A C Ó R D Ã O
4ª Turma
GMMCP/mdom/fpl/dd
RECURSO DE REVISTA DO SÓCIO EXECUTADO (SR. CLAUDIO JOSÉ DE ALMEIDA) INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 – EXECUÇÃO – PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO TEMPORAL – TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA
1. Esta Eg. Corte Especializada consolidou jurisprudência no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família, por ser questão de ordem pública, não preclui pelo decurso do tempo, podendo ser arguida em qualquer grau de jurisdição, inclusive na execução.
2. O Eg. Tribunal a quo , a despeito de instado por Embargos de Declaração, não se manifestou sobre a impenhorabilidade do bem de família, fundamentando que a matéria estava preclusa. Incorreu, portanto, em nulidade por negativa de prestação jurisdicional. Prejudicado o exame dos temas remanescentes.
Recurso de Revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-11407-39.2015.5.03.0011 , em que é Recorrente CLÁUDIO JOSÉ DE ALMEIDA e são Recorridos EDUARDO LEITE ALMEIDA, HELCIO ANTONIO DE FREITAS CIRILO, OPPLY PRODUTOS E SERVIÇOS DE TECNOLOGIA LTDA. e RODRIGO VIOTTI MARQUES GOMES.
O Eg. TRT, em acórdão às fls. 1.010/1.013, complementado pelo de fls. 1.023/1.025, deu provimento parcial ao Agravo de Petição do Exequente.
O Sócio Executado (sr. CLÁUDIO JOSÉ DE ALMEIDA) interpõe Recurso de Revista às fls. 719/732.
A decisão de admissibilidade de fls. 1.180/1.182 admitiu parcialmente o recurso.
Sem contraminuta ou contrarrazões.
Dispensada a remessa dos autos ao D. Ministério Público do Trabalho, nos termos regimentais.
É o relatório.
V O T O
REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE
Presentes os requisitos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame dos intrínsecos.
PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO TEMPORAL
a) Conhecimento
O Eg. TRT, no que interessa, determinou a penhora de imóvel, “ relativamente à cota-parte do executado Cláudio José de Almeida ” (fl. 1.012), nos seguintes termos:
“PENHORA DE IMÓVEL COM RESTRIÇÕES
O exequente requer a reforma do julgado para que seja autorizado o gravame sobre o imóvel que indica, alegando que a existência de diversas restrições gravadas na certidão do imóvel não impede a determinação de gravação de indisponibilidade do imóvel em decorrência da presente execução.
O juízo da execução assim se manifestou (fl. 978):
"Indefiro o pedido de penhora do imóvel de id. dd8e4bc (m. 4270) devido às diversas restrições gravadas no imóvel."
Em realidade, ao exame da certidão de fl. 963/970, observo que fração do imóvel foi destinada aos executados Cláudio José de Almeida e Eduardo Leite de Almeida, em virtude de herança . A cota-parte que coube ao executado Eduardo Leite de Almeida foi penhorada e já arrematada . No entanto, não há registro de indisponibilidade ou penhora relativamente à cota-parte do executado Cláudio José de Almeida .
Assim, provejo o apelo para autorizar a aposição de gravame sobre o bem imóvel, relativamente à cota-parte do executado Cláudio José de Almeida ” (fl. 1.012 – destaques no original e acrescidos)
A Corte de origem, no que importa, complementou o acórdão, e fundamentou que “ a alegação de suposto bem de família não foi deduzida nos autos ” (fl. 1.024), aos seguintes fundamentos:
“Os embargantes argumentam que o acórdão recorrido apresenta omissão, porque dele nada consta acerca de alegada condição de bem de família do imóvel penhorado, pois seria de moradia do réu Cláudio e de seus irmãos. Afirmam também que houve contradição, na medida em que a existência de propriedade de cota-parte de outro imóvel localizado em Andrelândia - MG seria condição suficiente a não reduzir os executados à insolvência, pelo que a doação não onerosa dos imóveis localizados em Belo Horizonte não seria fraude.
Aos embargantes não assiste razão.
Observa-se que a alegação de suposto bem de família não foi deduzida nos autos , na medida em que os executados sequer se apresentaram aos autos para oferecer contraminuta ao agravo de petição interposto pelo autor . Assim, não podem alegar omissão.
De igual forma, a alegada contradição nada mais é do que tentativa de rediscutir o mérito de questão não suscitada anteriormente em sede de contraminuta, a qual, reforça-se, não foi oferecida nos autos.
Se os embargantes se irresignam com a decisão proferida, devem se valer da medida processual adequada, não de embargos de declaração.
Nego provimento” (fls. 1.023/1.025 – destaques acrescidos)
No Recurso de Revista, o Sócio Executado suscita nulidade do acórdão regional do Eg. TRT por negativa de prestação jurisdicional, ao argumento de que para o Eg. TRT a impenhorabilidade do bem de família “ não precisa ser arguida na resposta ao recurso ” (fl. 1.040). Defende que a matéria é de ordem pública e pode ser impugnada “ em sede de embargos de declaração ” (fl. 1.035). Invoca os artigos 1º, II e IV, 5º, II, XXII, LIV e LV, 6º, 7º, X, 93, IX, 226 e 227 da Constituição da República; 141, 492, parágrafo único, 789, 792, IV, do CPC; 1.711 e 1.722 do Código Civil; e 1º, 3º e 5º da Lei nº 8.009/1990; as Súmulas nos 296 e 297 do TST; as Súmulas nos 364 e 375 do STJ; o Tema Repetitivo nº 1.091 do STF; o Tema de Repercussão Geral nº 1.127 do STF; e os Recursos Especiais nos 1.405.191 e 1.926.646 do STJ. Colaciona arestos.
Esta Eg. Corte Especializada consolidou jurisprudência no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família, por ser questão de ordem pública, não preclui pelo decurso do tempo, podendo ser arguida em qualquer grau de jurisdição, inclusive na execução. Nesse sentido, precedentes do Eg. TST:
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA INTERPOSTO PELAS PARTES IMPETRANTES. ATO DITO COATOR PRATICADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. EXECUÇÃO. ATO COATOR CONSUBSTANCIADO NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO DE PETIÇÃO. MANUTENÇÃO DA PENHORA SOBRE O IMÓVEL NÃO CONSIDERADO BEM DE FAMÍLIA. NÃO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA. EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO. APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 92 DA SBDI-II E DA SÚMULA 267 DO STF. DECISÃO RECORRIDA MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. (...) IV. Não assiste razão a parte recorrente, uma vez que, do acórdão proferido em agravo de petição, na ação matriz, cabe recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho. Desse modo, existindo no ordenamento jurídico recurso imediato, com aptidão para sustar os efeitos do ato coator, mediante pedido de concessão de efeito suspensivo, não cabe mandado de segurança, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 12.016/09, da OJ nº 92 da SBDI-II do TST e da súmula nº 267 do STF. Nesse sentido, manifestou-se a jurisprudência da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais em recente precedente, alusivo ao ROT-68-64.2020.5.13.0000, de Relatoria do Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, publicado no DEJT em 01/10/2021. E não se diga que a recorribilidade por meio do recurso de revista não encontra guarida na jurisprudência, pois há diversos julgados de Turma desta Corte Superior conhecendo e provendo recursos de revista, dispondo, em síntese, que o bem de família constitui matéria de ordem pública, podendo ser arguida a qualquer tempo, até o fim da execução, por meio, inclusive, de mera petição, por não estar aludida matéria sujeita à preclusão . Nesse sentido RR-47700-76.2003.5.01.0013, da 5ª Turma, de Relatoria da Ministra Maria Helena Mallmann, publicado no DEJT em 19/08/2016; RR-100-12.2007.5.12.0046, da 2ª Turma, de Relatoria do Ministro Renato de Lacerda Paiva, publicado no DEJT em 12/02/2016 e por fim; RR-80600-69.1991.5.04.0007, da 5ª Turma, de Relatoria do Desembargador Convocado Joao Pedro Silvestrin, publicado no DEJT em 19/12/2019. V. Nesse contexto mantém-se a decisão que extinguiu o processo sem resolução de mérito e denegou a segurança, por fundamento diverso, qual seja, a existência de recurso de revista com aptidão para sustar os efeitos do ato atacado, uma vez que nele poderia ser formulado pedido de concessão de efeito suspensivo. VI. Recurso ordinário de que se conhece e a que se nega provimento" (ROT-1046-79.2020.5.08.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Evandro Pereira Valadão Lopes, DEJT 24/4/2023 – destaques acrescidos).
