A C Ó R D Ã O
(3ª Turma)
GMJRP/plc
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/17
ACORDO EXTRAJUDICIAL INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13.467/17. HOMOLOGAÇÃO APENAS PARCIAL DE SUAS CLÁUSULAS, COM PRESERVAÇÃO DA TRANSAÇÃO CELEBRADA PELAS PARTES, PARA ATENDER ÀS PREMENTES NECESSIDADES DA PARTE HIPOSSUFICIENTE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO SOMENTE DE CLÁUSULAS LESIVAS OU ABUSIVAS QUE VIOLAM DIREITOS FUNDAMENTAIS, NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E DIREITOS DE TERCEIROS, A EXEMPLO DAS CLÁUSULAS DE QUITAÇÃO GERAL E IRRESTRITA DO CONTRATO DE TRABALHO E DE IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DAS PARCELAS DE FORMA CONTRA LEGEM . FUNÇÃO DO JUIZ DO TRABALHO NA HOMOLOGAÇÃO. ATO JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS TUITIVO OU PROTETIVO, DA IRRENUNCIABILIDADE, DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO OU DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA, DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA EFETIVIDADE SOCIAL DO PROCESSO. EQUALIZAÇÃO JURÍDICA DE PARTES MATERIALMENTE DESIGUAIS E DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DO ÔNUS DO TEMPO INERENTE À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL. TRANSAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DE RES DUBIA.
1. O Juiz do Trabalho pode e deve controlar o conteúdo de todas e quaisquer transações (judiciais ou extrajudiciais) que lhes sejam submetidas à apreciação, no exercício da sua função jurisdicional. Na homologação de acordo extrajudicial de que tratam os arts. 855-B a 855-E da CLT introduzidos pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) não há propriamente ato de jurisdição voluntária, por não se tratar a manifestação conjunta das partes submetida a seu exame de um mero ato administrativo dos interessados em relação em que não existe uma verdadeira lide entre ambos e cuja validade meramente formal vai ser conferida pelo Juiz, como ocorre com os demais casos de jurisdição voluntária. O Juiz do Trabalho não está obrigado a homologar transações lesivas a direitos fundamentais ou claramente infringentes de normas de ordem pública, não podendo ser transformado em um mero "carimbador" desse ato de manifestação de vontade dos interessados ou em instrumento mecânico de aceitação automática de qualquer transação que lhe seja submetida. 2. Por isso mesmo, o ato de homologação do Juiz, diante de uma transação celebrada pelas partes em uma lide potencial ou real já existente, não é e nem pode ser de mera verificação da validade formal da manifestação de vontade das partes à luz do Código Civil, precisamente do seu art. 104. Isso porque o Juiz, quando homologa negócios jurídicos como os aqui em análise, em que inexistem meros interessados na prática de atos de disposição de seus direitos em relações de direito civil não conflituosas (como realmente ocorre nos atos verdadeiramente de jurisdição voluntária cuja competência, para sua prática, o legislador atribui ao Poder Judiciário), mas sim partes de uma relação sabidamente assimétrica e desigual, por isso mesmo sempre potencialmente conflituosa, tem o indeclinável dever, constitucional e legal, de participar de forma crítica e ativa do ato, tornando-o seu , no sentido etimológico do vocábulo homologação . Vale dizer, o Estado-Juiz, através de seu agente jurisdicional, o magistrado, toma conhecimento do ato dessas partes interessadas e o incorpora como ato do próprio Estado, na forma e no conteúdo , fazendo sempre e necessariamente, portanto, um controle do próprio conteúdo de cada transação a ele submetida. A esse respeito já me pronunciei há muitos anos em Artigo Doutrinário, citando o grande Jurista baiano José Augusto Rodrigues Pinto, que ensina de forma extremamente persuasiva que o ato de homologar, em tais casos, não é um mero ato de jurisdição voluntária, e sim um ato jurisdicional por natureza, quando há verdadeiramente uma lide, já existente ou meramente potencial, submetida à apreciação do órgão judicial. 3. Por outro lado, ainda que se entenda que o papel do magistrado ao analisar o acordo, conforme previsão expressa do art. 855-D da CLT, será tão-somente o de verificar a presença, no caso, dos requisitos de validade do negócio jurídico estabelecidos no já citado art. 104 do Código Civil, isso não o eximirá de examinar a validade ou não das condições ajustadas pelos interessados, na medida em que o próprio inciso II desse dispositivo legal civil exige que esse negócio jurídico deve sempre ter objeto lícito, o que não será possível dizer que exista em todos os casos em que a parte hipossuficiente dessa transação extrajudicial manifestamente estiver RENUNCIANDO, pura e simplesmente, por exemplo, a direitos trabalhistas constitucionalmente ou legalmente assegurados e que, por isso mesmo, são sabidamente INDISPONÍVEIS, ou em que as partes interessadas estejam ajustando uma transação que claramente descumpra a legislação tributária ou previdenciária aplicável, lesando direitos da Fazenda Pública ou da Previdência Social Nacional. 4. Especificamente, com relação à possibilidade de homologação somente dos valores e parcelas consignados no acordo, depreende-se, dos termos do art. 320 do Código Civil subsidiariamente aplicável à esfera trabalhista, que a quitação conferida em acordo extrajudicial abrange exclusivamente os valores e parcelas discriminadas no termo, não sendo possível, portanto, a quitação ampla e irrestrita pelo extinto contrato de trabalho. Ademais, conforme o art. 843 do Código Civil, a transação interpreta-se restritivamente, não sendo juridicamente possível e nem válida a quitação genérica de verbas que não constem da petição de acordo. Esse entendimento é reforçado pela própria disposição do art. 855-E da CLT, ao preconizar que a petição de homologação de acordo suspende o prazo prescricional apenas dos direitos nela especificados, o que demonstra o alcance restritivo deste instituto. Acresça-se, ainda, que não pode o Juiz do Trabalho permitir a deturpação das normas legais imperativas concernentes à identificação da natureza jurídica das parcelas objeto do acordo, já que, à luz do art. 844 do Código Civil e da jurisprudência do TST, é absolutamente pacífico ser vedada pelas partes, nos processos trabalhistas, a transação em relação a direitos de terceiros, notadamente da União no tocante aos efeitos tributários, e do INSS com relação aos efeitos previdenciários. 5. A par dessas considerações, entende-se que o Juiz do Trabalho, ao se deparar com um acordo extrajudicial trabalhista que contenha cláusulas que malfiram normas de caráter cogente ou que tenham o potencial de sonegar direitos trabalhistas (como as cláusulas de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho e de atribuição de natureza jurídica contra legem das parcelas trabalhistas), não deve ficar limitado entre as alternativas de proceder a uma homologação total ou a uma não homologação total do acordo extrajudicial. Deve-se-lhe ser facultado, à luz do seu convencimento motivado (art. 371 do CPC) e do seu poder-dever de ampla liberdade na direção do processo (art. 765 da CLT), deliberar por extirpar do ajuste somente tais cláusulas. 