A C Ó R D Ã O
(5ª Turma)
GMDAR/LAL
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/2017. JORNADA DE TRABALHO. ESCALA MARSHALL. ESCALA 3X2X2X3 EM JORNADA DE 12 HORAS DIÁRIAS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. TEMA 1.046 DO EMENTÁRIO DE REPERCUSSÃO GERAL. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO ARE 1.121.633. DIREITO DISPONÍVEL. PREVALÊNCIA DA NORMA COLETIVA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. 1. Cinge-se a controvérsia em definir a validade da cláusula normativa em que autorizada a jornada de trabalho na escala 3x2x2x3, de forma alternada, com jornada de 12 horas diárias (escala marshall). 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 2/6/2022, apreciou o Tema 1.046 do ementário de repercussão geral e deu provimento ao recurso extraordinário (ARE 1.121.633) para fixar a seguinte tese: " São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis ". Portanto, segundo o entendimento consagrado pelo STF, as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, nas quais previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos gravados com a nota da indisponibilidade absoluta. Embora não tenha definido o STF, no enunciado da Tese 1.046, quais seriam os direitos absolutamente indisponíveis, é fato que eventuais restrições legais ao exercício da autonomia da vontade, no plano das relações privadas, encontram substrato no interesse público de proteção do núcleo essencial da dignidade humana (CF, art. 1º, III), de que são exemplos a vinculação empregatícia formal (CTPS), a inscrição junto à Previdência Social, o pagamento de salário mínimo, a proteção à maternidade, o respeito às normas de proteção à saúde e segurança do trabalho, entre outras disposições minimamente essenciais. Nesse exato sentido, a Lei 13.467/2017 definiu, com clareza, conferindo a necessária segurança jurídica a esses negócios coletivos, quais seriam os direitos transacionáveis (art. 611-A da CLT) e quais estariam blindados ao procedimento negocial coletivo (art. 611-B da CLT). Ao editar a Tese 1.046, a Suprema Corte examinou recurso extraordinário interposto em instante anterior ao advento da nova legislação, fixando, objetivamente, o veto à transação de "direitos absolutamente indisponíveis", entre os quais não se inserem, obviamente, direitos de índole essencialmente patrimonial, inclusive suscetíveis de submissão ao procedimento arbitral (Lei 9.307/1996), como na hipótese, em que se questiona o estabelecimento de jornada de trabalho diferenciada. 3. Nesse cenário, a previsão normativa da denominada “escala marshall”, quando prevista em norma coletiva, é plenamente válida e deve ser respeitada, sob pena de maltrato ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal. Assim, verifica-se que a decisão agravada, em que mantida a decisão em que considerada válida a norma coletiva, encontra-se em consonância com o entendimento firmado pelo STF no julgamento recurso extraordinário (ARE 1.121.633). Nesse contexto, não afastados os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo enseja a decisão. Agravo não provido, com acréscimo de fundamentação.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-Ag-AIRR-11256-29.2022.5.15.0097 , em que é Agravante MÁRCIO PERRONI DE SOUSA e são Agravadas AMCOR RIGID PACKAGING DO BRASIL LTDA. e SPAL INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S.A.
O Reclamante interpõe agravo em face da decisão mediante a qual foi negado provimento ao seu agravo de instrumento.
Houve apresentação de contraminuta.
Recurso regido pela Lei 13.467/2017.
É o relatório.
V O T O
CONHECIMENTO
CONHEÇO do agravo porque atendidos os pressupostos de admissibilidade.
MÉRITO
2.1 JORNADA DE TRABALHO. ESCALA MARSHALL. ESCALA 3X2X2X3 EM JORNADA DE 12 HORAS DIÁRIAS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. TEMA 1.046 DO EMENTÁRIO DE REPERCUSSÃO GERAL. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO ARE 1.121.633. DIREITO DISPONÍVEL. PREVALÊNCIA DA NORMA COLETIVA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA
Eis o teor da decisão agravada:
II – AGRAVO DE INSTRUMENTO
Trata-se de agravo de instrumento interposto em face da decisão do Tribunal Regional, mediante a qual foi denegado seguimento ao recurso de revista.
