A C Ó R D Ã O

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

GMDS/r2/fm/ls

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 2015. PEDIDO DE CORTE FUNDADO NO ART. 966, V, DO CPC DE 2015. ACIDENTE DO TRABALHO. RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA. ATIVIDADE DE RISCO. VIOLAÇÃO DO ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CCB. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 410 DO TST. VIOLAÇÃO DO ART. 2.º DA CLT. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

1. Cuida-se de Ação Rescisória ajuizada com fundamento no art. 966, V, do CPC de 2015 para desconstituir acórdão do TRT que indeferiu pedidos de indenizações por danos moral e material, decorrentes de acidente do trabalho que vitimou fatalmente o trabalhador.

2. O acórdão rescindendo consigna, a partir dos fatos e provas analisados na ação trabalhista subjacente, que a atividade desempenhada pelo de cujus não se classificava como atividade de risco para os fins previstos no dispositivo civil. Além disso, sobreleva destacar que o acórdão rescindendo também indica, como premissa fática, que o acidente fatal teria ocorrido por culpa exclusiva da vítima, ao consignar, com base nas investigações levadas a cabo pela CIPA e pelo SESMT, sendo que a culpa exclusiva da vítima constitui excludente da responsabilidade objetiva, ainda que se trate de atividade de risco.

3. Assim, para se admitir a aplicabilidade do disposto no parágrafo único do art. 927 do Código Civil ao caso, inclusive no tocante à eventual culpa da vítima, faz-se necessário revisitar os fatos e provas do feito primitivo, providência que esbarra no óbice da Súmula n.º 410 deste Tribunal.

4. Por fim, não há violação do art. 2.º da CLT, que trata exclusivamente dos riscos da atividade econômica, assim compreendidos como sendo os riscos inerentes aos resultados obtidos pela exploração de atividade empresarial, cuja finalidade precípua é o lucro, não se confundindo com a responsabilização por acidente sofrido pelo trabalhador, cujo fundamento repousa no proveito obtido sobre o produto do labor.

5. Forçoso, assim, concluir pela não configuração da hipótese de rescindibilidade suscitada nestes autos, impondo-se, por conseguinte, a manutenção do acórdão regional.

6. Recurso Ordinário conhecido e não provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário Trabalhista n.º TST-ROT-5864-11.2022.5.15.0000 , em que é Recorrente INGRIDI CAMILA DE JESUS DA SILVA e são Recorridas EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT e TRANSPANORAMA TRANSPORTES LTDA.

R E L A T Ó R I O

Ingridi Camila de Jesus da Silva interpôs Recurso Ordinário contra acórdão proferido pela 3.ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, que julgou improcedente a presente Ação Rescisória ajuizada para desconstituir o acórdão proferido em julgamento de Recurso Ordinário na Reclamação Trabalhista n.º 0011787-83.2015.5.15.0090 com fundamento no art. 966, V, do CPC de 2015.

As rés ofereceram contrarrazões.

Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, na forma regimental.

É o relatório.

V O T O

CONHECIMENTO

Conheço do Recurso, porquanto atendidos os pressupostos legais de admissibilidade.

MÉRITO

A recorrente busca a reforma do acórdão proferido pela 3.ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, que julgou improcedente o pedido de corte rescisório da coisa julgada formada na Reclamação Trabalhista n.º 0011787-83.2015.5.15.0090, formulado com fundamento no art. 966, V, do CPC de 2015.

O acórdão recorrido está assim fundamentado, in verbis :

"MÉRITO

A autora INGRIDI CAMILA DE JESUS DA SILVA, na qualidade de representante do espólio de CÉZAR AUGUSTO MARQUES, moveu reclamação trabalhista em face de TRANSPANORAMA TRANSPORTES LTDA. e EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. Narrou que o seu companheiro veio a falecer em decorrência de acidente de trânsito, ocorrido em 02.02.2015, quando estava no exercício das suas funções laborais. Postulou a condenação das reclamadas (ora rés) ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais.

O r. Juízo originário considerou não demonstrada a culpa das reclamadas e julgou improcedentes os pedidos.