6. Isso porque as mencionadas normas da legislação civil (aplicáveis subsidiariamente – art. 8º, § 1º, da CLT) e a própria norma celetista que prevê o acordo extrajudicial devem, por óbvio, ser interpretadas em conjunto com os princípios e regras trabalhistas, em verdadeiro diálogo, em direta e exemplar aplicação da doutrinariamente consagrada Teoria do Diálogo das Fontes. Esta, como é sabido, trata-se de importante metodologia hermenêutica que foi construída para propiciar soluções mais justas, protegendo o indivíduo vulnerável e dando um caráter humanista ao Direito, de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) e da aplicação imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, da CF/88), e cuja aplicabilidade ao Direito Trabalhista é salutar e essencial, em razão da necessidade de se buscar o necessário equilíbrio entre partes da relação de emprego em total assimetria, tanto do ponto de vista econômico quanto social e cultural.Com efeito, a viabilidade de entabulação de acordo extrajudicial na esfera trabalhista não afasta e nem desnatura a condição de hipossuficiência do empregado inerente à relação sempre assimétrica característica da relação de emprego. Muito pelo contrário, considerando que a grande parte dos acordos são firmados em virtude da extinção contratual, a situação de vulnerabilidade do empregado, muitas vezes, se agrava, em razão da notória situação de desemprego generalizado hoje infelizmente existente. Por isso mesmo, permanece aqui também aplicável o Princípio Tuitivo ou Protetivo do Direito do Trabalho. 7. Nesse ínterim, a propósito, o que se denota dos acordos extrajudiciais que vêm obtendo a homologação apenas parcial por parte do Judiciário Trabalhista é que, em sua grande maioria, eles prevêem, em seu objeto, o simples pagamento de parcelas rescisórias rotineiras e todas flagrantemente devidas, mas com o acréscimo – injustificado - da cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho. É cediço, à luz das regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (aqui invocadas nos termos e para os efeitos do art. 375 do CPC), que, havendo acordo para simples pagamento de verbas rescisórias, o trabalhador adere a tal pactuação na premência de verem atendidos de imediato seus créditos alimentares para a satisfação das necessidades mais básicas para a sua sobrevivência e de sua família. 8. Ora, o objetivo peculiar a toda transação é prevenir futuros litígios, em um contexto de concessões recíprocas, na esteira do que dispõe o art. 840 do Código Civil. Acha-se subjacente a um acordo extrajudicial, portanto, a imprescindível ocorrência da res dubia relativa a eventuais direitos ou parcelas trabalhistas pois, se assim não for, o ajuste em que se pactue a supressão desses se transmuda em verdadeira renúncia a tais direitos, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, desnaturando a sua natureza de transação. Na hipótese mencionada, de ajuste para mero pagamento de verbas rescisórias rotineiras, é incontrastável que não se trata de direitos em relação aos quais pairam a res dubia necessária para o reconhecimento da ocorrência de transação típica com concessões recíprocas ou mútuas, nas quais seria possível cogitar que o reconhecimento ao pagamento de determinada verba duvidosa teve como contrapartida o não reconhecimento do direito ao pagamento de outra verba igualmente conflituosa, de formar a impossibilitar a exclusão ou não homologação pelo juiz de uma ou outra, pela presumível quebra do sinalagma inerente a todo e qualquer negócio jurídico. Trata-se nestes casos, ao contrário, de direitos indubitavelmente devidos ao trabalhador (já que para a constituição e para o reconhecimento da existência desses direitos basta a constatação fática do rompimento do pacto laboral, à exceção, é claro, da ocorrência de uma justa causa) que tem rescindido o seu contrato de trabalho e que não foram pagos tempestivamente na forma do artigo 477 da CLT. 9 . De fato, o que se infere em tais casos é uma tentativa abusiva e injustificável dos ex-empregadores de se valerem do desespero dos trabalhadores pela perda de sua fonte de sustento e da sua necessidade premente de obterem as verbas rescisórias que lhes são incontroversamente devidas no momento da rescisão contratual, para adquirirem do Judiciário, por via transversa, uma chancela estatal que lhes propiciaria a tranquilidade trazida pela quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho. Esta, por sua vez, com a qualidade e imutabilidade da coisa julgada material, subjacente às homologações procedidas pelo juiz do trabalho, nos termos do art. 487, III, "b", do CPC, constituindo o que a doutrina denomina de equivalente jurisdicional, apto a atrair a incidência do art. 203, §1º, do CPC. A manutenção da cláusula de quitação geral e irrestrita, portanto, impediria o trabalhador de futuramente questionar e pleitear direitos da relação de emprego eventualmente sonegados ao longo do pacto laboral, obstaculizando o próprio direito de Acesso à Justiça, insculpido no art. 5º, XXXV, da CF/88. 10. Por isso mesmo, não permitir ao Juiz do Trabalho que, à luz dos princípios da imediatidade, celeridade, simplicidade, instrumentalidade e efetividade social do processo, bem assim do artigo 5º da LINDB (segundo o qual "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"), apreciando o caso concreto, delibere pela homologação apenas parcial do acordo extrajudicial, em vez de sua não homologação total, de forma a excluir do seu âmbito tão somente a malfadada e coibida cláusula de quitação geral do contrato de trabalho, é penalizar o trabalhador duplamente e violar ainda o seu direito ao mínimo existencial. Este constitui núcleo irredutível do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e consubstancia-se na satisfação de prestações materiais essenciais e imprescindíveis à sobrevivência do trabalhador e de sua família. Isso justamente quando este se encontra no maior momento de vulnerabilidade econômica e social, em virtude da sua provável situação de desemprego pela ruptura contratual. 11. Essa posição maxima permissa venia restritiva, excessivamente rígida e radical acarreta, na verdade, a penalização maior e desproporcional do trabalhador, imputando-se-lhe exclusivamente o ônus do tempo da tramitação de um futuro processo para a percepção de seus direitos trabalhistas (como a efetuação do pagamento de simples haveres rescisórios, que já deveriam ter sido oportuna e obrigatoriamente quitados pelo empregador quando da rescisão contratual), na contramão do art. 5º, LXXVIII, da CF/88 (razoável duração do processo), já que para o empregador, nesses casos, a demora seria indiferente (ou por vezes benéfica). 12. Não se está aqui, por óbvio, a permitir que o magistrado proceda a uma homologação parcial de modo a criar um segundo acordo, a partir do pinçamento de cláusulas e direitos em que pairam a res dubia e que foram ajustados a partir de um contexto de concessões recíprocas, mas sim, somente, admitir a possibilidade de este excluir cláusulas que malfiram normas de ordem pública e que tenham nítido caráter abusivo ou fraudulento, permitindo, por outro lado, a manutenção da validade da parte do ajuste que atenda à finalidade do Direito do Trabalho e ao ordenamento jurídico como um todo, exatamente como ocorreu no presente caso.
