A C Ó R D Ã O

SbDI-1 PLENA (SDI-1) GMACC

JOD/vm/fv

INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0001. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. CANDIDATO A EMPREGO

1 . Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. 2 . A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas.

3 . A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra , caracteriza dano moral in re ipsa , passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos n° TST-IRR-243000-58.2013.5.13.0023 , em que é Suscitante 4ª TURMA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO e Recorrente SEVERINO ALEXANDRE DA SILVA e Suscitada SUBSEÇÃO I ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS e Recorrida ALPARGATAS S.A. e AMICI CURIAE MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO - IASP e GRUPO DE PESQUISA TRABALHO, CONSTITUIÇÃO E CIDADANIA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB) .

Eis o relatório textual da lavra ilustre do Exmo. Relator originário, Ministro Augusto César Leite de Carvalho.

"O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, por meio do acórdão de fls. 201-204 (numeração de fls. verificada na visualização geral do processo eletrônico – ‘todos os PDFs’ – assim como todas as indicações subsequentes), negou provimento ao recurso ordinário do reclamante, mantendo assim a sentença por meio da qual se indeferira a reparação por dano moral pretendida em consequência de a empregadora exigir certidão de antecedentes criminais no processo admissional .

O reclamante interpôs recurso de revista às fls. 206-215 com base nas alíneas a e c do art. 896 da CLT. Alega dissenso jurisprudencial com arestos transcritos às fls. 208-209, oriundos dos TRTs da 3ª e 10 Regiões e cita precedentes do mesmo Tribunal às fls. 209-210 e de Turmas do Tribunal Superior do Trabalho às fls. 210-212. Também alega violação dos artigos 3º, IV, 5º, 7º, XXX e 170, VIII, da Constituição Federal ao argumento de que a Constituição protege a intimidade e a vida privada e prevê indenização por sua violação. Ressalta a impossibilidade de distinção de salários, de exercício de funções e de critério de admissão, além de ser princípio constitucional a busca pelo pleno emprego.

O recurso de revista foi admitido por decisão de fls. 217-218.

A reclamada apresentou contrarrazões às fls. 220-227, em que defende ser a certidão de antecedentes criminais um documento de acesso público e que o reclamante não foi submetido a situação vexatória ou teve aviltada sua imagem. Fez remissão a precedentes do TST.

A egrégia 4ª Turma do TST decidiu suscitar o incidente de recurso repetitivo previsto nos artigos 896-B e 896-C da CLT (fls. 231-235). Seu Presidente, o eminente Ministro João Oreste Dalazen, em manifestação de fls. 232-235, propôs então ao Presidente da SBDI-1 do TST que submetesse ao órgão a suscitação de incidente de recurso de repetitivo, nos termos do art. 896-C, § 1º, da CLT , para a fixação de tese jurídica sobre os casos que ensejam, supostamente, o reconhecimento de dano moral em razão da exigência de certidão de antecedentes criminais como condição indispensável à admissão no emprego ou à manutenção do contrato de emprego.

A SBDI-1 do TST decidiu, por maioria, na sessão de 26/3/2015, instaurar o incidente de recurso repetitivo e atribuir então à SBDI-1 a decisão sobre o tema ‘Dano Moral. Exigência de Certidão Negativa de Antecedentes Criminais’, na forma do art. 896-C da CLT (certidão de fls. 236 e 394). Decidiu ainda reunir ao RR-243000-58.2013.5.13.0023 o RR-184400-89.2013.5.13.0008, que passou a correr junto com o fim de terem assim, neste único incidente, os mesmos relator e revisor (fls. 244 e 400) .

No RR-184400-89.2013.5.13.0008, o reclamante interpôs recurso de revista às fls. 371-380. Alega dissenso jurisprudencial com arestos transcritos às fls. 373-374, oriundos do TRT da 10ª Região e informa haver precedentes do próprio TRT da 13ª Região citados às fls. 374-375 e do TST referidos às fls. 375-377. Ainda indica violação dos artigos 3º, IV, 5º, X, 7º, XXX e 170, VIII, da Constituição Federal, os quais protegem a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, asseguram a isonomia e impede a discriminação, inclusive no critério de admissão, além de prever o direito a indenização. O recurso de revista foi admitido por decisão constante às fls. 382-383. A AEC Centro de Contatos S.A. não apresentou contrarrazões, conforme certidão de fl. 385.

O incidente de recurso de revista repetitivo foi inicialmente distribuído ao eminente Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro (fl. 239).

Por meio de decisão de fls. 241-242, o Ministro Relator cumpriu o disposto no art. 5º, I, da Instrução Normativa 38/2015 e determinou o apensamento dos autos, suspensão dos recursos de revista ou de embargos que versassem sobre a matéria, expedição de ofício aos Presidentes dos Tribunais Regionais, expedição de edital para manifestação escrita de pessoas, órgãos ou entidades, além de enviar de cópia da decisão ao Ministro Presidente do TST , para os fins do art. 896-C, § 3º, da CLT e do art. 6º da Instrução Normativa 38/2015 , e de cópia da decisão de afetação também aos demais Ministros do TST.

Os Presidentes dos TRTs foram oficiados com o fim de encaminharem recursos representativos de controvérsia. Após publicação de edital, foi realizada audiência pública no dia 28/6/2016.

Foi publicado edital de intimação com o fim de que interessados pudessem colaborar com o debate fornecendo informações para enriquecer o debate (fl. 401). Os Ministros da Corte foram informados da afetação do tema ao rito dos recursos repetitivos (fls. 403-428) e foram igualmente oficiados os Presidentes dos TRTs da decisão de afetação (fls. 429-500).

O Juiz do Trabalho Amaury Haruo Mori, com atuação na 6ª Vara do Trabalho de Curitiba , apresentou manifestação às fls. 501-507 com ‘interesse de colaborar com o debate’. Considerou que a solução não será feita por subsunção, já que não existe norma explícita que regulamente a matéria. Defendeu a aplicação do princípio da proporcionalidade para dirimir a controvérsia. Trouxe exemplificativamente a exigência legal para a contratação de candidato a emprego de vigilante, ponderando que a exigência seria abusiva e ilegal para a hipótese de contratação de atendente comercial. Argumentou que a exigência só é pertinente caso não haja outro meio adequado e menos gravoso.

O TRT da 1ª Região informou às fls. 513-515 ter poucas decisões sobre o tema e ressaltou a diferença em relação às empresas de vigilância e transporte de valores, reguladas pelo art. 16, VI, da Lei 7.102/83, que prevê a licitude da exigência de certidão de antecedentes criminais.

O Ministério Público do Trabalho pleiteou por petição de fls. 517-569 sua intervenção como amicus curiae , com base no art. 896-C, § 8º, da CLT. Defendeu a ilegalidade da exigência de certidão negativa de antecedentes criminais por ser ato contrário ao princípio da presunção de inocência, art. 5º, LVII, da Constituição Federal, por violar o direito à privacidade previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal, por ofender os princípios da isonomia, da não-discriminação e do pleno emprego, por violar a Convenção 111 da OIT, o art. 93 do CP, o qual prevê o sigilo dos registros do processo e da condenação, e o art. 1º da Lei 9.029/1995, que veda prática de discriminação na contratação de trabalhadores.

Sete Tribunais Regionais responderam à solicitação de que fossem enviados os processos que poderiam ser representativos da controvérsia.

O TRT da 12ª Região informou não ter recurso de revista pendente, mas apresentou acórdãos lavrados acerca do tema .

O Presidente do TRT da 24ª Região indicou o processo 000039-11.2011.5.24.0004 como representativo da controvérsia, o qual foi distribuído ao Desembargador Convocado Marcelo Pertence, da 1ª Turma do TST, sendo em seguida apensado aos presentes autos.

O TRT da 15ª Região disse não ter recurso de revista pendente de análise quanto à matéria em exame, destacou, porém alguns acórdãos transcritos às fls. 715-748.

O TRT da 4ª Região informou à fl. 788 a existência do recurso de revista no processo 0000142-57.2013.5.04.0601. O referido processo, no entanto , já foi julgado e os autos baixados à origem.

O TRT da 9ª Região, às fls. 796-801, transcreve acórdãos de julgamentos do tema (processos 0001246-73.2014.5.09.0128, 000012474-38.2014.5.09.0002 e 9891800-65.2004.5.09.0014).

O TRT da 18ª Região às fls. 980-986 informou ter conhecimento apenas do processo 0000777-27.2012.5.18.0102 que trata da discriminação, sem pedido de indenização por dano moral, processo esse já remetido ao TST, tendo como relator o Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho.

O TRT da 3ª Região, por meio de ofício do 1º Vice-Presidente, indicou como representativos da controvérsia os processos 0010320-75.2015.5.03.0099, 0001494-05.2010.5.03.0077, 01039-2015-052-03-00-1, 00786-2013-060-03-00-5 e 02372-2011-008-00-6.

O Instituto dos Advogados de São Paulo pleiteou às fls. 589-594 seu ingresso como amicus curiae .

O Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania pleiteou a habilitação como amicus curiae em petição de fls. 766-777.

O Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP apresentou parecer da lavra do Doutor Estevão Mallet por meio de petição de fls. 1.019-1.022, em que defende que a exigência de certidão de antecedentes criminais não representa ato atentatório aos direitos de personalidade do empregado.

Destaca no parecer o fundamento de que há no ordenamento jurídico limites para a discricionariedade da empresa em estabelecer critérios de seleção de candidato, sendo possível considerar a função a ser exercida pelo candidato. Transcreve trecho em que o parecerista defende a inocorrência de dano moral pela simples solicitação da certidão de antecedentes criminais desvinculada de conduta discriminatória. No entanto, caso a exigência de certidão se dê para candidato a emprego cujas atribuições funcionais não a justifiquem, conclui haver ilicitude, com consequente dano moral. O parecer consta das fls. 1.023-1.050.

O edital de audiência pública (fls. 1.158-1.159) foi publicado no dia 6/6/2016.

O eminente Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, às fls. 1.118-1122, declarou encerrada a fase de informações e encaminhamento de processos representativos de controvérsia pelos TRTs e de pedidos de habilitação dos amici curiae ; determinou a juntada em caráter informativo do ofício do CNMP, sem habilitação como amicus curiae , já que não foi expressamente requerida; habilitou o MPT, o IASP e o Grupo de Pesquisa Trabalho como amici curiae , determinou o apensamento dos processos RR-39-11.2011.5.24.0004, RR-1038-36.2012.5.12.0012, e RR-1494-05.2010-5.03.0077 e a devolução do processo RR-1246-73.2014.5.09.0128 ao TRT de origem; e determinou a realização de audiência pública, in verbis :

‘Nos termos do art. 896-C, §§ 8º e 9º, da CLT, e arts. 4º, 9º e 10, da Instrução Normativa nº 38/2015 do Tribunal Superior do Trabalho e considerada a certidão de fls. 1.016/1.017 e demais documentos remetidos ao Gabinete, examino as manifestações dos interessados que atenderam ao Edital de fls. 401, bem como as respostas aos ofícios enviadas pelos Tribunais Regionais do Trabalho a respeito do presente Incidente de Recursos Repetitivos, com a seguinte questão identificada para julgamento: ‘A exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais pelos candidatos ao emprego gera dano moral?’

Alpargatas S/A, parte ora Recorrida nos presentes autos (RR-243000-58.2013.5.13.0023), apresenta informações e requer o deferimento de sustentação oral na sessão que solucionará o presente Incidente (fls. 752/763).

O Senhor Juiz Titular da MM. 6ª Vara do Trabalho de Curitiba, Dr. Amaury Haruo Mori, apresenta manifestação sem interesse em participar como ‘amicus curiae’ (fls. 501/507).

O Ministério Público do Trabalho requer a habilitação na condição de ‘amicus curiae’, nos termos do art. 138 do Código de Processo Civil e 896-C, § 8º, da CLT e o deferimento de sustentação oral na sessão de julgamento, sem prejuízo da atuação como ‘custos legis’ (fls. 518/569).

Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP requer a admissão como ‘amicus curiae’ e a juntada de documentos que acompanham a manifestação. Argumenta que constitui associação civil de fins não econômicos, com finalidade de estudo do direito, difusão dos conhecimentos jurídicos e o culto à Justiça e que o tema posto no presente incidente diz respeito a uma ‘controversa colisão entre direito à informação do empregador e direito à privacidade do empregado’. Sustenta já haver sido admitido como ‘amicus curiae’, no âmbito do excelso Supremo Tribunal Federal, pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, nos autos do RE-639.856/RS, para ampliar o debate acerca do "fator previdenciário’ (fls. 589/594 e 1.019/1.022).

O Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da Universidade de Brasília (UnB) requer a habilitação como ‘amicus curiae’, para todos os fins legais admitidos, inclusive para a sustentação oral. Argumenta que tem interesse estritamente acadêmico e, portanto, imparcial na condução dos debates sobre o potencial lesivo (danos morais) da exigência, pelo empregador, de certidão de antecedentes criminais a candidato à vaga de emprego. Sustenta já haverem sido admitidas instituições congêneres como ‘amici curiae’ no âmbito do excelso Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 4650 e da ADPF 132. Requer a concessão de prazo adicional de quinze dias a contar de sua admissão como ‘amicus curiae’ para apresentar informações pertinentes à matéria controvertida (fls. 766/777).

O processo indicado pelo Desembargador Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, nº TST-RR-39-11.2011.5.24.0004, distribuído no âmbito da Primeira Turma, Relator Desembargador Marcelo Lamego Pertence, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face do Supermercado Comper e pessoas jurídicas integrantes deste grupo econômico em que se postulou, dentre outras, a obrigação de não fazer consistente na abstenção de exigir certidão de antecedentes criminais dos candidatos a emprego. Em vista do caráter coletivo da demanda e do pedido de tutela inibitória, reputo necessária a afetação do recurso como igualmente representativo da controvérsia (fls. 577).

O processo indicado pelo TRT da 12ª Região TST-RR-1038-36.2012.5.12.0012, distribuído no âmbito da Terceira Turma, Relator Ministro Alexandre Agra Belmonte, constitui ação anulatória de auto de infração ajuizada por BRF-Brasil Foods S.A. em face da União. As peculiaridades de se cuidar de pleito de nulidade de ato administrativo e a justificativa apresentada pela empresa de seleção de empregados para o labor em frigorífico, com manuseio de facas e utensílios cortantes como instrumento de trabalho recomendam a afetação do aludido recurso como igualmente representativo da controvérsia (fls. 668 e 936).

O processo nº TST-RR-1494-05.2010-5.03.0077, distribuído no âmbito da Sexta Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, indicado pelo Desembargador Presidente do TRT da 3ª Região como representativo da controvérsia originou-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face de empresa de transporte de passageiros que alegou agir com amparo na Resolução da Agência Nacional de Transporte Terrestre – ANTT nº 1.971, de 25 de abril de 2.007. Diante dessas particularidades, reputo conveniente afetá-lo.

A Desembargadora Presidente do TRT da 9ª Região enviou o Processo nº TST-1246-73.2014.5.09.0128 como representativo da controvérsia. Por se tratar de dissídio individual, tal como o presente, sem qualquer particularidade que contribua para a ampliação do debate, não se determina a afetação do recurso de revista.

O Desembargador Presidente do TRT da 18ª Região indicou o Processo nº TST-777-27.2012.5.18.0102 como representativo da controvérsia. Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face de Marfrig Frigoríficos Brasil S.A – MFB. Ausente qualquer particularidade que contribua para a ampliação do debate, não se procede à afetação, devendo ser mantida a distribuição.

A Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Ministério Público do Trabalho, na pessoa do Conselheiro Nacional do Ministério Público Senhor Fábio George Cruz da Nóbrega, mediante o Ofício nº 014/2016/CDDF-CNMP, encaminha manifestação do Subprocurador-Geral do Trabalho Manoel Jorge e Silva Neto, e requer, caso realizada Audiência Pública, seja cientificada ‘para possibilitar eventual indicação de representantes’.

Em conclusão:

a) declaro encerrada a fase de informações e encaminhamento de processos representativos da controvérsia pelos Tribunais Regionais do Trabalho, bem como a oportunidade para pedidos de habilitação como ‘amici curiae’;

b) determino a digitalização e juntada do Ofício nº 014/2016/CDDF-CNMP, acompanhado da manifestação do Subprocurador-Geral do Trabalho Senhor Manoel Jorge e Silva Neto, esclarecendo que a juntada deste material faz-se em caráter informativo, sem a habilitação deste órgão como ‘amicus curiae’, já que não expressamente requerida e considerado, ainda, o requerimento de ingresso já formulado pelo Ministério Público do Trabalho.

c) admito a habilitação como ‘amici curiae’ do Ministério Público do Trabalho, do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP e do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da Universidade de Brasília (UnB), para manifestar-se nos autos quando expressamente autorizados e realizar sustentação oral em audiência pública e em sessão de julgamento. Reautue-se o feito para que constem dos autos nessa qualidade, representados por advogados, nos termos dos arts. 138 do Código de Processo Civil, 896-C, § 8º, da CLT e 10, § 1º e § 2º da Instrução Normativa do TST nº 38/2005. A partir da publicação desta decisão, terão o prazo de quinze dias para envio de informações.

d) apensem-se aos presentes os autos dos Processos nº TST-RR-39-11.2011.5.24.0004, TST-RR-1038-36.2012.5.12.0012, e TST-RR-1494-05.2010-5.03.0077;

e) devolva-se o Processo nº TST-1246-73.2014.5.09.0128 ao TRT de origem;

f) para completa instrução do procedimento, designo a data de 28 de junho de 2.016, terça-feira, às 9 horas, na sede deste Tribunal, para audiência pública, com o fim de ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria bem como esclarecer questões e circunstâncias de fatos subjacentes à controvérsia, nos termos do art. 10, "caput", da Instrução Normativa do TST nº 38/2005. Os interessados em participar da audiência poderão inscrever-se entre os dias 6 e 12 de junho de 2.016 exclusivamente mediante envio de correspondência eletrônica para o endereço antecedentescriminais@tst.jus.br . Em 20 de junho de 2.016, serão divulgadas as inscrições deferidas e procedimentos para envio de material que se pretenda apresentar na audiência. Expeça-se edital.

g) após a realização da audiência pública e determinação do Relator, o Ministério Público do Trabalho, como ‘custos legis’, terá vista dos autos pelo prazo de quinze dias, nos termos do art. 896-C, § 9º, da CLT.

h) encaminhe-se cópia desta decisão aos Ministros componentes da Subseção de Dissídios Individuais 1 desta Corte.’

Conforme determinado pelo Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro às fls. 1.118-1122, e com o fim de contribuir para o debate, os autos do processo RR-39-11.2011.5.24.0004 foram a estes juntados às fls. 1.161-3.006, bem assim os do processo RR-1038-36.2012.5.12.0012 às fls. 3.009-3.789 e os do processo RR-1494-05.2010-5.03.0077 às fls. 3.791-4.166.

