A C Ó R D Ã O

5ª Turma)

DCTRV/mm

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA . PREPOSTO DECLARA DESCONHECER A JORNADA DO AUTOR. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA INAPTA PARA ILIDIR A CONFISSÃO, POR SER CONTROVERTIDA. MÁ APLICAÇÃO DA SÚMULA 74, II, DO TST. PROVIMENTO . Uma vez demonstrada a viabilidade de processamento do recurso de revista por provável contrariedade à Súmula n. 74, item II, desta Corte Superior, o provimento do agravo de instrumento é medida que se afigura imperativa . Agravo de instrumento a que se dá provimento .

RECURSO DE REVISTA. CONFISSÃO FICTA ILIDIDA POR DOCUMENTOS CONTROVERTIDOS SOBRE OS QUAIS RECAIA O OBJETO DA PROVA . MÁ APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 74, II, DO TST. PROVIMENTO . Para desconstituir a confissão ficta, a teor da Súmula n. 74, II, desta Corte, é necessário que a prova pré-constituída seja válida e eficaz, não pairando sobre ela a controvérsia objeto da prova testemunhal a ser produzida em audiência. E, no caso em exame, o Regional reputou como prova apta a desconstituir a confissão ficta os cartões de ponto, os quais haviam sido impugnados pelo Autor e sua veracidade consistia exatamente o objeto da prova testemunhal pretendida pela parte a fim de demonstrar sua verdadeira jornada. Assim, o indeferimento dessas provas testemunhais que deixaram de ser produzidas perante o juízo a quo em razão do depoimento do preposto que declarou não saber a jornada do Reclamante, há de se presumir como verdadeira a jornada declinada na inicial e não a consignada nos cartões infirmados em sua literalidade pelo Reclamante. Com efeito , se sobre tais cartões de ponto pairava a controvérsia acerca da validade, os mesmos não detinham aptidão para afastar a confissão ficta. Portanto, a utilização, pelo Regional, de documento controvertido e sobre o qual recaia o objeto da prova testemunhal, para afastar a confissão ficta da empresa , incorreu em má aplicação da Súmula n. 74, II, desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido .

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-883-89.2012.5.02.0051 , em que é Recorrente JOSÉ ROBERTO DE SOUZA e Recorrido NOVASOC COMERCIAL LTDA. .

O Egrégio Tribunal Regional denegou seguimento ao recurso de revista do Autor.

Irresignado, o Demandante interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando, em síntese, que o despacho denegatório merece ser reformado, porquanto se encontram preenchidos os requisitos legais exigidos para o regular processamento do seu apelo revisional.

Contraminuta ao agravo de instrumento e contrarrazões ao recurso de revista foram apresentadas.

Não houve remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, ante o disposto no artigo 83 do Regimento Interno deste Tribunal.

É o relatório .

V O T O

CONHECIMENTO

Conheço do agravo de instrumento porque presentes os pressupostos recursais de admissibilidade.

MÉRITO

O recurso de revista teve seguimento trancado com base nos seguintes fundamentos:

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Tempestivo o recurso (decisão publicada em 13/08/2014 - fl. 177; recurso apresentado em 20/08/2014 - fl. 178).

Regular a representação processual, fl(s). 09.

Dispensado o preparo (fl. 174).

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

Duração do Trabalho / Horas Extras.

Alegação(ões):

- violação do(s) artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

- violação do(a) Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 818; Código de Processo Civil, artigo 333, inciso II.

Sustenta a não aplicação da Súmula n° 74/TST, pois o preposta da recorrida não soube dizer o horário de trabalho da reclamante, nem informou sobre a jornada laboral e existência de sobrejornada, sendo confesso qto a matéria fática.

Consta do v. Acórdão:

HORAS EXTRAS

Sustenta a recorrente que, ainda que admitida a confissão do preposto, os cartões de ponto e demais documentos deveriam ter sido considerados como meio de prova, não retirando o ônus do reclamante de comprovar a jornada que alegou.

É certo que o preposto da reclamada declarou não saber o horário de trabalho do reclamante, o que importa na sua confissão ficta e presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial, nos termos do art. 843, §1º, da CLT, que exige que o preposto tenha conhecimento dos fatos.

Nada obstante, a pena de confissão aplicada à reclamada, pelo desconhecimento dos fatos pelo preposto ainda poderia ser desconstituída por prova pré-constituída nos autos, conforme já pacificado pela Súmula n° 74, II, do C. TST, do seguinte teor:

"A prova pré-constituída nos autos é que deve ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores."

É o caso, havia nos autos prova documental pré-constituída capaz de ilidir a confissão ficta. Nesse passo, incumbia ao reclamante produzir prova capaz de ilidir a prova documental pré-existente, ônus do qual se desvencilhou, vez que os cartões de ponto anteriormente juntados se prestam como prova legal e apta a comprovar a efetiva jornada trabalhada.