A parte procura demonstrar a satisfação dos pressupostos para o processamento do recurso obstado.
Assim resumida a espécie, profiro a seguinte decisão, com fundamento no artigo 932 do CPC/2015.
Observo, inicialmente, que o recurso é tempestivo e regular.
Registro, ainda, que se trata de agravo de instrumento com o objetivo de viabilizar o processamento de recurso de revista interposto em face de decisão publicada na vigência da Lei 13.467/2017.
O Tribunal Regional negou seguimento ao recurso de revista da parte, por entender não configuradas as hipóteses de cabimento previstas no artigo 896 da CLT. Eis os termos da decisão:
PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / DURAÇÃO DO TRABALHO (13764) / HORAS EXTRAS NULIDADE DA NORMA COLETIVA / ESCALA DE TRABALHO PACTUADA No que se refere ao tema em destaque, inviável o recurso, uma vez que o recorrente transcreveu o capítulo do acórdão na íntegra sem indicar especificamente o trecho da decisão recorrida objeto da insurgência, conforme exige o art. 896, § 1º-A, I, da CLT.
CONCLUSÃO DENEGO seguimento ao recurso de revista.
Como se sabe, a intervenção deste Tribunal Superior do Trabalho apenas se legitima quando há demonstração clara e objetiva da presença de interesse público na resolução da disputa, o que é evidenciado por uma das seguintes situações jurídicas: transgressão direta e literal à ordem jurídica (leis federais e Constituição) e dissenso jurisprudencial (entre TRTs, entre TRT e a SDI/TST, contrariedade a Súmulas do TST e Súmulas Vinculantes do STF).
Com o advento da Lei 13.467/2017, o caráter excepcional da jurisdição prestada pelo TST foi uma vez mais remarcado com a regulamentação do pressuposto recursal da transcendência, segundo o qual a admissibilidade do recurso de revista depende da relevância ou expressão das questões jurídicas suscitadas, considerados os seus reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica (CLT, art. 896-A).
O simples descontentamento da parte com o teor da decisão judicial não basta para viabilizar o acesso a mais uma instância jurisdicional.
Muito embora a crise de efetividade do sistema judicial brasileiro venha sendo combatida há vários anos por meio de reformas legislativas e políticas de gestão delineadas a partir do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é fato que o principal aspecto a ser enfrentado envolve os recursos protelatórios, que apenas consomem valioso tempo e recurso das próprias partes e do Estado.
O direito constitucional de acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV) não autoriza o percurso de todos os graus de jurisdição fora das hipóteses legalmente previstas (CF, art. 5º, LIV). Se o debate se esgotou de modo regular na esfera ordinária de jurisdição, proferidas as decisões de forma exauriente e fundamentada (CF, art. 93, IX) e sem que tenham sido vulneradas as garantias processuais fundamentais dos litigantes, à parte sucumbente cabe conformar-se com o resultado proposto, não lhe sendo lícito postergar, indevidamente, o trânsito em julgado da última decisão proferida, com a interposição sucessiva das várias espécies recursais previstas em lei.
No caso presente, foram examinadas, detida e objetivamente, todas as alegações deduzidas pela parte em seu recurso de revista e indicados os óbices que inviabilizaram o processamento pretendido. Confrontando a motivação inscrita na decisão agravada e os argumentos deduzidos pela parte Agravante, percebe-se, sem maiores dúvidas, a ausência de qualquer equívoco que autorize o provimento do presente agravo de instrumento. Os motivos inscritos na decisão agravada estão corretos, evidenciam a ausência de pressupostos legais e, por isso, são também incorporados a esta decisão.
Assim, constatado que as razões apresentadas pela parte Agravante não são capazes de justificar a reforma da decisão Regional, viabilizando o processamento regular do recurso de revista denegado, no que se refere aos temas veiculados nas razões recursais, porquanto não se evidencia a transcendência sob quaisquer de suas espécies, na medida em que não alcança questão jurídica nova ( transcendência jurídica ); o valor da causa não assume expressão econômica suficiente a ensejar a intervenção desta Corte ( transcendência econômica ); tampouco se divisa ofensa a direito social constitucionalmente assegurado ( transcendência social ).