A Procuradoria-Geral do Trabalho apresentou argumentos para concluir que a exigência de certidão de antecedentes criminais gera dano moral, a não ser no caso de haver trato direto com crianças ou adolescentes e na contratação de vigilantes, em razão de previsão no art. 16, VI, da Lei 7.102/1983 (fls. 1.126-1.131). Considera justificável a exigência na relação de emprego doméstico, nas relações em que a função a ser exercida seja a de cuidado de bebês e crianças pequenas. Entende, no entanto, não ser aplicável esse raciocínio às relações travadas no âmbito de empresas. Para o MPT , a existência de condenação não impede a contratação no segmento bancário e lembra que condenação criminal não impõe a extinção do contrato por justa causa quando houver suspensão da execução da pena, nos termos do art. 482, d , da CLT, tendo em vista que o trabalho deve ser valorizado como forma de ressocialização.

O Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania , em petição de fls. 4.186-4.227, defende a configuração de dano moral pela exigência de antecedentes criminais aos candidatos a emprego por violar o direito à privacidade e à honra, bem como por infringir o direito à não-discriminação, ressalvada a existência de expressa previsão legal em sentido contrário como requisito para o exercício da profissão. Alega que o único intuito ao solicitar a certidão de antecedentes criminais é o de impedir, afastar ou impossibilitar o acesso em igualdade de condições dos egressos do sistema penitenciário, já que não afere a capacidade técnica ou qualificação profissional, o que ofende diversos dispositivos da Constituição Federal ao estigmatizar quem já cumpriu pena.

A audiência pública foi designada para o dia 28/6/2016, conforme despacho de fls. 4.234-4.235, realizando-se com a presença de Ministros e de interlocutores inscritos . As exposições ficaram registradas em notas taquigráficas de fls. 4.241-4.287 e os arquivos apresentados pelos expositores em power point foram colacionados às fls. 4.288-4.376.

A exposição inicial do primeiro módulo coube à Professora Gabriela Neves Delgado como representante do amicus curiae Grupo de Pesquisa, Trabalho, Constituição e Cidadania da Universidade de Brasília.

Em sua apresentação, a professora Gabriela Delgado lembrou que o art. 202 da LEP restringe o uso dos antecedentes criminais à instrução do processo criminal e às hipóteses previstas em lei, o que leva à proibição de sua exigência genérica pelo empregador. Ainda com esteio no princípio da legalidade, citou o art. 5º, XIII, da Constituição Federal que prevê o livre exercício da profissão, atendidas as qualificações profissionais previstas em lei. E aduziu que, seguindo esse dispositivo, há previsão em algumas leis da exigibilidade da certidão, como é o caso do art. 16, VI, da Lei 7.102/83 e da Resolução 1.971/07 da ANTT, a qual estabelece a exigência de apresentação de antecedentes para contratação de motoristas de transporte rodoviário interestadual. Fora dessas hipóteses, defendeu a impossibilidade da aplicação de interpretação analógica ou teleológica extensiva a outras profissões.

A professora Gabriela Delgado acresceu que, além desses limites legais, o poder empregatício está limitado pelos princípios fundamentais de proteção à dignidade humana e da não-discriminação, respaldados na Convenção 111 da OIT e na Lei 9.029/95, aplicáveis também na fase pré-contratual. A norma constitucional veda, conforme sustentou, a estigmatização da pessoa que tenha cumprido pena e a norma legal segue essa linha ao proibir que condenação anterior seja mencionada nos antecedentes do reabilitado, à exceção de pedido pelo juízo criminal (art. 748 do CPP). Sustentou que essa norma deve ser aplicada também no direito do trabalho, com o fim de a condenação criminal não se perpetuar no tempo. Portanto, a exigência de certidão de antecedentes deveria, segundo argumentou, estar limitada às hipóteses legais, e não ao alvedrio do empregador, sob pena de arbitrariedade e discricionariedade.

Argumentou a professora Gabriela Delgado, enfim, que a certidão de antecedentes apenas revela o passado do pretenso empregado. Nada diz sobre o seu futuro. Portanto, não haveria como ponderar o direito à segurança. Concluiu que a exigência genérica de certidão de antecedentes viola a dignidade humana e a privacidade do candidato a emprego e gera dano à sua personalidade, além de estigmatizar quem eventualmente tenha cometido crime. Com isso, a exigência da certidão fora das hipóteses legais geraria dano moral e responsabilidade civil do empregador.

Em seguida, ainda no primeiro painel, falou o advogado Paulo Roberto Alves da Silva, que ressaltou a importância do tema, já que existem, segundo o censo, setecentas mil pessoas presas, sendo 60% negras, que se não tiverem oportunidade de emprego poderão retornar à atividade que as levou à condenação. Alertou que ao admitir-se a possibilidade de exigir certidão de antecedentes criminais, essas pessoas poderão, mais do que ter prejudicado o direito ao emprego, cumprir pena eterna, em razão do estigma imposto ao candidato a emprego. Chamou atenção para o objetivo da ressocialização da pena e citou programa do Conselho Nacional de Justiça – CNJ implementado em diversos tribunais para disseminar o valor social do trabalho.

Após, foi a vez do eminente professor César Alexandre Marinho dos Santos. Destacou o docente a previsão de antecedentes criminais na revogada Lei dos Empregados Domésticos, Lei 5.889/72, e no art. 16, VI, da Lei 7.102/82, que trata das atividades dos vigilantes, aquiescendo que onde há permissivo legal, afastada estaria a configuração de dano moral. Para o professor, a exigência ou obtenção de certidão de antecedentes criminais sem respaldo legal, caso haja contratação, também não tem o condão de ofender a honra porque não prejudica o candidato e nem o expõe em relação aos demais. No caso de haver antecedentes criminais e não ser o candidato à vaga efetivado, suscita que a não-contratação pode ocorrer por diversos motivos e, para haver configuração de dano moral , é necessária a prova de que o candidato não foi admitido em decorrência das anotações na certidão, prova difícil mas que, se realizada, revelaria a violação à honra, intimidade e dignidade da pessoa humana. Por último, também sustentou que no caso de haver dispensa, mesmo sem justa causa, em razão de certidão de antecedentes criminais, o desdobramento da questão passa pela comprovação de que o reclamante teve sua honra ou dignidade afetadas e o seu patrimônio atingido – sem tal comprovação, não haveria dano moral. Para o professor César Alexandre, o dano moral deve ser analisado sob a ótica da conduta do empregador, ou seja, se ganhou publicidade, perante terceiros, ou se atinge a esfera extrapatrimonial do candidato à vaga.

Após questionamento do eminente Ministro João Oreste Dalazen, a professora Gabriela Neves Delgado voltou à tribuna para ponderar que no caso de empregado doméstico, por não haver expressa disposição legal, não pode ser solicitada a certidão de antecedentes criminais para aferir qualificação, competência e habilidade para o trabalho. Indicou como alternativa a avaliação por indicação ou recomendação. Reafirmou a impossibilidade de exigir certidão de antecedentes criminais por não ser meio adequado e por não ser legalmente permitido. Defendeu que o fato de ter cometido o crime não o leva, necessariamente, à reincidência porque senão seria um criminoso em qualquer ambiente que frequente. E, de qualquer forma, a certidão de antecedentes criminais apenas pode ser apresentada no prazo de cinco anos, conforme legislação penal.

O segundo painel foi iniciado com a manifestação do Procurador-Geral do Trabalho Ronaldo Curado Fleury. O insigne Procurador-Geral defende que cabe à sociedade o espírito de colaboração para a evolução da sociedade com questionamentos não apenas das regras sociais para que haja alteração do status quo . Com isso, a Constituição Federal prevê princípios básicos para convivência em sociedade, como o art. 3º, o qual coloca como objetivo principal a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que se reconhece a necessidade de que a sociedade trabalhe em regime de colaboração na busca de um propósito comum. A Constituição também coloca no inciso III do mesmo dispositivo como objetivo a erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades e no inciso IV promover o bem de todos sem preconceitos. Considerando esses dispositivos, entende que uma pessoa condenada é marginalizada e deve ser reincluída na sociedade por meio do mercado de trabalho. Destaca que esses princípios se repetem ao longo da Constituição, como ao prever o princípio da igualdade. Defende que retirar o direito de acesso ao mercado de trabalho importa pré-julgamento da culpabilidade e perpetuação de sua marginalização. Invoca a Convenção 111 da OIT, item b , que proíbe distinções. Entende que a exigência deveria ser apenas com o fim de inclusão, de contratação de presidiários, com o fim de reinserção na sociedade.

Em seguida, usou a tribuna a advogada Maria José Rocha Martins. Em sua manifestação, invocou a teoria do crime impossível no Direito Penal, o qual enuncia a ineficácia do meio. Para a palestrante, se o empregador pode visualizar na internet no site do Tribunal a informação, não há violação à intimidade ou à dignidade da pessoa humana. Por conseguinte, a imagem dessa pessoa não seria vulnerada. Compreende equilibrados, na exigibilidade da certidão de antecedentes criminais, o direito à informação e o direito à privacidade do empregado. Destaca o caráter público da certidão de antecedentes criminais, a qual pode ser obtida tanto pelo candidato a emprego quanto pela empresa ou mesmo por terceiros. Entende que o mau uso da certidão, com exposição a todos, configura abuso e dano moral. Mas discorda da existência de dano pelo simples pedido da certidão, pois não coloca o empregado em situação vexatória, constrangedora. Considera a responsabilidade do Estado em publicar informações antes mesmo do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Em razão da inexistência de ato ilícito, dano e nexo causal, cumulativamente, conclui não haver dano indenizável.

A palavra foi concedida, em seguida, ao eminente Defensor Público do Estado de São Paulo, Rafael Ramia Muneratti, que explicou, inicialmente, que sua explanação procuraria focar a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal. Esclareceu a grande população prisional no Brasil, que perde apenas para Estados Unidos, China e Rússia, e que, segundo senso recente, superará a Rússia em 2018, sem contar no aumento de 80% dos presos em dez anos e taxa de superlotação nos presídios de 161%. Com esses dados, disse que o Supremo Tribunal Federal vem debatendo a situação, mas chamou atenção para o tratamento dado ao egresso, especialmente no auxílio de conseguir emprego formal, essencial para evitar possível reincidência e fator mais importante para o retorno à sociedade. Relatou o trabalho da Pastoral Carcerária, que identificou a dificuldade de os egressos obterem documentos básicos destruídos ou perdidos ao logo do cumprimento da pena, o que torna a obtenção do emprego inviável. No trabalho realizado, foi constatado que quase metade sequer possuía carteira de trabalho ou documentos necessários para a sua obtenção, inviabilizando o emprego formal. Nesse contexto, defendeu que a exigência de certidão de antecedentes criminais torna ainda mais dificultosa, quando não impossibilita, a obtenção do emprego formal. E essa dificuldade atinge ainda mais o egresso que cumpre pena solto e dificulta a vida do que tem que pagar pena de multa, o que perpetua a certidão positiva. Defendeu inexistir na legislação qualquer impedimento ou efeito condenatório posterior ao cumprimento da pena, inclusive impedimento de exercício de qualquer profissão, sob pena de perpetuação da pena, fato completamente rechaçado pela Constituição Federal. Concordou com a Professora Gabriela Neves Delgado que em qualquer situação não pode ser exigida a certidão, mormente porque o egresso que tenha uma oportunidade dificilmente reincidirá. Com isso, sustentou que a exigência da certidão de antecedentes criminais viola o direito ao esquecimento e à privacidade, relegando a pessoa a viver à margem da legalidade.

O Ministro Alexandre Agra Belmonte questionou se a certidão de antecedentes importa restrição do acesso ao mercado de trabalho e afeta a função social da empresa. O Defensor Rafael Ramia Muneratti respondeu que sim, pois, embora não tenha dados, por sua experiência na grande maioria das vezes há negativa de contratação. Perguntou, então, o Ministro Alexandre Agra Belmonte se a certidão de antecedentes criminais pode ser obtida diretamente pela empresa, sem pedir ao trabalhador. O Defensor respondeu que é possível essa obtenção nos fóruns e que muitas empresas, especialmente as que tratam com valores ou segurança, conseguem, de maneira não legal, informações além de certidão, até mesmo a própria folha de antecedentes criminais, com informações sigilosas e detalhadas. Explica que depois de cumprida a pena, as informações deveriam ser apagadas, mas é comum haver demora, o que enseja, por vezes, o ajuizamento de ação para que a ficha criminal seja limpa. Ao explicar outra dúvida do Ministro Alexandre Agra Belmonte, esclareceu que o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça regulamentam as informações que são explicitadas na certidão. Exemplifica o TJSP, que não informa crimes de menor potencial ofensivo. O homicídio, mesmo aquele cometido por forte emoção, é referido na certidão por não ser considerado de menor potencial ofensivo. Comparou a situação em debate à impossibilidade de o condenado por corrupção, por exemplo, candidatar-se a cargo público, o que é expressamente previsto em lei, enquanto que não há essa consequência de exercício de qualquer atividade profissional.

O terceiro painel foi iniciado com a fala do eminente Procurador do Trabalho pela Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Ministério Público, o Dr. Manoel Jorge e Silva Neto. O Procurador defendeu o banimento de quaisquer atos discriminatórios e ilegítimos no momento pré-contratual, com o fim de contemplar o direito fundamental de acesso ao trabalho, e o exame com reserva de qualquer restrição. Para o eminente Procurador, quem cometeu delito não pode ficar à mercê dessa circunstância pelo resto da vida. Sustentou o douto procurador que a exigência da certidão não estaria no âmbito do poder diretivo empresarial. Por isso, preconizou a busca de uma solução equilibrada. Argumentou que lhe parece regular a exigência da certidão de antecedentes criminais no caso de vigilantes, por estar respaldada em lei, e , no caso de empregado doméstico , em razão de suas peculiaridades, por estar acomodado no domicílio e por criar relação de amizade. Invoca o art. 227 da Constituição Federal para defender que é dever dos pais ou responsáveis impedir que criança e adolescente sofram qualquer tipo de mal. Estende esse entendimento aos casos de idosos, igualmente vulneráveis, com respaldo no art. 3º do Estatuto do Idoso. Fora isso, não pode ser exigida a certidão negativa de antecedentes criminais porque tal comprometeria a necessidade de ressocialização.

Em seguida, falou o eminente advogado Roberto Caldas Alvim de Oliveira. Explicou que nas demandas em que atua como patrono das reclamadas, não há caso de candidato que não tenha sido contratado. Porém, ao final do contrato, ajuízam reclamação com pedido de indenização por dano moral. Assim, entende que o debate deve ser sobre a configuração de dano moral pelo pedido de apresentação de certidão de antecedentes criminais. Se há lei que permite, não há dano moral. E se há uma lei que permite para um, deve ser estendida para todos porque a dor, o sofrimento, a dignidade sofrida são iguais para todos. Ressaltou que se é exigido ao candidato a concurso público, como fase eliminatória do certame, e não há configuração de dano moral, não há razão, sob pena de discriminação, de haver condenação de empresa privada em dano moral . Citou a Resolução 156 do CNJ que proíbe, em seu art. 1º, a nomeação para função de confiança de quem tenha cometido crimes que enumera. Essa mesma Resolução veda prorrogação de contrato de prestação de serviço com empresa que tenha designado empregado na mesma situação do art. 1º. Ou seja, a empresa prestadora tem que se resguardar para que o contrato não seja rompido e para isso tem que exigir a certidão. E o Tribunal deve conferir as informações por meio das certidões emitidas pelos órgãos competentes. Então, se não há dano moral nesses casos que envolvem a Administração Pública, também não haveria em relação às empresas. Defendeu que a certidão deve ser utilizada para a melhor alocação do trabalho, como é feita nos casos em que patrocina. Lembra que todas as vezes que ingressa no Tribunal, em aeroporto ou em agência bancária deve provar não estar armado ao passar pelo detector de metais e isso não macula sua honra. Argumentou que os casos merecem análise pontual e, por isso, não pode a decisão conceder ou não o direito à reparação indistintamente. Observou que, no caso específico dos autos inicialmente afetados por este incidente, a certidão não foi utilizada em prejuízo do trabalhador, pois, ao contrário, foram todos os candidatos contratados. Lembrou , enfim , que o empregador não precisa pedir a certidão ao empregado, dado que ele mesmo pode obter em sistemas eletrônicos.

Após, falou o Diretor da JusLiberdade, associação sem fins lucrativos, Arthur Beserra de Miranda. Destaca que sob o enfoque constitucional, não é possível qualquer forma de discriminação no contrato de trabalho, conforme art. 5º da Constituição Federal. Disse que os teóricos do Direito do Trabalho admitem a não configuração do dano moral porque há norma permitindo no caso de vigilantes e na antiga lei dos domésticos, entendendo não ser permitido nos demais casos. Observou que no Direito Penal a doutrina diz que os antecedentes servem ao instrumento criminal, estando restritos a esse âmbito. Mas argumentou que no âmbito privado não há limitação quanto a poder ser feito apenas o que a norma permite. Também não se poderia esperar, segundo ponderou, que o legislador preveja todas as situações de emprego para definir a influência dos antecedentes criminais. Defendeu que os antecedentes não estão restritos ao direito criminal, pois qualquer um pode ter seus dados pesquisados , que o contrato de trabalho é baseado na confiança e, para isso, o empregador deve ter nível ótimo de informações sobre o empregado e os antecedentes configuram importantes dados, como tantos outros, para aferir habilidades do candidato. Destaca que pesquisa realizada nos Estados Unidos revelou que, após proibição de exigir antecedentes, os empregadores deixaram de contratar pessoas com nomes comumente de negros, passando os brancos a serem admitidos 45% a mais que os negros. Ou seja, gerou uma exclusão.

Em cumprimento ao disposto no art. 896-C, § 9º, da CLT, os autos foram enviados ao Ministério Público, apresentando-se então o parecer de fls. 4.381-4.387 , em que o Parquet , com base nos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito à privacidade, da isonomia e da não discriminação e do pleno emprego, de acordo com as disposições da Convenção 111 da OIT, do Código Penal, da Lei 9.029/95 e da Orientação nº 8 da ‘Coordigualdade’ do MPT, opinou pela falta de amparo legal à exigência pelo empregador de apresentação dos antecedentes criminais do candidato a vaga, a não ser em caso de previsão legal e, por conseguinte, condenação em indenização por danos morais.

Em 14/9/2016, o Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro averba sua suspeição por motivo íntimo e superveniente, sendo o feito distribuído a este Relator e, como Revisor, ao Ministro José Roberto Freire Pimenta.

Às fls. 4.392-4.393, há despacho de minha lavra em que esclareço a inclusão do ARR 0010320-75.2015..5.03.0099 como representativo da controvérsia e dilato em quatro meses o prazo de julgamento deste incidente, na forma do art. 980, parágrafo único, do CPC."

EIS O RELATÓRIO.

Assinalo que são igualmente da lavra do Exmo. Ministro Relator originário os trechos a seguir textualmente reproduzidos entre aspas e grafados em itálico .

