A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
JOD/rla/jc
PRECATÓRIO. INTERVENÇÃO FEDERAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL.
1. Guarda plena conformidade à Lei e à Constituição Federal acórdão regional que, ante o descumprimento de ordem judicial de pagamento em sede de precatório, no prazo próprio, deflagra o encaminhamento de documentos ao Tribunal Superior do Trabalho para o processamento de pedido de intervenção federal. Em tese, a situação amolda-se perfeitamente ao que estatui o art. 34, inciso VI, da Carta Magna.
2. Trata-se, inclusive, de procedimento de caráter não lesivo, considerando que a competência para análise e requisição de intervenção federal, em hipóteses como a dos autos, é do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 36, II), e não do Tribunal Superior do Trabalho.
3. Recurso ordinário em agravo regimental a que se nega provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário em Agravo Regimental nº TST-ROAG-153/1993-741-04-40.0, sendo Recorrente ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e Recorrido WALDIR PEDRO SERVERGNINI.
Trata-se de recurso ordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul (fls. 34/44) contra o v. acórdão do Eg. 4º Regional (fls. 23/32), que, negando provimento a agravo regimental, manteve a determinação de expedição de ofício para esta Eg. Corte, com documentos necessários ao processamento do pedido de intervenção federal naquele Estado.
Consignou o Eg. Regional:
"É incontroverso nos autos que, apesar de a requisição do pagamento ter sido levada a efeito de forma lídima e regular pela Presidência do Tribunal, em 1º. 8. 2000, e sem que o Estado tenha efetuado o depósito para a satisfação do crédito exeqüendo, escoou o prazo previsto no artigo 100, § 1º, in fine, da Constituição Federal, verbis :
É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
Dispõe, a seu turno, o artigo 131 do Regimento Interno deste Tribunal, que à Presidência compete, além de expedir ofícios requisitórios:
IV - propor as medidas cabíveis nos casos de descumprimento, pela entidade pública condenada, das obrigações resultantes de precatório regularmente processado.
Nessa linha, irretocável a decisão agravada, a teor do artigo 34, inciso VI, da Constituição Federal, não merecendo acolhida quaisquer dos argumentos em que funda, o agravante, sua rebeldia.
Com efeito, tem-se por inequívoco que o precatório expressa ordem judicial para a satisfação de débito, cujo descumprimento, pelo ente público, autoriza o encaminhamento de pedido de intervenção, ainda que, no processamento daquele, a atividade da Presidência do Tribunal tenha natureza administrativa, e não jurisdicional, como reiteradamente proclamado pelo E. STF. Em qualquer hipótese, contudo, o descumprimento afronta a decisão exeqüenda, coberta pelo manto da coisa julgada. Ao compelir o administrador público à sua observância, a Presidência da Corte está tão-só a atender o quanto previsto no artigo 100 da Constituição Federal. O fato de a norma constitucional conceder ao Estado o benefício de adimplir os seus débitos por meio de precatório em absoluto significa que a inércia estatal diga respeito apenas ao procedimento administrativo em que aquele se traduz. Como já enfatizado, e sedimentada a jurisprudência a respeito, o não-pagamento de precatório configura descumprimento de ordem judicial que enseja, sim, por força de expresso comando da Lei Maior, processamento tendente à intervenção, de todo inábil para afastá-lo a tese de que condicionada a aplicação de tal instituto constitucional à existência de ameaça à autonomia dos entes federados." (fls. 26/27).
Em razões de recurso, sustenta o Estado que não teria descumprido a ordem de pagamento. Afirma que a ausência de pagamento decorreu do não-ingresso de receita por parte do governo. Alega, inclusive, que não existia efetiva intenção de descumprir ordem judicial.
Ressalta, por derradeiro, que o inadimplemento decorreu de caso fortuito e de força maior.
Por fim, aduz que não pode vir a efetuar o pagamento do precatório dos ora Exeqüentes, na medida em que é obrigado a observar a cronologia de apresentação dos precatórios.
Contra-razões às fls. 49/50.
O Ministério Público do Trabalho opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 54/56).
É o relatório.
1. CONHECIMENTO
Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário.
2. MÉRITO DO RECURSO
Conforme já mencionado, o ora Recorrente alega que não estariam presentes os pressupostos autorizadores do pedido de intervenção federal, porque não se poderia cogitar, no caso, de descumprimento de ordem judicial. Sustenta que não teria havido a intencionalidade, por parte do Estado, no alegado descumprimento da ordem judicial, uma vez que o atraso na quitação da dívida inscrita em precatório seria resultado da "caótica" situação das finanças públicas.
Aduz, ainda, que não haveria fim específico para a intervenção, porquanto a ação de execução findaria com a extração do precatório e que, conseqüentemente, a ordem judicial estaria limitada à determinação de inscrição da dívida trabalhista no orçamento público.