Recurso de revista não conhecido .
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-88-62.2020.5.13.0030 , em que é Recorrente GILOG - GESTAO INTEGRADA DE LOGISTICA LTDA. e Recorrido MARCELO DE CASTRO SOUTO.
Adoto o relatório proposto pelo eminente Ministro Relator originário do feito, Alexandre de Souza Agra Belmonte, conforme aprovado em sessão de julgamento, nos seguintes termos:
" O egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, por meio do v. acórdão às págs. 83-87, negou provimento ao recurso ordinário da reclamada quanto ao "acordo extrajudicial – homologação – quitação geral".
A reclamada interpõe recurso de revista (fls. 94-112). Alega, em síntese, que é devida a homologação do acordo extrajudicial de forma integral, inclusive no que diz respeito à quitação geral outorgada pelas partes.
O recurso de revista foi admitido pela r. decisão das págs. 113-115.
Sem contrarrazões.
O d. Ministério Público do Trabalho não emitiu parecer.
É o relatório. "
V O T O
ACORDO EXTRAJUDICIAL INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13.467/17. HOMOLOGAÇÃO APENAS PARCIAL DE SUAS CLÁUSULAS, COM PRESERVAÇÃO DA TRANSAÇÃO CELEBRADA PELAS PARTES, PARA ATENDER ÀS PREMENTES NECESSIDADES DA PARTE HIPOSSUFICIENTE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO SOMENTE DE CLÁUSULAS LESIVAS OU ABUSIVAS QUE VIOLAM DIREITOS FUNDAMENTAIS, NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E DIREITOS DE TERCEIROS, A EXEMPLO DAS CLÁUSULAS DE QUITAÇÃO GERAL E IRRESTRITA DO CONTRATO DE TRABALHO E DE IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DAS PARCELAS DE FORMA CONTRA LEGEM . FUNÇÃO DO JUIZ DO TRABALHO NA HOMOLOGAÇÃO. ATO JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS TUITIVO OU PROTETIVO, DA IRRENUNCIABILIDADE, DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO OU DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA, DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA EFETIVIDADE SOCIAL DO PROCESSO. EQUALIZAÇÃO JURÍDICA DE PARTES MATERIALMENTE DESIGUAIS E DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DO ÔNUS DO TEMPO INERENTE À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL. TRANSAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DE RES DUBIA .
CONHECIMENTO
O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pela empresa requerente, mantendo a sentença de primeiro grau quanto à homologação parcial da quitação do acordo extrajudicial, externando, para tanto, a seguinte fundamentação:
" MÉRITO
A recorrente não se conforma com a sentença que homologou o acordo extrajudicial apresentado pelas partes, ressalvando a cláusula de quitação integral do contrato de trabalho . Aduz que a avença cumpriu todas as formalidades legais e não há nenhum indicativo de vício a inquinara manifestação de vontade dos requerentes, razão pela qual requer a homologação da Cláusula 3ª do acordo.
Analiso.
Colhe-se da inicial que as partes ajuizaram ação, por meio de petição conjunta e patronos distintos, requerendo a homologação de acordo extrajudicial firmado entre as partes, nos termos do art. 855-B da CLT.
O referido acordo prevê, inclusive, a pretensão de estender quitação plena e geral de todas as verbas decorrentes do pacto laboral, consoante sua Cláusula 3ª - DA QUITAÇÃO (ID.c0df4b8 - Pág. 3\4), in verbis: As partes, de mútuo e comum acordo, dão entre si, plena e geral, e irrevogável quitação quanto ao abjeto contratado, para nada mais reclamarem, a qualquer tempo, uma da outra, quaisquer direitos ou obrigações, seja a que título ou pretexto for, judicial ou extrajudicialmente.
A Lei n. 13.467/2017 instituiu o processo de homologação de acordo extrajudicial, nos artigos 855-B e seguintes, que tem início por petição conjunta das partes, representadas por advogados distintos, não interferindo no prazo estabelecido no § 6 o do art. 477 da CLT e na aplicação da multa prevista no § 8º daquele dispositivo.
Pois bem. O Juízo a quo assim decidiu (ID. 0a92ed7): Por outro lado, a quitação no procedimento de jurisdição voluntária é limitada as verbas especificadas na petição do acordo extrajudicial, haja vista o art. 320 do Código Civil estabelecer que a quitação não sendo possível designará o valor e a espécie da dívida quitada, a quitação geral e irrestrita, inclusive, à vista do contido também no art. 843 do Código Civil e art. 515, III, do CPC, de aplicação subsidiária ao Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (CLT - arts. 8o. E 763).No caso sob análise, a petição inicial de homologação de acordo extrajudicial de Idc0df4b8 atende os requisitos legais, à exceção da cláusula de quitação do contrato de, por afrontar as disposições legais reportadas no item trabalho havido entre as partes precedente, bem assim quanto a renuncia ao direito de ação afrontar o art. 5º, inciso XXXIV, alínea "a" , inciso XXXV, da CF. Por todo o exposto, HOMOLOGO o termo de conciliação extrajudicial apresentado pelos interessados, cuja quitação é limitada as verbas trabalhistas especificadas na sob os protestos da empresa requerente , uma vez que a homologação petição de acordo, também deve abranger a quitação do objeto do contrato de trabalho. Grifei
Os argumentos recursais não são suficientes para modificar o entendimento do juiz de primeira instância, constante na sentença.