CONHECIMENTO

" O recurso de revista interposto no processo RR-243000-58.2013.5.13.0023 é tempestivo (fls. 205 e 206) e está subscrito por procurador regularmente constituído nos autos (fl. 9), sendo desnecessário o preparo.

O recurso de revista interposto no processo RR-184400-89.2013.5.13.0008 é tempestivo (fls. 370 e 371) e está subscrito por procurador regularmente constituído nos autos (fl. 255), sendo desnecessário o preparo.

Convém destacar que os apelos não se regem pela Lei 13.015/2014, tendo em vista terem sido interpostos contra decisões publicadas em 4/7/2014 e 24/2/2014, antes do início de vigência da referida norma, em 22/9/2014.

1 – DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS

1.1 Perspectiva de admissibilidade dos recursos de revista

O TRT da 13ª Região, no RR-243000-58.2013.5.13.0023, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante com esteio na fundamentação seguinte:

‘MÉRITO

O direito à indenização por dano moral vindicado pelo reclamante assenta-se no fato de a reclamada ter-lhe exigido, para a formalização do contrato de emprego, certidão de antecedentes criminais.

O Juízo de origem, acolhendo a tese da defesa, indeferiu a pretensão, consignando o raciocínio de que a exigência do atestado não causa prejuízos ao trabalhador.

Em suas razões recursais, o demandante reitera o pedido, insistindo no argumento de que o fato jurídico em que se baseia a ação constitui séria violação ao direito de intimidade e à honra.

A pretensão recursal não há de ser acolhida.

Os antecedentes criminais são, na verdade, oriundos de bancos de dados de domínio público, constantes nos registros do Poder Judiciário e acessados pela internet, não se vislumbrando em que sua apresentação, nessa condição, configuraria invasão à intimidade ou vida privada dos candidatos ao posto de emprego.

Semelhante pensamento tem prevalecido nos julgados mais recentes da 1ª Turma, conforme evidenciado no aresto a seguir transcrito:

DANO MORAL. EMPREGADO. EXIGÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. DISCRIMINAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Não há ilicitude na conduta patronal quanto à exigência de prova de negatividade de antecedentes criminais para a admissão de empregado, não se configurando qualquer ato discriminatório. Assim, ausente os requisitos legais para a responsabilização da reclamada, resulta indevida a indenização postulada. (RO 104800-22.2013.5.13.0007, Relator Desembargador PAULO MAIA FILHO, DJ 21.10.2013), sic.

Impõe-se considerar, ainda, que, na espécie, a certidão foi solicitada ao próprio autor, enquanto aspirante ao emprego, não se tendo realizada uma investigação à sua revelia, como ocorre no caso das clandestinas listas negras de trabalhadores, que visam a dificultar o acesso ao mercado de trabalho em retaliação pelo ajuizamento de ação judicial contra empresas.

Ainda nessa perspectiva, tem-se que a apresentação da certidão em debate é uma obrigação a todos exigida na contratação perante a reclamada, empresa de grande porte, o que, logicamente, afasta o viés de discriminação em relação unicamente à pessoa do reclamante.

A propósito, a prática de se exigir a apresentação do referido documento é corriqueira para se tomar posse nos cargos públicos, inclusive no âmbito do próprio Poder Judiciário, não se tendo notícia de questionamentos quanto ao seu caráter supostamente atentatório aos direitos de personalidade.

Em arremate, não houve prejuízo concreto ao reclamante por lhe ter sido exigida a certidão de antecedentes criminais como requisito ao ingresso no posto de trabalho, haja vista que foi admitido pela empresa, sem que tenha havido, ao longo do contrato, nenhuma consequência correlacionada ao documento apresentado, o que afasta a pretensa violação à Lei n. 9.029/95 ou à garantia constitucional do pleno emprego e do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Ressalte-se, por oportuno, que a situação em análise constituiu tema de incidente de uniformização de jurisprudência (IUJ n. 00138-59.2013.5.13.0000), tendo o Órgão Plenário pacificado o entendimento em sentido contrário à pretensão do reclamante, com a seguinte conclusão

[…] ao empregado que se exigiu certidão de antecedentes criminais, na fase pré-contratual, mas que foi admitido e prestou serviços, não é devia indenização por danos morais, pela apresentação de tal documento, sic.

É óbvio que tal posicionamento não poderia ser adotado caso houvesse recusa na contratação do reclamante em face da apresentação de uma certidão positiva de antecedentes criminais.

Em semelhante conjetura, estaria configurada lesão moral concreta, violadora do padrão de dignidade, representada pela angústia a que se submete o trabalhador com pena já cumprida, diante do obstáculo erguido à sua inclusão social. Esta, entretanto, não é a situação que se delineia nos presentes autos.

Em resumo, assim como o Juízo de origem, tem-se que a exigência questionada não se traduziu em desconforto psicológico de séria magnitude a ensejar o direito à reparação por lesão extrapatrimonial Visualizada a questão sob esse prisma, não há de se cogitar, na espécie, de violação aos dispositivos legais e constitucionais invocados na petição recursal, a saber: arts. 1º, inciso III, 5º, incisos I, II, III, V e X, 7º, caput e inciso XXX, e art. 170, VIII, da Constituição; art. 1º da Lei n. 9.029/1995; art. 8º, caput e parágrafo único, da CLT; arts. 186, 187 e 927 do Código Civil.

Isso posto, nego provimento ao Recurso Ordinário.’ (fls. 202-204)

O TRT da 13ª Região, ao julgar o recurso ordinário no processo RR 184400-89.2013.5.13.0008, decidiu:

‘2.1 DANOS MORAIS – ANTECEDENTES CRIMINAIS PARA ADMISSÃO

Insurge-se o recorrente contra a decisão de origem, pelas razões apresentadas no relatório supra e na peça recursal.

O cerne da discussão consiste em determinar se a conduta da reclamada por exigir, como requisito para se efetivar a contratação do obreiro, a certidão de antecedentes criminais é discriminatória ou não.

Fazendo-se a ponderação entre os direitos fundamentais do trabalhador, tendo em vista a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em que se procura coordenar os bens jurídicos em conflito, prevalece o inciso X, em detrimento do inciso XXXIV, do artigo 5ª da Constituição da República, porque todo o sistema jurídico está centrado na dignidade da pessoa humana, afeto à personalidade do indivíduo, conforme o artigo 1º, inciso III da Constituição.

A questão do dano moral tem assumido relevância no âmbito do Direito do Trabalho, a par do que já ocorre em outros aspectos da vida em sociedade, mormente porque a atual Constituição Federal elevou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho ao patamar dos fundamentos do "Estado Democrático de Direito" (art. 1º, incisos III e IV), acrescentando que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, inciso X).

Além do disciplinamento constitucional sobre a matéria, a legislação ordinária impõe a responsabilização civil de quem causa dano a outrem, nos termos do Código Civil, artigo 927.

Assim, as regras de proteção à dignidade moral e aos direitos personalíssimos do empregado incidem e fazem parte do conteúdo necessário do contrato de trabalho, fazendo surgir uma série de direitos e obrigações, cuja violação é passível de sanção pecuniária.

Por outro lado, sabe-se que a indenização por dano moral decorre de abuso aos direitos de personalidade, que pode, ou não, ter como características, sofrimento, angústia, desequilíbrio psicológico, medo, depressão por que passa a vítima no momento do fato, e enquanto perdurar o sofrimento, por ver atingido os valores fundamentais inerentes à sua personalidade, aos seus sentimentos mais profundos.

Ocorre que o Pleno deste Regional, em julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência 0013800-59.2013.5.13.0000, decidiu que ao empregado que se exigiu certidão de antecedentes criminais, na fase pré-contratual, mas que foi admitido e prestou serviços, não é devida indenização por danos morais, não havendo se falar em violação ao art. 1º da Lei nº 9.029/95.

Destarte, em homenagem ao caráter uniformizador da jurisprudência deste Tribunal, curvo-me às diretrizes fixadas pelo Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado, e decido pela manutenção da sentença de origem.

Esclareço, por fim, que houve análise explícita da questão discutida em Juízo. Dessa forma, entendo ser desnecessário apontar os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes. A matéria está prequestionada de acordo com a Súmula 297/TST.

3 CONCLUSÃO Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamante.’ (fls. 367-369).

Os dois recursos de revista reunidos neste incidente (RR-243000-58.2013.5.13.0023 e o RR-184400-89.2013.5.13.0008) têm clara perspectiva de admissibilidade porque aparelhados, inclusive, com a alegação de dissenso jurisprudencial: o aresto paradigma trazido à fl. 208 do RR-243000-58.2013.5.13.0023 e aquele colacionado à fl. 370 do RR RR-184400-89.2013.5.13.0008 destoam das decisões recorridas e autorizam, em princípio, o conhecimento de citados recursos. A condição de recursos admissíveis atende ao pressuposto recomendado no art. 2º da Instrução Normativa n. 38 do TST.

1.2 Argumentos a serem confrontados para a produção da tese

Os acórdãos regionais exarados no processo em que se instaurou o incidente (RR-243000-58.2013.5.13.0023) e naquele que corre junto (RR-184400-89.2013.5.13.0008) assemelham-se quanto aos fundamentos.

As duas decisões rejeitam a alegação de que seria discriminatória a conduta patronal que consistia em exigir certidão negativa de antecedentes criminais dos candidatos a emprego porque:

a) era a certidão exigida de todos os candidatos ao emprego. Nos dois acórdãos, o e. TRT da 13ª Região, para afastar a premissa de que haveria dano moral, enfatiza como razões de decidir:

b) o aspecto de as certidões serem de domínio público, podendo ser obtidas por qualquer interessado;

c) o fato de a empregadora não promover investigação sobre a vida pregressa dos candidatos a emprego, à sua revelia, pois a eles pedira a malsinada certidão;

d) a existência de precedente da jurisprudência regional, consubstanciado no julgamento do IUJ 0013800-59.2013.5.13.0000, segundo o qual a exigência de certidão de antecedentes criminais em fase pré-contratual, quando o trabalhador é admitido e presta serviço, não gera dano moral;

e) a ressalva de que haveria violação do princípio da dignidade da pessoa humana se certidão positiva houvesse impedido a contratação e, portanto, a reinserção social de trabalhador que já houvesse cumprido sua pena.

Interessante verificar quais fundamentos, além dos já enumerados, estariam sendo adotados pelos outros Tribunais Regionais (que atenderam à solicitação da relatoria) para acolher, ou rejeitar, a pretensão indenizatória sob exame.

Embora informasse não ter recurso pendente sob sua apreciação, o TRT da 12ª Região apresentou acórdãos lavrados acerca do tema. Ao julgar o RO-0005434-77.2012.5.12.0005, a Corte Regional, na fração de interesse, assim se posicionou (fls. 672-676):

‘[...] existe a possibilidade do empregador exigir de cada candidato certidão de antecedentes criminais, sem que tal atitude configure conduta discriminatória. O empregador está apenas a conhecer o perfil da pessoa que vai exercer o labor em sua empresa.

É do senso comum que a recorrente é uma empresa de transporte rodoviário de cargas, onde os empregados necessitam trabalhar com cargas perigosas, tais como, combustíveis, gases, produtos químicos em geral. Ainda, o mercado nessa área também é altamente perigoso, pois as cargas de alto valor estão sendo constantemente sujeitas a furto por quadrilhas especializadas em nossas rodovias.

Diante desse contexto, a meu ver, a exigência de certidão de antecedentes criminais para os aspirantes constitui um dever de cautela em relação a segurança da coletividade.

Inclusive, em ambientes de trabalho onde não há perigos envolvendo a atividade, como no próprio âmbito do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça está exigindo que todos os servidores titulares de funções comissionados e cargos em comissão apresentem a certidão de antecedentes criminais, dentre outros documentos, em atendimento da· Resolução n. 156/2012.

[...]

Por fim, ressalto que o art. 16 da Lei n. 7.102/83 que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências exige que o aspirante ao cargo não tenha antecedentes criminais registrados.’

Nota-se que o TRT da 12ª Região adota como razões de decidir para indeferir a pretensão indenizatória:

f) a exigência de certidão criminal negativa no setor de transporte de cargas protege interesse da coletividade em razão da possibilidade de roubo das cargas de alto valor;

g) mesmo em ambientes de trabalho não susceptíveis a risco, o CNJ exige a certidão de antecedentes criminais;

h) o art. 16 da Lei 7102/1983 prevê a exigibilidade de certidão de antecedentes criminais para agentes de segurança e transporte de valores em estabelecimentos bancários e congêneres.

Em sentido diverso, o mesmo TRT da 12ª Região traz os acórdãos do RO-0000972-46.2014.5.12.0025 (fls. 703-708) e do RO-0000248-77.2011.5.12.0015, este com trechos temáticos que reclamam transcrição (fls. 680-700):

‘1 - AUTO DE INFRAÇÃO. VALIDADE

O Juízo sentenciante, acolhendo a tese da empresa-autora, considerou inválidos e antijurídicos os fundamentos do auto de infração n ° 014.035.341, declarando a inexistência de débitos dele decorrentes, por entender que a ré (União) não comprovou que, no conjunto das dispensas ocorridas e considerando o elevado número de empregados em atividade, as mencionadas no auto de infração foram discriminatórias. E ainda, que o potencial manuseio de armas I brancas no ambiente de trabalho da empresa-autora justifica a exigência da certidão negativa de antecedentes criminais, sendo que a União não demonstrou que realmente houve alguma não contratação de trabalhador motivada pelo conteúdo de uma certidão positiva de antecedentes 'criminais [...]

A União insurge-se contra essa decisão, asseverando que: o auditor fiscal tem obrigação de fiscalizar o fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho, devendo lavrar o auto de infração sempre que verificar violação à legislação; o auto de infração questionado encontra-se revestido das formalidades legais, não existindo nenhum motivo de - ordem fática ou jurídica capaz de motivar a sua desconstituição; ao contrário do exposto na sentença, ficou demonstrado que no dia 27-8-2008, nas dependências da empresa autora, em inspeção constatou-se a prática de atos discriminatórios, os quais violam os direitos da personalidade, da igualdade e da intimidade, todos assegurados como direitos fundamentais previstos no art. 5º da Constituição Federal; foram de respeitados os preceitos da Lei n° 9.029/95, que proíbe a prática de atos discriminatórios na relação de trabalho; no momento da inspeção os fiscais constataram que a empresa estava exigindo, como condição para contratação dos trabalhadores, a ·denominada "folha corrida ou certidão de antecedentes, sendo que foram analisados diversos dossiês de empregados, onde foi verificada esta prática; a empresa não nega que exige dos candidatos a uma vaga de emprego a apresentação da certidão de antecedentes criminais; ao contrário, defende que não há vedação legal e que a prática do ato é necessária para preservar o seu patrimônio e a integridade física dos seus empregados, estando autorizada pelo art. 5º, inciso XXXIV, da CRFB; esta prática é discriminatória ·e caracteriza abuso de poder, configurando violação da intimidade das pessoas; ainda acarreta discriminação de trabalhadores que eventualmente possuam registros de ilícitos criminais, dificultando o acesso ao emprego; o direito ao trabalho, antes de mais nada, significa a possibilidade de manutenção ou recuperação da dignidade da pessoa [...].

No que respeita à exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais para a admissão, novamente a empresa-autora não nega o fato e não impugna os documentos das fls. 127 (relação de documentos necessários para a entrevista admissional) e 115-126 (certidões. de antecedentes criminais). Tenta apenas legitimar tal conduta, dizendo que não há vedação legal e que a prática do ato é necessária para preservar o seu patrimônio e a integridade física dos seus empregados.

Inicialmente, cumpre observar que, ao contrário do defendido pela empresa, o art. 2° da Lei n° 9.051/95 não autoriza o acesso público aos antecedentes criminais dos cidadãos, de forma indiscriminada, e ainda de maneira à considerar-se como um ato que não viola a integridade ou intimidade dos empregados. Na verdade, o legal mencionado apenas regulamenta o prazo 15 dias para os órgãos da Administração, seja direta ou indireta, expedir as certidões ‘para a defesa de direitos esclarecimentos de situações’ que lhe forem requeridas, devendo os interessados justificar os objetivos do pedido.

No mais, apesar de não existir vedação legal expressa para a exigência da certidão de antecedentes criminais para admissão em emprego, da análise dos arts. 3º, inc. IV, e 5º da Constituição Federal, tem-se que, por ser uma medida extrema e que expõe a intimidade e a integridade do traba1lhador, deve sempre ficar restrita às hipóteses em que a lei expressamente permite, como é o caso dos vigilantes (v. Lei nº 7.102/83, art. 16, VI). Aqui, sim, o rol de permissões e concessões da lei é taxativo.

Cumpre observar, apenas para que não fiquem dúvidas que 'no caso. dos vigilantes a imposição de que os candidatos ao emprego não tenham antecedentes criminais, além de prevista em lei, justifica-se plenamente pela atividade exercida. Isto porque os trabalhadores atuarão na guarda e transporte de valores, joias e numerários, bem como na segurança de estabelecimentos financeiros e, sempre, portanto arma de fogo, instrumento bem mais perigoso e letal que a chamada arma branca.

Ressalta-se, ainda, que a empresa-autora, como pessoa jurídica privada que admite e assalaria trabalhadores deve sempre-nortear sua conduta pelo disposto na Constituição Federal, mormente no que respeita aos direitos e garantias fundamentais (Título II, arts. 5º a 17), bem como pelas demais legislações infraconstitucionais. Assim, se essas não autorizam ao empregador exigir do candidato ao emprego a apresentação da certidão de antecedentes criminais não poderá ele fazê-lo por conta própria.

De outro norte, no que concerne à justificativa de que a exigência de tal documento é necessária para preservar a integridade física dos seus empregados, mais uma vez, a empresa deixou a apresentar provas, ônus que lhe competia, prevalecendo a constatação feita no auto de infração.

É certo que cabe empresa-empregadora a obrigação de promover a segurança e a saúde no ambiente de trabalho, especialmente no que diz respeito a cumprir e fazer com que seus empregados cumpram as normas preventivas de segurança e medicina do trabalho, bem como a obrigação de instruir os trabalhadores quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, conforme estabelece o art. 157, da CLT, Também é de conhecimento desta relatora - e de conhecimento público - que em muitos setores da empresa-autora é necessária a utilização de facas, classificadas como arma branca, e que vários de seus empregados precisam manuseá-las. No entanto, diante do disposto nos arts. 1º, 3º, 5º, 6º e 7º da Constituição Federal, conduta do empregador.

Note-se que a empresa-autora não comprovou e, aliás, sequer afirmou, que utilizou outras medidas preventivas ao selecionar seus empregados, tais como, entrevista com psicólogo especializado em Recursos Humanos e em seleção de candidatos; testes psicológicos que identificam o perfil do candidato, dinâmicas de grupo, etc. Assim, ao contrário do sustentado pela empresa, ficou demonstrado que ela não tornou nenhum outro tipo de precaução, sendo que à exigência, de forma isolada, da certidão de antecedentes criminais, com certeza, não irá garantir um ambiente de trabalho seguro aos seus empregados, tampouco que a empresa não venha a ser surpreendida pela prática de em ato ilícito por um trabalhador.