A autora interpôs Recurso Ordinário , que não foi provido, pelos seguintes fundamentos:

‘E assim não considero a atividade explorada pela empregadora, de transporte rodoviário de carga não perigosa, especificamente na parte em que era utilizado o labor do reclamante e em que ocorreu o acidente, pois comprovado que: o veículo utilizado pelo trabalhador falecido, se encontrava em perfeitas condições de uso; as condições da rodovia eram boas, bem como as condições climáticas; foi exigido pela empregadora, que o empregado observasse os procedimentos de segurança, mormente os relativos a descanso antes de empreender viagem e também durante sua realização, fato confirmado pelo depoimento das testemunhas inquiridas neste feito (fl. 655); considerando que o empregado possuía habilitação categoria ‘E’ , tinha plena ciência da necessidade de manter distância mínima de segurança em relação a veículos que trafegavam no mesmo sentido à sua frente.’

A autora e o Ministério Público do Trabalho interpuseram recursos de revista. Apenas o Recurso do ‘Parquet’ foi processado, por possível violação do artigo 7.º, XVIII, da Constituição Federal e ao artigo 924, parágrafo único, do Código Civil.

No entanto, o apelo não foi conhecido, por constatado óbice de natureza técnico-processual, nos seguintes termos:

RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM FACE DE ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS 13.015/2014 E 13.105/2015. DESPACHO DE ADMISSIBILIDADE PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA IN 40 DO TST. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA EMPREGADORA - INDENIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO - ATIVIDADE DE RISCO - EXCLUDENTE DE NEXO DE CAUSALIDADE - ÓBICE ESTRITAMENTE PROCESSUAL - ARTIGO 896, §1.º-A, I. Para decidir controvérsias relativas ao dever de indenizar prejuízos decorrentes de acidente do trabalho, o TST necessita que as circunstâncias do sinistro estejam ao seu alcance, declinadas de maneira minuciosa no acórdão regional. Ou seja, cabe ao Tribunal a quo explicitar, de forma clara, pormenorizada e exaustiva, todas as nuances envolvidas, ao passo que é dever da parte recorrente identificá-las e transcrevê-las, a fim de que esta Corte as possa examinar à luz dos pressupostos legais da responsabilidade civil. No caso concreto, basta uma rápida leitura da decisão recorrida para que se identifique um substrato fático que o recorrente deixou de destacar e que possui indiscutível relevância para a análise da controvérsia. Note-se que não foi reproduzido o trecho em que a Corte Regional transcreveu o relatório da CIPA e do SESMT, no qual é possível verificar a causa mais provável do acidente que vitimou o de cujus. A aparente imprudência do empregado, que presumivelmente não teria mantido a distância de segurança do veículo que transitava à sua frente, certamente seria levada em consideração por este Colegiado como uma possível excludente do nexo de causalidade, de modo a afastar a teoria do risco defendida pelos autores. O Recurso de Revista esbarra no óbice estritamente formal do artigo 896, §1.º-A, da CLT. Recurso de revista não conhecido.

Com o trânsito em julgado da v. decisão de mérito, a autora propõe ação rescisória. Alega, em síntese, que a houve violação literal da ‘Súmula n. 932 do STF’, do artigo 193 da CLT e do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

Pois bem.

Em primeiro lugar, pontuo que, conquanto se refira à ‘Súmula n. 932 do STF’, a pretensão desconstitutiva se alicerça em possível violação da tese de repercussão geral fixada pelo E. STF, ao analisar o Tema n. 932.

Passo à análise.

No que tange à alegada violação do artigo 193 da CLT, verifico que o de cujus não percebia adicional de periculosidade. A verba nem sequer foi postulada na r. ação originária.

Dessa maneira, o pleito de corte rescisório, neste ponto, encontra obstáculo no entendimento consolidado na Súmula n. 298, I e II, do C. TST, in verbis :

AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A DISPOSIÇÃO DE LEI. PRONUNCIAMENTO EXPLÍCITO (Redação alterada pelo Tribunal Pleno na sessão realizada em 6.2.2012) - Res. 177/2012, DEJT divulgado em 13, 14 e 15.02.2012

I - A conclusão acerca da ocorrência de violação literal a disposição de lei pressupõe pronunciamento explícito, na sentença rescindenda, sobre a matéria veiculada.