Ademais, não há, a partir das específicas circunstâncias fáticas consideradas pela Corte Regional, jurisprudência dissonante pacífica e reiterada no âmbito desta Corte, não se configurando a transcendência política do debate proposto.
Registro, por fim, que, conforme Tese 339 de Repercussão Geral do STF, o artigo 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas.
Logo, uma vez que a parte já recebeu a resposta fundamentada deste Poder Judiciário, não há espaço para o processamento do recurso de revista denegado.
Assim, ratificando os motivos inscritos na decisão agravada, devidamente incorporados a esta decisão, e amparado no artigo 932 do CPC/2015, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
O TRT assim decidiu:
2- Das horas extras A reclamada insurge-se contra sua condenação ao pagamento de horas extras, argumentando que a jornada de trabalho foi acordada em norma coletiva, não podendo ser invalidada. O reclamante, por sua vez, recorre pedindo que não sejam aceitos como válidos os controles de jornada que não possuam sua assinatura e que nesse período seja considerada a jornada de trabalho indicada na inicial.
A exigência de assinatura do empregado no cartão de ponto carece de previsão legal, razão pela qual não pode ser invalidado como meio probatório, conforme art. 74, §2º da CLT e art. 13 da Portaria 3.626/91.
Horas Extras. Ausência de assinatura nos controles de frequência eletrônicos. Validade. Apelo sob a égide da Lei 13.015/2014. Requisitos do artigo 896, § 10-A, da CLT, atendidos. A falta de assinatura do empregado nos registros de frequência configura tão somente irregularidade administrativa, e não é suficiente, por si mesma, para tornar inválida a prova documental apresentada. Há precedentes. Recurso de (Proc. nº TST-RR-1306-13.2012.5.01.0072, revista conhecido e provido. 6ª T, Rel. Min. Augusto Cesar Leite de Carvalho, julgado em 18-03-2020.)
Quanto à condenação, assim decidiu a sentença: " Malgrado entenda válidas as compensações de jornada prevista em instrumentos normativos, como a escala 12 X 36 (Súmula 444 do C.TST) e também na modalidade conhecida como "Semana Espanhola" (40/48 semanais alternadas - OJ 323 da SDI1 do C.TST), o mesmo entendimento não pode ser aplicado à denominada "Escala Marshall" na qual o trabalhador se ativa em 12 horas diárias em 3 dias, seguidos de 2 dias de descanso e posteriormente 2 dias de trabalho e 3 de descanso, porquanto tal jornada se mostra extremamente extenuante ao trabalhador - especialmente nos três dias seguidos de jornada de 12h, além de não conceder tempo necessário para seu restabelecimento e descanso.
Note-se que o trabalhador, na sequência das semanas, chega a cumprir 60 horas semanais.
Destarte por envolver a saúde do trabalhador, a norma coletiva não pode prevalecer. "
O reclamante laborou em escala 3x2x2x3, de forma alternada, com jornada de 12 horas diárias, a denominada escala marshall, prevista nos Acordos Coletivos de Trabalho O art. 7º, XIII, da Constituição Federal autoriza, de forma expressa, a possibilidade de ajuste coletivo de jornada dissonante da tradicionalmente prevista (de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais).
O E. STF firmou tese vinculante quanto à constitucionalidade de pactuações coletivas que venham a limitar direitos trabalhistas, independentemente de explícita vantagem compensatória - Tema 1046.
Portanto, à luz do quanto disposto no art. 7º, XIII, da Constituição Federal, e da tese fixada pelo STF - Tema 1046, há que se reconhecer como válida a norma coletiva que estabelece a denominada "Escala Marshall".
Reforma-se para reconhecer a validade da jornada de trabalho e excluir da condenação as horas extras.
O Agravante sustenta que o direito em questão – escala marshall - constitui-se como absolutamente indisponível, razão porque não pode ser objeto de flexibilização por norma coletiva.
Diz que cumpriu a determinação do artigo 896, §1º-A, I, da CLT.