Vale aqui esclarecer que, ao tentar legitimar a apresentação da esclarecer certidão de antecedentes criminais, afirmando que o empresário ou o funcionário do Departamento de RH não conseguem aferir com precisão ‘ se de fato o candidato à vaga possui ou não ‘personalidade voltada para o crime’, por isso, socorre-se aos antecedentes penais’ (fl. 266, item 33), a empresa, diversamente da sua aparente pretensão, acabou demonstrando que tal prática tinha cunho nitidamente discriminatório.

As condutas da empresa-autora, como acima exposto, resultaram em afronta a legítimos direitos dos trabalhadores, inclusive, assegurados constitucionalmente como direitos fundamentais nos arts. 1º, 3º, 5º, 6º e 7º da Constituição Federal, que consagram os princípios da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, sendo que o inc. XLI do art. 5º ainda prescreve que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. Houve ofensa também à norma constitucional prevista no art. 3° que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a proibição de quaisquer formas de discriminação, além de violação aos direitos previstos no art. 1° da Lei n° 9.029/95 [...]

Já o procedimento de exigir a certidão de antecedentes criminais para a admissão ao emprego, sem adotar nenhuma outra medida preventiva, também afronta os dispositivos Constitucionais acima citados, bem como a Lei no 9.029/95, e ainda demonstra que a empresa fazia tal exigência com o único intuito de discriminar os trabalhadores que já haviam sido condenados por algum crime ou contravenção penal, diante do preconceito havido.

Nesta esteira, cabe observar que um ·trabalhador que cometeu um crime, foi julgado, condenado por sentença penal transitada em julgado, cumpriu integralmente a pena imposta .nele considerando o período de eventual livramento condicional e, portanto, a sua dívida com a sociedade, ainda pode ter urna certidão de antecedentes criminais positiva.

Isto acontece porque o registro do delito e da sua autoria será excluído do banco de dados ou do ‘Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere’ somente após ser declarada, por sentença transitada em julgado, a reabilitação do apenado. E, como pode-se (sic!) verificar da leitura dos artigos 743, 744, inc. III, 747 e 748 do Código de Processo Penal· (CPP), isso ocorre após 4 ou 8 anos do dia em que houver terminado a execução da pena principal ou da medida de segurança detentiva, sendo um dos requisitos para a sua concessão um atestado de bom comportamento fornecido por uma pessoa a quem o ex-detento tenha prestado serviço. In verbis:

Art. 743. A reabilitação será requerida ao juiz da condenação, após o decurso de quatro ou oito anos, pelo menos, conforme se trate de condenado ou reincidente, contados do dia em que houver terminado a execução da pena principal ou da medida de segurança detentiva, devendo o requerente indicar as comarcas em que haja residido durante aquele tempo.

Art. 744. O requerimento será instruído com: (...) III atestados de bom comportamento fornecidos por pessoas a cujo serviço tenha estado;

Art. 747. A reabilitação, depois de sentença irrecorrível, será comunicada ao Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere.

Art. 748. A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.

Ora, não se pode permitir a prática de não admissão de empregados, única e simplesmente, pela existência de antecedentes criminais, quando o trabalhador já cumpriu integralmente a pena e necessita urgentemente de um emprego para garantir a sua própria subsistência, 'para se ressocializar e, também, para preencher um dos requisitos para a concessão da reabilitação.

O mesmo se verifica com o benefício do livramento condicional. Pois,· conforme art. 710, inc. IV do CPP, uma das exigências para a sua concessão é que o recluso/detento encontre um trabalho honesto que permita garantir o seu sustento.

Art. 710. O livramento condicional poderá ser concedido ao condenado a pena privativa da liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que se verifiquem as condições seguintes:

IV - aptidão para prover â própria subsistência mediante trabalho honesto;

O comportamento· da ré, sem dúvida, deve ser repudiado, por agredir o princípio da dignidade de pessoa humana e o princípio social do trabalho, constitucionalmente assegurados, sendo que aquele consiste em um conjunto de direitos que visa a assegurar aos trabalhadores o acesso e a manutenção do emprego, como garantia de obter uma ·vida mais digna, já que, muitas vezes, o único patrimônio que possuem é a sua própria força de trabalho. [...]’

Como fundamentos que se distinguem daqueles já referidos, o TRT da 12ª Região acolhe a pretensão indenizatória em razão de:

i) o art. 2º da Lei 9051/1995 não autoriza o acesso indiscriminado aos antecedentes criminais;

j) a ciência do empregador acerca de antecedentes criminais não garante um meio ambiente saudável e seguro, revelando apenas a inaptidão do setor de recursos humanos de aferir a predisposição para o crime, tanto mais se outras medidas preventivas (teste psicológico, dinâmica de grupo etc.) e mais adequadas não são utilizadas para esse fim; k) a exigência de certidão de antecedentes criminais vulnera os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho; l) a exigência de certidão de antecedentes criminais conspira contra a possibilidade de reabilitação do apenado que os artigos 743, 744, 748 e 749 do Código de Processo Penal asseguram, frustrando ainda os propósitos do livramento condicional consagrados no art. 710 do mesmo CPP.

O TRT da 3ª Região, por sua vez, trouxe à consideração o julgamento a que procedera nos processos n. 02372-2011-008-00-6 (fls. 1005-1006) e n. 01039-2015-052-03-00-1 (fls. 996-997), nos quais indeferira a pretensão reparatória por entender que: l) a exigência de certidão de antecedentes criminais não compromete o direito à preservação da intimidade ou da honra do trabalhador. O seu julgamento no processo n. 00786-2013-060-03-00-5 alcançou igual resultado mas tem relevância maior por tratar de empregado que tivera a admissão em emprego negada pelo fato de haver cumprido condenação criminal. Na parte de relevo, assim decidiu o Terceiro Regional (fls. 1.001-1.003):

‘INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Narra o autor, na inicial, que foi convocado pela reclamada para comparecer à cidade de ltabira, a fim de submeter-se a processo seletivo para o cargo de montador de andaime, tendo se mantido em alojamento da empresa.

Aduz que está cumprindo condenação criminal em regime aberto e que, após informar tal fato à reclamada, o processo de admissão foi encerrado e sua contratação restou frustrada.

Sustenta que a atitude da ré causou-lhe revolta, indignação e feriu sua dignidade, motivo pelo qual busca sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 03/04).

A ré, na contestação, nega que a formalização do contrato de trabalho tenha se frustrado em razão dos antecedentes criminais do reclamante, sustentando que o obreiro deixou de lhe apresentar documentação necessária ao processo de admissão e que ele não foi aprovado nos treinamentos realizados pela empresa, motivos que ensejaram a sua não contratação.

Na sentença, foi indeferido o pedido do autor de condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, decisão contra a qual se insurge, pretendendo sua reforma.

Analiso.

O dano moral decorre de ato (ou omissão) voluntário ou culposo, não abalizado em exercício regular de direito, atentatório aos valores íntimos da personalidade humana, juridicamente protegidos.

Só há, pois, que se falar em dano moral quando se constata efetivo sofrimento humano, mágoa a valores íntimos da pessoa, ou seja, a lesão deve ser de tal monta que provoque verdadeiras saqueias no plano psicológico da vítima.

Importante salientar que a reparação do dano moral foi elevada· a patamar constitucional, havendo previsão expressa na Carta Magna, inserta no artigo 5°·, V e X, os quais seguram ‘o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’ e que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a hora e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’.

Com efeito, a reparação por danos morais atrelados à relação de emprego pressupõe prova inequívoca dos seguintes elementos: conduta, ilícita do empregador, prejuízo suportado pelo trabalhador e nexo de causalidade entre a conduta anti-jurídica e o dano experimentado (artigos 186 e 927 do Código Civil), estando a responsabilidade civil patronal abarcada pelo artigo 7°, XXV111, da CR/88.

No caso vertente, embora a prova oral confirme a tese do reclamante de que sua contratação não se efetivou em razão de estar ele em fase de cumprimento de pena criminal (fl. 45), tenho que tal fato, por si só, não enseja o direito à indenização vindicada.

O próprio dano moral não está demonstrado, pois não se evidencia qualquer transtorno causado aos direitos de personalidade do obreiro pela situação fática revelada nos autos.

Entendo que tal situação, conquanto cause embaraço e até mesmo frustração, não seria capaz de causar efetivo dano moral.

Não está demonstrado qualquer comportamento ilícito da reclamada, do qual aquele prejuízo pudesse decorrer, estando, pois, afastado, também, o nexo causal.

Ora, pode o empregador, antes da formalização do contrato, submeter o candidato a processo seletivo e, com base nos resultados, pode ser que a contratação não se efetive. Nessa hipótese, nenhuma obrigação incumbe à empresa, visto que o candidato, até esse momento, detinha mera expectativa de direito.

Oportuno registrar que, no presente caso, não há prova de que a contratação do obreiro tenha sido, em algum momento, garantida pela empresa, tampouco que o autor tivesse sofrido danos decorrentes da não contratação.

Desta feita, o exercício do direito potestativo da empregadora, de não contratar o reclamante, não configura ato ilícito, mesmo que fundado nos antecedentes criminais do candidato ao empregado.

Eventual aborrecimento sofrido pelo trabalhador em decorrência dos fatos, embora indesejável, não configura, por si só, dano moral passível de reparação, não se evidenciando ofensa real aos seus direitos de personalidade.

Destarte, ausentes os requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil patronal, fica mantida a sentença que, negou ao reclamante o direito à indenização por dano moral.

Nada a prover.’

Nesse julgamento, o TRT da 3ª Região fixa tese com base em fundamento diferenciado:

m) mesmo quando o empregado não é contratado, comprovadamente, em razão de estar cumprindo sentença criminal, tal situação causa apenas embaraço ou frustração, mas não evidencia qualquer transtorno aos direitos da personalidade.

Cito igualmente o acórdão exarado pelo TRT da 3ª Região nos autos do RR-1494-05.2010-5.03.0077 (fls. 4.062-4.076), adiantando que o voto do Relator, no TRT, é alusivo, enfaticamente, à certidão negativa de antecedentes criminais, embora resulte vencido pela percepção, dos demais integrantes da Turma Regional, de que outras certidões – atinentes a reclamações anteriores na Justiça do Trabalho e a dívidas civis, justificariam a condenação da empresa. In verbis:

‘PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA - EXIGIR CERTIDÕES NEGATIVAS

‘O Parquet imputa à reclamada conduta discriminatória. Alega haver prova de que a ré exige de candidatos a emprego a apresentação de certidões negativas criminais, do SERASA, do SPC e da Justiça Trabalho.

Afirma que essa prática ofende a dignidade dos trabalhadores.

Por esse fundamento, pede a condenação da reclamada na obrigação de não fazer e na obrigação de indenizar pelo dano moral coletivo.

Ao exame.

Doutrina e jurisprudência são uníssonas a respeito da possibilidade de responsabilização do empregador por ato praticado na fase pré-contratual, se comprovado o ilícito a atingir direito do trabalhador que se submete ou pretende se submeter ao processo seletivo.

Regra geral, configura discriminação ilícita a prática da empresa que, antes de decidir sobre a contratação de futuros empregados, exige a apresentação de certidões judiciais e de certidões dos serviços de proteção ao crédito.

Não obstante o empregador tenha o direito de buscar informações sobre os pretensos empregados, age abusivamente aquele que nega contratação ao trabalhador por ter inscrição nos órgãos de proteção ao crédito ou alguma pendência judicial.

Trata-se de medida que, a princípio, ofende a garantia de inviolabilidade da vida privada e implica restrição injustificada de acesso à relação de emprego, em flagrante ofensa aos ditames do artigo 50, inciso X, da CR/88 e da Lei 9.029/95.

[...]

Em determinados casos, porém, a vedação à exigência de certidões e antecedentes, notadamente criminais, sofre certa mitigação. Há situações em que o próprio regramento heterônomo impõe ao empregador a obrigação de se certificar a respeito dos antecedentes dos pretensos empregados.

É esse o caso das empresas de transporte. A Resolução 197112007 da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, que instituiu o Sistema de Cadastro dos Motoristas das Empresas Permissonárias ou Autorizatárias - SISMOT, prevê expressamente que:

`Art. 10 Implementar o Sistema de Cadastro dos Motoristas das Empresas Permissonárias ou Autorizatárias - SISMOT, disponibilizado via internet por esta Agência, que deverá ser preenchido e atualizado pelas empresas brasileiras• permissionárias e autorizatárias do transporta rodoviário interestadual e internacional de passageiros, composto pelos seguintes dados:

I - nome do motorista;

II— número do Cadastro de Pessoa Física - CPF;

III nome completo da mãe; IV - número da Carteira Nacional de Habilitação;

V - data de admissão na empresa;

VI— data de demissão da empresa, quando for o caso;

VII - confirmação do recebimento da certidão negativa do registro de distribuição criminal federal válida no momento do cadastramento, emitida por órgão competente da seção judiciária do estado no qual o motorista é domiciliado e residente, e registro da data de expedição da referida certidão; e

VIII - confirmação do recebimento da certidão negativa do registro de distribuição criminal estadual válida no momento do cadastramento, emitida por órgão competente do estado no qual o motorista é domiciliado e residente, e registro da data de expedição da ré ferida certidão.' (grifei) –

Desse modo, é de se concluir que, se chegou a exigir certidões criminais de candidatos a vagas de motorista, a reclamada não praticou nenhum ilícito, porquanto agiu no cumprimento da exigência imposta pela Administração Pública.

Assim decidiu o c. TST:

[...]

Nem se diga que a aplicação da Resolução 197112007 da ANTT poderia ser afastada neste feito em razão de eventual inconstitucionalidade. Conforme entendimento consagrado na Súmula Vinculante 10 do STF, uma decisão dessa natureza, se proferida por Órgão fracionário de tribunal, violaria a cláusula de reserva de plenário. Verbis:

'Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte'.

No caso em exame, portanto, eventual responsabilidade da reclamada somente poderia advir da conduta consistente em exigir certidões creditícias e judiciais trabalhistas ou cíveis. As informações contidas nessas certidões não se legitimam como requisito para a contratação e exigi-las do trabalhador é conduta abusiva e injustificável.’

Até aqui, transcreveu-se o voto do Exmo. Desembargador Relator, passando-se à exposição da tese que prevaleceu.

Na esteira da decisão antecipatória de tutela (fls. 109/110), a d. maioria desta Eg. Turma entende como documentada a prática discriminatória, notadamente, quanto à exigência de certidões emitidas por órgãos policiais e de proteção ao crédito e quanto à comprovação de inexistência de pensão alimentícia a ser descontada em folha.

Destaca-se que a determinação contida na Resolução 1971/2007 da ANTT justifica a exigência de certidões criminais emitidas por cartórios de distribuição da Justiça Federal e Estadual, não de outros órgãos.

Em relação à exigência de certidão negativa da Justiça do Trabalho, a prova testemunhal, embora frágil, é corroborada pelo documento de fl. 28.

[...]

O valor da reparação a título de danos morais coletivos fica arbitrado em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), visando a atender perfeitamente os critérios acima expostos.

Assim, a d. maioria desta Eg. Turma deu parcial provimento ao recurso, para determinar obrigação de não fazer quanto à exigência de certidões, salvo se amparadas em atos normativos pertinentes, sob pena de multa diária de R$10.000,00, reajustáveis na forma do pedido inicial; e para condenar a ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no importe de R$25.000,00.’

Entre os processos indicados para afetação pelo TRT da 3ª Região ressai, porém, o ARR 0010320-75.2015.5.03.0099, importante para a decisão deste incidente por tratar de situação singular, na qual a Vara de Execuções Penais municia as empresas situadas em Governador Valadares com o envio de cadastros relativos a pessoas que cumprem pena e se encontram em processo de reinserção social, insurgindo-se o Ministério Público contra atitude de empresa que seria seletiva na contratação dessas pessoas e pleiteando inclusive que o juízo estabelecesse cota percentual para a contratação de egressos do sistema prisional. O julgado é emblemático da complexidade do tema e foi lavrado nos seguintes termos:

‘DISCRIMINAÇÃO. DANO MORAL COLETIVO. TUTELA INIBITÓRIA

Das Alegações do Autor Recorrente

O Ministério Público do Trabalho não se conforma com a r. sentença recorrida, pugnando pela sua reforma, argumentando ser ilegítima a prática da ré em "discriminar trabalhadores, genericamente, em processo de seleção a emprego, exigindo a apresentação de certidões e não contratando trabalhadores em razão de terem sido indiciados em inquérito policial, de estarem sendo acusados ou de terem sido condenados, em processo criminal, ou em razão de prática (ou suposta prática) de ato infracional" (id b04a3b0), o que contou com apuração em inquérito civil.

Afirma que a conduta da ré viola o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CRFB) e esclarece que os pedidos são de cessação da prática pela ré, indenização por danos morais coletivos, custeio de campanha reversa ao ilícito praticado e, por fim, obrigação de contratação de egressos do sistema prisional, por 10 anos.

Insiste que o juízo de origem não enfrentou a questão da discriminação e do preconceito. Aponta analogia com a hipótese de discriminação na contratação de mulheres grávidas, afirmando que não há obrigação da sua contratação, mas, há vedação ao preconceito. Invoca diversos dispositivos internacionais, constitucionais e legais referentes à vedação de discriminação e garantias de acesso ao trabalho, em especial, o art. 1º da Lei n. 9.029/95.

Da Questão Posta nos Autos

O julgamento do presente processo demanda, inicialmente, a definição da questão posta em juízo, o que impõe a análise da petição inicial.

A leitura do libelo informa que a pretensão do autor é a condenação da ré ao cumprimento das seguintes obrigações de fazer: a) abstenção, sob pena de multa, de exigir, aceitar, aferir ou consultar, para a seleção, na contratação ou manutenção em emprego, de informações relativas à existência de indiciamento em inquérito policial, de investigação ou condenação em processo criminal ou, ainda, em razão de indiciamento, investigação ou sentença proferida em decorrência de ato infracional; b) a custear o planejamento, a criação e a veiculação de campanhas educativas que construam conhecimento alertas, estimulem o debate social, bem como divulguem, para a comunidade em geral, acerca da ilicitude quanto à exigência de certidões criminais ou consulta em banco de dados, para se obter informações a respeito, bem como quanto à ilegalidade no que tange à discriminação dos trabalhadores, os quais estejam ou estiveram com conduta conflituosa à Lei Penal; c) contratar trabalhadores, egressos do sistema prisional, indicados e acompanhados pelo CENTRO DE PREVENÇÃO À CRIMINALIDADE, de Governador Valadares, para lojas nesta cidade situadas, na proporção de 5% (cinco por cento) de trabalhadores, calculando-se em consideração a cada estabelecimento, e no prazo mínimo de 10 (dez) anos, sob pena de pagamento de multa. Por fim, formulou pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais).