Registre-se que a homologação de acordo constitui faculdade do magistrado, a teor do disposto na Súmula n. 418 do TST.
No caso, ainda que as partes tenham ingressado com a petição conjuntamente, objetivando a homologação da avença, entendo que a existência de cláusula de quitação geral do contrato de trabalho impede a homologação desta por esta Justiça Especializada, por representar renúncia a direitos trabalhista e ao direito de acesso à justiça consagrado no art. 5º, XXXV, da CF, bem assim em vista do disposto no art. 843 do Código Civil que consigna que a transação interpreta-se restritivamente.
Decidir de maneira diferente a respeito do tema em apreciação e respaldar o entendimento, de maneira nenhuma fundamentado, de que o juiz tem obrigação de homologar qualquer acordo extrajudicial que lhe for submetido, é aviltar completamente a função do magistrado que, nessas circunstâncias, seria transformado em mero servo do interesse das partes, em especial da parte empregadora, que mediante a superioridade econômica que detêm frente ao trabalhador poderia quase sempre impingir todo tipo de acordo ao empregado, por mais lesivo que fosse.
No sentido do que vimos argumentando cito decisão da Segunda Turma deste Regional e decisões de outros Tribunais do Trabalho: [...]
Assim, diferentemente do que pretende a recorrente, as verbas pagas conferem quitação correspondente aos pedidos e valores consignados no termo e, de modo algum, configura impedimento à parte para postular em Juízo direitos que entenda devidos.
Ademais, a ausência de manifestação do empregado sobre a manutenção do interesse de homologação integral do ajuste, obsta o acolhimento da pretensão recursal da empresa.
Nesse contexto, mantendo a sentença recorrida.
Nada a reformar."
Em suas razões recursais, a reclamada alega, em síntese, que não há óbice para homologação do acordo extrajudicial feito pelas partes, dando ampla e geral quitação ao extinto contrato de trabalho. Aponta violação dos artigos 104 do CC, 855-B da CLT e 5º, XXXVI, da CF e divergência jurisprudencial.
Pois bem.
A Lei nº 13.467/2017 introduziu os arts. 855-B a 855-E na CLT, com o seguinte teor:
"Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.
§ 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum.
§ 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.
Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.
Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.
Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.
Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo."
Discute-se, no caso, se o Magistrado pode homologar de forma parcial o acordo extrajudicial disciplinado no artigo 855-B e seguintes da CLT, atribuindo-lhe, como no caso dos autos, eficácia restrita aos títulos e valores transacionados, com exclusão da cláusula de quitação geral e irrestrita de todo o contrato de trabalho nele ajustada.
O artigo 855-B da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, incluiu a possibilidade de homologação de acordo extrajudicial no âmbito da Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de petição conjunta das partes, representadas por seus respectivos advogados. Não obstante a previsão legal acerca da viabilidade de entabulação do referido ajuste, não se pode permitir que a transação sirva de instrumento para criar situações jurídicas vedadas ou contrárias ao ordenamento jurídico, na esteira do que preconiza o artigo 9º da CLT, segundo o qual "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impeder ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação".
Portanto, o papel do juiz na conciliação ou homologação de acordos extrajudiciais e judiciais é fundamental, como instrumento estatal de equalização jurídica de partes materialmente desiguais e de controle da aplicação das normas de ordem pública que versam sobre direitos privados indisponíveis e sobre temas de interesse da sociedade em geral (questões tributárias e previdenciárias, por exemplo). Com efeito, embora o Juiz do Trabalho solucione conflitos individuais, estes têm origem e repercussão de amplo significado social, cujo conteúdo corresponde em boa parte a direitos indisponíveis, boa parte deles constitucionalmente assegurados de forma expressa e, portanto, com a indiscutível natureza de direitos fundamentais sociais, e diante do qual se defrontam partes com inegáveis desigualdades do ponto de vista econômico, social e cultural.
Considerando que o Juiz do Trabalho pode e deve controlar o conteúdo de todas e quaisquer transações (judiciais ou extrajudiciais) que lhes sejam submetidas à apreciação, no exercício da sua função jurisdicional, visto que a transação não pode ser lesiva, conclui-se que nessa homologação de que tratam os artigos 855-B a 855-E da CLT introduzidos pela assim chamada Reforma Trabalhista não há propriamente ato de jurisdição voluntária, por não se tratar essa manifestação conjunta das partes submetida a seu exame de um mero ato administrativo dos interessados em relação em que não existe uma verdadeira lide entre ambos e cuja validade meramente formal vai ser conferida pelo Juiz, como ocorre com os demais casos de jurisdição voluntária.
Por envolverem esses assim denominados "acordos extrajudiciais" relações trabalhistas inegavelmente assimétricas e, portanto, a priori ao menos potencialmente conflituosas, o Juiz do Trabalho, nesses casos, não está obrigado a homologar transações lesivas aos direitos fundamentais dos trabalhadores ou claramente infringentes da legislação tributária e previdenciária a elas aplicável, não podendo ser transformado em um mero "carimbador" desse ato de manifestação de vontade dos interessados ou em instrumento mecânico de aceitação automática de qualquer transação que lhe seja submetida.
Por isso mesmo, o ato de homologação do Juiz, diante de uma transação celebrada pelas partes em uma lide potencial ou real já existente, não é e nem pode ser de mera verificação da validade formal da manifestação de vontade das partes à luz do Código Civil, precisamente do seu artigo 104 (o qual, como se sabe, estabelece os seguintes requisitos de validade de todo e qualquer negócio jurídico - agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei). Isso porque o Juiz, quando homologa negócios jurídicos como os aqui em análise, em que inexistem meros interessados na prática de atos de disposição de seus direitos em relações de direito civil não conflituosas (como realmente ocorre nos atos verdadeiramente de jurisdição voluntária cuja competência, para sua prática, o legislador atribui ao Poder Judiciário), mas sim partes de uma relação sabidamente assimétrica e desigual, por isso mesmo sempre potencialmente conflituosa, tem o indeclinável dever, constitucional e legal, de participar de forma crítica e ativa do ato, tornando-o seu , no sentido etimológico do vocábulo homologação . Vale dizer, o Estado-Juiz, através de seu agente jurisdicional, o magistrado, toma conhecimento do ato dessas partes interessadas e o incorpora como ato do próprio Estado, na forma e no conteúdo , fazendo sempre e necessariamente, portanto, um controle do próprio conteúdo de cada transação a ele submetida.
