A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/rdc/atp/sp/pp

REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. TRANSPORTE DE VALORES. EMPREGADO NÃO ESPECIALIZADO. DANO MORAL IN RE IPSA . REPARAÇÃO CIVIL CARACTERIZADA. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1 indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: Definir se a conduta da empresa não pertencente ao ramo financeiro, de sujeitar trabalhador não especializado em segurança ao transporte de numerário, enseja a condenação em danos morais? Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: O transporte de valores por trabalhador não especializado configura situação de risco a ensejar reparação civil por dano moral in re ipsa, independentemente da atividade econômica do empregador.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR - 0011574-55.2023.5.18.0012 , em que é RECORRENTE MICIMARIO DELMONDES PAZ e é RECORRIDO CERVEJARIA PETROPOLIS S/A - EM RECUPERACAO JUDICIAL .

O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito turmas e na Subseção 1 de Dissídios Individuais do TST , ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.

A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.

Apresentada, portanto, proposta pela afetação do processo RR - 0011574-55.2023.5.18.0012 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 131-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

A submissão de empregado não especializado em segurança a transporte de valores acarreta exposição ilícita a alto grau de risco e enseja a responsabilização por dano moral, independentemente de prova do abalo emocional sofrido e da atividade econômica empresarial exercida?

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. É essencial para que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda – que saltou de 430.850 processos recebidos em 2023, para 530.021 processos em 2024, a despeito de reiterados recordes de produtividade. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”

Compete ao Presidente do Tribunal “indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal”.

Quanto à multiplicidade da discussão de tal questão no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentada, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST a partir dos termos “transporte de valores” e “dano moral” revelou, para os últimos 12 meses, 119 acórdãos e 1.305 decisões monocráticas sobre a questão jurídica em exame.

Já quanto à relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema, esta se dá justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.

Quanto à posição do Tribunal Superior do Trabalho , esta pode ser sintetizada no sentido de que a conduta patronal de exigir do trabalhador não especializado em segurança o transporte de valores acarreta exposição à situação de risco e configura ato ilícito a justificar a reparação por danos morais, sem necessidade de prova do abalo psicológico sofrido, sendo a indenização devida, inclusive, no caso de empresas de setor econômico diverso do financeiro.

Em tal sentido os seguintes exemplos de todas as suas Turmas:

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE VALORES. EMPREGADO NÃO HABILITADO. EMPRESA DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS. EXPOSIÇÃO INDEVIDA À SITUAÇÃO DE RISCO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA DA CAUSA RECONHECIDA. 1. O Tribunal Regional constatou que o Reclamante, que não é habilitado, realizava transporte de valores, contudo entendeu que “somente nos casos em que o valor transportado for superior a 7.000 (sete mil) UFIR's, é que a empregadora deverá providenciar o cumprimento das diretrizes estabelecidas na Lei nº 7.102/83, sob pena de caracterizar dano moral“. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a conduta do empregador de exigir do empregado o desempenho de atividade diversa da que foi contratado - qual seja - o transporte de valores -, expondo-o a situação de risco, dá azo ao pagamento de indenização por dano moral. 3. Trata-se, de acordo com a jurisprudência pacificada pela SBDI-1/TST, de dano moral in re ipsa , que prescinde de comprovação, decorrendo do próprio ato lesivo praticado. 4. Nesse contexto, impõe-se conhecer do Recurso de Revista, por violação do artigo, 5º, X, da Constituição da República e, no mérito, dar-lhe provimento para, restabelecendo a sentença, condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Recurso de Revista conhecido e provido" (RR-0000493-80.2023.5.23.0106, 1ª Turma , Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 15/10/2024).

"(...)

III - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE VALORES. MOTORISTA ENTREGADOR. CARACTERIZAÇÃO. Na hipótese, o Tribunal Regional, reformando a sentença, afastou da condenação da reclamada a indenização por danos morais em razão do transporte de valores pelo fundamento de que o autor, na função de motorista de entregas, não se expunha a potencial situação de risco. No entanto, sobre o tema, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que é ilícita a conduta do empregador de atribuir a empregado não submetido a treinamento específico o desempenho da atividade de transporte de numerário em razão da comercialização de produtos, o que enseja o dever de compensação por danos morais, em face da exposição do empregado a situação de risco. Em tais situações, o dano moral é in re ipsa , decorrente do próprio ato ilícito, sendo dispensável a prova do efetivo abalo emocional decorrente da exposição ao risco. Precedentes. No tocante ao quantum indenizatório, esta Segunda Turma, em casos semelhantes que tratam da exposição de trabalhador a risco decorrente do transporte inadequado de valores em empresas não bancárias, tem fixado o valor de R$ 3 0.000,00 (trinta mil reais). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RRAg-1693-30.2017.5.06.0002, 2ª Turma , Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 06/09/2024).