Os fatos narrados na exordial que fundamentam os pedidos contêm a alegação central de que a reclamada exigia a apresentação de certidão negativa de antecedentes criminais (de indiciamentos a condenações) dos pretendentes a quaisquer dos postos de trabalho em seus estabelecimentos.

Da Decisão de Primeiro Grau.

Após a análise dos autos, o juízo sentenciante julgou improcedentes os pedidos, sendo a fundamentação seguinte sentido:

‘Depreende-se do Inquérito Civil nº 000033.2009.03.006/1 que existem currículos de egressos do sistema prisional que são encaminhados à ré pelo próprio sistema social estatal que os assiste, em decorrência de ajuste prévio, estabelecido também com outros empregadores: (...) Também as declarações prestadas pela Exma. Promotora de Justiça, Titular da 12a. Promotoria de Justiça na Comarca de Governador Valadares, com atuação junto à Vara de Execução Penais, Dra. Ingrid Veloso Soares do Val, denotam que a relação de candidatos a emprego, egressos do sistema prisional, é remetida à ré por iniciativa de parceria com o PRESP: (...) Com efeito, por decisão do Exmo. Juiz Titular da Vara de Execuções Penais, é impossibilitada a contratação de empregado sem a intermediação do Estado. (...) Portanto, como se depreende das três declarações acima, quanto aos candidatos a emprego que ainda estão adstritos ao Juízo da Vara de Execuções Penais, o próprio convênio/parceria com o Estado informa à ré a condição existente, qual seja, de que a pessoa apresentada possui antecedente criminal. Assim, se os currículos são encaminhados pela própria PRESP, é indubitável que a ré, de imediato, pelo próprio Estado, e não de ato de sua iniciativa, era cientificada da condição de pessoa apenada. (...) Assim, o empresário que firma uma parceria com os responsáveis pela execução penal e/ou pela prevenção do crime, não pode ser surpreendido por qualquer espécie de exigibilidade estatal de contratação dos apenados, justamente em razão da ausência de previsão legal, pois, como cediço, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Afinal de contas, a parceria noticiada nos autos assemelha-se a um diálogo inicial de boas práticas, mas sem coerção legal. Entendimento contrário colocaria por terra o êxito de parcerias até então já alcançadas pelo Juízo da Execução Penal, pois são relacionadas a mecanismo estatal e até mesmo pessoal (o próprio Juiz Titular da Vara de Execução empreende esforços neste sentido) de quebra de paradigmas quanto à contratação de apenados. Logo, partindo a oferta de tais candidatos dos agentes relacionados à Execução Penal e Preventiva, não há que se falar em ato discriminatório por parte da ré, que se mostrou receptiva às indicações de trabalhadores, verdadeiro aceno de boa vontade, de forma que, em um segundo momento, havendo demonstrações a ela (e também a outras empresas), de que a experiência, em Governador Valadares, é positiva, a efetiva admissão poderia ocorrer. Contudo, volta-se a ressaltar, na hipótese em tela, a questão é relacionada a uma parceria, verdadeira e hercúlea campanha estatal de admissão de tais pessoas, que, em virtude da continuação das medidas de convencimento, até mesmo com o auxílio/parceria do Ministério Público do Trabalho, como um dos agentes entabuladores do diálogo, poderá lograr êxito. (...) Com efeito, é inegável que há uma resistência quanto a lidar com o egresso do sistema prisional, por parte da maioria da sociedade, especialmente na cidade de Governador Valadares, como bem observou o Magistrado acima mencionado. Contudo, à míngua de legislação empregatícia, no ordenamento juslaboral brasileiro, que regule a matéria, o ônus disso deve recair sobre as empresas? Elas devem ser condenadas, através desta Especializada, para que tenham, de forma imposta por um Juízo, a experiência positiva mencionada pelo Juiz da Vara de Execuções Penais? A resposta é dada da seguinte forma: a partir do momento que o Estado-Administração não fornece ao Estado-Juiz condições de aplicabilidade da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84 - LEP), em sua plenitude, com acesso a toda a infraestrutura de efetiva ressocialização da pessoa nela disposta, não pode o ônus de tal omissão, no final da cadeia de reinserção social no mercado de trabalho, recair exclusivamente sobre o empregador da iniciativa privada. Portanto, repito, em virtude da ausência de lei específica que o imponha, constitui poder potestativo do empregador contratar ou não pessoa que detenha antecedentes criminais, sendo possível, ainda, efetuar tal consulta nos sistemas estatais fornecedores da informação, pois trata-se de cadastro público, acessível, a partir do momento em que os dados de identidade do candidato é passado, até mesmo via currículo, à empresa. Esse entendimento também se justifica a partir do momento em que o próprio Estado (em suas diversas esferas) exige de seus selecionados, em certame público, a boa antecedência, como se infere de consultas aos editai s de concursos públicos. Logo, não há que se falar em discriminação e preconceito, mas em exercício regular do direito de livre contratação, fundamentada, quanto ao caso, na inobservância, pelo Estado-administração, dos dispositivos ressocializantes previstos na LEP. Lado outro, acaso cumpridos os instrumentos ressocializantes previstos para a execução penal, com o Estado-administração possibilitando ao Estado-Juiz devolver à sociedade um indivíduo "reeducado" e o empregador, a este, pelo mero fato de deter maus antecedentes, negasse oportunidade de emprego, poderia falar-se que a função social da empresa não estivesse sendo cumprida, incorrendo, assim, em ato de discriminação e preconceito.

Do mesmo modo, a situação fática de a empresa ter deixado de exigir as certidões negativas de antecedentes criminais de seus postulantes a vagas de emprego, a partir de junho de 2015, quanto ao que restou decidido, não tem o condão de alterar a decisão aqui proferida, uma vez que, no entendimento deste Juiz, é lícita a exigência do referido documento, ante os fundamentos acima expostos.

Diante disso, à míngua de lei específica que determine a contratação vindicada, com imposição de cotas, este Juízo, observando a matéria na seara da livre manifestação de vontade do empregador, ao passo que declara não haver discriminação, julga improcedentes todos os pedidos autorais" (id 5d52ae6).

Da análise do Mérito

Com acerto, o juízo de origem aferiu a existência de convênio entre a reclamada e o Estado, a fim de possibilitar a contratação de egressos do sistema prisional, o que conferia àquela o conhecimento dos antecedentes dos pretendentes a um posto de trabalho, assim como se tratava de ato voluntário, não lhe sendo exigível qualquer obrigação de contratação de pessoas em tal situação, ante a ausência de previsão legal neste sentido, já que a ressocialização do condenado, assim como a realização de campanhas de conscientização, são responsabilidades do Estado e não podem ser impostas à ré.

No presente caso, a pretensão do autor revela a postura contraditória dos órgãos estatais, uma vez que, de um lado, pretendem inibir a prática da ré em exigir informações sobre antecedentes criminais dos postulantes a uma vaga de trabalho, e de outro, tais informes são prestados por estes mesmos órgãos, parecendo haver uma pretensão estatal de monopólio destas informações. Demais disso, os dados em questão são de acesso público, o que é absolutamente diverso da hipótese vedada de exigência de atestado de gravidez, já que se trata de indevido ingresso na esfera privada do trabalhador.

Na espécie, ao contrário, trata-se de mero acesso a informação a todos disponíveis, não sendo exigida do pretendente ao emprego qualquer informação que a reclamada ou qualquer cidadão possa obter por iniciativa própria.

Neste mesmo sentido, e como já mencionado na sentença combatida, é prática corriqueira e isenta de qualquer inconstitucionalidade a exigência dos referidos atestados de antecedentes criminais para fins de ingresso no serviço público, revelando que o Estado pode exigir de seus próprios trabalhadores, independente da função, a documentação cujo conhecimento pretende negar aos demais empregadores. Se a apresentação de antecedentes criminais se justifica pela relação de fidúcia que se estabelece entre o servidor público e o Estado, não menos importante é a fidúcia necessária ao estabelecimento e manutenção do vínculo de emprego, independente da função exercida, sem a qual se justifica, até mesmo, a ruptura unilateral do contrato de trabalho (artigos 482 e 483 da CLT).

Não bastasse isso, a relação de emprego é de natureza contratual, revestindo-se, pois, das suas características próprias, dentre as quais, a presença da boa-fé objetiva, na forma do artigo 422 do Código Civil Brasileiro, o que impõe aos contratantes, sob pena de violação positiva do contrato, a observância dos deveres anexos ao contrato, tais como o dever de informação, que restaria violado acaso um dos contratantes omitisse informação que influenciasse na formação da fidúcia entre as partes, não sendo demais rememorar que a certidão de antecedentes criminais não constitui informação que se restrinja ao âmbito privado do contratante, haja vista ser acessível ao público, justamente por se tratar de informação de interesse geral.

No que diz respeito à alegada ocorrência de ato discriminatório, também não assiste razão ao autor recorrente. Ao contrário do que se verifica nos autos, a discriminação que se quer combater na esfera trabalhista refere-se à condição pessoal e existencial, do indivíduo, e não às escolhas morais que fez, dentre as quais a eventual prática de crimes. Embora haja, de fato, uma importante relação entre criminalidade e vulnerabilidade social, o que expõe a fragilidade do infrator e a necessidade de sua reabilitação no seio da sociedade, esta não é a única causa da prática de atos que exponham o agente ao registro de antecedentes criminais. Também não é causa da prática criminosa a atividade econômica explorada pela ré, que não pode ser responsabilizada pelas mazelas surgidas pela ineficiência dos complexos mecanismos de controle social, inclusive aqueles concentrados no Estado, bem como pela própria escolha moral contida das condutas individuais que dão causa aos registros criminais existentes. O inegável preconceito sofrido pelos egressos do sistema prisional não foi causado pela reclamada, a quem não se pode impor sua solução, que, ao contrário, deve se dar de maneira gradual e paciente, sob pena de ser ampliada, notadamente em tempos de recorrentes demonstrações de intolerância e sectarismo.

Neste sentido, a previsão constante do artigo 1º da Lei 9.029/95 deixa clara a tutela legislativa da condição pessoal do trabalhador contra atos que a discriminem, referindo-se a questões de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, o que não inclui, por óbvio, os antecedentes criminais, coisa bem diversa da condição pessoal ou existencial do indivíduo. Veja-se:

‘Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.’

Finalmente, a pretensão de contratação compulsória de egressos do sistema prisional, em percentual da força de trabalho da ré, constitui verdadeiro pedido de imposição de cotas, sem que, todavia, exista legislação correspondente que obrigue a reclamada a executar tal medida que, decerto, implicaria em evidente violação à sua liberdade de contratar. O pleito do recorrente guarda semelhança com o disposto nos artigos 429 da CLT e 93 da Lei 8.213/91, que determinam percentuais mínimos de contratação de aprendizes e profissionais reabilitados ou portadores de deficiência, sem, contudo, contar com idêntica previsão legal, o que não encontra guarida no ordenamento pátrio, na forma do artigo 5º, II da Constituição da República. No mesmo sentido, nenhum dos dispositivos legais, constitucionais e internacionais invocados pelo recorrente contempla a contratação compulsória pretendida, embora versem sobre diversas formas de discriminação, dentre as quais não se incluem a exigência de certidão de antecedentes criminais durante as tratativas pré-contratuais.

Por tais motivos, e em consonância com o que foi decidido na sentença, cujos fundamentos faço parte integrante desta decisão, entendo não haver qualquer ilicitude na exigência, por parte da reclamada, de certidões de antecedentes criminais dos pretendentes a um posto de trabalho em seus estabelecimentos, o que, por si só, não constitui prática discriminatória.

Assim, considerando que, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro, o ato ilícito indenizável pressupõe a ocorrência de dano, nexo causal e culpa, a inocorrência de ilicitude obsta o pleito do autor, assim como não há falar em contratação compulsória ou custeio de campanhas de conscientização, à míngua da existência das respectivas obrigações legais.

Nego provimento ao recurso.’

Considerando a sentença, expressamente endossada pelo acórdão regional, e os fundamentos acrescidos pelo TRT da 3ª Região, tem-se que, para aquela Corte Regional, é possível afirmar:

n) a partir do momento que o Estado-Administração não fornece ao Estado-Juiz condições de aplicabilidade da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84 - LEP), em sua plenitude, com acesso a toda a infraestrutura de efetiva ressocialização da pessoa nela disposta, não pode o ônus de tal omissão, no final da cadeia de reinserção social no mercado de trabalho, recair exclusivamente sobre o empregador da iniciativa privada;

o) a discriminação que se quer combater na esfera trabalhista refere-se à condição pessoal e existencial, do indivíduo, e não às escolhas morais que fez, dentre as quais a eventual prática de crimes.

O TRT da 24ª Região contribuiu ao reportar-se ao julgamento que proferira no RR-39-11.2011.5.24.0004 (fls. 2.808-2.813), nele reformando sentença para indeferir então a pretensão reparatória, pois firmou a convicção, em síntese, de a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais alojar-se no âmbito do poder diretivo, não havendo o empregado produzido prova de alguma discriminação.

Já o TRT da 12ª Região julgou o recurso ordinário no processo RR-1038-36.2012.5.12.0012 com estes fundamentos:

‘1. Ausência de discriminação decorrente da entrega de atestado de antecedentes criminais para admissão no emprego

Sustenta a recorrente que a mera indicação na relação de documentos necessários para admissão de empregados do atestado de antecedentes criminais não constitui ato ilícito passível de gerar discriminação na forma do art. 1° da Lei n° 9.029/95. Afirma-que tal exigência encontrar-se-ia respaldada em seus direitos fundamentais de petição e obtenção de certidões e que tal medida poderia ser realizada por ela própria desde que esclarecesse os fins e as razões de seu pedido.

O auto de infração n. 01628875-1 impugnado pela autora traz como base legal para aplicação da multa' o disposto no art. 1° da mencionada, segundo o qual: Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória, e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7° da Constituição Federal, isso porque, a ré exige que todos os empregados apresentem certidão de antecedentes criminais para fins empregatícios (fl. 10 e verso).

Entretanto, não vejo dessa forma. Um dos efeitos inerentes ao contrato de trabalho é o poder diretivo do empregador, o qual concentra um conjunto de prerrogativas que o favorecem, conferindo a. ele uma maior influência no contrato de trabalho.

Entre, tais prerrogativas, destacam-se os poderes diretivo e fiscalizatório ou de controle. Pelo primeiro deles, o empregador organiza a estrutura e o espaço empresariais internos; Pelo segundo, o empregador acompanha a prestação do labor, verificando de que maneira cada empregado está a exercê-lo e se há compatibilidade com as ordens dadas-.

Assim, dentro dessa esfera de organização do espaço onde será realizado o trabalho, o empregador tem a prerrogativa de selecionar os empregados que acredita terem a aptidão necessária para exercer dada função na empresa. Como parte de tal seleção, não deixa de ser importante que se faça uma análise acerca da vida pregressa de cada candidato.

Em tal análise, existe a possibilidade do empregador exigir de cada candidato certidão de antecedentes criminais, sem que tal atitude configure conduta discriminatória. O empregador está apenas a conhecer o perfil da pessoa que vai exercer o labor em sua empresa.

É do senso comum que numa agroindústria os empregados manuseiam instrumentos perfurocortantes e facas, denominados de armas brancas, o que, justifica que o candidato ao emprego apresente a declaração de antecedentes criminais ao empregador, sem que tal exigência configure invasão da privacidade do trabalhador ou discriminação. Diante deste contexto, a meu ver, a exigência de certidão de antecedentes criminais para os aspirantes além de constituir um dever de cautela em relação a segurança da coletividade que gravita no chão de fábrica, não deixa de ser uma prévia filtragem em impedir que indivíduos com potencial risco quando em poder de arma branca.

Embora a matéria seja inédita nesta Câmara, o egrégio TST tem-se manifestado pela não discriminação de tal conduta, por entender que se trata de matéria afeta a exercício regular de direito amparada pelo art. 5°, XXXIV, alíneas ‘a’ e ‘b’, da Constituição Federal, conforme se depreende dos seguintes julgados:

[...]

Por fim, ressalto que o art. 16 da Lei n. 7.102/83 que dispõe sobre 'segurança para - estabelecimentos, financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências, exige que o aspirante ao cargo não tenha antecedentes criminais registrados.

Outro- fator que ''convém destacar que eventual análise da vida pregressa de qualquer cidadão aspirante a um emprego na BRF, pode ser verificado mediante simples consulta ao sistema de dados do Poder Judiciário, o que traz situação atualizada de todas as demandas, inclusive àquelas de ordem criminal. Diante disso, o contexto em apreço faz parte de um quadro já superado pela informação da tecnologia à disposição sociedade, isso porque, o auto de infração foi lavrado em 30-05-2008.

Dou provimento ao recurso para julgar insubsistente o auto de infração n.01628875-1 no tocante apresentação de antecedentes criminais para admissão no emprego.’ (fls. 3.573-3.576)

É de se notar que o TRT da 12ª Região erigiu fundamento próprio para indeferir o pleito de reparação:

p) o trabalho na agroindústria implica o manuseio de facas e instrumentos perfurocortantes, o bastante para justificar a exigência, no caso, de antecedentes criminais.

A audiência pública se desenvolveu por meio de painéis sucessivos, presididos por Ministros e assistidos, presencialmente ou por sistema de áudio, por outros integrantes da Corte. A sua influência em julgamento que envolve matéria de alta sensibilidade, como a ora examinada, pode ser percebida à leitura do relatório desta decisão, com a pormenorização de cada uma das interlocuções, e pela síntese das várias manifestações que são referidas em seguida com a indicação dos tópicos relevantes de argumentação.

A professora Gabriela Neves Delgado, como representante do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da UnB, a sustentar, em apertada suma, que:

q) a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais, além de servir a propósito diverso daquele para o qual tal certidão fora concebida, (r) contrasta com o direito fundamental de o trabalhador exercer livremente a sua profissão e gera a virtual estigmatização daquele que está criminalmente apenado em razão de fato pretérito, sem relação com as habilidades e a conduta que se haveria de medir para o emprego por vir. Ressalvou, como válidas, as normas legais ou regulamentares que contemplam tal exigência em razão das características do trabalho, a exemplo do que sucede com os vigilantes regidos pela Lei 7.102/1983 e com os motoristas rodoviários.

O Defensor Público do Estado de São Paulo, Dr. Rafael Ramia Muneratti, adotou linha de argumentação muito próxima à do Grupo de Pesquisa da UnB e trouxe sua rica experiência como advogado de réus que, quando egressos do sistema punitivo, não raro se ressentem de certidão que considere o cumprimento da sanção que lhes fora imposta. Ressaltou o douto defensor que as certidões atestam, por vezes, a condição de réus que poderia, fosse o caso, ser certificada, embora devesse ser emitida a certidão negativa que seria de resto assegurada aos que já cumpriram sua pena.

