A C Ó R D Ã O

(2ª Turma)

GMCB/acat/rtal

AGRAVO DE INSTRUMENTO

1. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CULPA IN VIGILANDO . NÃO PROVIMENTO.

Nos termos do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, a Administração Pública não responde pelo débito trabalhista apenas em caso de mero inadimplemento da empresa prestadora de serviço, o que não exclui sua responsabilidade em se observando a presença de culpa, mormente em face do descumprimento de outras normas jurídicas. Tal entendimento foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADC nº 16 em 24.11.2010.

Na hipótese dos autos , há registro expresso quanto à culpa do ente público a ensejar sua responsabilização subsidiária. Incidência da Súmula nº 331, IV e V.

Agravo de instrumento a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-72900-32.2007.5.15.0021 , em que é Agravante DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO - DER e são Agravados EDSON DE OLIVEIRA CORDEIRO, CONSTRUTORA ESTRUTURAL LTDA., LA FALCÃO BAUER CENTRO TECNOLÓGICO DE CONTROLE DA QUALIDADE LTDA. e MENG ENGENHARIA COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA .

Insurge-se o primeiro reclamado - DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO - DER , por meio de agravo de instrumento, contra decisão proferida pela Vice-Presidência do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que negou seguimento ao seu recurso de revista por julgar ausente pressuposto de admissibilidade específico (fls. 763/765 – numeração eletrônica).

Alega o agravante, em síntese, que o seu apelo merece ser destrancado, porquanto devidamente comprovado o enquadramento da hipótese vertente no artigo 896, "a" e "c", da CLT (fls. 767/777 – numeração eletrônica).

Contraminuta acostada às fls. 782/785 (numeração eletrônica) e contrarrazões ao recurso de revista incrustadas às fls. 788/794 (numeração eletrônica) pelo reclamante .

O d. Ministério Público do Trabalho opinou pelo conhecimento do apelo e, no mérito, pelo seu não provimento.

É o relatório.

V O T O

1. CONHECIMENTO

Tempestivo (fls. 766 e 767 – numeração eletrônica) e com regularidade de representação (nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 52 da SBDI-1), conheço do agravo de instrumento.

2. MÉRITO

2.1. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO.

A egrégia Corte Regional, ao examinar o recurso ordinário interposto pelo primeiro reclamado - DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO - DER , decidiu, neste particular, negar-lhe provimento. Ao fundamentar sua decisão, registrou:

"É que não obstante o parágrafo 1º. do artigo 71 da Lei nº 8.666/93 contemple a ausência de responsabilidade da Administração Pública para com os créditos desse jaez, esse dispositivo somente pode ser aplicado quando o contratado agiu dentro das regras legais e o contratante fiscalizou o cumprimento das obrigações impostas ao contratado.

A aceitar-se que a administração pública que não fiscalizou o cumprimento das obrigações contratuais do contratado, em típico caso de culpa in vigilando , o que se tem como comprovado nos presentes autos, ante o reconhecido em sentença quanto a inexistência de cumprimento de várias das obrigações contratuais assumidas pela primeira demandada para com o autor, não tivesse responsabilidade por créditos trabalhistas, a par de estar-se ignorando toda a proteção construída em prol do trabalhador, estar-se-ia também olvidando-se que deve ela pautar seu proceder no princípio da moralidade administrativa que não se coaduna com tal proceder.

Ademais, merece destaque o disposto no parágrafo 6º. do artigo 37 da Lei Maior que contempla a responsabilidade objetiva da administração e o dever de indenizar sempre que causar danos a terceiros e o entendimento veiculado pelo enunciado da Súmula 331 do C. TST, ao qual me vinculo.

Aliás, nesse sentido, tem decidido reiteradamente nossos Tribunais, como a seguir se verifica das seguintes ementas:

(...)

Saliente-se, ainda, que tal reconhecimento em nada afronta os dispositivos constitucionais citados pelo recorrente, na medida em que ele somente consagra o entendimento acima construído e que encontra base legal nos dispositivos referidos.

Correto o julgado de origem a respeito, pois, pelo que fica mantido." (fls. 745/747 numeração eletrônica).

Inconformado, interpôs o primeiro reclamado - DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO - DER recurso de revista, ao argumento de que o egrégio Colegiado Regional, ao assim decidir, teria suscitado divergência jurisprudencial e afrontado as disposições insertas nos artigos 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, 37, II e § 6º, da Constituição Federal e 8º da CLT (fls. 752/760 – numeração eletrônica).

Não obstante, a autoridade responsável pelo juízo de admissibilidade a quo , por julgar ausente pressuposto de admissibilidade específico, decidiu denegar-lhe seguimento (fls. 763/765 – numeração eletrônica).

Já na minuta em exame, o ora agravante, ao impugnar a d. decisão denegatória, vem reiterar as alegações anteriormente expendidas, à exceção da indicada ofensa aos artigos 37, § 6º, da Constituição Federal e 8º da CLT. Inova, ao indicar afronta ao artigo 37, § 2º, da Constituição Federal (fls. 769/777 – numeração eletrônica).

Razão, contudo, não lhe assiste.

Inicialmente, inviável o exame da alegada afronta ao artigo 37, § 2º, da Constituição Federal, porquanto constitui inovação recursal, incabível em sede de agravo de instrumento.

No mais, cinge-se a presente controvérsia à questão atinente à possibilidade de responsabilização subsidiária de ente público, tomador de serviços, no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo prestador de serviços.

Trata-se de matéria que há muito tem causado grandes discussões no âmbito desta colenda Corte Superior, que sempre entendeu que o ente público deveria, sim, ser responsabilizado subsidiariamente, não obstante o disposto no artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, no sentido de que:

"a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis".

Em face de tamanha polêmica a respeito da matéria, o Governador do Distrito Federal ajuizou Ação Declaratória de Constitucionalidade no excelso Supremo Tribunal Federal.

Tal ação foi julgada em 24.11.2010, momento em que o Tribunal Pleno, por maioria, reconheceu a constitucionalidade do referido dispositivo.

Dos votos proferidos em sessão plenária, dessume-se que o entendimento adotado pelos Excelentíssimos Ministros foi no sentido de que o artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 refere-se ao mero inadimplemento, pelo que o ente público não poderia se responsabilizar. Não obstante, os Excelentíssimos Ministros deixaram claro que tal entendimento não exclui a responsabilidade do ente público em quaisquer situações, podendo haver sua responsabilidade em face de descumprimento de outras normas, identificando-se, assim, a culpa no caso concreto (fonte: vídeo da sessão plenária do STF, dia 24/11/2010, 2º bloco, disponível em , acesso em 01/06/2011).

Ressalta-se, inicialmente, o voto do Ministro Relator Cezar Peluso, no qual, expressamente, registrou entendimento nesse sentido, in verbis :

"Eu reconheço a plena constitucionalidade da norma, e se o tribunal a reconhecer, como eventualmente poderá fazê-lo, a mim me parece que o tribunal não pode nesse julgamento impedir que a justiça trabalhista, com base em outras normas, em outros princípios e à luz dos fatos de cada causa, reconheça a responsabilidade da administração ". (destaquei)

E, ainda:

"Eu só quero dizer o que eu estou entendendo (...) a postura da Justiça do Trabalho. Ela tem dito o seguinte: realmente, a mera inadimplência do contratado não transfere a responsabilidade nos termos do que está na lei , nesse dispositivo. Então esse dispositivo é constitucional. Mas isso não significa que eventual omissão da Administração Pública na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado não gere responsabilidade à Administração. É outra matéria, são outros fatos, examinados à luz de outras normas constitucionais. Então, em outras palavras (...), nós não temos discordância sobre a substância da ação, eu reconheço a constitucionalidade da norma. Só estou advertindo ao tribunal que isso não impedirá que a Justiça do Trabalho recorra a outros princípios constitucionais e, invocando fatos da causa, reconheça a responsabilidade da administração, não pela mera inadimplência, mas por outros fatos (...)" (destaquei)

Outros Ministros, igualmente, adotaram o mesmo posicionamento. Destaco o voto do Ministro Gilmar Mendes, de seguintes termos:

"Bem verdade que os conflitos que têm sido suscitados pelo TST fazem todo o sentido e talvez exijam dos órgãos de controle, seja TCU, seja Tribunal de Contas do Estado, os responsáveis pelas contas dos municípios, que haja realmente fiscalização, porque realmente o pior dos mundos pode ocorrer para o empregado que presta o serviço. A empresa recebeu, certamente recebeu da Administração, mas não cumpriu os deveres elementares, então essa decisão continua posta. Foi o que o TST de alguma forma tentou explicitar ao não declarar a inconstitucionalidade da lei e resgatar a idéia da súmula, mas que haja essa ‘culpa in vigilando’ é fundamental (...). Talvez aqui reclame-se normas de organização e procedimento por parte dos próprios órgãos que têm que fiscalizar, que inicialmente são os órgãos contratantes, e depois os órgãos fiscalizadores, de modo que haja talvez até uma exigência de demonstração de que se fez o pagamento, o cumprimento, pelo menos das verbas elementares, o pagamento de salário, o recolhimento da previdência social e do FGTS ." (destaquei)

Após o julgamento da ADC nº 16 pelo Supremo Tribunal Federal, os Ministros deste colendo Tribunal Superior decidiram se reunir para debater o tema, o que ocasionou a revisão da redação da Súmula nº 331, que agora passou a ser:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregador. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Tal entendimento mostra-se irrepreensível, visto que o ordenamento jurídico é um todo indivisível, sendo inadmissível a interpretação de uma norma sem levar em consideração o sistema em que se insere.

Luís Roberto Barroso manifesta-se claramente a respeito, in verbis :

" A ordem jurídica de cada Estado constitui um sistema lógico, composto de elementos que se articulam harmoniosamente. Não se amolda à ideia de sistema a possibilidade de uma mesma situação jurídica estar sujeita à incidência de normas distintas, contrastantes entre si. Justamente ao revés, no ordenamento jurídico não podem coexistir normas incompatíveis. O direito não tolera antinomias ." (in BARROSO, Luís Roberto. A interpretação e Aplicação da Constituição , 7ª ed. Editora Saraiva: 2009, p. 9. - destaquei)

Posto tal quadro jurídico, passa-se à análise dos fundamentos para a responsabilidade subsidiária do ente público, tendo em mente os entendimentos firmados por esta colenda Corte Superior e pelo excelso Supremo Tribunal Federal.

Inicialmente, é importante examinar qual o fundamento para a responsabilidade da Administração Pública.

Ao se traçar um breve histórico sobre a responsabilidade civil do Estado, tem-se que, na metade do século XIX, prevalecia a ideia da sua irresponsabilidade, decorrente dos princípios referentes ao Estado Liberal.

Posteriormente, passou-se a entender que o Estado tinha responsabilidade em casos de ação culposa de seus agentes, entendida a culpa em seu sentido amplo.

Mais adiante, surgiu a teoria da culpa administrativa, segundo a qual o Estado devia responder em se verificando o mau funcionamento do serviço público. Tal teoria ficou conhecida como o caso de "falta de serviço", seja pela inexistência dele, pelo seu mau funcionamento ou pelo seu retardamento.

Mais recentemente, surgiu a teoria da responsabilidade objetiva, no sentido de que o Estado responde pelos danos causados pelos seus agentes, independentemente de culpa. O fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado é a teoria do risco administrativo, ou seja, o Estado, por ser detentor de poder-dever de realizar os atos determinados pela Lei, tem que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades.

O ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, ao prever no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Todavia, é aplicável a responsabilidade objetiva do Estado apenas no caso de dano por ação. No caso de uma omissão do Estado, entretanto, deve-se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva, como bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis :

"Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.

Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequência da lesão. Logo a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.

Não bastará, então, para configurar-se a responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível." (in MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 23ª ed: São Paulo. Malheiros Editores, p. 981)

É certo que tais teorias tratam sobre a responsabilidade civil do Estado em face de terceiros, na modalidade extracontratual. De qualquer modo, não vislumbro impedimento para que sejam aplicadas analogicamente a outros casos em que se discutam a responsabilidade do Estado.

No tocante à responsabilidade subsidiária do Estado quando tomador de serviços, em face de inadimplemento do prestador de serviços quanto aos créditos dos trabalhadores, entendo que a teoria da "falta de serviço", no sentido de ser subjetiva a responsabilidade do ente público em havendo omissão, amolda-se perfeitamente. Isso porque, a responsabilidade do ente público será observada no caso de omissão quanto ao seu dever previsto em Lei.

O artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, conforme já mencionado, trata de caso em que havendo a mera inadimplência do prestador de serviços, não há que se responsabilizar o ente público. Todavia, tal regra descreve tão-somente uma única hipótese de inadimplemento pelo prestador de serviço, na presunção, inclusive, de que o ente público cumpriu todos os dispositivos da Lei aplicável, bem como as cláusulas dos contratos celebrados, não havendo falar em omissão culposa. Existem, entretanto, outras situações.

Na Lei nº 8.666/1993, encontram-se as disposições que tratam sobre o processo de licitação, exigível para a celebração de contratos dos entes públicos com os particulares. Em tal Lei, estão previstas as normas sobre as possibilidades de dispensa e inexigibilidade de licitação, as modalidades de licitação, o procedimento, hipóteses de anulação e revogação, recursos administrativos, crimes e penas entre outras. Existem, assim, normas que são de observância obrigatória do particular e outras que se dirigem diretamente ao ente público contratante. E o descumprimento dessas normas por este é que ocasiona sua responsabilidade subjetiva por omissão. Senão vejamos.