"RECURSO DE REVISTA. DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS. TRANSPORTE DE VALORES. SITUAÇÃO DE RISCO. AUSÊNCIA DE TREINAMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que atribuir ao empregado o transporte de valores, sem o devido treinamento específico, enseja a reparação pelos danos morais sofridos em decorrência da exposição indevida à situação de risco, configurada a conduta patronal ilícita e o nexo de causalidade. Precedentes da SbDI-I do TST e de todas as Turmas desta Corte Superior. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-681-29.2022.5.05.0003, 3ª Turma , Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 22/11/2024).

"RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE, INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 - RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPREGADORA - EMPRESA DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - AJUDANTE DE ENTREGA - TRANSPORTE DE VALORES - EMPREGADO NÃO HABILITADO - SITUAÇÃO DE RISCO - TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA 1. Esta Eg. Corte Superior entende ser ilícita a conduta da empresa que expõe o empregado a risco acentuado, decorrente da guarda do dinheiro recebido pelas vendas, e atribui a atividade de transporte de valores a ajudante de entregador sem a habilitação técnico-profissional para o desempenho habitual dessa atividade. Configurado o dano moral, a indenização é devida inclusive por empresas de setor econômico diverso do financeiro, à luz do artigo 10, § 4º, da Lei nº 7.102/1983, bem como em respeito à garantia do artigo 7º, inciso XXII, da Constituição da República. Recurso de Revista conhecido e provido" (RR-0000003-82.2023.5.05.0551, 4ª Turma , Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 23/08/2024).

"(...)

1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE VALORES. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. Situação em que restou incontroverso o transporte de valores sem o acompanhamento de profissionais especializados ou o treinamento do Reclamante para o exercício dessa atividade. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que configura dano moral a atribuição da função de transportar valores a empregado não enquadrado dos termos da Lei 7.102/83, na medida em que o expõe a grau de risco superior ao da atividade para a qual fora contratado, decorrente da exposição a perigo de assalto. Nesse cenário, a decisão regional no sentido de excluir da condenação a indenização por dano moral, ao fundamento de que não há danos morais em razão de transporte de valores, tendo em vista que a empresa não pode ser responsabilizada pela deficiência estatal em garantir a segurança pública, mostra-se dissonante da atual e notória jurisprudência desta Corte Superior e evidencia violação do art. 5º, X, da CF/88, restando, consequentemente, divisada a transcendência política do debate proposto. Recurso de revista conhecido e provido.

(...)" (RR-578-82.2021.5.08.0129, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 20/10/2023).

"(...)

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE DE VALORES. EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DIVERSA DAQUELA PARA A QUAL O EMPREGADO FOI CONTRATADO. EXPOSIÇÃO A RISCO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. Cinge-se a controvérsia em perquirir se a conduta da empresa em atribuir ao reclamante a obrigação de transportar valores, função diversa daquela para a qual fora contratado, enseja o pagamento de indenização por danos morais in re ipsa . A jurisprudência desta Corte superior tem firme entendimento no sentido de reconhecer que a mera conduta da empresa em atribuir aos seus empregados a atividade de transporte de valores, por configurar ato ilícito, dá ensejo à compensação por danos morais. Para tanto, considera-se o risco à integridade física inerente à função em exame e o desvio funcional perpetrado pelas empresas, que, em vez de contratarem pessoal especializado, utilizam-se de empregados comuns. Quanto à caracterização do dano moral, cumpre salientar que este prescinde da comprovação objetiva de dor, sofrimento ou abalo psicológico, especialmente diante da impossibilidade de sua comprovação material. Considera-se, assim, a ocorrência do dano in re ipsa . Portanto, a tese do Eg. TRT, no sentido de não reconhecer ao obreiro o direito à indenização por danos morais, porquanto se considerou legítima a conduta patronal de impor ao reclamante a realização de transporte e guarda de valores quando da entrega de suas mercadorias a clientes, contraria a jurisprudência dominante nesta Corte superior, resultando evidenciada, portanto, a transcendência política da causa e a necessidade de reforma da decisão recorrida. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e parcialmente provido." (RR-464-37.2016.5.06.0142, 6ª Turma , Relator Ministro Antonio Fabricio de Matos Goncalves, DEJT 06/12/2024).

"RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL. PUBLICAÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANSPORTE DE VALORES. AJUDANTE DE ENTREGAS. AUSÊNCIA DE QUALIFICAÇÃO PARA FUNÇÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. RECONHECIMENTO. I. Cabe a esta Corte Superior examinar, previamente, se a causa oferece transcendência, sob o prisma de quatro vetores taxativos (econômico, político, social e jurídico), que se desdobram em um rol de indicadores meramente exemplificativo, referidos nos incisos I a IV do art. 896-A da CLT. II. Observa-se, de plano, que o tema em apreço oferece transcendência política, pois, no caso vertente, a questão apresentada reflete, desse modo, potencial contrariedade à iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte Superior, ao excluir a condenação a indenização por dano moral decorrente do transporte de valores. III. Esta Corte Superior possui entendimento no sentido de que dá ensejo à indenização por danos morais a conduta do empregador de atribuir a empregado não submetido a treinamento específico o desempenho da atividade de transporte de numerário, em razão da exposição indevida do empregado a situação de risco. IV. No caso dos autos, extrai-se do acórdão que a parte reclamante, no exercício da atividade de ajudante de entregas, recebia e transportava valores sem qualquer tipo de treinamento ou proteção profissional, situação que o expunha a risco à integridade física e psicológica. Assim, ao entender indevida a indenização por dano moral, o Tribunal Regional decidiu em desacordo com a atual jurisprudencial desta Corte Superior. Anote-se que o fato de haver o transporte de quantias de pequeno valor não afasta o direito do empregado à indenização por dano moral, haja vista que, independente da quantia transportada, permanece o risco da atividade para a qual não foi contratado. V. Uma vez configurado o dano moral, considerando as circunstâncias do caso com suas peculiaridades, o bem jurídico ofendido e a capacidade financeira da parte reclamada, entende-se que a fixação da indenização por dano moral no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) atende os padrões da razoabilidade e da proporcionalidade. VI. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-710-05.2016.5.05.0031, 7ª Turma , Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 19/05/2023).

"I - AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - REGÊNCIA PELA LEI Nº 13.467/2017 - TRANSPORTE DE VALORES. EMPREGADO NÃO HABILITADO. DANO MORAL IN RE IPSA . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Constatado equívoco na decisão agravada, dá-se provimento ao agravo para determinar o processamento do agravo de instrumento. Agravo a que se dá provimento. II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - TRANSPORTE DE VALORES. EMPREGADO NÃO HABILITADO. DANO MORAL IN RE IPSA . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Constatada possível violação do artigo 186 do Código Civil, merece provimento o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento a que se dá provimento. III - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - TRANSPORTE DE VALORES. EMPREGADO NÃO HABILITADO. DANO MORAL IN RE IPSA . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O entendimento adotado pelo Regional contraria a atual jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual, configura ato ilícito a atribuição de atividade de transporte de valores a empregado sem habilitação específica para tal, em razão da exposição ao risco de violência, tratando-se de dano in re ipsa , prescindindo, assim, de prova dos prejuízos enfrentados pelo empregado. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-16522-29.2020.5.16.0003, 8ª Turma , Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 19/02/2024).

A c. SDI1, em decisão unânime, traz o mesmo entendimento:

"RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANSPORTE DE VALORES. 1. Consoante o entendimento desta Subseção Especializada, a conduta do empregador de atribuir ao seu empregado não submetido a treinamento específico o desempenho da atividade de transporte de numerário dá ensejo à compensação por danos morais, em virtude da exposição indevida a situação de risco, configurando-se a conduta patronal ilícita e o nexo de causalidade, sendo que o dano se configura em decorrência da exposição do trabalhador a risco potencial. 2. Dentro deste contexto, considerando que o acórdão turmário concluiu que o reclamante não fazia jus à indenização por dano moral postulada, não obstante transportasse numerário sem o respectivo treinamento, os presentes embargos logram êxito, no sentido de deferir ao embargante a pretendida indenização. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-ARR-1773-88.2014.5.20.0008, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais , Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 05/11/2021).

Ocorre que, após levantamento, verificou-se que há divergência nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se transcreve:

“INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANSPORTE DE VALORES.EMPRESA ATUANTE NO RAMO DE BEBIDAS. IMPOSSIBILIDADE. O transporte de valores pelo reclamante não enseja o pagamento de indenização por danos morais. Não há abuso no poder diretivo, cabendo salientar que a reclamada não é instituição financeira, que, por imposição legal (Lei nº 7.102/1983), deve fazer o transporte de valores por pessoal especializado. Recurso ordinário da primeira reclamada parcialmente provido.”   (TRT da 2ª Região ; Processo: 1000794-14.2023.5.02.0035; Data de assinatura: 07-11-2024; Órgão Julgador: 11ª Turma - Cadeira 4 - 11ª Turma; Relator(a): WALDIR DOS SANTOS FERRO)