A esse respeito já me pronunciei há muitos anos em Artigo Doutrinário, citando o grande Jurista baiano José Augusto Rodrigues Pinto, que ensina de forma extremamente persuasiva que o ato de homologar, em tais casos, não é um mero ato de jurisdição voluntária, e sim um ato jurisdicional por natureza, quando há verdadeiramente uma lide, já existente ou meramente potencial, submetida à apreciação do órgão judicial e uma transação celebrada entre as partes é levada para a sua homologação:
"Nessa perspectiva, cumpre aqui relembrar que o magistrado não é um mero "homologador" passivo de todo e qualquer acordo que lhe seja submetido pelos litigantes. O i. jurista baiano José Augusto RODRIGUES PINTO preceitua que homologar é "... confirmar ou aprovar por autoridade judicial ou administrativa" e homologação é "... a aprovação por autoridade judicial ou administrativa a certos atos de particulares para que produzam efeitos jurídicos que lhe são próprios". Do ponto de vista etimológico, "homologar" eqüivale a "tornar próprio" aquele negócio jurídico. Ainda se colhe na doutrina que as homologações são "julgamentos meramente formais": por um lado declaratórios, quanto à existência do ato ou manifestação de vontade; por outro, constitutivos, pelos efeitos jurídicos novos produzidos pelo ato homologador. O mesmo José Augusto RODRIGUES PINTO observa em seguida, com inteira propriedade, que a expressão "homologação por ato judicial", na verdade, traduz duas situações jurídicas bem diferentes: a primeira homologação, praticada na esfera impropriamente denominada "jurisdição voluntária", é exercida mediante a provocação do legítimo interessado e tem natureza administrativa (pois não decide uma lide e se limita a completar o efeito constitutivo de negócio jurídico entre particulares que o legislador considerou transcender os limites da esfera de interesses das pessoas diretamente empenhadas, interessando também à própria coletividade), significando uma forma de "administração pública de interesses privados"; a segunda, que corresponde ao ato judicial objeto das presentes considerações, é praticada pelo juiz em decorrência de uma lide e no âmbito de um processo judicial, significando o endosso necessário do Estado, como parte da relação tripartite processual, conferindo validade a um negócio jurídico (para alguns doutrinadores, enquanto, para outros, reconhecendo como válida uma forma de extinção de obrigações, na forma prevista nos termos dos artigos 1025 e seguintes do Código Civil) celebrado pelas outras duas partes, quando transigem uma demanda. São, portanto, absolutamente inconfundíveis. Nesta última modalidade de homologação, aliás, compete ao julgador (e é aliás seu dever) examinar com a profundidade que lhe parecer necessária não só os aspectos formais do ajuste (com vistas a assegurar a livre e consciente manifestação da vontade das partes) como também o seu conteúdo, para evitar ofensa a normas de ordem pública e para assegurar a existência de uma genuína transação." ( PIMENTA, José Roberto Freire. A conciliação judicial na Justiça do trabalho após a Emenda constitucional n 24/99: aspectos de direito comparado e o novo papel do juiz do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 32, n. 62, p. 36-37, jul/dez 2000)
Chega a ser elementar, por outro lado, a consideração de que, ainda que se entenda que o papel do magistrado ao analisar o acordo, conforme previsão expressa do artigo 855-D da CLT, será tão-somente o de verificar a presença, no caso, dos requisitos de validade do negócio jurídico estabelecidos no já citado artigo 104 do Código Civil, isso não o eximirá de examinar a validade ou não das condições ajustadas pelos interessados, na medida em que o próprio inciso II desse dispositivo legal civil exige que esse negócio jurídico deve sempre ter objeto lícito , o que não será possível dizer que exista em todos os casos em que a parte hipossuficiente dessa transação extrajudicial manifestamente estiver RENUNCIANDO pura e simplesmente, por exemplo, a direitos trabalhistas constitucionalmente ou legalmente assegurados e que, por isso mesmo, são sabidamente INDISPONÍVEIS , ou em que as partes interessadas estejam ajustando uma transação que claramente descumpra a legislação tributária ou previdenciária aplicável, lesando direitos da Fazenda Pública ou da Previdência Social Nacional.
Superada essa primeira questão, resta examinar o ponto crucial da controvérsia dos autos, objeto de impugnação pela recorrente, para a qual não seria possível ao magistrado do trabalho, nesses casos, decotar dos termos do ajuste extrajudicial que os interessados pretendem celebrar apenas os pontos e cláusulas consideradas inválidas, por lesivas ou contrárias à lei tributária e previdenciária, e ainda assim homologar os seus termos, restringindo também os efeitos da quitação à empregadora apenas aos valores e às parcelas objeto da transação submetida a juízo.
Nesse passo, com relação à possibilidade de homologação apenas parcial, somente dos valores e parcelas consignados no acordo, com a exclusão da cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho, ou mesmo daquela relativa à identificação da natureza jurídica das parcelas acordadas de forma contrária ao estabelecido em lei, cabe trazer a lume dispositivos da legislação civil que tratam da transação e quitação, os quais podem ser utilizados como fonte subsidiária do Direito do Trabalho, nos termos do art. 8º, § 1º, da CLT, e, em virtude do seu teor restritivo quanto ao objeto transacionado, são, a fortiori , ou seja, com muito mais razão, aplicáveis aos acordos trabalhistas, em virtude do caráter social dos direitos trabalhistas a que se referem.
Com efeito, dispõem os artigos 320, 841, 843 e 844 do Código Civil o seguinte:
"Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada , o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.
Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida."
"Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação."
"Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente , e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos."
"Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem , ainda que diga respeito a coisa indivisível."