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA DO EXEQUENTE OPOSTOS NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. ÚNICA PROPRIEDADE DO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE (OMISSÃO NÃO CONFIGURADA). 1. No caso, o reconhecimento da impenhorabilidade do bem se deu ante a demonstração de que o imóvel penhorado era o único de propriedade do executado, não havendo ainda, em se falar em extemporaneidade da invocação da proteção legal do bem de família pela Parte executada, eis que a qualquer tempo pode ser arguida e demonstrada essa condição, nos termos da Lei 8.009/90 . 2 . A decisão embargada adotou tese explícita acerca da matéria discutida, com o enfrentamento dos pontos objeto de fundamentação do recurso. Inexistentes, pois, os vícios dos artigos 897-A da CLT , e 1.022 do CPC/2015 . Embargos de declaração não providos" (ED-RR-12900-20.2000.5.02.0071, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes, DEJT 16/5/2022 – destaques acrescidos).
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA PREJUDICADA. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. COISA JULGADA. PRECLUSÃO. INOCORRÊNCIA. A decisão regional está em plena sintonia com o entendimento consolidado desta Corte Superior no sentido de que a nulidade da penhora que recai sobre o bem de família pode ser alegada em qualquer momento, até mesmo por simples petição, porquanto se trata de nulidade absoluta, sem que se possa falar em preclusão, podendo ser apreciada, inclusive, de ofício. Precedentes do TST e do STJ. Assim, a alegação de existência de bem de família, para fins de impenhorabilidade, por se tratar de questão de ordem pública, não é passível de preclusão, podendo ser arguida enquanto não exaurida a execução, caso dos autos . Não ficou demonstrado o desacerto da decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento. Agravo não provido, sem incidência de multa, ante os esclarecimentos prestados" (Ag-AIRR-32500-11.2005.5.18.0102, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 18/2/2022 – destaques acrescidos).
"(...) II - RECURSO DE REVISTA DO EXECUTADO - EXECUÇÃO - BEM DE FAMÍLIA - IMPENHORABILIDADE - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO TEMPORAL Esta Eg. Corte Superior consolidou jurisprudência no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família, por ser questão de ordem pública, não preclui pelo decurso do tempo , podendo ser arguida em qualquer grau de jurisdição, até a arrematação. Precedentes do TST e STJ. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido" (ARR-10288-14.2014.5.03.0129, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 5/11/2018 – destaques acrescidos).
Ainda, mutatis mutandis , cito o seguinte julgado da 4ª Turma do TST:
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. FASE DE EXECUÇÃO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. 1. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. DECISÃO ANTERIOR TRANSITADA EM JULGADA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE DENEGA SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO . I. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos, mantendo-se a intranscendência, por não atender aos parâmetros legais (político, jurídico, social e econômico). II. A matéria referente ao bem de família foi objeto de decisão judicial anterior transitada em julgado. Conquanto a jurisprudência desta Corte Superior seja no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família se trate de matéria de ordem pública, podendo ser alegada a qualquer tempo e instância, inclusive por simples petição até o fim da execução , no caso dos autos, o tema já foi objeto de exame pelo Tribunal Regional e por esta Turma do TST em acórdão anterior transitado em julgado. Dessa forma, não há como prosperar a pretendida relativização da coisa julgada, pois, transitada em julgado a decisão em que se julgou improcedente o pedido de declaração de impenhorabilidade do imóvel residencial, operou-se a preclusão consumativa, sendo vedado à executada discutir novamente no curso do mesmo processo a questão. Precedentes. II. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento, com aplicação da multa de 1% sobre o valor da causa atualizado, em favor da parte Agravada ex adversa , com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015" (Ag-AIRR-894-87.2016.5.06.0271, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/5/2024 - destaquei).
Nesse contexto, o acórdão do Eg. TRT, ao decidir que a impenhorabilidade do bem de família (matéria de ordem pública) estava preclusa, está em desconformidade com a jurisprudência do Eg. TST, motivo pelo qual reconheço a transcendência política da causa.
Conheço , por violação ao artigo 93, IX, da Constituição da República.
b) Mérito
Conhecido o Recurso de Revista por violação à norma da Constituição da República, dou -lhe provimento para declarar a nulidade do acórdão que julgou os Embargos de Declaração, por negativa de prestação jurisdicional, e determinar o retorno dos autos à Eg. Corte de origem a fim de que se manifeste sobre a arguição de impenhorabilidade do bem de família apresentada na petição de id 77fe33b. Prejudicado o exame dos temas remanescentes.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista do Sócio Executado, por violação ao artigo 93, IX, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhe provimento para declarar a nulidade do acórdão que julgou os Embargos de Declaração, por negativa de prestação jurisdicional, e determinar o retorno dos autos à Eg. Corte de origem a fim de que se manifeste sobre a arguição de impenhorabilidade do bem de família apresentada na petição de id 77fe33b. Prejudicado o exame dos temas remanescentes.
Brasília, 15 de outubro de 2024.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi
Ministra Relatora