Os Procuradores do Trabalho, o Procurador-Geral Ronaldo Curado Fleury e o Dr. Manoel Jorge e Silva Neto, este a representar a Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Ministério Público, também enalteceram a preeminência dos valores éticos atinentes à preservação da privacidade dos trabalhadores que respondem ou responderam a processo-crime, pois as penas não seriam eternas e se apresentaria discriminatória a distinção daqueles que sanção penal já houvessem cumprido.

A posição do Ministério Público, nas várias oportunidades em que esteve a interagir neste processo, guardou coerência e seguiu a senda dos expertos já mencionados. O professor César Alexandre Marinho dos Santos, o representante da JusLiberdade Arthur Beserra de Miranda e os advogados Maria José Rocha Martins, como representante da OAB/DF, e Roberto Caldas Alvim de Oliveira, à semelhança do judicioso parecer apresentado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, não destoaram por inteiro daqueles que enalteceram a preeminência dos direitos fundamentais, posto emprestassem maior ênfase à liberdade de contratar e ao direito de informação que, no âmbito do poder diretivo, estariam, em primeiro plano, a legitimar a exigência de certidão de antecedentes criminais como forma de proteger-se a empresa contra candidatos a emprego que tenham incorrido na prática de algum delito, à semelhança de como age a administração pública, inclusive o Poder Judiciário, na formação de seus quadros de servidores.

A favor da exigibilidade da certidão negativa posicionou-se, enfim, o advogado da empresa demandada, o Dr. Roberto Caldas Alvim Oliveira, lembrando inclusive que resoluções do Conselho Nacional de Justiça legitimariam tal exigência quando dirigida a juízes e servidores que ingressam ou atuam nas repartições do Poder Judiciário. O douto advogado argumentou:

s) a prevalecer a tese de que haveria direitos da personalidade sendo vulnerados, a vulneração assim operada não poderia configurar-se apenas no âmbito da empresa privada, se iguais aspectos e valores estariam presentes nos serviços públicos em que as mesmas circunstâncias se dariam.

1.3 Esquematização dos argumentos favoráveis e contrários à exigibilidade da certidão de antecedentes criminais

A compilação dos fundamentos sem a distinção, neste primeiro momento, entre as premissas favoráveis à licitude da exigência de certidão e as premissas contrárias (reputando-a ilícita), pode assim ser esquematizada:

a) não vulnera o princípio da isonomia a conduta per se de exigir de todos os candidatos ao emprego a certidão de antecedentes criminais (exigência seria lícita );

b) o aspecto de as certidões serem de domínio público, podendo ser obtidas por qualquer interessado, afasta a responsabilidade do empregador (exigência seria lícita );

c) o fato de o empregador não promover investigação sobre a vida pregressa dos candidatos a emprego, à sua revelia, mas a eles pedir a malsinada certidão, impede seja responsabilizado o empregador (exigência seria lícita );

d) a existência de precedente do TRT da 13ª Região, consubstanciado no julgamento do IUJ 0013800-59.2013.5.13.0000, segundo o qual a exigência de certidão de antecedentes criminais em fase pré-contratual, quando o trabalhador é admitido e presta serviço, não gera dano moral (exigência seria lícita );

e) haveria violação do princípio da dignidade da pessoa humana se certidão positiva houvesse impedido a contratação e, portanto, a reinserção social de trabalhador que já houvesse cumprido sua pena (exigência seria ilícita );

f) a exigência de certidão criminal negativa no setor de transporte de cargas protege interesse da coletividade em razão da possibilidade de roubo das cargas de alto valor (exigência seria lícita );

g) mesmo em ambientes de trabalho não susceptíveis a risco, o CNJ exige a certidão de antecedentes criminais, o que legitimaria a exigibilidade em qualquer atividade (exigência seria lícita );

h) o art. 16 da Lei 7102/1983 prevê a exigibilidade de certidão de antecedentes criminais para agentes de segurança e transporte de valores em estabelecimentos bancários e congêneres (exigência seria lícita );

i) o art. 2º da Lei 9051/1995 não autoriza o acesso indiscriminado aos antecedentes criminais (exigência seria ilícita );

j) a prévia ciência, pretendida pelo empregador, acerca de antecedentes criminais não garante um meio ambiente saudável e seguro, revelando apenas a inaptidão do setor de recursos humanos de aferir a predisposição para o crime, tanto mais se outras medidas preventivas (teste psicológico, dinâmica de grupo etc.) e mais adequadas não são utilizadas para esse fim (exigência seria ilícita );

k) a exigência de certidão de antecedentes criminais vulnera os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (exigência seria ilícita );

l) a exigência de certidão de antecedentes criminais conspira contra a possibilidade de reabilitação do apenado que os artigos 743, 744, 748 e 749 do Código de Processo Penal asseguram, frustrando ainda os propósitos do livramento condicional consagrados no art. 710 do mesmo CPP (exigência seria ilícita );

m) a exigência de certidão de antecedentes criminais não compromete o direito à preservação da intimidade ou da honra do trabalhador (exigência seria lícita );

n) mesmo quando o empregado não é contratado, comprovadamente, em razão de estar cumprindo sentença criminal, tal situação causa apenas embaraço ou frustração, mas não evidencia qualquer transtorno aos direitos da personalidade (exigência seria lícita );

o) a partir do momento em que o Estado-Administração não fornece ao Estado-Juiz condições de aplicabilidade da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84 - LEP), em sua plenitude, com acesso a toda a infraestrutura de efetiva ressocialização da pessoa nela disposta, não pode o ônus de tal omissão, no final da cadeia de reinserção social no mercado de trabalho, recair exclusivamente sobre o empregador da iniciativa privada (exigência seria lícita );

p) a discriminação que se quer combater na esfera trabalhista refere-se à condição pessoal e existencial, do indivíduo, e não às escolhas morais que fez, dentre as quais a eventual prática de crimes (exigência seria lícita );

q) o trabalho na agroindústria implica o manuseio de facas e instrumentos perfurocortantes, o bastante para justificar a exigência, no caso, de antecedentes criminais (exigência seria lícita );

r) a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais serve a propósito diverso daquele para o qual tal certidão fora concebida (exigência seria ilícita );

s) a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais contrasta com o direito fundamental de o trabalhador exercer livremente a sua profissão e gera a virtual estigmatização daquele que está criminalmente apenado em razão de fato pretérito, sem relação com as habilidades e a conduta que se haveria de medir para o emprego por vir (exigência seria ilícita );

t) a prevalecer a tese de que haveria direitos da personalidade sendo vulnerados, a vulneração assim operada não poderia configurar-se apenas no âmbito da empresa privada, se iguais aspectos e valores estariam presentes nos serviços públicos em que as mesmas circunstâncias se dariam (exigência seria lícita ).

A atenção a tantos argumentos não ocorre por generosidade da jurisdição, mas sim em respeito ao dever de fundamentação que se alarga no julgamento de casos repetitivos. Neles, a ratio decidendi deve reportar-se aos fundamentos postos pelos atores processuais que, não por acaso, ampliam-se com o deliberado propósito de trazer seu contributo, multifacetado ou plural, para a construção da tese jurídica a ser encetada.

Se a intenção é produzir um precedente judicial, com força vinculante ou dogmática, intensifica-se a predisposição de ouvir, em perspectiva zetética, a tantos quantos possam colaborar para que os motivos da decisão paradigmática sejam tão abrangentes da multifária realidade quanto possível.

Ao lembrar que as questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e são finitas, conduzindo a um dever-ser, ao passo em que as questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas, Pedro Lenza arremata:

‘O modelo de justiça concebido sob a perspectiva da dogmática é perfeitamente aceitável, eficaz e, indubitavelmente, necessário para a manutenção da ordem na sociedade moderna. A Justiça do dever-ser, proposta pela dogmática, contudo, será tanto mais límpida e pura quanto mais próxima estiver do conteúdo do ser (conteúdo puramente zetético)’

Em seguida, faz-se indispensável, neste voto, a sistematização dos vários argumentos (ou topoi) a partir dos conceitos jurídicos que sintetizam ideias, valores ou normas já positivadas. Em cada um dos subitens seguintes, haverá a preocupação de enfrentar, sistematicamente, a seriedade e a juridicidade de cada um dos tópicos propostos (letras a a t) pelos interlocutores processuais."

Anoto que as razões a seguir expostas nos tópicos de nºs 1.4 a 1.7, acolhidas pela douta maioria da Eg. SbDI-1, em sua composição plena, igualmente emanam do Exmo. Relator originário.

"1.4 Objeto e acessibilidade da certidão de antecedentes criminais – correlação com a vedação constitucional da prisão perpétua e com a presunção de inocência

Neste esforço de compreender para só depois interpretar, deixando sempre margem para que novos elementos factuais ou jurídicos de distinção (distinguishing) proporcionem novas perspectivas hermenêuticas, interessa, aprioristicamente e para que se delimite melhor a real controvérsia, definir quem poderá ser alcançado por certidão positiva de antecedentes criminais e quem poderá obtê-la.

O art. 202 da Lei de Execuções Penais (LEP) estabelece: ‘Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei’. Portanto, os candidatos a emprego que estariam na contingência de obter certidão positiva seriam somente os que tivessem processo criminal em curso ou estivessem a cumprir a pena ordenada pelo juízo .

A opção do legislador não é aleatória, tendo embasamento sobretudo na proibição da prisão perpétua, conforme se infere do art. 5º, XLII, b, da Constituição. Observa Gustavo Carvalho Chehab que o ordenamento empresta caráter sistemático a esse postulado:

‘É direito fundamental da pessoa a proibição de pena de caráter perpétuo (art. 5.º, XLVII, ‘b’, da CF/1988). Os arts. 93 a 95 do CP preveem a reabilita‧ção do condenado. O art. 748 do CPP dispõe que as condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes criminais do reabilitado nem, via de regra, em certidões.

Não apenas as condenações penais estão cobertas pela garantia de esqueci‧mento. O histórico judicial pode ser especialmente danoso a algumas espécies de ações judiciais. Por isso, a Res. 121 do CNJ restringiu algumas formas de consultas processuais (arts. 4.º, §§ 1.º e 2.º, e art. 5.º). No âmbito trabalhista, por exemplo, a consulta por nome do reclamante pode causar discriminação na seleção de emprego.’

Por sua vez, o art. 5º, LVII, da Constituição consagra a presunção de inocência dos que respondem a processo-crime, ao prescrever: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ . Ao julgar o HC 126292 e as ADC’s 43 e 44, aquele em fevereiro e estas em outubro de 2016, o STF relativizou o rigor dessa garantia constitucional, ao afastar a inconstitucionalidade da ordem de prisão expedida após a decisão de segunda instância.

Em vista da indiscutível eficácia horizontal dos direitos fundamentais (STF, RE 201819/RJ, DJ 27/10/2006, p. 64), resulta possível afirmar que a presunção de inocência não protege apenas quanto ao exercício do direito de liberdade, oponível ao Estado, mas também no que toca ao direito de não ter cerceada a liberdade de exercer ‘qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’ (art. 5º, XIII, da Constituição).

Logo, não é possível a obtenção de certidão positiva contra os que cumpriram pena, dado que a lei expressamente o impede, e é ilícita a conduta patronal que consista em restrição à liberdade de trabalho contra aqueles em relação aos quais se obtenha certidão positiva antes da condenação criminal de segunda instância.

A possibilidade, aventada pelo douto defensor público que interagiu na audiência pública, Dr. Rafael Muneratti, de o sistema de informações estar circunstancialmente defasado e atestar andamento processual inverídico (omitindo, por exemplo, o cumprimento integral da pena e informando, ao revés, que o candidato ao emprego ainda responde a processo-crime), gera, em princípio, a responsabilização do Estado, sem prejuízo de impor-se ao empregador a reparação por haver segregado, concretamente, aquele a quem não poderia discriminar.

Importa verificar, ainda, se ao empregador é facultada a obtenção direta, sem qualquer intermediação, da certidão de antecedentes criminais do candidato a emprego, dado que, sendo afirmativa a resposta, o possível constrangimento consistiria em impor ao trabalhador municiar informação sobre dado potencialmente prejudicial à sua própria reputação e estranho às suas habilidades (com gravidade menor que a imposição de conduta impossível à empresa porque facultada apenas ao próprio trabalhador) – trataremos, mais adiante, da possibilidade de o empregador discriminar concretamente o candidato a emprego após a obtenção de certidão positiva (é forçoso observar, porém e logo, que, nessa hipótese, a prova caberia ao trabalhador, pois a prática precedente de delito não poderia, per se, a ele favorecer, como se fosse um indício da atitude discriminatória do pretenso empregador).

A resposta a tal indagação (acerca de ser possível ao empregador obter, sem auxílio do empregado, a certidão de antecedentes criminais) não pode, a bem dizer, extrair-se de texto legal. Diferentemente do que se enuncia no fundamento de letra i, supra [o art. 2º da Lei 9.051/1995 não autoriza o acesso indiscriminado aos antecedentes criminais], a Lei 9.051/1995 é dirigida apenas aos entes da administração pública centralizada, empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações públicas, o que revela ambiguidade, quando menos, quanto a também ser oponível aos serviços cartorários da administração judiciária.

A consulta aos sítios virtuais dos Tribunais de Justiça revela que em alguns a certidão pode ser obtida sem qualquer justificativa . Sendo assim, perde importância o argumento acima mencionado na letra r [a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais serve a propósito diverso daquele para o qual tal certidão fora concebida], dado que a certidão sob exame é, em regra, documento disponibilizado pelo poder público a qualquer interessado, descabendo conjecturar qual o interesse que se pretendeu satisfazer em sua origem se a outros concretamente serve.

Em síntese, não é possível concluir que as certidões são exigidas do empregado porque inacessíveis ao empregador. Tudo que se pode estabelecer, neste capítulo, é que a certidão de antecedentes criminais é impossível em relação aos que já cumpriram pena e que não há base jurídica para discriminar-se o trabalhador contra o qual inexiste condenação criminal de segunda instância, não importa a infração penal de que seja acusado. Reserva-se a outros capítulos deste voto a decisão sobre ser lícita, ou não, a segregação de candidatos a emprego que já foram condenados em segunda instância ou estejam a cumprir pena sem inteira privação de liberdade . "

"1.5 O princípio da solidariedade

A defesa da tese segundo a qual a empresa deverá atender ao postulado da ressocialização dos apenados, abstendo-se de perscrutar se teriam os candidatos a emprego cometido infrações penais antes de apresentarem-se para a oportunidade de trabalho, somente se legitima, no campo das hipóteses, se assente está, como ponto de partida, a responsabilidade transcendente de promover uma sociedade fraterna, vale dizer, um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado que, desde a matriz constitucional, é compromisso que recai sobre todos os atores sociais.

O preâmbulo da Constituição de 1988 proclama a intenção de instituir um Estado Democrático destinado a assegurar, dentre o mais, ‘a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos’, dizendo o seu art. 3º constituir-se objetivo fundamental da República a construção de uma ‘sociedade livre, justa e solidária’. A seu turno, a transversalidade dos interesses ambientais, interativos por definição e holísticos por natureza, tem a sua proteção atribuída a toda a coletividade (art. 225), não somente aos sujeitos das relações econômicas a que correspondem. Carlos Ayres Britto explica:

‘Efetivamente, se considerarmos a evolução histórica do Constitucionalismo, podemos facilmente ajuizar que ele foi liberal, inicialmente, e depois social. Chegando, nos dias presentes, à etapa fraternal da sua existência. Desde que entendamos por Constitucionalismo Fraternal esta fase em que as Constituições incorporam às franquias liberais e sociais de cada povo soberano a dimensão da Fraternidade; isto é, a dimensão das ações estatais afirmativas , que são as atividades assecuratórias da abertura de oportunidades para os segmentos sociais historicamente desfavorecidos, como, por exemplo, os negros, os deficientes físicos e as mulheres (para além, portanto, da mera proibição de preconceitos). De par com isso, o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da luta pela afirmação do valor do Desenvolvimento, do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, da Democracia e até de certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais. Tudo na perspectiva de se fazer da interação humana uma verdadeira comunidade; isto é, uma comunhão de vida , pela consciência de que, estando todos em um mesmo barco, não têm como escapar da mesma sorte ou destino histórico.’

A não prevalecer esse horizonte ético, preponderariam os cânones de uma ideologia libertária que remontaria a uma era pré-iluminista, na qual a autonomia era conceito dissociado de uma máxima geral civilizatória e se exauria, para além da compreensão da liberdade como o ‘reconhecimento da liberdade da pessoa de conformar a sua personalidade e de reger sua vida e seus interesses’, como o direito absoluto, sem peias, de deliberar egoisticamente, ou determinar, sob as vestes do contrato, a subserviência ao poder travestido de vontade.

É função do Estado assistir ao egresso do sistema penal na busca por trabalho, conforme se infere à leitura, por exemplo, dos artigos 25 a 27 da Lei 7.210/1985. Mas a responsabilidade pela ressocialização não é exclusiva do Estado – notadamente pela impossibilidade de sê-lo –, é de toda a sociedade.

Nesse sentido, as ordens jurídicas de nosso tempo seguem sob a influência do princípio da solidariedade. É o que se extrai das normas infraconstitucionais que consagram a função social dos contratos (art. 421 do Código Civil) ou impedem sejam desvelados os deslizes de conduta daqueles que já cumpriram suas penas (art. 202 da Lei 7.210/1985) ou obtêm a reabilitação do juízo criminal (art. 748 do CPP), infensos desde então à curiosidade alheia (inclusive de potenciais empregadores). A sociedade solidária vem de ser retratada em lição paradigmática de Fábio Konder Comparato:

"Ela (a solidariedade) é o fecho de abóbada do sistema de princípios éticos, pois complementa e aperfeiçoa a liberdade, a igualdade e a segurança. Enquanto a liberdade e a igualdade põem as pessoas umas diante das outras, a solidariedade as reúne, todas, no seio de uma mesma comunidade. Na perspectiva da igualdade e da liberdade, cada qual reivindica o que lhe é próprio. No plano da solidariedade, todos são convocados a defender o que lhes é comum. Quanto à segurança, ela só pode realizar-se em sua plenitude quando cada qual zela pelo bem de todos e a sociedade pelo bem de cada um dos seus membros."

Em seu alto grau de abstração, o princípio da solidariedade exclui argumentos de sentido libertário, mas não pode ser eleito como norma jurídica decisiva, porventura suficiente para o acolhimento da pretensão reparatória. A sua importância reside em fustigar, como valor ético, a incidência de modelos exegéticos com ele afinados (a serem desenvolvidos nos subitens seguintes) e também em eliminar, por revelar a insubsistência no plano jurídico, fundamentos adotados pelos interlocutores processuais que outorgam ao empregador, em gênero, e sem autorização legal específica, a liberdade de contratar sem reverência à dimensão humana e à função social dos negócios jurídicos, impostas pela ordem constitucional e legal.