II - O pronunciamento explícito exigido em ação rescisória diz respeito à matéria e ao enfoque específico da tese debatida na ação, e não, necessariamente, ao dispositivo legal tido por violado. Basta que o conteúdo da norma reputada violada haja sido abordado na decisão rescindenda para que se considere preenchido o pressuposto.

A pretensão desconstitutiva calcada na alegada violação da tese definida pelo E. STF ao apreciar o Tema n. 932 de repercussão geral (e por consequente violação do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil), também não prospera.

De plano, observo que a Suprema Corte fixou a tese em 12.03.2020 (e o acórdão foi publicado em 26.06.2020 (leading case RE 828040). O acórdão rescindendo foi prolatado em 12.09.2017.

O aspecto temporal já coloca sensível dúvida quanto à possibilidade de corte rescisório fundado na alegação de violação da norma jurídica.

A par de tal ponderação, transcrevo a tese fixada pelo E. STF (Tema n. 932):

‘O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7.º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.’

O E. Supremo Tribunal Federal reputou constitucional o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil e fixou a tese de que é possível a responsabilidade objetiva do empregador, por danos decorrentes de acidente de trabalho, nos casos especificados em lei ou quando a o labor desempenhado revelar exposição habitual a risco acentuado.

A v. decisão rescindenda não negou a possibilidade de atribuição de responsabilidade objetiva- e, por consequência, não negou vigência ao artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

Na verdade, o acórdão rescindendo, ao analisar o arcabouço fático-probatório, concluiu que a atividade desempenhada pelo de cujus (motorista de transporte rodoviário) não era de risco elevado.

Ao concluir pela impossibilidade de atribuição de responsabilidade objetiva ao empregador (por não considerar que a atividade laboral compreendia risco acentuado), a v. decisão rescindenda não afrontou o dispositivo legal apontado (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil), tampouco a tese de repercussão geral invocada (Tema 932).

A v. decisão apenas, diante do substrato fático, entendeu que a atividade desempenhada pelo autor não se subsumia à hipótese normativa do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

Ocorre que a pretensão desconstitutiva, fundada na alegada violação de norma jurídica, não autoriza a reapreciação dos aspectos fáticos, conforme o entendimento consolidado na Súmula n. 410 do C. TST, in verbis :

AÇÃO RESCISÓRIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE (conversão da Orientação Jurisprudencial n.º 109 da SBDI-2) - Res. 137/2005 DJ 22, 23 e 24.08.2005

A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda. (ex-OJ n.º 109 da SBDI-2 - DJ 29.04.2003)

Para que esta C. Seção Especializada pudesse analisar a tese de que o motorista que labora com transporte rodoviário de carga não perigosa exerce (ou não) atividade de risco, necessário seria a reapreciação do substrato fático - o que não se admite em via rescisória calcada em alegação de afronta a norma jurídica.

Mas não é só.

O acórdão rescindendo concluiu pela culpa exclusiva da vítima - o que também afasta a responsabilização objetiva do empregador, conforme vem decidindo o C. TST:

‘AGRAVO. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.467/2017. ACIDENTE DO TRABALHO. MOTORISTA DE CAMINHÃO RODOVIÁRIO. ATIVIDADE DE RISCO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. 1. Caso em que o Tribunal Regional, com amparo nas provas dos autos, registrou que, ‘ conforme informações colhidas pela Polícia Rodoviária Federal (id. 7f73bee), no dia 18-11-2016, por volta das 14 horas, o empregado falecido, quando dirigia o caminhão de propriedade da ré (Caminhão SCANIA/T 113 H 4X2 360, placas MDM-9190), na BR 135, km 625, perdeu o controle da direção do veículo, vindo a colidir com outro caminhão que seguia no sentido contrário. Ainda, conforme relatórios de rastreamento do veículo (id. 23578b7), é possível verificar que o autor permaneceu desde 14-11-2016 na cidade de Várzea da Palma/MG, sem viajar, e que a viagem do dia do acidente iniciou a viagem somente às 11h30min, tendo o evento ocorrido por volta das 14h25min .’. Consignou que o caminhão guiado pelo autor estava em bom estado de conservação, não apresentando defeitos. Ressaltou que ‘ os relatórios de rastreamento do veículo indicam que o autor usufruiu os descansos devidos, sendo que estava havia 4 dias sem viajar e que, no dia do infortúnio, estava dirigindo havia apenas 40 minutos desde o último intervalo. (...) os relatórios indicam, ainda, que o trabalhador ultrapassou a velocidade permitida em várias oportunidades ‘. Destacou que o trabalhador ‘ invadiu a pista contrária sem motivo ‘. Manteve a sentença, na qual julgadas improcedentes as pretensões indenizatórias, afastando a responsabilidade objetiva da empresa e concluindo que restou ‘ configurada a culpa exclusiva da vítima no acidente de trabalho ocorrido ‘. 2. A insuficiência da teoria da culpabilidade para dar solução aos inúmeros casos de vítimas de acidentes levou à criação da teoria do risco, segundo a qual o dono do negócio é o responsável por riscos ou perigos que sua atividade promova, ainda que empregue toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado. Em sendo o empregador responsável pela organização da atividade produtiva, beneficiando-se do lucro do empreendimento, nada mais razoável e justo do que lhe imputar a responsabilidade pelo ressarcimento ao obreiro dos danos decorrentes de sua exposição ao foco de risco. 3. Ressalta-se que a jurisprudência trabalhista tem autorizado o reconhecimento de risco expressivo na atividade de motorista de caminhão que trafega em rodovias, capaz de acionar a cláusula objetiva da responsabilidade. 4. Nada obstante, podem existir situações em que, mesmo em se cuidando de atividade empresarial gravada com risco diferenciado, a motivação dos protagonistas ou mesmo a forma como os eventos se sucederam podem levar à ruptura do nexo entre o acidente e a atividade empresarial, elidindo o dever de reparar. São hipóteses em que o evento gerador do dano não guarda relação direta ou indireta com a atividade empresarial explorada, configurado fortuito externo. 5. Ainda, a culpa exclusiva da vítima é fator excludente da responsabilidade objetiva, não podendo ser considerada parte inerente aos riscos do negócio a conduta imprudente ou negligente do motorista, antes traduzindo evento singular, suficiente para afastar a responsabilidade do empregador pelo infortúnio causado. 6. No caso presente, a partir das premissas fáticas consignadas pelo Tribunal Regional, insuscetíveis de reexame nesta instância extraordinária, ante o óbice da Súmula 126 do TST, permitem a conclusão de que o acidente não decorreu do risco da atividade exercida, mas da atuação negligente e imprudente do trabalhador, o que afasta o nexo de causalidade e, por consequência, a responsabilidade objetiva do empregador. 7. Além disso, o único aresto paradigma válido para o confronto de teses, traz a premissa de que ‘ Diante dos riscos próprios da atividade econômica (art. 2.º da CLT) e dos riscos especiais e potenciais decorrentes do exercício da atividade de motorista de caminhão desempenhada em empresa de transporte (art. 927, § único, do CC), objetiva é a responsabilidade da empresa pelo acidente que vitimou o empregado, a ensejar a manutenção do dever de indenizar os prejuízos causados reconhecida na origem .’ É, portanto, inespecífico, pois apenas trata da responsabilidade objetiva da empresa por acidente causado a trabalhador nas mesmas circunstâncias do de cujos , sem consignar, contudo, a excludente da responsabilidade objetiva que, no caso, é a culpa exclusiva da vítima, motivo pelo qual incide o óbice da Súmula 296 do TST. Decisão monocrática mantida com acréscimo de fundamentação. Agravo não provido’ (Ag-RR-301-75.2017.5.12.0006, 5.ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 27/05/2022).

Dessa maneira, ainda que se admitisse o corte rescisório com base na pretensa atribuição de responsabilidade objetiva ao empregador, certo é que haveria necessidade de reexame fático no que tange à caracterização da culpa exclusiva da vítima.