Argumenta, também, que " o pagamento, em si, envolve questões de disponibilidade financeira relativas à execução orçamentária, que podem e devem ser resolvidas por meio de outras vias que não a intervenção federal. Em outras palavras, a obrigação é a inscrição da despesa no orçamento (o que foi atendido na espécie), conforme inteligência da Instrução Normativa nº 11 do TST, II, enquanto que o pagamento depende do ingresso da correspondente receita, não podendo ordem judicial prever e exigir o efetivo incremento de receita nos cofres públicos. A ordem, devidamente cumprida pelo Executado, é então para se incluir a despesa com o precatório no orçamento público na forma do artigo 100, § 1º, da Constituição Federal, não se podendo, contudo, descuidar que, no próprio texto constitucional, em seu parágrafo segundo, há a previsão de que a apropriação dos valores ocorram segundo as possibilidades do depósito, o que significa dizer que a própria Constituição previu a possibilidade de se não realizar a integralidade do repasse, pela insuficiência de recursos " (fl. 40).
Não assiste razão ao ora Recorrente.
Deflui do art. 34, inc. VI, da Constituição Federal que a União poderá intervir nos Estados e no Distrito Federal, sempre que for necessário, para " prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial ".
Na espécie, o Eg. Regional é claro ao assentar que está configurado o descumprimento de ordem judicial pelo Estado do Rio Grande do Sul (fls. 26/27).
Nesse diapasão, as justificativas apresentadas pelo Recorrente, consubstanciadas na (a) ausência de intenção de descumprir a decisão, (b) inadimplemento por caso fortuito ou força maior e (c) necessidade de observância da cronologia dos precatórios, não amparam a pretensão de reforma do acórdão regional.
Com efeito, do ponto de vista jurídico, não é relevante a inexistência de intencionalidade no alegado descumprimento da ordem judicial e/ou a impossibilidade material de adimplemento.
Ora, há comando de pagamento imperativo, do qual não decorre qualquer exceção voltada ao aspecto volitivo do ente público ou de sua impossibilidade material que justifique o inadimplemento da obrigação.
Ademais, a jurisprudência desta Eg. Corte consagra o entendimento de que a decisão que deflagra o encaminhamento de documentos ao Tribunal Superior do Trabalho para o processamento de pedido de intervenção federal não afronta preceitos legais nem constitucionais. Trata-se, inclusive, de procedimento de caráter não lesivo, considerando que a competência para análise e requisição de intervenção federal, em hipóteses como a dos autos, é do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 36, II), e não do Tribunal Superior do Trabalho.
Nesse sentido os precedentes deste Eg. Tribunal:
"PRECATÓRIO. INTERVENÇÃO. ATRASO NO PAGAMENTO. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. A decisão que deflagra o procedimento de intervenção federal com fulcro no art. 34, VI, da Carta, nas hipóteses como a presente, em que configurado o atraso no pagamento do precatório, não ofende nenhum preceito legal ou constitucional que enseje a reforma do julgado. Correta a medida interventiva por descumprimento de ordem judicial. Recurso Ordinário a que se nega provimento."
(ROAG-40274/1995-261-04-40.0, DJ – 03/06/2005, Tribunal Pleno, relator ministro José Luciano de Castiho Pereira)
"PRECATÓRIO. VENCIMENTO DO PRAZO PARA PAGAMENTO. DETERMINAÇÃO DE PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE INTERVENÇÃO FEDERAL. Pelo que se extrai das razões em exame, as considerações sobre o não-cabimento do pedido de intervenção federal, bem como a sustentação em torno da inexistência de descumprimento de ordem judicial por não ter havido a intenção do Estado de não pagar o precatório não respaldam a pretensão de reforma do acórdão regional, visto que a decisão exarada pela Juíza-Presidente da Corte local, por ele mantida, de determinar a remessa do pedido dos exeqüentes ao TST para que o encaminhe ao Supremo Tribunal Federal, não contempla caráter lesivo, tratando-se de mero processamento ao órgão competente para exame da formulação, conforme disciplina a norma do art. 36, II, da Constituição Federal. Recurso desprovido."
(RXOFROAG-92283/2003-900-04-00, DJ – 06/02/2004, Tribunal Pleno, relator ministro Antônio José de Barros Levenhagen)
"REMESSA NECESSÁRIA. PRECATÓRIO. Em sede de precatório, não se aplica a disposição do art. 1º, V, do Decreto-Lei nº 779/69, que prevê a remessa necessária em caso de decisão judicial desfavorável a ente público, por se tratar de decisão de natureza administrativa. Logo, não merece conhecimento a remessa ex officio por incabível. DETERMINAÇÃO DE ENCAMINHAMENTO DE DOCUMENTOS NECESSÁRIOS AO PROCESSAMENTO DE INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO. Decisão exarada pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, relativa ao pedido de intervenção federal formulado pelo exeqüente, no sentido de determinar o encaminhamento de documentação ao órgão competente para exame da pretensão, não se reveste de caráter lesivo, atendendo à disciplina contida no art. 36, II, da Constituição Federal. Recurso ordinário não provido."
(RXOFROAG-92430/2003-900-04-00, DJ – 14/05/2004, Tribunal Pleno, relator ministro Lélio Bentes Correa)
Em decorrência, nego provimento ao recurso ordinário.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário em agravo regimental e, no mérito, negar-lhe provimento.
Brasília, 1º de setembro de 2005.
JOÃO ORESTE DALAZEN
Ministro Relator
Ciente:
Representante do Ministério Público do Trabalho