Depreende-se, dos termos do artigo 320 do Código Civil, que a quitação conferida em acordo extrajudicial abrange exclusivamente os valores e parcelas discriminadas no termo, não sendo possível, portanto, a quitação ampla e irrestrita pelo extinto contrato de trabalho. Ademais, conforme o citado artigo 843 do Código Civil, a transação interpreta-se restritivamente, não sendo juridicamente possível e nem válida a quitação genérica de verbas que não constem da petição de acordo.
Esse entendimento é reforçado pela própria disposição do artigo 855-E da CLT, ao preconizar que a petição de homologação de acordo suspende o prazo prescricional apenas dos direitos nela especificados, o que demonstra o alcance restritivo deste instituto.
Acresça-se, ainda, que, a teor do também citado artigo 844 do Código Civil, "a transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível". Desse modo, não pode o Juiz do Trabalho permitir a deturpação das normas legais imperativas concernentes à identificação da natureza jurídica das parcelas objeto do acordo, já que é absolutamente pacífico, na jurisprudência deste Tribunal Superior do Trabalho, ser vedada pelas partes, nos processos trabalhistas, a transação em relação a direitos de terceiros, notadamente da União no tocante aos efeitos tributários, e do INSS com relação aos efeitos previdenciários.
A par dessas considerações, entende-se que o Juiz do Trabalho, ao se deparar com um acordo extrajudicial trabalhista que contenha cláusulas que malfiram normas de caráter cogente ou que tenham o potencial de sonegar direitos trabalhistas (como as cláusulas de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho e de atribuição de natureza jurídica contra legem das parcelas trabalhistas), não deve ficar limitado entre as alternativas de proceder a uma homologação total ou a uma não homologação total do acordo extrajudicial. Deve-se-lhe ser facultado, à luz do seu convencimento motivado (art. 371 do CPC) e do seu poder-dever de ampla liberdade na direção do processo (art. 765 da CLT), no caso, processo de homologação de acordo extrajudicial, deliberar por extirpar do ajuste somente tais cláusulas, de modo a manter a viabilidade do pagamento das parcelas trabalhistas que as partes acordaram serem devidas ao trabalhador.
Nesse sentido, aliás, doutrina abalizada do eminente Ministro Maurício Godinho Delgado e de Gabriela Neves Delgado, in verbis :
"O Magistrado não está vinculado ao estabelecido no acordo extrajudicial, podendo, inclusive, recusar a homologação pretendida. Dispõe o art. 855-E que o Juiz, no prazo de 15 dias da distribuição da petição, 'analisará o acordo, designando audiência se entender necessário e proferirá sentença'.
Evidentemente que a recusa, pelo Magistrado, pode ser total ou apenas parcial. llustrativamente, recusa quanto à descaracterização de verbas salariais em indenizatórias, para fins de burla aos recolhimentos imperativos legais (no caso, para determinar o correto recolhimento, por exemplo); ou recusa quanto à amplitude da quitação lançada na petição de acordo (no caso, para fixar os corretos limites da quitação, por exemplo)." ( In A Reforma Trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. Editora LTR, 2018, 2ª edição, pág. 387)
Isso porque as mencionadas normas da legislação civil e a própria norma celetista que prevê o acordo extrajudicial devem, por óbvio, ser interpretadas em conjunto com os princípios e regras trabalhistas, em verdadeiro diálogo, em direta e exemplar aplicação da doutrinariamente consagrada Teoria do Diálogo das Fontes. Esta, como também é sabido, se trata de importante metodologia hermenêutica que foi construída para propiciar soluções mais justas, protegendo o indivíduo vulnerável e dando um caráter humanista ao Direito, de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) e da aplicação imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, da CF/88), e cuja aplicabilidade ao Direito Trabalhista é salutar e essencial, em razão da necessidade de se buscar o necessário equilíbrio entre partes da relação de emprego em total assimetria, tanto do ponto de vista econômico quanto social e cultural.
Com efeito, é preciso aqui voltar a afirmar que, não obstante a previsão legal contida no art. 855-B da CLT acerca da viabilidade de entabulação de acordo extrajudicial na esfera trabalhista, a sua realização não afasta e nem desnatura a condição de hipossuficiência do empregado inerente à relação sempre assimétrica característica da relação de emprego. Muito pelo contrário, considerando que a grande parte dos acordos são firmados em virtude da extinção contratual, a situação de vulnerabilidade do empregado, muitas vezes, se agrava, em razão da notória situação de desemprego generalizado hoje infelizmente existente. Por isso mesmo, permanece aqui também aplicável o Princípio Tuitivo ou Protetivo do Direito do Trabalho.
Nesse ínterim, a propósito, o que se denota dos acordos extrajudiciais que vêm obtendo a homologação apenas parcial por parte do Judiciário Trabalhista é que, em sua grande maioria, eles prevêem, em seu objeto, o simples pagamento de parcelas rescisórias rotineiras e todas flagrantemente devidas, mas com o acréscimo – injustificado - da cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho.
Nesse sentido, é cediço, à luz das regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (aqui invocadas nos termos e para os efeitos do artigo 375 do CPC), que, havendo acordo para simples pagamento de verbas rescisórias, o trabalhador adere a tal pactuação na premência de verem atendidos de imediato seus créditos alimentares para a satisfação das necessidades mais básicas para a sua sobrevivência e de sua família, visto que este, em regra, é o escopo inerente aos haveres rescisórios, como o é também de toda verba de natureza alimentar, mas que se sobressai ou se destaca nesses casos em razão da provável situação de desemprego em que se encontra o empregado naquele exato momento.
Ora, o objetivo peculiar a toda transação é prevenir futuros litígios, em um contexto de concessões recíprocas, na esteira do que dispõe o artigo 840 do Código Civil, segundo o qual "é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas". Acha-se subjacente a um acordo extrajudicial, portanto, a imprescindível ocorrência da res dubia relativa a eventuais direitos ou parcelas trabalhistas, pois, se assim não for, o ajuste em que se pactue a supressão desses se transmuda em verdadeira renúncia a tais direitos, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, desnaturando a sua natureza de transação.