Excluem-se, por isso, do rol de premissas a serem cotejadas para a emissão de tese, aquelas arroladas na letra o [a partir do momento que o Estado-Administração não fornece ao Estado-Juiz condições de aplicabilidade da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84 - LEP), em sua plenitude, com acesso a toda a infraestrutura de efetiva ressocialização da pessoa nela disposta, não pode o ônus de tal omissão, no final da cadeia de reinserção social no mercado de trabalho, recair exclusivamente sobre o empregador da iniciativa privada] e na letra p [a discriminação que se quer combater na esfera trabalhista refere-se à condição pessoal e existencial, do indivíduo, e não às escolhas morais que fez, dentre as quais a eventual prática de crimes]."

"1.6 Direitos gerais da personalidade – direito à privacidade e ao esquecimento – ponderação entre direitos fundamentais

É truísmo dizer, em ambiente jurídico, que o art. 5º, X, da Constituição brasileira e os artigos 11 a 21 do CC não enumeram exaustivamente os direitos da personalidade, dado que ‘quando se fala em direito à vida, à honra, à saúde, não se está referindo a vários direitos distintos da personalidade, mas a desdobramentos de um único direito geral. Isto se dá porque a pessoa humana é una. Seus interesses acham-se todos interligados, sendo facetas de um mesmo prisma’ .

E é assim, a fortiori, em se cuidando de direitos da personalidade revestidos do caráter de direitos fundamentais, como são aqueles relacionados à preservação da intimidade e da privacidade. Quando menos, porque nessa hipótese incidirá sempre a cláusula de abertura contida no art. 5º, §2º, da Constituição, segundo o qual ‘os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’. A lição é de Ingo Sarlet .

Também assim se dá no direito comparado, como observa o magistrado Paulo Mota Pinto, Juiz do Tribunal Constitucional de Portugal:

"Um direito geral de personalidade [...] teria como objecto a personalidade humana em todas as suas manifestações atuais e futuras, previsíveis e imprevisíveis [...]. Esse direito conferiria uma tutela geral que, para além de se adequar melhor à irredutível complexidade da personalidade humana – só podendo esta ser apreendida e tutelada numa perspectiva globalizante –, pode incluir bens da personalidade não tipificados. O direito geral de personalidade é, neste sentido, aberto sincrônica e diacronicamente, permitindo a tutela de novos bens, e face a renovadas ameaças à pessoa humana [...]"

A prevalecerem os ensinamentos sempre atuais do professor Gustavo Tepedino, estaria superado até mesmo o tradicional embate entre os teóricos pluralistas e os monistas (estes a defenderem um direito geral de personalidade) e poder-se-ia cogitar de uma cláusula geral de tutela da personalidade:

"Procedendo-se, em definitivo, a uma conexão axiológica do tímido elenco de hipóteses-tipo previsto no Código Civil de 2002 ao Texto Constitucional, parece lícito considerar a personalidade não como um novo reduto de poder do indivíduo, no âmbito do qual seria exercida a sua titularidade, mas como valor máximo do ordenamento, modelador da autonomia privada, capaz de submeter toda a atividade econômica a novos critérios de legitimidade."

"Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido da não-exclusão de quaisquer direitos e garantias, ainda que não expressos, mas decorrentes dos princípios adotados pelo Texto Maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento."

Não se discute acerca de estar a tutela da intimidade e da privacidade entre os direitos fundamentais da personalidade. A questão está no alcance dessa proteção. O que se está a questionar é se os dados concernentes à vida pessoal do trabalhador, naquilo que não condiz com suas aptidões ou habilidades, integram o espaço da vida pessoal ou relacional preservado dos sentidos alheios.

Não importa, no caso sob exame, se a exigência de certidão de antecedentes criminais estaria afeta à ‘vida privada’ ou somente à intimidade, que na doce lira de Alberto Bresciani se traduz em ‘baixos-relevos secretos/para todos ignorados’. Diz em remate o magistrado e poeta: ‘A gota sabe/o momento é pouco/é sagrado/e breve/a terra o engole’. Decerto a sanção criminal é um dado da realidade que escapa ao recôndito campo das coisas íntimas porque pressupõe relação com virtuais vítimas e com o Estado-juiz, mas não há dúvida de que estamos a tratar de informações reservadas, que a ordem jurídica protege, como explicitarei em seguida, da bisbilhotice ou do interesse de pessoas não relacionadas ao ilícito penal acaso praticado e ao processo penal correspondente.

A remissão ao direito geral da personalidade e ao direito comparado se justifica, sobremodo, porque, no tema, há regulação específica no atualíssimo Código do Trabalho português de 2009, a saber:

‘Artigo 17.º

Proteção de dados pessoais

1 - O empregador não pode exigir a candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativas: 

a)  À sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da respetiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação; b) [...]

Um oportuno parêntese: conforme observou a professora Gabriela Delgado, ao participar da audiência pública, a certidão de antecedentes criminais nada informa acerca da aptidão ou habilidade técnica para o trabalho, pois tem referência inclusive a fatos pretéritos que não se comunicam, em essência, com o emprego futuro.

Ao comentar o capítulo que rege os direitos da personalidade do empregado no Código do Trabalho de Portugal, anota Guilherme Dray, professor de Direito do Trabalho da Universidade Nacional de Lisboa, que o Direito do Trabalho, numa abordagem ‘pós-industrial’, vê o trabalhador, ‘não enquanto parente pobre de uma relação jurídica, mas enquanto cidadão pleno, que atua com liberdade e que deve ver os seus direitos de personalidade salvaguardados, mesmo no âmbito da atividade produtiva em que presta a sua atividade’ .

A seu turno, o professor João Leal Amado, professor de Direito do Trabalho da Universidade de Coimbra, questiona inclusive se ‘em nome da preservação da reserva da vida privada e da prevenção de práticas discriminatórias, não deveremos reconhecer ao candidato a emprego um direito à mentira, se e quando confrontado com semelhantes questões ilegítimas?’. O nominado professor responde:

"A meu ver, a resposta não pode deixar de ser afirmativa. Com efeito, só por uma indesculpável ingenuidade se ignorará que o silêncio, nestes casos, comprometerá irremediavelmente as hipóteses de emprego do candidato. O empregador pergunta, o candidato cala, o emprego esfuma-se... Julga-se, pois, que, neste tipo de casos, o único meio susceptível de preservar a possibilidade de acesso ao emprego e de prevenir práticas discriminatórias consiste em o trabalhador não se calar, antes dando ao empregador a resposta que ache que este pretende ouvir (e assim, eventualmente, mentindo). Prática contrária à boa fé? Comportamento doloso do candidato? Penso que não. A boa fé não manda responder com verdade a quem coloca questões ilegítimas e impertinentes. E o dolo na negociação não revelará em sede anulatória, pois incide sobre aspectos que o próprio ordenamento jurídico considera não poderem relevar na decisão de contratar ou não".

Logo, tem consistência o argumento de estarem os registros de ações delituosas cometidas por candidato a emprego, no passado, a compor o espaço de sua vida privada, traduzindo-se em direito da personalidade protegido pelos dispositivos constitucionais e legais correspondentes, antes referidos. A exigência de certidão a esse respeito ou o simples uso de certidão positiva para discriminar o candidato ao emprego importa, potencialmente, a vulneração do direito à privacidade.

Tem igualmente influência, neste passo, a construção hermenêutica que induz potencializar-se a proteção à privacidade com a passagem natural do tempo, a conduzir ao direito ao esquecimento . Nas palavras precisas do magistrado Gustavo Carvalho Chehab:

"O direito ao esquecimento é a faculdade que o titular de um dado ou fato pessoal tem para vê-lo apagado, suprimido ou bloqueado, pelo decurso do tempo e por afrontar seus direitos fundamentais. Trata-se de uma espécie de caducidade, onde a informação, pelo decurso do tempo e por sua proximidade com os direitos fundamentais afetos à personalidade, perece ou deveria perecer, ainda que por imposição de lei".

Consoante preconiza o Enunciado 531 aprovado na VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, ‘a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento’. Reportando-se a esse verbete, Chehab arremata com acuidade:

"O direito ao esquecimento guarda relação direta com a privacidade, na medida em que permite ao cidadão o direito de se manter na solidão, no anonimato, na reserva ou na intimidade. Fatos e dados que lhe são afetos permanecem ou retornam ao seu âmbito de disponibilidade individual. O bem-estar é atingido não somente pelas conquistas pessoais e pela satisfação das necessidades básicas e essenciais da pessoa, mas também pela superação e pelo esquecimento dos erros do passado, dos relacionamentos mal sucedidos, das frustrações anteriores, das perdas, do sofrimento e das dores que atingem a alma".

A deduzir-se assim, ganha força o argumento contido na letra s [a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais contrasta com o direito fundamental de o trabalhador exercer livremente a sua profissão e gera a virtual estigmatização daquele que está criminalmente apenado em razão de fato pretérito, sem relação com as habilidades e a conduta que se haveria de medir para o emprego por vir]. O direito de liberdade de trabalho, ou de livre exercício da profissão, opera em reforço do direito de não ser estigmatizado, por fato alheio ao trabalho, na hora de contratar o emprego.

O aspecto de os direitos da personalidade emanarem do princípio da dignidade da pessoa humana e, no universo laboral, do valor social do trabalho, postulados com grau maior de abstração, fazem hígido, por igual, o fundamento da letra k [a exigência de certidão de antecedentes criminais vulnera os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho].

Tais ilações afastam, contudo, a idoneidade dos argumentos indicados na letra c [o fato de o empregador não promover investigação sobre a vida pregressa dos candidatos a emprego, à sua revelia, mas a eles pedir a malsinada certidão, impede seja responsabilizado o empregador], na letra b [o aspecto de as certidões serem de domínio público, podendo ser obtidas por qualquer interessado, afasta a responsabilidade do empregador], na letra l [a exigência de certidão de antecedentes criminais não compromete o direito à preservação da intimidade ou da honra do trabalhador], na letra m [a exigência de certidão de antecedentes criminais não compromete o direito à preservação da intimidade ou da honra do trabalhador] e na letra n [mesmo quando o empregado não é contratado, comprovadamente, em razão de estar cumprindo sentença criminal, tal situação causa apenas embaraço ou frustração, mas não evidencia qualquer transtorno aos direitos da personalidade].

O fundamento contido na letra d [a existência de precedente do TRT da 13ª Região, consubstanciado no julgamento do IUJ 0013800-59.2013.5.13.0000, segundo o qual a exigência de certidão de antecedentes criminais em fase pré-contratual, quando o trabalhador é admitido e presta serviço, não gera dano moral], adotado de modo judicioso pelo TRT da 13ª Região, decerto haverá de ser mantido ou ajustado, a depender do que se decidir, afinal, neste incidente de recurso repetitivo.

É dizer, por fim, que a juridicidade de qualquer argumento o faz dialogar com todo o sistema jurídico, onde nenhum direito é absoluto. A propósito, Gomes Canotilho assinala que ‘os direitos fundamentais são sempre direitos prima facie’, oferecendo-se quase invariavelmente à harmonização com outros direitos igualmente fundamentais, de modo que a prevalência de um sobre outro direito ‘só em face das circunstâncias concretas se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro [...], ou seja, um direito prefere outro em face das circunstâncias do caso’ .

O direito a ser informado sobre a vida pregressa do candidato a emprego ganha densidade jurídica quando se descola de seu móvel mais profano, o de atender à curiosidade atávica ou ao preconceito do empregador, e se associa ao interesse de tutelar o ambiente de trabalho, ou seja, o interesse de proteger aqueles que habitam ou laboram no estabelecimento empresarial em que pretende interagir o aspirante ao contrato de emprego.

Ao exercitar o direito à informação que não é exclusivamente seu, mas também das pessoas por cuja proteção fez-se responsável, o empregador exerce, como interposta pessoa, direito fundamental. Remetendo ao art. 19 da Declaração Universal de Direitos do Homem e aos artigos 5º, IV e IX, 220 e 221, IV da Constituição brasileira, a professora Marcia Cristina de Souza Alvim observa que ‘o direito à informação engloba o direito de informar, o direito de ser informado e o direito de não receber informação’, mas adverte, ao iniciar ensaio intitulado ‘Ética na Informação e o Direito ao Esquecimento’, que ‘os limites ao direito à informação encontram-se no respeito aos direitos de personalidade da pessoa’ e que ‘o direito à informação está diretamente atrelado aos preceitos éticos, aos valores reconhecidos pela sociedade em que vivemos, e estes valores precisam ser respeitados, sob pena de muitas injustiças serem praticadas fundamentadas na informação que precisa ser veiculada à sociedade’ .

Não por acaso, a lei de acesso à informação (Lei 12.527/2011) preconiza sejam equilibrados os interesses atinentes à obtenção do dado pessoal e à preservação da privacidade, estatuindo em seu art. 31: ‘O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais’.

Ao confrontar o direito de obter a informação, ou de exigi-la do candidato a emprego, e o direito fundamental de privacidade, deve-se sempre ter em conta a seriedade do compromisso da sociedade brasileira com a ressocialização daqueles que delinquiram e se submeteram ao crivo do juízo criminal. O direito de acesso à informação, resume a professora Cíntia Rosa Pereira de Lima, ‘deve ser considerado em razão da construção histórica de determinada sociedade’ .

A esse propósito, ao relatar o recurso especial em que se debatia o direito ao esquecimento dos condenados pelo malsinado ‘crime da Candelária’ (que se opunham à veiculação de seu nome e imagem na mídia televisiva), o Ministro Luis Felipe Salomão, no âmbito da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, remete-nos igualmente à necessidade de ponderação entre os direitos fundamentais também aqui sopesados:

‘[...] Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, § 1º, art. 221 e no § 3º do art. 222 da Carta de 1988, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de a informação livre de censura ter sido inserida no seleto grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, inciso IX), a Constituição Federal mostrou sua vocação antropocêntrica no momento em que gravou, já na porta de entrada (art. 1º, inciso III), a dignidade da pessoa humana como - mais que um direito - um fundamento da República, uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriormente reconhecidos.’."

1.7 O princípio da igualdade

Assiste inteira razão ao TRT da 13ª Região quando articula que a submissão de todos os candidatos a emprego à exigência de apresentarem certidão de antecedentes criminais não pode importar a vulneração do princípio da isonomia, pela singela razão de que inexistiria, no caso, alguém com quem pudesse equiparar-se a pessoa supostamente discriminada. Se todos o seriam, inexistiria discriminação.

O direito à isonomia pressupõe sempre a desigualdade de tratamento e, portanto, tenho como válida a premissa catalogada na letra a supra [não vulnera o princípio da isonomia a conduta per se de exigir de todos os candidatos ao emprego a certidão de antecedentes criminais].

A propósito de isonomia, discute-se, apenas, o tratamento desigual destinado àquele em relação ao qual se obteve certidão positiva de antecedentes criminais, sendo por isso segregado entre os candidatos a emprego.

Em um breve parêntese, é de considerar-se que somente se decide, neste incidente de recursos repetitivos, a fase pré-contratual. Quanto ao trabalhador que já tem contrato de emprego em curso, a lei (art. 482, d, da CLT) estabelece que a condenação criminal só configura justa causa para a despedida se importa o cumprimento de pena restritiva de liberdade, assim se posicionando copiosa doutrina. É evidente que o motivo que não serve à caracterização da justa causa não serve à despedida.

Voltando ao trabalhador que se encontra em estágio pré-contratual, ou aguardando ser contratado sem o óbice de eventual processo-crime que esteja a responder, ou de pena que esteja a cumprir, importa verificar, na linha da sempre lembrada lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, se tal discrímen guardaria ‘correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados’ .

Em rigor, essa correlação lógica com interesses tutelados pela ordem jurídica remete a regras que reclamam subsunção (Lei 9. 0 29/1995), mas também a princípios constitucionais (solidariedade, dignidade humana, presunção da inocência) ou legais (ressocialização) e a outros direitos fundamentais (direito à segurança de outros empregados e da coletividade, correlacionado com o direito à informação assegurado ao empregador) que, por se apresentarem como normas abertas susceptíveis de ponderação (quando contrastam entre si), atraem a incidência do princípio da proporcionalidade. Quando se imbricam, os princípios da isonomia e da proporcionalidade ganham densidade normativa, como sustenta Willis Guerra Filho:

‘[...] cabe indagar se o princípio da proporcionalidade corresponderia a um direito ou garantia fundamental, podendo a mesma questão ser colocada em face do princípio da isonomia. Ambos os princípios, aliás, acham-se estreitamente associados, sendo possível, inclusive, que se entenda a proporcionalidade como incrustada na isonomia, pois como se encontra assente em nossa doutrina, com grande autoridade, o princípio da isonomia traduz a ideia aristotélica – ou, antes ‘pitagórica’, como prefere Del Vecchio – de ‘igualdade proporcional’, própria da ‘justiça distributiva’, ‘geométrica’, que se acrescente àquela ‘comutativa’, ‘aritmética’, meramente formal – aqui, igualdade de bens; ali, igualdade de relações’ .

Ao que penso, não é válido afirmar que todas as hipóteses de desigualação, em consequência da apresentação de certidão positiva de antecedentes criminais, seriam ilícitas. Embora já houvesse externado essa posição em outros processos, fundado sempre no compromisso com a reinserção social que extraio confortavelmente do sistema jurídico, a interação com os interlocutores sociais, sobretudo na audiência pública que precedeu a este julgamento, convenceu-me que o propósito de ressocialização é em verdade um ponto de partida, mas haverão de ser consideradas as balizas legais e jurisprudenciais que buscam contemporizar esse justo desígnio com interesses igualmente albergados pelo ordenamento jurídico.

A ponderação com outros interesses também tutelados não é, porém, excludente de qualquer deles. O aspecto de submeter-se ao cotejo com outros direitos não elimina, por evidente, o direito à privacidade – daí que não se pode, coerentemente, acatar como válidas as premissas enunciadas na letra g supra [mesmo em ambientes de trabalho não susceptíveis a risco, o CNJ exige a certidão de antecedentes criminais, o que legitimaria a exigibilidade em qualquer atividade] e na letra t [a prevalecer a tese de que haveria direitos da personalidade sendo vulnerados, a vulneração assim operada não poderia configurar-se apenas no âmbito da empresa privada, se iguais aspectos e valores estariam presentes nos serviços públicos em que as mesmas circunstâncias se dariam].