Os artigos 27 e seguintes, da Lei nº 8.666/1993, tratam sobre a habilitação do particular para a participação no procedimento licitatório, prevendo toda a documentação que deve ser apresentada no intuito de demonstrar sua habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e cumprimento do disposto no artigo 7º XXXIII, da Constituição Federal ( proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos ).

Cabe à Administração Pública apreciar os documentos apresentados, bem como julgá-los, de modo a reconhecer os inabilitados e retirá-los do procedimento licitatório. Em assim não fazendo com a devida diligência, ocorre a possibilidade de contratar-se empresa que não corresponda às exigências da Lei, por exemplo, não encerrando qualificação econômico-financeira, fato que poderá afetar o adimplemento de várias parcelas durante a execução do serviço, como tributos, matéria-prima e, não menos importante, as verbas trabalhistas.

No tocante a esse ponto, é evidente a culpa in eligendo do ente público, em contratar empresa que não possui qualificação econômico-financeira para desempenhar o serviço, sendo praticamente uma consequência certa o seu inadimplemento quanto a diversas verbas, mormente as trabalhistas.

Nesse caso, não há dúvidas de que o ente público deve responder pelo inadimplemento da empresa contratada, pois descumpriu com seu dever de verificar diligentemente a habilitação da empresa para prestar o serviço para a qual foi contratada. Não é o caso de mero inadimplemento. Há omissão culposa da Administração Pública, pelo descumprimento de normas de observância obrigatória.

Por outro lado, ainda no tocante à habilitação, o ente público poderia provar por meio dos documentos apresentados quando da habilitação, por exemplo, que a empresa contratada atendia a todas as exigências da Lei nº 8.666/1993 para sua contratação, afastando de pronto a culpa in eligendo.

Outra situação em que se vislumbra a responsabilidade da Administração Pública pelo descumprimento de normas é observada no tocante aos artigos 66 e seguintes, da Lei nº 8.666/1993, que tratam sobre a execução dos contratos.

O artigo 67, da Lei nº 8.666/1993, dispõe:

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado , permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

§ 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato , determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.

§ 2º As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.

Depreende-se da leitura do referido dispositivo que há obrigação de fiscalização da execução do contrato pela Administração Pública que, inclusive, deverá anotar em registro próprio todas as ocorrências. E não há de se admitir que a fiscalização deva se dar unicamente em relação ao objeto do contrato, mas em relação a toda a regularidade da prestação de serviços, ou seja, no que diz respeito ao adimplemento das contribuições previdenciárias (quanto ao que a Administração Pública responde solidariamente), verbas tributárias e trabalhistas, entre outras. Em assim não fazendo, descumpre com seu dever legal de fiscalizar a execução dos contratos celebrados, o que pode significar complacência em relação a irregularidades que se perpetuam, pelo que evidente, nesse caso, a culpa in vigilando .

Do mesmo modo, o ente público pode demonstrar que realizou devidamente as fiscalizações previstas em Lei, mormente por meio de relatórios que devem ser elaborados quando de suas realizações, afastando, assim, a culpa in vigilando.

Ultrapassada a questão referente à possibilidade de responsabilização da Administração Pública no tocante ao inadimplemento de verbas trabalhistas, tendo em vista sua omissão culposa caracterizada pelo descumprimento de normas de observância obrigatória, passa-se ao exame de como deve ser realizada a verificação da responsabilidade no caso concreto.

Os empregados reclamantes, quando ajuízam uma ação trabalhista, devem fazer prova dos fatos constitutivos de seu direito, conforme as regras de distribuição do ônus da prova. Já os reclamados, em provado o fato constitutivo do direito do reclamante, devem fazer prova dos fatos extintivos, impeditivos e modificativos de tal direito.

A demonstração de que não houve a devida fiscalização pela Administração Pública quanto à contratação e à execução dos contratos de prestação de serviço é fato constitutivo do direito do reclamante.

Assim, cabe ao reclamante comprovar a ausência de diligência do ente público na realização do procedimento licitatório e da contratação da empresa terceirizada - culpa in eligendo . Isso porque, além de se tratar de fato constitutivo de seu direito, está-se diante de ato administrativo, que dispõe de presunção de legitimidade. Tal presunção é suficiente para, nesses atos, impor ao reclamante o ônus de provar que o ato administrativo - a contratação da empresa - teria sido efetuado de forma ilegal, imoral ou ilegítima, assim entendida, por exemplo, a contratação de empresa em desconformidade com as regras previstas no edital ou em situação econômica frágil.