Assim, uma vez mais a pretensão desconstitutiva encontraria obstáculo nos termos da Súmula n. 410 do C. TST.

Julgo improcedente a ação rescisória."

A recorrente, em suas razões recursais, reafirma a caracterização da hipótese de rescindibilidade invocada nestes autos, pugnando pela reforma do acórdão regional e pela procedência do pedido.

Passo a analisar.

A Ação Rescisória tem como objeto o acórdão do TRT que, em Recurso Ordinário, manteve a improcedência dos pedidos de indenizações dos danos moral e material causados pelo acidente do trabalho que vitimou fatalmente o companheiro da autora, Cézar Augusto Marques.

O acórdão rescindendo está assim fundamentado:

"2. Acidente de trabalho - reparação de danos - responsabilidade:

Os recorrentes pretendem o reconhecimento de que o trabalhador falecido, vítima de acidente de trabalho, realizava atividade de risco. Como consequência também pretendem a responsabilização da empregadora e da tomadora de serviços por reparação de danos, na forma do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.

O trabalhador era empregado da primeira reclamada, Transpanorama Transportes Ltda., e exercia a função de motorista de caminhão, prestando serviços terceirizados contratados pela segunda reclamada, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Faleceu em 03/02/2015 ‘em virtude de septicemia, como complicação de traumatismo abdominal’ (exame necroscópico, de fls. 52) decorrente de acidente de trânsito durante o trabalho.

O trabalhador possuía habilitação categoria ‘E’ .

Conforme relatado no Boletim de Ocorrência de Acidente de Trânsito Rodoviário (fls. 53/57), o acidente ocorreu às 00h45 do dia 24/01/2015, na Rodovia Castelo Branco (SP 280), no município de Bofete SP. Colisão traseira: o veículo conduzido pelo trabalhador falecido, colidiu com a traseira de outro caminhão que transitava na mesma pista. As condições da pista e do acostamento eram boas; pista seca, sem obras, boa sinalização vertical e horizontal, e com boas condições de tempo. O caminhão era de 3 eixos, em bom estado, transportava produto não perigoso (carga postal) e o motorista usava cinto de segurança. A viagem iniciou em São Paulo SP e tinha por destino Bauru SP

Foi apurado que o trabalhador iniciou jornada no dia 23/01/2015 às 20h57, depois de período efetivo de descanso de 15h54; conduziu o caminhão por 23 minutos até o local de carregamento, onde permaneceu por 40 minutos; empreendeu viagem com destino a Bauru SP, conduzindo por 01h14; fez parada para abastecimento por 34 minutos; retomou viagem às 23h48, e percorreu 71 quilômetros até ocorrer o acidente às 00h45 do dia 24/01/2015 (fl. 288).

A CIPA e o SESMT investigaram o acidente (fl. 391). Relataram que o trabalhador

‘conduzia o veículo de cargas da empresa, vindo a colidir na traseira do veículo a sua frente em uma via de pista dupla, na Rod. SP 280, KM 177, não chovia no momento do acidente, o veículo estava em boas condições de uso, a pista é bem sinalizada, o motorista vinha de um período de descanso, a velocidade no momento do acidente era compatível com a via 90 km/h’ .

A velocidade média no trajeto foi de aproximadamente 75 Km/h, considerando a retomada da viagem às 23h48, percurso de 71 quilômetros e ocorrência do acidente às 24h45. Portanto, razoavelmente abaixo do limite de segurança estabelecido para aquela pista.

A CIPA e o SESMT também apuraram que

‘segundo informações constantes no boletim de acidentes emitido pela Polícia Rodoviária Federal, o acidente aconteceu em uma curva onde ocorreu a colisão traseira, existem evidências de frenagem na pista o que indica que o Sr. CEZAR AUGUSTO MARQUES não estava cochilando no momento do acidente, ele tentou frear e evitar a colisão traseira, o lado do motorista colidiu fortemente contra o veículo a frente o que indica que ele tentou tirar para o acostamento, devido a este fato, levantamos a hipótese de que no momento próximo ao acidente ele não conseguiu tirar o veículo para a outra pista, provavelmente vinha outro veículo ultrapassando-o, e o bloqueou impedindo que ele desviasse do veículo a frente.’

E concluíram pela seguinte causa do acidente:

‘Segundo informações constantes no boletim de ocorrência de acidente de trânsito emitido pela Polícia Militar do estado de São Paulo e de acordo com as evidências colhidas no local do acidente a hipótese mais provável do acidente é não manter a distância de segurança e não estar atento às condições do trânsito’ .

A análise do acidente, feita pela Polícia Rodoviária Federal, pela CIPA e pelo SESMT, demonstra ausência de culpa da empregadora e da tomadora de serviços. Essa ausência de culpa é corroborada pelo pedido dos autores, de responsabilização das empresas de forma objetiva pelo risco inerente à atividade desenvolvida.

A obrigação de reparação de danos independentemente de culpa, preconizada no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, diz respeito aos casos em que ‘a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem’ .

E assim não considero a atividade explorada pela empregadora, de transporte rodoviário de carga não perigosa, especificamente na parte em que era utilizado o labor do reclamante e em que ocorreu o acidente, pois comprovado que: o veículo utilizado pelo trabalhador falecido, se encontrava em perfeitas condições de uso; as condições da rodovia eram boas, bem como as condições climáticas; foi exigido pela empregadora, que o empregado observasse os procedimentos de segurança, mormente os relativos a descanso antes de empreender viagem e também durante sua realização, fato confirmado pelo depoimento das testemunhas inquiridas neste feito (fl. 655); considerando que o empregado possuía habilitação categoria ‘E’, tinha plena ciência da necessidade de manter distância mínima de segurança em relação a veículos que trafegavam no mesmo sentido à sua frente.

Não provejo."

Segundo alega a recorrente, o de cujus atuava como motorista de caminhão, contratado pela ré Transpanorama Transportes Ltda. para laborar em benefício da ré Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, sendo que o acidente do trabalho que o vitimou consistiu em acidente de trânsito ocorrido no exercício da função.

A recorrente alega, ainda, que a atividade de motorista de caminhão é classificada como atividade de risco, de modo a atrair a responsabilização objetiva do empregador, sendo que o acórdão rescindendo, ao não reconhecê-la, teria incidido em violação da Súmula n.º 932 do STF e aos artigos 2.º e 193 da CLT e 927, parágrafo único, do Código Civil.

Destacou-se que " as decisões dos tribunais têm concedido indenização por danos materiais, morais e estéticos a motoristas de caminhão em acidente de trânsito durante o trabalho por ser uma atividade de risco, em que se considera a Responsabilidade Objetiva, tornando irrelevante o exame da culpa do empregador, por violação do artigo 927, § único do Código Civil, c/c 2.º e artigo 193 da CLT " .

Apontou-se, também, que " os julgadores do Regional NÃO RECONHECERAM O RISCO INERENTE A ATIVIDADE DE MOTORISTA CAMINHONEIRO de transporte EXERCIDA PELO AUTOR ", para arrematar no sentido de que " o infortúnio sobrevier em atividade de risco, essa responsabilidade independe de culpa do empregador (parágrafo único do art. 927 do Código Civil), assim, pacificou-se o entendimento de que a parte final do art. 927 do Código Civil (atividade de risco) aplica-se à função de motorista, em razão da maior exposição a acidente automobilístico na estrada, configurando, portanto, a responsabilidade civil objetiva do empregador " .

Pois bem.

Inicialmente, registro que a pretensão de corte calcada no inciso VII do art. 966 do CPC de 2015, suscitada nas razões recursais, constitui nítida inovação da lide, merecendo reproche de plano diante do óbice promanado dos arts. 141 e 492 do CPC/2015 .