Destaca-se que os controles de ponto encontram-se devidamente assinados pelo reclamante e com anotações de sobrejornada, além de registrar várias saídas depois das 23h (fl. 60), tal como sustentado na inicial.

Tais horas extras, inclusive, foram recebidas pelo reclamante, que alegou nada ter recebido a esse título, na petição inicial, o que, registra-se, derrota a presunção de veracidade da inicial.

Nesse passo, reconheço a validade dos cartões de ponto juntados. Não demonstrada a existência de diferenças pelo reclamante, também não lhe restam diferenças a serem pagas.

Provejo o recurso para excluir da condenação o deferimento de horas extras e reflexos.

Inviável o apelo no particular, porquanto a matéria discutida insere-se no conjunto fático-probatório dos autos, encontrando óbice para reexame a Súmula nº126 do C. TST.

No mais, a r. decisão está em consonância com a Súmula n° 74, II, do C. TST, oque impede o seguimento do apelo, nos termos do artigo 896, § 7º, da CLT, e Súmula nº 333 do C.TST.

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao Recurso de Revista.

No agravo de instrumento interposto, a parte alega, em síntese, que o despacho denegatório merece ser reformado, porquanto se encontram preenchidos os requisitos legais exigidos para o regular processamento do seu apelo revisional.

Alega contrariedade à Súmula n. 74 desta Corte, na medida em que o juízo a quo deixou de considerar a confissão do preposto, que declarou não saber informar o horário de trabalho do Autor, na medida em que indeferiu o pedido de horas extras formulado na inicial.

Analiso.

Conforme se infere, o Regional reformou a r. sentença que condenara a Ré ao pagamento de horas extras e reflexos, em decorrência da confissão ficta decretada, na medida em que seu preposto, por meio do depoimento pessoal, declarou desconhecer o horário de trabalho do Autor.

Fundamentando o posicionamento na Súmula n. 74, II, desta Corte, o Regional reformou a r. sentença para reputar verdadeiros os controles de frequência anexados com a defesa, considerando-os como prova pré-constituída apta a ilidir a confissão ficta da Ré.

O Autor , por seu turno, questiona a aplicação da aludida Súmula no caso em exame.

De fato, observa-se que para afastar a confissão ficta, o Regional valeu-se de prova documental que fora impugnada pelo Autor e, portanto, controvertida, de modo que se verifica, na decisão regional, possível má aplicação da Súmula n. 74, II, desta Corte Superior, o que impõe, portanto, o provimento do agravo de instrumento, para melhor análise da matéria em sede de recurso de revista.

Sendo assim, dou provimento ao agravo de instrumento para, convertendo-o em Recurso de Revista, determinar a reautuação do processo e a publicação da certidão de julgamento para ciência e intimação das partes e dos interessados de que o julgamento do recurso de revista ocorrerá na primeira sessão ordinária subsequente à data da referida publicação, nos termos do artigo 229 do Regimento Interno desta Corte.

II – RECURSO DE REVISTA

1. CONHECIMENTO

1.1. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de revista, passo ao exame dos pressupostos intrínsecos.

1.2. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

HORAS EXTRAS E CONFISSÃO FICTA

Conforme exposto na decisão de agravo de instrumento, a 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região reformou a r. sentença que condenara a Ré ao pagamento de horas extras e reflexos, em decorrência da confissão ficta decretada, na medida em que seu preposto, por meio do depoimento pessoal, declarou desconhecer o horário de trabalho do Autor.

Para a reforma da r. sentença o Regional fundamentou o v. acórdão na Súmula n. 74, II, desta Corte, tendo reputado verdadeiros os controles de frequência anexados com a defesa, considerando-os como prova pré-constituída apta a ilidir a confissão ficta da Ré.

Eis os termos do decisum :

"HORAS EXTRAS

Sustenta a recorrente que, ainda que admitida a confissão do preposto, os cartões de ponto e demais documentos deveriam ter sido considerados como meio de prova, não retirando o ônus do reclamante de comprovar a jornada que alegou.

É certo que o preposto da reclamada declarou não saber o horário de trabalho do reclamante, o que importa na sua confissão ficta e presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial, nos termos do art. 843, §1º, da CLT, que exige que o preposto tenha conhecimento dos fatos.

Nada obstante, a pena de confissão aplicada à reclamada, pelo desconhecimento dos fatos pelo preposto ainda poderia ser desconstituída por prova pré-constituída nos autos, conforme já pacificado pela Súmula n° 74, II, do C. TST, do seguinte teor:

"A prova pré-constituída nos autos é que deve ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores."

É o caso, havia nos autos prova documental pré-constituída capaz de ilidir a confissão ficta. Nesse passo, incumbia ao reclamante produzir prova capaz de ilidir a prova documental pré-existente, ônus do qual se desvencilhou, vez que os cartões de ponto anteriormente juntados se prestam como prova legal e apta a comprovar a efetiva jornada trabalhada .