Na hipótese mencionada, de ajuste para mero pagamento de verbas rescisórias rotineiras, é incontrastável que não se trata de direitos em relação aos quais pairam a res dubia necessária para o reconhecimento da ocorrência de transação típica com concessões recíprocas ou mútuas, nas quais seria possível cogitar que o reconhecimento ao pagamento de determinada verba duvidosa teve como contrapartida o não reconhecimento do direito ao pagamento de outra verba igualmente conflituosa, de formar a impossibilitar a exclusão ou não homologação pelo juiz de uma ou outra, pela presumível quebra do sinalagma inerente a todo e qualquer negócio jurídico. Trata-se nestes casos, ao contrário, de direitos indubitavelmente devidos ao trabalhador (já que para a constituição e para o reconhecimento da existência desses direitos basta a constatação fática do rompimento do pacto laboral, à exceção, é claro, da ocorrência de uma justa causa) que tem rescindido o seu contrato de trabalho e que não foram pagos tempestivamente na forma do artigo 477 da CLT.
De fato, o que se infere em tais casos é uma tentativa abusiva e injustificável dos ex-empregadores de se valerem do desespero dos trabalhadores pela perda de sua fonte de sustento e da sua necessidade premente de obterem as verbas rescisórias que lhes são incontroversamente devidas no momento da rescisão contratual, para adquirirem do Judiciário, por via transversa, uma chancela estatal que lhes propiciaria a tranquilidade trazida pela quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho. Esta, por sua vez, com a qualidade e imutabilidade da coisa julgada material, subjacente às homologações procedidas pelo juiz do trabalho, nos termos do artigo 487, inciso III, alínea "b", do CPC/2015, segundo o qual haverá resolução de mérito quando o juiz homologar a transação, constituindo o que a doutrina denomina de equivalente jurisdicional, apto a atrair a incidência do artigo 203, §1º, do CPC.
A manutenção da cláusula de quitação geral e irrestrita, portanto, impediria o trabalhador de futuramente questionar e pleitear direitos da relação de emprego eventualmente sonegados ao longo do pacto laboral, obstaculizando o próprio direito de Acesso à Justiça, insculpido no artigo 5o, XXXV, da CF/88.
Por isso mesmo, não permitir ao Juiz do Trabalho que, à luz dos princípios da imediatidade, celeridade, simplicidade, instrumentalidade e efetividade social do processo, apreciando o caso concreto, delibere pela homologação apenas parcial do acordo extrajudicial, em vez de sua não homologação total, de forma a excluir do seu âmbito tão somente a malfadada e coibida cláusula de quitação geral do contrato de trabalho (que não encontra respaldo nem mesmo na legislação civil que trata da transação, que dirá na legislação social protetiva trabalhista), é penalizar o trabalhador duplamente e violar ainda o seu direito ao mínimo existencial. Este constitui núcleo irredutível do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e consubstancia-se na satisfação de prestações materiais essenciais e imprescindíveis à sobrevivência do trabalhador e de sua família.
Isso justamente quando se encontra no maior momento de vulnerabilidade econômica e social, em virtude da sua provável situação de desemprego pela ruptura contratual, imputando-lhe o duro ônus de ter que se valer de uma ação judicial a fim de obter a tutela jurisdicional para a efetuação do pagamento de simples haveres rescisórios, na contramão do artigo 5º, LXXVIII, da CF/88 (a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação), que já deveriam ter sido oportuna e obrigatoriamente quitados pelo empregador quando da rescisão contratual, na esteria do art. 477 da CLT.
Dessa forma, o artigo 855-B da CLT deve ser interpretado sistemática e teleologicamente à luz de todo o arcabouço normativo constitucional e legal mencionado e, ainda, à luz do artigo 5º da LINDB, segundo o qual "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
É preciso, portanto, no caso, avaliar e sopesar os direitos fundamentais da pessoa humana em geral e do trabalhador, em especial, sob o prisma da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais , vale afirmar, da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, e não apenas nas relações entre uma pessoa e o Poder Público, ou mais precisamente, como denomina a doutrina, da eficácia diagonal dos direitos fundamentais , na sensível esfera das relações assimétricas privadas, das quais as relações de emprego são um dos mais importantes e recorrentes exemplos.
Isso porque, malgrado os direitos fundamentais historicamente tenham nascido da luta do indivíduo contra a opressão do Estado Absolutista, eles evoluíram para abranger as relações privadas, consagrando-se aí os direitos sociais, denominados direitos de segunda dimensão, dos quais são espécie os direitos trabalhistas, inseridos no âmbito das relações de trabalho subordinadas, que são, por definição, assimétricas, por possuírem uma parte hiperssuficiente (para outros, autossuficiente) e outra hipossuficiente.
De fato, hoje já é absolutamente consensual, na doutrina constitucional mais autorizada, que os direitos fundamentais não se aplicam somente nas relações entre o Estado e os particulares, mas também – e principalmente –, entre as partes de toda relação jurídica, ou, nas palavras do célebre e conceituado jurista Ingo Wolfgang Sarlet: "Para além de vincularem todos os poderes públicos, os direitos fundamentais exercem sua eficácia vinculante também na esfera jurídico-privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas entre particulares" ( in A eficácia dos direitos fundamentais. 7 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 398).
Nessas relações entre particulares de natureza assimétrica, nas quais os denominados poderes privados podem, com frequência e facilidade, vulnerar os direitos das outras partes que integram essas relações jurídicas, é indispensável a extensão dos direitos fundamentais para que estes também se apliquem às relações privadas, visto que, no contexto de uma sociedade desigual, a opressão pode vir não apenas do Estado mas, sobretudo, de uma variedade de atores privados, principalmente daqueles investidos em maior poder social .
É o que ensina com acuidade Daniel Sarmento - mestre e doutor em Direito Público na UERJ, com pós-doutorado na Yale Law School, professor titular de Direito Constitucional da UERJ, advogado e ex-Procurador Regional da República -, em sua obra Direitos fundamentais e relações privadas, 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 264, na qual, aprofundando a análise da questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, escreve o seguinte:
"Por outro lado, um dos papéis essenciais dos direitos fundamentais é a proteção da pessoa humana contra o poder. Por isso, como já destacado antes, uma das razões para a extensão destes direitos às relações entre os particulares é exatamente a constatação empírica de que, na sociedade contemporânea, existem inúmeros outros pólos de poder além do Estado, que podem oprimir o indivíduo. Daí porque parece amplamente justificada uma incidência mais enérgica dos direitos fundamentais sobre agentes privados mais poderosos, ainda que ao preço de aceitar-se uma certa relativização do princípio da autonomia privada nas relações assimétricas de que participam."