Também o pleito desconstitutivo calcado na alegação de violação da Súmula n.º 932 do STF deve ser rechaçado, uma vez que não existe tal enunciado na Súmula da jurisprudência da Suprema Corte. Muito embora possa se inferir, pelos termos da discussão empreendida na petição inicial, que a recorrente teria pretendido fazer menção ao Tema n.º 932 da Tabela de Repercussão Geral do STF, que trata da possibilidade de responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes do trabalho, impõe-se na hipótese a aplicação da diretriz contida na parte final da Súmula n.º 408 desta Corte Superior, segundo a qual " fundando-se a ação rescisória no art. 966, inciso V, do CPC de 2015 (art. 485, inciso V, do CPC de 1973), é indispensável expressa indicação, na petição inicial da ação rescisória, da norma jurídica manifestamente violada (dispositivo legal violado sob o CPC de 1973), por se tratar de causa de pedir da rescisória, não se aplicando, no caso, o princípio ‘iura novit curia’ ", considerando-se que a pretensão rescisória veio calcada exclusivamente no inciso V do art. 966 do CPC de 2015.

Mas ainda que assim não fosse, vale destacar que o julgamento do RE n.º 828.040, em que se firmou a tese jurídica encerrada no Tema n.º 932, ocorreu em 12/3/2020, após o trânsito em julgado do acórdão rescindendo, ocorrido em 18/10/2019 (cf. fls. 94-e do PDF), donde resulta a conclusão de que a violação apontada revelar-se-ia inexistente; o pedido rescisório seria passível de exame caso viesse amparado na hipótese prevista no § 15 do artigo 525 do CPC de 2015, o que não ocorreu na espécie.

Tampouco prospera a pretensão de corte com amparo na alegação de violação do art. 193 da CLT, uma vez que o referido dispositivo celetista não guarda pertinência temática com o que se decidiu no acórdão rescindendo – não se discutiu, em grau recursal, o direito do de cujus ao adicional de periculosidade.

Como corolário, incide, nesse enfoque, a compreensão depositada em torno dos itens I e II da Súmula n.º 298 desta Corte.

Não vislumbro violação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil na espécie, uma vez que o referido dispositivo não classifica expressamente a atividade de motorista de caminhão como atividade capaz de, por sua natureza, gerar riscos para outrem; a decisão rescindenda consigna, a partir dos fatos e provas analisados na ação trabalhista subjacente, que a atividade desempenhada pelo de cujus não se classificava como atividade de risco para os fins previstos no dispositivo civil.

Além disso, sobreleva destacar que o acórdão rescindendo também indica que o acidente fatal teria ocorrido por culpa exclusiva da vítima, ao consignar, com base nas investigações levadas a cabo pela CIPA e pelo SESMT, que , " Segundo informações constantes no boletim de ocorrência de acidente de trânsito emitido pela Polícia Militar do estado de São Paulo e de acordo com as evidências colhidas no local do acidente a hipótese mais provável do acidente é não manter a distância de segurança e não estar atento às condições do trânsito ". E a culpa exclusiva da vítima, como se sabe, constitui excludente da responsabilidade objetiva, ainda que se trate de atividade de risco.

Assim, para se admitir a aplicabilidade do disposto no parágrafo único do art. 927 do Código Civil ao caso, faz-se necessário revisitar os fatos e provas do feito primitivo, providência que esbarra no óbice da Súmula n.º 410 deste Tribunal:

"AÇÃO RESCISÓRIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE.

A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda." (ex-OJ n.º 109 da SBDI-2 - DJ 29.04.2003).

Por fim, não há violação do art. 2.º da CLT, que trata exclusivamente dos riscos da atividade econômica, assim compreendidos como sendo os riscos inerentes aos resultados obtidos pela exploração de atividade empresarial, cuja finalidade precípua é o lucro, não se confundindo com a responsabilização por acidente sofrido pelo trabalhador, cujo fundamento repousa no proveito ( rectius , alheamento) obtido sobre o produto do labor.

Assim, com amparo em tais fundamentos, é forçoso concluir não configurada a hipótese de rescindibilidade invocada nestes autos, motivo por que mantenho o acórdão regional e nego provimento ao Recurso.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do Recurso Ordinário e, no mérito, por maioria, vencidas a Exma. Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa e a Exma. Ministra Liana Chaib, negar-lhe provimento.

Brasília, 10 de setembro de 2024.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

LUIZ JOSÉ DEZENA DA SILVA

Ministro Relator