Destaca-se que os controles de ponto encontram-se devidamente assinados pelo reclamante e com anotações de sobrejornada, além de registrar várias saídas depois das 23h (fl. 60), tal como sustentado na inicial.

Tais horas extras, inclusive, foram recebidas pelo reclamante, que alegou nada ter recebido a esse título, na petição inicial, o que, registra-se, derrota a presunção de veracidade da inicial.

Nesse passo, reconheço a validade dos cartões de ponto juntados. Não demonstrada a existência de diferenças pelo reclamante, também não lhe restam diferenças a serem pagas.

Provejo o recurso para excluir da condenação o deferimento de horas extras e reflexos. (p. 205 – destaquei)

Inicialmente é importante pontuar que, diversamente do que constou no v. acórdão, o item II da Súmula n. 74 deste Tribunal não estabelece que a prova pré-constituída deva ser levada em conta para confronto com a confissão ficta, mas sim, que ela pode ser levada em conta. Eis os termos da Súmula n. 74, II, deste Tribunal:

II - A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores. (ex-OJ nº 184 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000)

Há que se observar que para a desconstituição da confissão ficta não basta que haja prova pré-constituída nos autos, mister se faz que sobre tal prova não recaia nenhuma controvérsia.

E, no caso em exame, conforme trecho acima destacado no v. acórdão, o Regional reputou como prova apta a desconstituir a confissão ficta os cartões de ponto.

Não obstante, tais documentos foram impugnados pelo Autor, que pretendia demonstrar sua verdadeira jornada com as provas testemunhais que deixaram de ser produzidas perante o juízo a quo em razão do depoimento do preposto que declarou não saber a jornada do Reclamante.

Ora, se sobre tais cartões de ponto pairava a controvérsia acerca da validade, os mesmos não detinham aptidão para afastar a confissão ficta.

Por outro lado, de acordo com o art. 389, I, do CPC, incumbia ao Autor o ônus de demonstrar que os cartões de ponto impugnados não refletiam sua verdadeira jornada e, é certo, que o depoimento pessoal da parte adversa se constitui meio de prova para tal mister, tendo se desonerado com o depoimento pessoal do preposto que declarou desconhecer a jornada de trabalho do Autor, ensejando a aplicação da pena de confissão ficta (art. 843, § 1º, da CLT).

Portanto, reafirmo que, para desconstituir a confissão ficta, a teor da Súmula n. 74, II, desta Corte , necessário se faz que a prova pré-constituída seja válida e eficaz, não pairando sobre ela a controvérsia objeto da prova testemunhal a ser produzida em audiência. E, no caso em exame, o Regional reputou como prova apta a desconstituir a confissão ficta os cartões de ponto, os quais haviam sido impugnados pelo Autor e sua veracidade consistia exatamente o objeto da prova testemunhal pretendida pela parte a fim de demonstrar sua verdadeira jornada.

Assim, o indeferimento dessas provas testemunhais que deixaram de ser produzidas perante o juízo a quo em razão do depoimento do preposto que declarou não saber a jornada do Reclamante, há de se presumir como verdadeira a jornada declinada na inicial e não a consignada nos cartões infirmados em sua literalidade pelo Reclamante. Com efeito, se sobre tais cartões de ponto pairava a controvérsia acerca da validade, os mesmos não detinham aptidão para afastar a confissão ficta. Logo , se o Regional valeu-se de documento controvertido e sobre o qual recaia o objeto da prova testemunhal, para afastar a confissão ficta da empresa, incorreu em má aplicação da Súmula n. 74, II, desta Corte e, por isso, conheço do recurso de revista.

2. MÉRITO

Conhecido o recurso de revista por contrariedade à Súmula n. 74, II, desta Corte Superior, a consequência lógica é a aplicação dos efeitos da pena de confissão ficta à Ré, o que enseja o provimento do recurso de revista do Autor, e o restabelecimento da r. sentença que condenou a Ré ao pagamento de horas extras e reflexos .

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, I - conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, dar-lhe provimento para, convertendo-o em Recurso de Revista, determinar a reautuação do processo e a publicação da certidão de julgamento para ciência e intimação das partes e dos interessados de que o julgamento do recurso de revista ocorrerá na primeira sessão ordinária subsequente à data da referida publicação, nos termos do artigo 229 do Regimento Interno desta Corte; e, II – conhecer do recurso de revista por contrariedade à Súmula n. 74, II, do TST, quanto ao tema "horas extras e confissão ficta" e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a r. sentença que, em razão dos efeitos da pena de confissão ficta da Ré, condenou-a ao pagamento de horas extras e reflexos .

Brasília, 10 de Junho de 2015.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

TARCÍSIO RÉGIS VALENTE

Desembargador Convocado Relator