LTr. 2009. 8a edição. p. 936-937) que "( ... ) o simples exercício de algumas tarefas componentes de uma outra função não traduz, automaticamente, a ocorrência de uma efetiva alteração funcional no tocante ao empregado. É preciso que haja uma concentração significativa do conjunto de tarefas integrantes da enfocada função para que se configure a alteração funcional objetiva".
Em face dessas premissas, e levando em conta ainda a teoria do contrato realidade, a questão controvertida não se resolve pela simples aplicação das categorias estanques e formais estipuladas na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, cujo objetivo precípuo é meramente mapear e inventariar as atividades realizadas pelos profissionais, nem apenas pela leitura singela dos termos do contrato de trabalho.
No caso concreto, a denunciante, em seu depoimento que instruiu o inquérito civil público, declarou que trabalhou na loja a partir de maio de 2012 e que "tinha obrigação na loja de atender clientes, exercer a função de caixa e de faxina, sendo que esta última compreendia a limpeza do balcão, tirar poeira de produtos e prateleiras, varrer a loja e passar pano úmido" (f. 35). No mesmo procedimento administrativo, o preposto confirmou as declarações da denunciante, acrescentando que "( ... ) há uma escala entre todos os empregados da drogaria" (f. 34) para a realização dessas tarefas relacionadas à limpeza da loja.
No citado inquérito, foram ouvidas 03 (três) testemunhas, sendo que, em relação aos fatos controvertidos objeto desta ação civil pública, apenas 02 (duas) prestaram informações, nos seguintes termos:
- lngrid Bárbara Campos dos Santos: "que as balconistas faziam a limpeza dos balcões, prateleiras e também do piso da drogaria, que havia uma escala para a execução das tarefas" (f. 92).
- Sandra Maria Arcanjo: "que a limpeza do piso da loja era feita pelas faxineiras do Carrefour e a limpeza dos balcões e prateleiras era feita pelos atendentes, em regime de escala" (f. 93).
A fim de que não pairem dúvidas, é entendimento assente que as provas colhidas no procedimento investigatório conduzido pelo Ministério Público do Trabalho constituem meio de prova na ação civil pública que lhe seguir, presumindo-se sua legitimidade e verossimilhança, devendo ser livremente avaliados pelo julgador.
Na instrução da presente ação, a preposta informou que "os atendentes de loja fazem a limpeza de medicamentos e colocam na ordem correta; que na época da denúncia sempre houve um empregado da empresa terceirizada que fazia a limpeza da loja; que antes da revisão do contrato com a empresa terceirizada, que ocorreu após a denúncia, os atendentes chegavam a fazer limpezas pontuais, como, por exemplo, se uma criança deixasse cair soivete no chão; que após a revisão de contrato, nem isso os atendentes fazem mais, pois é chamada a pessoa da limpeza contratada da empresa terceirizada para fazer a limpeza; que os atendentes antes da denúncia não faziam limpeza de balcão e nem varriam a loja".
A única testemunha ouvida na ação em exame, indicada pelo réu, declarou que "é atendente de balcão; que espana os medicamentos e os organiza nas prateleiras; que sempre foi assim em todas as farmácias; que existe uma empresa terceirizada que presta seiviços à ré e que também faz a limpeza da farmácia; que esporadicamente, se alguma pessoa ou criança deixasse cair algo no chão, fazem a limpeza do local para evitar acidentes; que o atendente não passa pano na loja, não limpa o balcão e nem varre a loja; que os medicamentos têm que ser guardados por categoria, por dosagem, por data de validade; que também há medicamentos controlados; que assim, para fazer a organização de tais medicamentos é necessário que a pessoa tenha algum conhecimento; que precisam espanar os medicamentos uma vez ao mês, ou se estiver com muita poeira essa frequência fica menor; que desde 2011 sempre houve seá'viço de limpeza por empresa terceirizada na loja do Shopping Dei Rey; ( ... ); que o Sr. Wellerson fazia uma escala entre os empregados para realização de serviço de limpeza da forma explicada supra; que a limpeza pela empresa terceirizada é feita diariamente e também sempre que surge necessidade podem acionar o pessoal da limpeza; que a limpeza diária ocorre na parte da manhã e na parte da noite, ou seja, na abertura e no fechamento da loja; que durante a jornada de trabalho, se surgir necessidade, pode acionar o pessoa da limpeza" (f. 396).
Extrai-se dos depoimentos transcritos que o réu dispõe de serviço terceirizado de limpeza, desde 2011, data anterior, portanto, à contratação da denunciante (maio de 2012), tornando de somenos importância a questão relativa à regularidade formal e validade do contrato de prestação de serviço juntado com a contestação (f. 164).