Não se deve concluir, ademais, que todas as hipóteses de preterição do direito à privacidade estariam relacionadas em lei, ou descobertas pelo legislador. A função do intérprete não se oferece a essas zonas de conforto, sem perspectiva sistêmica. A SBDI 1 do TST já se posicionou, por exemplo, quanto a ser exigível a certidão de antecedentes criminais de operadores de telemarketing que lidam com informações bancárias sigilosas, como se observa no precedente seguinte:

‘RECURSO DE EMBARGOS. AEC CENTRO DE CONTATOS S/A. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. ATENDENTE JUNIOR. CONDUTA NÃO DISCRIMINATÓRIA. A c. SBDI-1 desta c. Corte, em sua composição majoritária, no julgamento do processo n.º TST-E-RR-119000-34.2013.5.13.0007 (DEJT 21/11/2014), firmou o entendimento de que a simples exigência de certidão de antecedentes criminais para a admissão de empregado não enseja, por si só, reparação por danos morais, salvo se, no caso concreto, restar demonstrado que a não contratação do candidato decorreu de certidão positiva de antecedente criminal que não tenha relação alguma com a função a ser exercida, ou no caso de demonstração de que a atividade a ser exercida pelo empregado não justifica a exigência da certidão. E, em relação a este último fundamento, entendeu a c. SBDI-1 ainda que para o operador de telemarketing, em que a sua função demanda amplo acesso a cadastros com dados sigilosos de clientes, a exigência da certidão é plenamente justificada. Desse modo, tratando-se do caso de operadora de telemarketing (atendente júnior), em que lhe foi exigida, na fase pré-contratual, a apresentação de certidão de antecedentes criminais, e que posteriormente foi contratada, não há que se falar em indenização por danos morais. Recurso de embargos conhecido e provido.’ (TST, E-ED-RR 146900-38.2013.5.13.0024, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 26/02/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015)

A relação de proporcionalidade com outros interesses se revela adequada quando leva em conta a correlação entre a conduta que é elementar do crime pretérito e a conduta correspondente à prestação laboral pretendida.

Não se sustenta, portanto e juridicamente, a mera suspeita de que todos os apenados, quaisquer que sejam os delitos cometidos e sem importarem as circunstâncias, seriam indignos de fé, maculados por toda a vida pela pecha da predisposição ao crime, relegados definitivamente ao degredo social. Em obra há pouco citada, Gustavo Carvalho Chehab adverte quanto ao mal que se associaria, potencialmente, à sombra do passado:

‘O passado tem um lugar especial na vida de cada pessoa, mas não pode ser tão sombrio e eterno que impeça o desenvolvimento e a evolução de alguém. Os erros, desacertos e bobagens praticados ao longo da vida não podem ser feridas que nunca cicatrizam e que, a toda hora, possam ser reabertas para atormentarem e aterrorizarem a vida de alguém.’

A reabilitação para a vida em sociedade é um direito a ser exercido e tutelado na maior extensão possível, senão em plenitude, não se compadecendo com a reles indiferença ou o estigma – só os antigos marcavam os criminosos com ferro em brasa. "

Registro que as ponderações apresentadas nos referidos tópicos de nºs 1.4 a 1.7 embasaram os seguintes fundamentos jurídicos da lavra do Exmo. Relator originário , pertinentes à 1ª tese jurídica aprovada no presente Incidente :

1º FUNDAMENTO JURÍDICO INVOCADO PELO EXMO. RELATOR ORIGINÁRIO - " (...) quanto aos candidatos a emprego virtualmente afetados pela certidão de antecedentes criminais, revela-se impossível, nos termos da lei, a obtenção de certidão de antecedentes criminais em relação aos candidatos a emprego que já cumpriram pena; por outro lado, revela-se abusiva a exigência de certidão e ilícita a discriminação de candidatos pelo só fato de responderem a processo-crime sem condenação por colegiado de segunda instância (em rigor, discute-se apenas sobre a certidão de antecedentes criminais relacionada àqueles que foram condenados em segunda instância e/ou ainda cumprem pena). "

2º FUNDAMENTO JURÍDICO INVOCADO PELO EXMO. RELATOR ORIGINÁRIO - "(...) a liberdade de contratar o trabalho, no ordenamento jurídico brasileiro, deve observar os limites condizentes com a dimensão humana e com a função social do contrato de emprego, inclusive em atenção ao princípio da solidariedade."

Explicitados os fundamentos invocados pelo Exmo. Ministro Relator originário e acolhidos por ocasião do julgamento do presente Incidente, passo a expor as demais razões determinantes da fixação das teses jurídicas aprovadas pela maioria dos integrantes da Eg. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, em sua composição plena .

2. RAZÕES DETERMINANTES DA FIXAÇÃO DAS TESES JURÍDICAS. LESÃO MORAL. INDENIZAÇÃO. CANDIDATO A EMPREGO. CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXIGÊNCIA

Omissa a lei especificamente a respeito da caracterização de lesão moral pela exigência de certidão de antecedentes criminais, entendo que se impõe o exame da matéria essencialmente à luz da Lei nº 9 . 029/95 e da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho .

Como se recorda, o artigo 1º da Lei nº 9 . 029/95 obstaculiza qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a um emprego.

Por sua vez, a Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, igualmente veda a discriminação no acesso às oportunidades de trabalho.

Penso, pois, que o fio condutor central para o exame da matéria ora submetida à apreciação é a presença ou não de discriminação arbitrária ou injusta.

A meu sentir, contudo, não é qualquer tipo de discriminação que é antijurídica e apta para gerar dano moral.

A discriminação reprovada pela lei e pela Constituição é a arbitrária , ou seja, a carente de razoabilidade e, por isso, injusta, o que impõe uma valoração particularizada , caso a caso (tomando-se em conta se as circunstâncias particulares justificam, em termos de razoabilidade , o tratamento diferenciado que se pretende emprestar ao caso). A injustiça da discriminação somente se apreende e configura-se quan‧do se coloca a pessoa em uma situação de inferiori‧dade, lesiva de sua dignidade .

Na específica questão sob exame, reputo carente de razoabilidade e, pois, fruto de discriminação arbitrária , a exigência genérica e injustificada de certidão de antecedentes criminais do candidato a emprego.

Conforme já exaustivamente ressaltado, exigência desse jaez, quando adotada de forma leviana e indiscriminada, sem qualquer razoabilidade, emerge como verdadeiro empecilho, por exemplo, à ressocialização do cidadão egresso do sistema prisional.

A despeito de tais considerações, não me parece pertinente a vinculação entre a licitude, ou não, da exigência de certidão de antecedentes criminais e a eventual existência de processo criminal em curso ou de condenação já cumprida pelo candidato a vaga de emprego. Entendo que não é a existência de processo criminal ou a ulterior condenação do candidato a emprego o fator determinante para definir-se a licitude de tal exigência.

A licitude da conduta do potencial empregador, de exigir a apresentação de certidão de antecedentes criminais, decorre precisamente de lei ou da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido .

Aliás, nesse sentido já vinha reiteradamente decidindo a Eg. SbDI-1, consoante demonstram os seguintes julgados recentes:

"RECURSO DE EMBARGOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS QUANDO DA CONTRATAÇÃO - OPERADOR DE TELEMARKETING. O posicionamento majoritário desta SBDI1, no julgamento do processo nº TST-E-RR-119000-34.2013.5.13.0007, em 23/10/2014, do qual sou redator designado, foi de que o procedimento da empresa consubstanciado na apresentação da certidão de antecedentes criminais como condição para admissão no emprego não causou dano ao empregado passível de ensejar a reparação por danos morais. Dois fundamentos balizaram essa conclusão: O primeiro fundamento, ao qual me filio, é no sentido de que não configura danos morais a simples exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais como condição para admissão no emprego, a não ser que, em determinado caso concreto, a não contratação do empregado decorra de certidão positiva de antecedente criminal que não tenha relação alguma com a função a ser exercida, o que configuraria discriminação vedada pela Constituição Federal. Assim, a exigência em si da certidão negativa de antecedentes criminais não gera lesão moral, passível de indenização, salvo se ela constituir fator de injustificada discriminação na admissão do obreiro. Ou seja, de forma genérica, é possível à empresa fazer tal exigência. Constitui direito do empregador solicitar ao candidato a apresentação dessa certidão, sem que isso implique por si só lesão a um direito fundamental que justifique a configuração de dano moral. Somente na hipótese específica de haver recusa na contratação do candidato ao emprego em face da apresentação de certidão positiva de antecedentes criminais (que não tenha relação nenhuma com a função a ser exercida) é que o direito à reparação se evidenciaria, em face da lesão moral, ofensora da dignidade humana, e, ainda, ante ao obstáculo à inclusão social imposto ao empregado. O segundo fundamento é que só se configura dano moral se a atividade a ser exercida pelo empregado não justifica a exigência da referida certidão, o que não é o caso dos autos, uma vez que o operador de telemarketing tem acesso a dados sigilosos de clientes, mostrando-se razoável e adequada a exigência de apresentação dos antecedentes criminais, com forma de proteção àqueles e à própria empresa . Assim, também por esse fundamento, entendeu a SBDI1 que não há direito à indenização por dano moral na hipótese, pois o ato de restrição do direito de personalidade do empregado, consubstanciado na exigência da certidão de antecedentes criminais, é necessário à consecução da atividade empresarial do empregador, mormente pelo fato de se tratar de admissão de empregado que teria acesso a dados pessoais de clientes . Portanto, nessa linha, não se configura o dano moral caso a exigência do atestado de antecedentes criminais esteja vinculada ao exercício de uma determinada função, ou seja, caso haja motivação idônea relacionada às atribuições do cargo; do contrário, não se mostrando essencial tal informação (antecedentes criminais), haverá, sim, lesão aos princípios constitucionais, precipuamente, ao da dignidade da pessoa humana. Recurso de embargos conhecido e provido." (E-RR-182100-09.2013.5.13.0024, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 5/3/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/3/2015; grifamos)

"RECURSO DE EMBARGOS. AEC CENTRO DE CONTATOS S/A. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. ATENDENTE JUNIOR. CONDUTA NÃO DISCRIMINATÓRIA. A c. SBDI-1 desta c. Corte, em sua composição majoritária, no julgamento do processo n.º TST-E-RR-119000-34.2013.5.13.0007 (DEJT 21/11/2014), firmou o entendimento de que a simples exigência de certidão de antecedentes criminais para a admissão de empregado não enseja, por si só, reparação por danos morais, salvo se, no caso concreto, restar demonstrado que a não contratação do candidato decorreu de certidão positiva de antecedente criminal que não tenha relação alguma com a função a ser exercida, ou no caso de demonstração de que a atividade a ser exercida pelo empregado não justifica a exigência da certidão. E, em relação a este último fundamento, entendeu a c. SBDI-1 ainda que para o operador de telemarketing, em que a sua função demanda amplo acesso a cadastros com dados sigilosos de clientes, a exigência da certidão é plenamente justificada. Desse modo, tratando-se do caso de operadora de telemarketing (atendente júnior), em que lhe foi exigida, na fase pré-contratual, a apresentação de certidão de antecedentes criminais, e que posteriormente foi contratada, não há que se falar em indenização por danos morais ." Recurso de embargos conhecido e provido." (E-ED-RR-146900-38.2013.5.13.0024, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 26/2/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 6/3/2015)

"RECURSO DE EMBARGOS. AEC CENTRO DE CONTATOS S/A. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. ATENDENTE JUNIOR. CONDUTA NÃO DISCRIMINATÓRIA. A c. SBDI-1 desta c. Corte, em sua composição majoritária, no julgamento do processo n.º TST-E-RR-119000-34.2013.5.13.0007 (DEJT 21/11/2014), firmou o entendimento de que a simples exigência de certidão de antecedentes criminais para a admissão de empregado não enseja, por si só, reparação por danos morais, salvo se, no caso concreto, restar demonstrado que a não contratação do candidato decorreu de certidão positiva de antecedente criminal que não tenha relação alguma com a função a ser exercida, ou no caso de demonstração de que a atividade a ser exercida pelo empregado não justifica a exigência da certidão. E, em relação a este último fundamento, entendeu a c. SBDI-1 ainda que para o operador de telemarketing, em que a sua função demanda amplo acesso a cadastros com dados sigilosos de clientes, a exigência da certidão é plenamente justificada. Desse modo, tratando-se do caso de operadora de telemarketing (atendente júnior), em que lhe foi exigida, na fase pré-contratual, a apresentação de certidão de antecedentes criminais, e que posteriormente foi contratada, não há que se falar em indenização por danos morais. Recurso de embargos conhecido e provido." (E-ED-RR-151900-64.2013.5.13.0009, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 26/2/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 6/3/2015)

"RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS PARA A CONTRATAÇÃO. OPERADOR DE CALL CENTER. A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais, por voto da maioria de seus integrantes, no julgamento do E-RR 119000-34.2013.5.13.0007 (DEJT de 21/11/2014), decidiu que a exigência empresarial de certidão de antecedentes criminais para a contratação de empregado não enseja, por si só, reparação por danos morais. Na oportunidade, foram consignadas duas situações exceptivas que autorizariam o reconhecimento do dano moral. A primeira, se demonstrado no caso concreto que o candidato ao emprego não foi contratado por conta de uma certidão positiva de um antecedente que não tenha relação com a função a ser exercida. Nesse caso, a exigência constituiria fator injustificado de discriminação. E a segunda, em caso de demonstração de que a atividade a ser exercida pelo empregado não justificaria a exigência da certidão. Quanto a esta última circunstância, ficou decidido que para o operador de telemarketing a exigência é justificada por se tratar de função que demanda amplo acesso a cadastros com dados sigilosos de pessoas . Ressalva do relator. Recurso de embargos conhecido e provido." (E-RR-210800-92.2013.5.13.0024, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 18/12/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 2/2/2015; grifamos)

De sorte que, na linha de tais precedentes e consoante entendimento majoritário desta Eg. SbDI-1 Plena , a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal (a exemplo do vigilante, por força da Lei nº 7.102/83, arts. 12 e 16, inc. VI) ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. É o que se dá, exemplificativamente, nos casos de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins , trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas . Pessoalmente, registro respeitosa ressalva de entendimento divergente no que tange à supracitada referência exemplificativa a "bancários e afins", em virtude de sua amplitude e generalidade.

Trata-se, a toda evidência, de rol não exaustivo, mas exemplificativo de profissões que demandam tratamento diferenciado do futuro empregado em relação à fidúcia inerente à própria natureza do posto de trabalho pleiteado.

Cuida-se, portanto, de exigência razoável e proporcional a justificar o tratamento diferenciado dispensado a candidatos a vaga de emprego, cujas futuras atribuições demandem ou a assunção da posição de garante (art. 13, § 2º, CP), ou sejam passíveis de pôr em risco a atividade empresarial, aí incluída a segurança e o bem-estar dos outros empregados, de clientes ou da própria comunidade.

Não significa dizer, entretanto, que, para efeito de avaliação de eventual arbitrariedade da exigência de Certidão Negativa de Antecedentes Criminais, se atenha exclusivamente às atividades profissionais meramente exemplificativas expostas na presente decisão. Importante repisar: desde que exigida fidúcia especial para o exercício da atividade profissional, justifica-se, e, portanto, não gera dano moral, a exigência de apresentação de Certidão de Antecedentes Criminais.

Em contrapartida, pareceu-me que, não obstante exigida a certidão negativa de antecedentes criminais na fase pré-contratual, se o então aspirante a empregado foi admitido e prestou serviços, não se configuraria lesão moral.

Pessoalmente, entendi que, celebrado o contrato de trabalho, não se materializaria o prejuízo concreto que decorreria de hipotética recusa do empregador em admitir o candidato a emprego, fruto da não apresentação da referida certidão, por exemplo, no caso de exigência injustificada.

Tal entendimento, contudo, não vingou perante a douta maioria da Eg. SbDI-1 Plena .

A propósito, a Seção considerou que a imposição de apresentação de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente justificativa razoável que a tornem exigível, ou seja, quando arbitrária e infundada, caracteriza dano moral in re ipsa , passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego haver ou não haver sido admitido.

Tal assertiva, em primeiro lugar , parte da premissa de que o prejuízo é presumido em virtude da imposição, ao candidato a emprego, de produção de prova de honestidade desnecessária ou desarrazoada em relação à vaga de emprego almejada .

Em segundo lugar, o entendimento prevalecente tomou em conta, de um lado , a dificuldade de o candidato recusado ao posto de trabalho provar o nexo causal entre a exigência abusiva e indiscriminada e a não contratação; e, de outro lado , o efeito pedagógico e prospectivo da presente decisão em relação à fase pós-contratual. Entendeu-se que o candidato, muito embora admitido no emprego, igualmente foi atingido em sua intimidade, na sua honra, em face da exigência desnecessária da Certidão de Antecedentes Criminais.

3. FIXAÇÃO DE TESES JURÍDICAS NO IRRR

A partir dos fundamentos expostos, que retratam o entendimento prevalecente no âmbito da Eg. SbDI-1, em sua composição plena, adotam-se as seguintes teses jurídicas no presente Incidente:

1ª) não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido;

2ª) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas;

3ª) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra , caracteriza dano moral in re ipsa , passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido .

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, com base no art. 896-C da CLT, definir as teses jurídicas para o Tema Repetitivo nº 0001 – "DANO MORAL – EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS", nos seguintes termos: 1ª) não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. Vencidos parcialmente os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen, Emmanoel Pereira e Guilherme Augusto Caputo Bastos; 2ª) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido, a exemplo de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas, trabalhadores que atuam com informações sigilosas. Vencidos parcialmente os Exmos. Ministros Augusto César de Carvalho, relator, Aloysio Corrêa da Veiga, Walmir Oliveira da Costa e Cláudio Mascarenhas Brandão, que não exemplificavam; 3ª) a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas supra , caracteriza dano moral in re ipsa , passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido. Vencidos, parcialmente, os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen, Emmanoel Pereira e Guilherme Augusto Caputo Bastos e, totalmente, os Exmos. Ministros Aloysio Corrêa da Veiga, Renato de Lacerda Paiva e Ives Gandra Martins Filho. Por maioria, rejeitar as teses IV e V apresentadas no voto do Exmo. Ministro Relator, a seguir transcritas: " IV) Ao ponderar o direito de acesso à informação, exercido pelo empregador em proveito de todos que interagem no ambiente de trabalho, com o direito à privacidade e ao esquecimento, assenta-se que somente ocupação ou serviço com potencial para se degenerar em conduta tipificada como ilícito penal autoriza a exigência de certidão de antecedentes criminais ou sua utilização para preterir-se candidato a emprego; V) Sob as luzes do princípio da isonomia, é ilícita, gerando dano extrapatrimonial, a discriminação, em concreto, do candidato a emprego em que a prestação de trabalho não se possa razoavelmente degenerar em conduta descrita no tipo penal pelo qual responde a processo-crime ou foi apenado ". Vencidos os Exmos. Ministros Augusto César Leite de Carvalho, relator, e João Batista Brito Pereira. Por maioria, rejeitar a tese apresentada pelo Exmo. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, no sentido de que " Não constitui dano moral a exigência de certidão de antecedentes criminais para a contratação de empregado, exceto se a exigência se faz para fraudar a lei ou em atitude nitidamente antijurídica ", vencidos Sua Excelência e os Exmos. Ministros Renato de Lacerda Paiva e Ives Gandra Martins Filho.

Brasília, 20 de abril de 2017.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

JOÃO ORESTE DALAZEN

Ministro Relator