Aponta ofensa ao artigo 7º, XIII e XXII, da Constituição Federal. Traz arestos para o cotejo de teses.
Ao exame.
No presente caso, o Tribunal Regional reconheceu a validade da cláusula normativa em que autorizada a jornada de trabalho na escala 3x2x2x3, de forma alternada, com jornada de 12 horas diárias – escala marshall.
Registrou que, à luz da tese fixada pelo STF, Tema 1046, deve ser reconhecida a validade da referida escala de trabalho.
Pois bem.
Os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho são reconhecidos em nível constitucional (artigo 7º, XXVI), cumprindo-lhes fixar as cláusulas e condições de trabalho a serem observadas nos contratos de trabalho celebrados pelos sujeitos vinculados ao âmbito de representação dos entes pactuantes.
Como regra, buscam ampliar os níveis de proteção social já assegurados pela ordem normativa heterônoma estatal (CLT, artigos 9º e 444), sem prejuízo de que, em situações excepcionais e devidamente justificadas, possam também promover a redução, temporal e transitória, em relação aos temas salário e jornada, dos padrões legais de proteção social (CF, artigo 7º, VI, XIII e XIV).
Desvendar quais são os limites da negociação coletiva é tarefa extremamente difícil, sobretudo quando a Lei Maior consagra o princípio da autonomia privada coletiva e ao mesmo tempo estatui garantias pontuais ao trabalhador.
Ao longo da história, doutrina e jurisprudência tentaram fixar o real alcance do poder de conformação coletiva autônoma de interesses no âmbito das relações de trabalho, compondo conflitos e fixando novas regras de observância obrigatória nos contratos de trabalho celebrados no âmbito das categorias representadas.
A Magistrada e Professora Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, em estudo expressivo, analisou as tendências do TST na primeira metade da década de 2000 (pós-década de 1990), observando que:
"Apesar da recente revalidação do entendimento, validando a negociação coletiva no que se refere ao turno ininterrupto de revezamento, que indica que o espaço da negociação coletiva permanece sendo valorizado, observa-se que não há mais uma postura acrílica em relação aos conteúdos pactuados, havendo uma tendência a abandonar o minimalismo que caracterizou os primeiros julgados". (...) Quando o TST passa a excepcionar as regras que afetam a saúde e a segurança do trabalhador daquelas possíveis de serem transacionadas, afirmando-as como critérios decisivos para a invalidação das regras coletivamente pactuadas, há uma sinalização de um deslocamento do debate. Diminui-se a importância do debate pactuado/legislado para o eixo no interior das próprias regras legais, no sentido da discussão de sua disponibilidade relativa/indisponibilidade, em que se questionam os contornos do que seja ordem pública social, bem como sobre o respeito às regras legais aplicáveis aos processos negociais". (SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Relações coletivas de trabalho. São Paulo: LTr, 2008. p. 478-479.
O exercício da autonomia negocial coletiva reconhecida aos sindicatos (CF, art. 7º, XXVI e 8º, VI), no entanto, não é absoluto e não pode alcançar normas que contrariem as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores (LC 75/93, art. 83, IV), entre as quais se destacam as regras de proteção à saúde e segurança do trabalho (CF, arts. 7º, XXII, 21, XXIV c/c o art. 155 e ss da CLT) - que integram o núcleo essencial do postulado fundamental da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Discorrendo sobre o alcance da autonomia negocial coletiva, a doutrina anuncia que:
"Pelo princípio da adequação setorial negociada as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônomas aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade relativa (e não de indisponibilidade absoluta). (...) São amplas, portanto, as possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletiva em face das normas heterônomas imperativas, à luz do princípio da adequação setorial negociada. Entretanto está claro que essas possibilidades não são plenas e irrefreáveis. Há limites objetivos à adequação setorial negociada; limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação trabalhista. Desse modo, não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negocial coletivo falece poderes de renúncia sobre direitos de terceiros (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas." (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2006, p. 1320-1321).
Em outro momento, o Professor Delgado, ilustre ministro desta Corte, esclarece que:
"No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhlstas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º, da CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios etc. (Direito coletivo do trabalho, p. 177).