Restou demonstrado também que os empregados da empresa terceirizada fazem a limpeza pesada das drogarias existentes nas lojas do réu, 02 (duas) vezes por dia, e que, escalonados, os balconistas/vendedores, inclusive o • gerente, participam da organização, manutenção e higienização dos medicamentos dispostos nas prateleiras e que, apenas eventualmente, fazem a varredura do piso do estabelecimento.
A realização dessas tarefas pelos balconistas das farmácias do réu não se mostra substancialmente dissociada das atividades inerentes ao cargo para o qual foram contratados, mas, ao contrário, é com elas compatível e complementar, especialmente em se tratando de atividade de comércio de medicamentos, que, como confirmado pela prova oral, exige a organização por categoria, dosagem e data de validade, cuja limpeza, disposição e manutenção devem mesmo ser executadas por empregado que detém esse conhecimento, atendendo ainda ao ordinário e comezinho procedimento de se manter um ambiente de trabalho limpo e organizado.
Observo ainda que as atividades ditas acumuladas eram realizadas dentro da jornada de trabalho, tratando-se, por outro lado, de tarefas que não importam em manuseio de produtos químicos nem em contato com poeira mineral insalubre, sendo certo, além do mais, que não exigem maior qualificação ou habilidade especial, não se cuidando, muito menos, de tarefa que avilte ou degrade a dignidade do trabalhador, guardando, isto sim, absoluta compatibilidade com a função contratual e a capacitação do vendedor balconista.
Não reconhecida, portanto, qualquer alteração contratual qualitativa ou quantitativa lesiva aos direitos e interesses dos empregados que laboram nas drogarias existentes nas lojas do réu, mantenho a sentença que rejeitou o pedido de imposição de tutela inibitória e, como mero corolário, o pedido de reparação pecuniária por dano coletivo.
Nego provimento.
Nas razões do recurso de revista, o MPT sustenta, em síntese, que os vendedores/atendentes das drogarias eram obrigados a desempenhar também tarefas de limpeza e conservação do ambiente, próprias da função de faxineiro, em claro acúmulo de função, motivo pelo insiste na pretensão de que a ré seja condenada a se abster de realizar esse acúmulo de função. Aponta violação do art. 456 da CLT. Transcreve arestos à divergência.
Examina-se.
O aresto trazido a cotejo às fls. 681 e 682 (pdf), oriundo do TRT da 1º Região, é formalmente válido e contempla tese contrária à adotada pelo Tribunal Regional.
Por conseguinte, CONHEÇO do recurso de revista por divergência jurisprudencial.
2 - MÉRITO
2.1 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ACÚMULO DE FUNÇÃO
Inicialmente, convém esclarecer que o acúmulo de funções somente se caracteriza quando evidenciado o exercício de função diversa daquela para o qual foi contratado, sem qualquer compatibilidade ou conexão com esta.
Nessa esteira, o exercício de atividades diversas, porém compatíveis com a condição pessoal e funcional do empregado, não enseja o indigitado acúmulo de funções, restando remuneradas pelo salário todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho.
Na hipótese, o fato de os empregados da ré, contratados como vendedores/atendentes auxiliar em outras tarefas compatíveis com sua função, como a "organização, manutenção, e higienização dos medicamentos dispostos nas prateleiras e que, apenas eventualmente, fazem a varredura do piso do estabelecimento", não caracteriza efetivamente acúmulo de funções.
Em igual sentido, esta 2ª Turma, examinando controvérsia semelhante à dos autos, assim se pronunciou:
[...] 3 - ACÚMULO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS. Na hipótese, o fato de a reclamante, contratada como vendedora auxiliar em outras tarefas compatíveis com sua função, como a "de a limpeza do setor , abastecimento da loja, caixa em relação aos produtos que vendia, emissão de notas fiscais dos produtos que vendia, organização do depósito, recebimento de mercadorias", não caracteriza acúmulo de funções e não dá ensejo ao pagamento de diferenças salariais . Não houve julgamento à luz das regras de distribuição do ônus da prova, sendo analisada a matéria diante das provas colacionadas nos autos, as quais se mostraram insuficientes para o deferimento do direito pleiteado. Assim, é irrelevante perquirir a quem cabia o onus probandi na espécie. Recurso de revista não conhecido. (RR - 1006-66.2013.5.09.0016 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 13/06/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/06/2017)
Assim, não se verifica a alegada ofensa ao art. 456 CLT.
NEGO PROVIMENTO .
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento.
Brasília, 15 de outubro de 2019.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
DELAÍDE MIRANDA ARANTES
Ministra Relatora