A C Ó R D Ã O
(1ª Turma)
GMWOC/dbs/af
RECURSO DE REVISTA. EMBARGOS DE TERCEIRO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA.
1. É pacífico entre os estudiosos do Direito Processual Civil o entendimento de que a eficácia preclusiva transcende os limites do processo em que foi proferida a sentença coberta pela coisa julgada ( eficácia panprocessual ), sendo distintas a eficácia, dita natural, da sentença, que a todos atinge em maior ou menor grau, e a autoridade de coisa julgada, que é restrita às partes.
2. A coisa julgada, enquanto instituto jurídico, tutela o princípio da segurança em sua dimensão objetiva, deixando claro que as decisões judiciais são definitivas e imodificáveis.
3. Assim, havendo sentença de mérito, proferida em outro processo, já transitada em julgado, na qual se declarou a inexistência de fraude à execução e a impenhorabilidade do imóvel utilizado como residência do recorrente, a eficácia da sentença também atinge o exequente deste processo.
4. Nesse contexto, forçoso é reconhecer que a Corte Regional violou o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, quando deixou de reconhecer a eficácia preclusiva da coisa julgada acerca da impenhorabilidade do bem de família.
Recurso de revista parcialmente conhecido e provido .
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-84300-20.2009.5.04.0008 , em que é Recorrente FERNANDO SMITH FABRIS e Recorrido JOSÉ LUIZ SILVA AZAMBUJA .
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região negou provimento ao agravo de petição interposto pelo terceiro embargante, mantendo a penhora sobre o bem imóvel que ele afirma lhe pertencer, e negou provimento aos embargos de declaração.
O terceiro embargante interpõe recurso de revista, apontando violação dos arts. 5º, XXXVI, e 93, IX, da Constituição Federal.
O recurso logrou admissão na origem, não sendo apresentadas contrarrazões.
Não há necessidade de parecer do Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
1. CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, analiso os específicos de cabimento do recurso de revista.
1.1. NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Considerando a possibilidade de a decisão de mérito ser favorável ao recorrente, aplica-se a regra do art. 249, § 2º, do Código de Processo Civil , em relação à arguição de nulidade do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional.
1.2. EMBARGOS DE TERCEIRO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região negou provimento ao agravo de petição interposto pelo terceiro embargante, mantendo a penhora sobre o bem imóvel que ele afirma lhe pertencer, mediante os seguintes fundamentos, na fração de interesse:
Não socorre o terceiro agravante o fato de o bem imóvel em questão ter sido declarado bem de família em outro feito, como sugere o acórdão das fls. 122-3 - Processo Trabalhista n° 00926-2001-008-04-00-3AP, tampouco o fato de ser inviável o redirecionamento da execução contra o ex-sócio minoritário, como comprova o acórdão das fls. 40-2 - Processo Trabalhista n° 01408-1998-026-04-00-2AP, porquanto aquelas-decisões não possuem efeito vinculante em relação à decisão a ser dada na presente demanda.
Também não beneficia o adquirente do imóvel sua alegada boa-fé ou inexistência de restrição no Registro de Imóveis, pois a eficácia do negócio jurídico pelo qual o bem foi alienado se restringe às pessoas contratantes, não podendo ser oposta a terceiros e não se sobrepondo ao direito do exequente, cumprindo ressaltar que o reconhecimento da fraude à execução produz efeitos para todos aqueles que adquiriram o imóvel atingindo, pois, o agravante. Resta ao terceiro de boa-fé a possibilidade de reparação, na esfera cível, por quem lhe transferiu o bem (...).
Os embargos de declaração interpostos pelo terceiro embargante foram desprovidos pela Corte Regional, por inexistentes os vícios apontados.
Nas razões do recurso de revista, o terceiro embargante sustenta, em suma, que o acórdão recorrido afrontou expressamente a coisa julgada, uma vez que não poderia haver a penhora de seu imóvel por dívidas do alienante, quando teve o mesmo imóvel declarado impenhorável em outra demanda, por ser bem de família. Aponta violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
Razão lhe assiste.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, analisando o agravo de petição interposto pelo terceiro embargante, decidiu manter a penhora, por considerar irrelevante "o fato de o imóvel em questão ter sido declarado bem de família em outro feito", porque a transferência de propriedade ocorrera em fraude à execução.
Ocorre, entretanto, que a coisa julgada, assim considerada "a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença" (CPC, art. 467), não obstante produzir efeitos restritos "às partes entre as quais é dada" (CPC, art. 472), não impede que a sentença produza, como todo provimento estatal, efeitos naturais de amplitude subjetiva mais alargada, dentro do processo em que foi prolatada e, também, efeitos que se projetam para fora desse mesmo processo.
Com efeito, é pacífico entre os estudiosos do Direito Processual Civil o entendimento de que a eficácia preclusiva transcende os limites do processo em que foi proferida a sentença coberta pela coisa julgada ( eficácia panprocessual ). Ou seja, a eficácia preclusiva da coisa julgada possui efeitos dentro (endoprocessual) e fora do processo (extraprocessual) que vinculam as partes e o juiz de qualquer processo que lhe seguir. São distintas a eficácia, dita natural, da sentença, que a todos atinge em maior ou menor grau, e a autoridade de coisa julgada, que é restrita às partes. F osse a coisa julgada restrita às partes, não haveria razão para os institutos da intervenção de terceiros e da assistência, para o recurso do terceiro prejudicado, tampouco haveria razão para a legitimação de terceiro para a propositura de ação rescisória. O elemento negativo da coisa julgada consiste na proibição de renovação da mesma ação (mesmas partes, mesmo pedido, mesma causa de pedir); o elemento positivo da coisa julgada proíbe a "ação contrária", ou seja, a ação destinada a subtrair do autor ou do réu o bem da vida recebido pela sentença transita em julgado. A coisa julgada, enquanto instituto jurídico, tutela o princípio da segurança em sua dimensão objetiva, deixando claro que as decisões judiciais são definitivas e imodificáveis. A coisa julgada expressa a necessidade de estabilidade das decisões judiciais, garantindo ao cidadão que nenhum outro ato estatal poderá modificar ou violar a decisão que definiu o litígio (BARBOSA MOREIRA, NELSON NERY JUNIOR, JOSÉ MARIA TESHEINER, LUIZ GUILHERME MARINONI, HEITOR SICA, etc.).
Assim, havendo sentença de mérito, proferida em outro feito, já transitada em julgado, na qual se declarou a inexistência de fraude à execução e a impenhorabilidade do imóvel utilizado como residência do recorrente, a eficácia da sentença também atinge o exequente deste processo, em face de a sentença transitada em julgado ter decidido, em definitivo, a relação de direito material deduzida nesta demanda, abrangendo as questões de fatos e de direito que poderiam ter sido alegadas pelas partes ou interessados.
Relativamente à eficácia preclusiva da coisa julgada prevista no art. 474 do Código de Processo Civil, convergem com o entendimento acima exposto os julgados do c. Superior Tribunal de Justiça, transcritos a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO, EM SEDE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, DE DECISÃO SOB O MANTO DA COISA JULGADA MATERIAL. INVIABILIDADE. "O art. 474 do CPC reflete a denominada eficácia preclusiva da coisa julgada, pela qual todas as questões deduzidas que poderiam sê-lo e não o foram encontram-se sob o manto da coisa julgada, não podendo constituir novo fundamento para discussão da mesma causa, mesmo que em ação diversa". (REsp 1264894/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 09/09/2011). Agravo regimental não provido, com aplicação de multa. AgRg no AREsp 212042/SC – Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO - QUARTA TURMA - DJe 12/11/2012.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA VISANDO O MESMO RESULTADO DENEGADO EM MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA. 1. A ratio essendi da coisa julgada interdita à parte que promova duas ações visando o mesmo resultado o que, em regra, ocorre quando o autor formula, em face da mesma parte, o mesmo pedido fundado na mesma causa petendi. 2. Consectariamente, por força da mesma é possível afirmar-se que há coisa julgada quando duas ou mais ações conduzem ao "mesmo resultado"; por isso: electa una via altera non datur . (...). 5. A coisa julgada atinge o pedido e a sua causa de pedir. Destarte, a eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 474, do CPC) impede que se infirme o resultado a que se chegou em processo anterior com decisão trânsita, ainda que a ação repetida seja outra, mas que por via oblíqua desrespeita o julgado anterior. 6. Deveras, a lei nova é irretroativa, mercê de respeitar a coisa julgada, garantia pétrea prevista no artigo 5°, inciso XXXVI, da Constituição Federal. 7. Nesse sentido, também é a posição do magistério de Teresa Arruda Alvim Wambier: "Não se deve, portanto, superestimar a proteção constitucional à coisa julgada, tendo sempre presente que o texto protege a situação concreta da decisão transitada em julgado contra a possibilidade de incidência de nova lei. Não se trata de proteção ao instituto da coisa julgada, (em tese) de molde a torná-la inatingível, mas de resguardo de situações em que se operou a coisa julgada, da aplicabilidade de lei superveniente". 8. Recurso especial desprovido. REsp 1152174/RS – Relator Ministro LUIZ FUX - PRIMEIRA TURMA - DJe 22/02/2011.
Nesse contexto, forçoso é reconhecer que a Corte Regional violou o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, quando deixou de reconhecer a eficácia preclusiva da coisa julgada acerca da impenhorabilidade do bem de família.
Com apoio nesses fundamentos, CONHEÇO do recurso de revista, na forma do art. 896, § 2º, da CLT.
2. MÉRITO
EMBARGOS DE TERCEIRO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA
No mérito, conhecido o recurso de revista por violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, em razão da existência de coisa julgada material acerca da impenhorabilidade do bem de família, DOU-LHE PROVIMENTO para determinar o levantamento da penhora que recaiu sobre o imóvel de propriedade do recorrente.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencido o Exmo. Ministro Hugo Carlos Scheuermann, conhecer parcialmente do recurso de revista, por violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, e, no mérito, dar-lhe provimento para, reformando o acórdão recorrido, determinar o levantamento da penhora que recaiu sobre o imóvel de propriedade do recorrente.
Brasília, 13 de maio de 2015.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Walmir Oliveira da Costa
Ministro Relator