Dessa forma, nas relações de trabalho, a evidente desigualdade entre as partes torna imperiosa a aplicação da teoria da eficácia horizontal ou diagonal dos direitos fundamentais, consoante ensina o ilustre magistrado trabalhista Zeno Simm, professor, especialista e doutor pela Universidade de Castilla-La Mancha – Toledo/Espanha -, in verbis :
"O âmbito laboral mostrou-se propício a essa horizontalização dos direitos fundamentais porque ali, pela própria natureza da relação contratual, o empregado abre mão de uma parte de suas liberdades na medida em que se coloca a serviço do empregador, subordinado a este e por ele controlado e fiscalizado. Quando, porém, a atuação patronal extrapola os limites do razoável, do aceitável, do necessário ao desenvolvimento das atividades empresariais, entram em ação os direitos fundamentais do trabalhador como limitação ao poder empresarial e como forma de limitar a perda das liberdades do empregado, devendo-se buscar a conciliação dos interesses em conflito." (in Os direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr. Legislação do Trabalho, São Paulo-SP, n. 11, 2005. p. 1293).
Em outras palavras, deve ser afastada qualquer interpretação que implique vulneração ou esvaziamento dos princípios e direitos fundamentais insculpidos nos incisos III e IV do art. 1º (dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho) e nos incisos XXXV e LXXIV do art. 5º (acesso à justiça e razoável duração do processo), todos da Constituição Federal, que, como direitos e garantias individuais, integram as chamadas cláusulas pétreas da Constituição, que são insuscetíveis de modificação até mesmo mediante Emendas constitucionais (art. 60, § 4º, inciso IV, da Carta Fundamental).
Também não se pode admitir um resultado flagrantemente inconstitucional na interpretação do dispositivo da Reforma Trabalhista à luz de todas as normas constitucionais já mencionadas, em decorrência da chamada eficácia objetiva das normas constitucionais , pela qual elas têm um efeito irradiante, projetando-se sobre todo o ordenamento jurídico para o intérprete, para o legislador e também, do mesmo modo, para as partes privadas que celebram negócios jurídicos. Significa afirmar que as normas constitucionais, sobretudo os direitos fundamentais, em sua dimensão objetiva, estabelecem diretrizes para a atuação não apenas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mas também dos próprios particulares, devendo ser aplicadas diretamente a estes independentemente da existência de normas infraconstitucionais com esse objeto.
A aplicabilidade imediata desses dispositivos constitucionais, principalmente aqueles que definem direitos fundamentais, além de decorrer diretamente do que estabelece expressamente o § 1º do artigo 5º da Constituição da República (que dispõe que "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata"), tem como base o princípio da máxima efetividade dos preceitos constitucionais , o qual apregoa que as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal modo que a eficácia da Lei Maior seja plena, devendo, portanto, esses preceitos ser atendidos em sua máxima extensão possível.
Por todo o exposto, data maxima vênia dos ilustres entendimentos em contrário, entende-se que vulnera todo o arcabouço normativo mencionado a postura de imputar ao juiz a obrigatoriedade de que se limite a proceder a uma homologação total ou a uma não homologação total do acordo extrajudicial, retirando-lhe o poder-dever de homologá-lo apenas parcialmente, de modo a extirpar do ajuste apenas a cláusula que tenha por objetivo frustrar direitos trabalhistas e impedir o direito de livre acesso ao judiciário pelo trabalhador hipossuficiente (cláusula de quitação geral), ou mesmo aquela que busque descartar a incidência de normas cogentes, de ordem pública, que afetem direitos de terceiro (cláusula sobre a natureza das parcelas, atribuindo-lhe caráter jurídico diverso do estabelecido em lei, impedindo os devidos recolhimentos previdenciários e fiscais).
Ou seja, a postura do Poder Judiciário de, nesses casos, recusar a ambas as partes a homologação em Juízo daquela rescisão contratual e do pagamento, mesmo incorreto e a menor, das verbas rescisórias inquestionavelmente devidas e da liberação de seu seguro desemprego justamente no momento em que ele e sua família estão com sua subsistência diretamente ameaçada pelo desemprego em que abruptamente terá sido colocado pelo ato unilateral de seu ex-empregador que o dispensou sem justo motivo, será data venia a um só tempo insensível e desnecessária, causando exatamente à parte mais frágil da relação de emprego um gravame excessivo, desproporcional e muito mais intenso do que o mero incômodo causado a esse empregador pela recusa integral à homologação judicial pretendida.
Em outras palavras, essa posição maxima permissa venia restritiva, excessivamente rígida e radical acarreta sempre, na verdade, a penalização maior e desproporcional do trabalhador, imputando-se-lhe exclusivamente o ônus do tempo da tramitação de um futuro processo para a percepção de seus direitos trabalhistas, já que para o empregador, nesses casos, a demora seria indiferente (ou por vezes benéfica), pois não é ele quem está com a necessidade premente de obtenção das verbas de caráter alimentar para sua sobrevivência e de sua família.
Não se está aqui, por óbvio, a permitir que o magistrado proceda a uma homologação parcial de modo a criar um segundo acordo, a partir do pinçamento de cláusulas e direitos em que pairam a res dubia e que foram ajustados a partir de um contexto de concessões recíprocas, mas sim, somente, admitir a possibilidade de este excluir cláusulas que malfiram normas de ordem pública e que tenham nítido caráter abusivo ou fraudulento, permitindo, por outro lado, a manutenção da validade da parte do ajuste que atenda à finalidade do Direito do Trabalho e ao ordenamento jurídico como um todo, exatamente como ocorreu no presente caso.
Pelas razões expostas ao longo da fundamentação, não se divisa afronta aos artigos 5º, XXXVI, da Constituição Federal, 855-B da CLT e 104 do Código Civil. De resto, o recurso também não logra conhecimento por dissenso jurisprudencial, pois os arestos servíveis trazidos à colação afiguram-se inespecíficos, nos termos das Súmulas 23 e 296 do TST, visto não abordarem todas as premissas fáticas e fundamentos do acórdão recorrido, até porque partem da premissa de que os acordos extrajudiciais atenderam aos requisitos de validade previstos no ordenamento jurídico.
Do exposto, não conheço do recurso de revista.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, não conhecer do recurso de revista. Vencido o Exmo. Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, que juntará voto.
Brasília, 24 de maio de 2023.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA
Redator Designado