Após expor o conteúdo do art. 4º da Convenção 98 da OIT (1949), Arion Romita ressalvava o caráter limitado da autonomia negocial coletiva:
A autonomia sindical, no entanto, não pode ser invocada para acobertar abusos ou o mau uso da liberdade. Incumbe ao Estado, que tutela os interesses gerais de toda a sociedade, que coordena e harmoniza esses mesmos interesses, o dever de controlar a atividade sindical. O Estado democrático não pode deixar de proteger-se e proteger a sociedade: se admitisse a violação da lei (inclusive a penal) em nome do respeito à liberdade sindical, negaria a verdadeira liberdade a todos os cidadãos. Por isso, deve intervir onde e quando a ação sindical redunde em prejuízos dos interesses gerais que lhe incumbe tutelar institucionalmente. A intervenção estatal, porém, deve esgotar-se na tarefa de manter a ordem pública e estabelecer equilíbrio entre as necessidades e os direitos dos indivíduos." (ROMITA, Arion Sayao. Os limites da autonomia negocial coletiva segundo a jurisprudência. Revista LTr, setembro de 2016, p. 1038).
E mais adiante prosseguia:
Erra quem supõe que a negociação coletiva de condições de trabalho se reduza a um assunto entre particulares a respeito do qual o Estado mantem uma atitude neutra. Não: o Estado intervém porque o interesse público está diretamente afetado. A negociação coletiva não é livre, tal como se os interlocutores sociais pudessem leva-la a cabo conforme entendessem ou segundo suas conveniências. Embora inexista no Brasil legislação reguladora da negociação coletiva, a lei regula amplamente os institutos da convenção coletiva de trabalho e do acordo coletivo de trabalho. Em face da negociação coletiva, o Estado se reserva uma ampla gama de poderes que amparam uma também ampla intervenção, de sorte que, embora não se trate de uma negociação tripartite, pode ser considerada uma negociação vigiada, limitada, controlada. Esta intervenção se processa já a partir das restrições constitucionais e, principalmente, pela atuação do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho. (ob. cit., p. 1040).
Assim, desde que atendida a exigência democrática da deliberação legítima da categoria e não se tratando de transação de direitos gravados de elevada significação social e, por isso, indisponíveis, tanto no plano coletivo quanto individual, deve ser reconhecida a validade da norma coletiva.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 02/06/2022, apreciou o Tema 1.046 do ementário de repercussão geral e deu provimento ao recurso extraordinário (ARE 1121633) para fixar a seguinte tese:
"São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".
Portanto, segundo o entendimento consagrado pelo STF no referido julgamento, alçada a autonomia negocial coletiva ao patamar constitucional (art. 7º, XXVI, da CF), as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, em que previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos revestidos com a nota da indisponibilidade absoluta.
No caso dos autos, não se discute direito absolutamente indisponível do trabalhador, visto que jornada de trabalho pode transacionado pelos atores coletivos pactuantes, na linha da mais recente jurisprudência do STF.
Desse modo, deve prevalecer a cláusula coletiva, sob pena de maltrato ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal.
Ressalte-se que o artigo 661-A, I, da CLT admite a pactuação, por meio de norma coletiva, relativa a jornada de trabalho, o que reforça a ideia de disponibilidade do referido direito.
Nesse cenário, a decisão agravada em que mantida a decisão que considerou válida a norma coletiva, encontra-se em consonância com o entendimento firmado pelo STF no julgamento recurso extraordinário (ARE 1.121.633), o que afasta a alegação de ofensa aos artigos 7º, VIII e XXII e X, da CF.
Nesse contexto, não afastados os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo enseja a decisão.
Nada obstante, dado o acréscimo de fundamentação, não se mostra pertinente a aplicação da multa prevista no artigo 1.021, § 4º, do CPC, porquanto evidenciado que o agravo interposto não detém caráter manifestamente inadmissível.
NEGO PROVIMENTO ao agravo, com acréscimo de fundamentação.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo.
Brasília, 19 de junho de 2024.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES
Ministro Relator