Já no que diz respeito à culpa in vigilando , é necessária a aplicação da inversão do ônus da prova em favor do reclamante. Nesse caso, não há ato administrativo algum a ser presumido legítimo. Na verdade, a discussão é exatamente sobre a existência de fiscalização do ente público e não sobre a suficiência, legitimidade ou validade dessa fiscalização. Nesse caso, apenas a Administração Pública tem condições de provar a ausência de fato constitutivo do reclamante, ou seja, apenas a Administração Pública tem condições de provar que fiscalizou efetivamente a empresa por meio, por exemplo, de requerimentos de relatórios de pagamentos mensais de FGTS, salários entre outros meios. Apenas com a prova prévia da existência da fiscalização poderá o juízo adentrar a discussão sobre a sua legitimidade.

Deve-se ter em mente que o empregado é parte hipossuficiente, desprovida de condições de realizar determinadas provas. E nesse sentido, tem-se o princípio processual da proteção, consagrado por diversos doutrinadores. Ainda, o reclamante teria de provar a "ausência" de fiscalização, ou seja, fato negativo, praticamente impossível de comprovação.

Ademais, o ordenamento jurídico brasileiro já sinalizou no sentido de se aplicar a inversão do ônus da prova, nos casos de hipossuficiência, consoante o artigo 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90 ( "São direitos básicos do consumidor: VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências") , que embora trate sobre relações de natureza civil, já demonstra a intenção do legislador quanto à proteção dos hipossuficientes.

Firmadas as proposições acima delineadas, conclui-se que há responsabilidade subsidiária da Administração Pública quando verificada sua omissão culposa em função de descumprimento de normas de observância obrigatória, sendo seu o ônus da prova de demonstrar o cumprimento da Lei.

Na hipótese dos autos , conforme se depreende da leitura do v. acórdão regional, há registro expresso quanto à existência de culpa do primeiro reclamado - DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO - DER , o que, por si só, é suficiente a ensejar sua responsabilidade subsidiária. Tal se vê no seguinte trecho:

"A aceitar-se que a administração pública que não fiscalizou o cumprimento das obrigações contratuais do contratado, em típico caso de culpa in vigilando , o que se tem como comprovado nos presentes autos, ante o reconhecido em sentença quanto a inexistência de cumprimento de várias das obrigações contratuais assumidas pela primeira demandada para com o autor, não tivesse responsabilidade por créditos trabalhistas, a par de estar-se ignorando toda a proteção construída em prol do trabalhador, estar-se-ia também olvidando-se que deve ela pautar seu proceder no princípio da moralidade administrativa que não se coaduna com tal proceder." (fls. 745/746 numeração eletrônica) .

A decisão do egrégio Tribunal Regional, assim, encontra-se em conformidade com o entendimento deste colendo Tribunal Superior, expresso na Súmula nº 331, IV e V, in verbis :

"CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE

(...)

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada."

Não há falar em violação do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, uma vez que tal dispositivo trata de caso de mero inadimplemento por parte do prestador de serviço, conforme já explanado. Todavia, trata-se de caso em que foi configurada a culpa do ente público. Para se entender de maneira diversa, necessário seria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é inviável nesta instância extraordinária, consoante os termos da Súmula nº 126.

No tocante ao artigo 37, II, da Constituição Federal, deixo de analisá-lo, uma vez que trata sobre a necessidade de prévia aprovação em concurso público para a investidura em cargo público, matéria impertinente aos autos, em que se discute a responsabilidade subsidiária de ente público tomador dos serviços do obreiro.

Outrossim, observado na hipótese que houve culpa da Administração Pública por descumprimento de normas de observância obrigatória, no que diz respeito à fiscalização dos contratos celebrados, conforme já explanado, aplica-se a Súmula nº 331, V, pelo que despiciendo o exame dos arestos colacionados para o confronto de teses, nos termos do artigo 896, § 4º, da CLT, e da Súmula nº 333.

Por fim, deixo de analisar as alegações trazidas em recurso de revista sob o tema "RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ABRANGÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.", porquanto não reiteradas em agravo de instrumento.

Destarte, à falta de pressuposto de admissibilidade específico, inviável revela-se o destrancamento do apelo.

Nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 31 de agosto de 2011.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CAPUTO BASTOS

Ministro Relator