“TRANSPORTE DE VALORES. IRRELEVÂNCIA DO VALOR TRANSPORTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - Diante da tese jurídica adotada pelo TRT da 5ª Região no julgamento do IRDR 0001797-79.2022.5.05.0000, ocorrido em 04/03/2024, por meio de sua SUBSEÇÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA, "É fato gerador de dano moral, in re ipsa , ainda que inerente à função contratada, a realização de transporte de numerário, seja qual for a quantia transportada, sempre que o(a) trabalhador(a) for vítima de violência decorrente do ato de transportar ou quando a circunstância do caso concreto evidencie razoável probabilidade de que sofra ato atentatório a sua integridade física ou mental, gerando sensação concreta de ameaça. Essa tese não trata dos(as) trabalhadores(as) das empresas de transporte de valores submetidos aos ditames da Lei n. 7.102/83". NEGADO PROVIMENTO ao recurso do reclamante. PROVIDO o recurso da reclamada.” ( TRT da 5ª Região ; Processo: 0000356-18.2023.5.05.0036; Data de assinatura: 30-10-2024; Órgão Julgador: Gab. Des. Marco Antônio de Carvalho Valverde Filho - Terceira Turma; Relator(a): MARCO ANTONIO DE CARVALHO VALVERDE FILHO)

“RECURSO ORDINÁRIO. TRANSPORTE DE VALORES. DANO MORAL NÃO EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A QUANTIA TRANSPORTADA ERA SUPERIOR A 7.000 UFIRs. Conforme entendimento sedimentado por este Tribunal nos autos da Ação Civil Pública n.º 0000067-41.2018.5.23.0107, para o transporte de valores superiores a 7.000 (sete mil) UFIR's, cabe ao empregador providenciar o cumprimento das diretrizes estabelecidas na Lei n.º 7.102/83, sob pena de caracterização de dano moral in re ipsa . Nada obstante, não se desvencilhando o obreiro de comprovar que o transporte realizado superava aludido patamar, o dano moral precisará ser demonstrado (art. 818 da CLT), a fim de ensejar a respectiva indenização. Assim, sendo a importância transportada inferior a 7.000 UFIR's e, não havendo o autor se desincumbido do ônus de comprovar que a atividade realizada acarretou gravame à sua integridade física ou emocional, impõe-se dar provimento ao apelo patronal para afastar da condenação a indenização postulada.” ( TRT da 23ª Região ; Processo: 0000143-13.2023.5.23.0003; Data de assinatura: 26-09-2024; Órgão Julgador: Gab. Des. Eliney Bezerra Veloso - 1ª Turma; Relator(a): ELINEY BEZERRA VELOSO)

O representativo definido para alçar o tema a debate, que cumpre os requisitos para ensejar o exame de mérito do tema, também evidencia dissenso em relação à posição do TST, sendo que a questão trazida se encontra definida de modo diverso deste c. TST pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região.

No caso, o TRT da 18ª Região, ao reformar a sentença de origem, excluiu a indenização por danos morais pelo transporte de valores por considerar que, além de a atividade não ser de risco, não era exercida com habitualidade e o valor transportado não era considerado vultoso.

O recurso de revista interposto pelo reclamante foi admitido por violação do art. 5º, X, da Constituição Federal.

Dessa forma, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso reconhecer a necessidade de uniformizar a matéria, por meio do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência do c. TST.

Nos termos do §5º do art. 132-A do Regimento Interno, procede-se à reafirmação da jurisprudência desta c. Corte:

Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.

Como já mencionado supra, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que a conduta do empregador de submeter o trabalhador não especializado em segurança a transporte de valores configura ato ilícito e enseja a reparação pelos danos morais sofridos em decorrência da exposição indevida à situação de risco, conforme precedentes de todas as suas Turmas, assim como da SBDI-1, já transcritos acima.

Observa-se, também, que, uma vez provada a realização do transporte de numerário sem condições adequadas de segurança e sem ter o empregado recebido o treinamento específico para a situação, presume-se ter havido abalo emocional em consequência da tensão psicológica inerente à atividade.

Vale registrar, ainda, que esta Corte entende ser devida a compensação por danos morais aos trabalhadores de empresas de setor econômico diverso do financeiro.

Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada no julgamento da SBDI-1 transcrito acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:

O transporte de valores por trabalhador não especializado configura situação de risco a ensejar reparação civil por dano moral in re ipsa , independentemente da atividade econômica do empregador.

Quanto ao recurso de revista, no tópico afetado, dele conheço por divergência jurisprudencial.

No mérito, dou-lhe provimento para aplicar a tese ora reafirmada para restabelecer a sentença que condenou a ré ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: O transporte de valores por trabalhador não especializado configura situação de risco a ensejar reparação civil por dano moral in re ipsa, independentemente da atividade econômica do empregador. II – Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por violação do art. 5º, X, da Constituição Federal e por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada para restabelecer a sentença que condenou a ré ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). III – Determinar a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.

Brasília, de de

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST