A C Ó R D Ã O

3ª Turma

GMJRP/plc

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/17

ACORDO EXTRAJUDICIAL INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13.467/17. HOMOLOGAÇÃO APENAS PARCIAL DE SUAS CLÁUSULAS, COM PRESERVAÇÃO DA TRANSAÇÃO CELEBRADA PELAS PARTES, PARA ATENDER ÀS PREMENTES NECESSIDADES DA PARTE HIPOSSUFICIENTE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO SOMENTE DE CLÁUSULAS LESIVAS OU ABUSIVAS QUE VIOLAM DIREITOS FUNDAMENTAIS, NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E DIREITOS DE TERCEIROS, A EXEMPLO DAS CLÁUSULAS DE QUITAÇÃO GERAL E IRRESTRITA DO CONTRATO DE TRABALHO E DE IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DAS PARCELAS DE FORMA CONTRA LEGEM . FUNÇÃO DO JUIZ DO TRABALHO NA HOMOLOGAÇÃO. ATO JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS TUITIVO OU PROTETIVO, DA IRRENUNCIABILIDADE, DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO OU DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA, DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA EFETIVIDADE SOCIAL DO PROCESSO. EQUALIZAÇÃO JURÍDICA DE PARTES MATERIALMENTE DESIGUAIS E DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DO ÔNUS DO TEMPO INERENTE À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL. TRANSAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DE RES DUBIA.

1. O Juiz do Trabalho pode e deve controlar o conteúdo de todas e quaisquer transações (judiciais ou extrajudiciais) que lhes sejam submetidas à apreciação, no exercício da sua função jurisdicional. Na homologação de acordo extrajudicial de que tratam os arts. 855-B a 855-E da CLT introduzidos pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) não há propriamente ato de jurisdição voluntária, por não se tratar a manifestação conjunta das partes submetida a seu exame de um mero ato administrativo dos interessados em relação em que não existe uma verdadeira lide entre ambos e cuja validade meramente formal vai ser conferida pelo Juiz, como ocorre com os demais casos de jurisdição voluntária. O Juiz do Trabalho não está obrigado a homologar transações lesivas a direitos fundamentais ou claramente infringentes de normas de ordem pública, não podendo ser transformado em um mero "carimbador" desse ato de manifestação de vontade dos interessados ou em instrumento mecânico de aceitação automática de qualquer transação que lhe seja submetida. 2. Por isso mesmo, o ato de homologação do Juiz, diante de uma transação celebrada pelas partes em uma lide potencial ou real já existente, não é e nem pode ser de mera verificação da validade formal da manifestação de vontade das partes à luz do Código Civil, precisamente do seu art. 104. Isso porque o Juiz, quando homologa negócios jurídicos como os aqui em análise, em que inexistem meros interessados na prática de atos de disposição de seus direitos em relações de direito civil não conflituosas (como realmente ocorre nos atos verdadeiramente de jurisdição voluntária cuja competência, para sua prática, o legislador atribui ao Poder Judiciário), mas sim partes de uma relação sabidamente assimétrica e desigual, por isso mesmo sempre potencialmente conflituosa, tem o indeclinável dever, constitucional e legal, de participar de forma crítica e ativa do ato, tornando-o seu , no sentido etimológico do vocábulo homologação . Vale dizer, o Estado-Juiz, através de seu agente jurisdicional, o magistrado, toma conhecimento do ato dessas partes interessadas e o incorpora como ato do próprio Estado, na forma e no conteúdo , fazendo sempre e necessariamente, portanto, um controle do próprio conteúdo de cada transação a ele submetida. A esse respeito já me pronunciei há muitos anos em Artigo Doutrinário, citando o grande Jurista baiano José Augusto Rodrigues Pinto, que ensina de forma extremamente persuasiva que o ato de homologar, em tais casos, não é um mero ato de jurisdição voluntária, e sim um ato jurisdicional por natureza, quando há verdadeiramente uma lide, já existente ou meramente potencial, submetida à apreciação do órgão judicial. 3. Por outro lado, ainda que se entenda que o papel do magistrado ao analisar o acordo, conforme previsão expressa do art. 855-D da CLT, será tão-somente o de verificar a presença, no caso, dos requisitos de validade do negócio jurídico estabelecidos no já citado art. 104 do Código Civil, isso não o eximirá de examinar a validade ou não das condições ajustadas pelos interessados, na medida em que o próprio inciso II desse dispositivo legal civil exige que esse negócio jurídico deve sempre ter objeto lícito, o que não será possível dizer que exista em todos os casos em que a parte hipossuficiente dessa transação extrajudicial manifestamente estiver RENUNCIANDO, pura e simplesmente, por exemplo, a direitos trabalhistas constitucionalmente ou legalmente assegurados e que, por isso mesmo, são sabidamente INDISPONÍVEIS, ou em que as partes interessadas estejam ajustando uma transação que claramente descumpra a legislação tributária ou previdenciária aplicável, lesando direitos da Fazenda Pública ou da Previdência Social Nacional. 4. Especificamente, com relação à possibilidade de homologação somente dos valores e parcelas consignados no acordo, depreende-se, dos termos do art. 320 do Código Civil subsidiariamente aplicável à esfera trabalhista, que a quitação conferida em acordo extrajudicial abrange exclusivamente os valores e parcelas discriminadas no termo, não sendo possível, portanto, a quitação ampla e irrestrita pelo extinto contrato de trabalho. Ademais, conforme o art. 843 do Código Civil, a transação interpreta-se restritivamente, não sendo juridicamente possível e nem válida a quitação genérica de verbas que não constem da petição de acordo. Esse entendimento é reforçado pela própria disposição do art. 855-E da CLT, ao preconizar que a petição de homologação de acordo suspende o prazo prescricional apenas dos direitos nela especificados, o que demonstra o alcance restritivo deste instituto. Acresça-se, ainda, que não pode o Juiz do Trabalho permitir a deturpação das normas legais imperativas concernentes à identificação da natureza jurídica das parcelas objeto do acordo, já que, à luz do art. 844 do Código Civil e da jurisprudência do TST, é absolutamente pacífico ser vedada pelas partes, nos processos trabalhistas, a transação em relação a direitos de terceiros, notadamente da União no tocante aos efeitos tributários, e do INSS com relação aos efeitos previdenciários. 5. A par dessas considerações, entende-se que o Juiz do Trabalho, ao se deparar com um acordo extrajudicial trabalhista que contenha cláusulas que malfiram normas de caráter cogente ou que tenham o potencial de sonegar direitos trabalhistas (como as cláusulas de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho e de atribuição de natureza jurídica contra legem das parcelas trabalhistas), não deve ficar limitado entre as alternativas de proceder a uma homologação total ou a uma não homologação total do acordo extrajudicial. Deve-se-lhe ser facultado, à luz do seu convencimento motivado (art. 371 do CPC) e do seu poder-dever de ampla liberdade na direção do processo (art. 765 da CLT), deliberar por extirpar do ajuste somente tais cláusulas. 6. Isso porque as mencionadas normas da legislação civil (aplicáveis subsidiariamente – art. 8º, § 1º, da CLT) e a própria norma celetista que prevê o acordo extrajudicial devem, por óbvio, ser interpretadas em conjunto com os princípios e regras trabalhistas, em verdadeiro diálogo, em direta e exemplar aplicação da doutrinariamente consagrada Teoria do Diálogo das Fontes. Esta, como é sabido, trata-se de importante metodologia hermenêutica que foi construída para propiciar soluções mais justas, protegendo o indivíduo vulnerável e dando um caráter humanista ao Direito, de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) e da aplicação imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, da CF/88), e cuja aplicabilidade ao Direito Trabalhista é salutar e essencial, em razão da necessidade de se buscar o necessário equilíbrio entre partes da relação de emprego em total assimetria, tanto do ponto de vista econômico quanto social e cultural.Com efeito, a viabilidade de entabulação de acordo extrajudicial na esfera trabalhista não afasta e nem desnatura a condição de hipossuficiência do empregado inerente à relação sempre assimétrica característica da relação de emprego. Muito pelo contrário, considerando que a grande parte dos acordos são firmados em virtude da extinção contratual, a situação de vulnerabilidade do empregado, muitas vezes, se agrava, em razão da notória situação de desemprego generalizado hoje infelizmente existente. Por isso mesmo, permanece aqui também aplicável o Princípio Tuitivo ou Protetivo do Direito do Trabalho. 7. Nesse ínterim, a propósito, o que se denota dos acordos extrajudiciais que vêm obtendo a homologação apenas parcial por parte do Judiciário Trabalhista é que, em sua grande maioria, eles prevêem, em seu objeto, o simples pagamento de parcelas rescisórias rotineiras e todas flagrantemente devidas, mas com o acréscimo – injustificado - da cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho. É cediço, à luz das regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (aqui invocadas nos termos e para os efeitos do art. 375 do CPC), que, havendo acordo para simples pagamento de verbas rescisórias, o trabalhador adere a tal pactuação na premência de verem atendidos de imediato seus créditos alimentares para a satisfação das necessidades mais básicas para a sua sobrevivência e de sua família. 8. Ora, o objetivo peculiar a toda transação é prevenir futuros litígios, em um contexto de concessões recíprocas, na esteira do que dispõe o art. 840 do Código Civil. Acha-se subjacente a um acordo extrajudicial, portanto, a imprescindível ocorrência da res dubia relativa a eventuais direitos ou parcelas trabalhistas pois, se assim não for, o ajuste em que se pactue a supressão desses se transmuda em verdadeira renúncia a tais direitos, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, desnaturando a sua natureza de transação. Na hipótese mencionada, de ajuste para mero pagamento de verbas rescisórias rotineiras, é incontrastável que não se trata de direitos em relação aos quais pairam a res dubia necessária para o reconhecimento da ocorrência de transação típica com concessões recíprocas ou mútuas, nas quais seria possível cogitar que o reconhecimento ao pagamento de determinada verba duvidosa teve como contrapartida o não reconhecimento do direito ao pagamento de outra verba igualmente conflituosa, de formar a impossibilitar a exclusão ou não homologação pelo juiz de uma ou outra, pela presumível quebra do sinalagma inerente a todo e qualquer negócio jurídico. Trata-se nestes casos, ao contrário, de direitos indubitavelmente devidos ao trabalhador (já que para a constituição e para o reconhecimento da existência desses direitos basta a constatação fática do rompimento do pacto laboral, à exceção, é claro, da ocorrência de uma justa causa) que tem rescindido o seu contrato de trabalho e que não foram pagos tempestivamente na forma do artigo 477 da CLT. 9 . De fato, o que se infere em tais casos é uma tentativa abusiva e injustificável dos ex-empregadores de se valerem do desespero dos trabalhadores pela perda de sua fonte de sustento e da sua necessidade premente de obterem as verbas rescisórias que lhes são incontroversamente devidas no momento da rescisão contratual, para adquirirem do Judiciário, por via transversa, uma chancela estatal que lhes propiciaria a tranquilidade trazida pela quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho. Esta, por sua vez, com a qualidade e imutabilidade da coisa julgada material, subjacente às homologações procedidas pelo juiz do trabalho, nos termos do art. 487, III, "b", do CPC, constituindo o que a doutrina denomina de equivalente jurisdicional, apto a atrair a incidência do art. 203, §1º, do CPC. A manutenção da cláusula de quitação geral e irrestrita, portanto, impediria o trabalhador de futuramente questionar e pleitear direitos da relação de emprego eventualmente sonegados ao longo do pacto laboral, obstaculizando o próprio direito de Acesso à Justiça, insculpido no art. 5º, XXXV, da CF/88. 10. Por isso mesmo, não permitir ao Juiz do Trabalho que, à luz dos princípios da imediatidade, celeridade, simplicidade, instrumentalidade e efetividade social do processo, bem assim do artigo 5º da LINDB (segundo o qual "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"), apreciando o caso concreto, delibere pela homologação apenas parcial do acordo extrajudicial, em vez de sua não homologação total, de forma a excluir do seu âmbito tão somente a malfadada e coibida cláusula de quitação geral do contrato de trabalho, é penalizar o trabalhador duplamente e violar ainda o seu direito ao mínimo existencial. Este constitui núcleo irredutível do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e consubstancia-se na satisfação de prestações materiais essenciais e imprescindíveis à sobrevivência do trabalhador e de sua família. Isso justamente quando este se encontra no maior momento de vulnerabilidade econômica e social, em virtude da sua provável situação de desemprego pela ruptura contratual. 11. Essa posição maxima permissa venia restritiva, excessivamente rígida e radical acarreta, na verdade, a penalização maior e desproporcional do trabalhador, imputando-se-lhe exclusivamente o ônus do tempo da tramitação de um futuro processo para a percepção de seus direitos trabalhistas (como a efetuação do pagamento de simples haveres rescisórios, que já deveriam ter sido oportuna e obrigatoriamente quitados pelo empregador quando da rescisão contratual), na contramão do art. 5º, LXXVIII, da CF/88 (razoável duração do processo), já que para o empregador, nesses casos, a demora seria indiferente (ou por vezes benéfica). 12. Não se está aqui, por óbvio, a permitir que o magistrado proceda a uma homologação parcial de modo a criar um segundo acordo, a partir do pinçamento de cláusulas e direitos em que pairam a res dubia e que foram ajustados a partir de um contexto de concessões recíprocas, mas sim, somente, admitir a possibilidade de este excluir cláusulas que malfiram normas de ordem pública e que tenham nítido caráter abusivo ou fraudulento, permitindo, por outro lado, a manutenção da validade da parte do ajuste que atenda à finalidade do Direito do Trabalho e ao ordenamento jurídico como um todo, exatamente como ocorreu no presente caso.

Recurso de revista não conhecido .

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1001542-04.2018.5.02.0720 , em que é Recorrente VOLKSWAGEN PARTICIPACOES LTDA e Recorrido ELIANA BERTELLI.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por meio do acórdão de págs. 113-122, negou provimento ao recurso ordinário interposto pela Volkswagen Participações Ltda., mantendo a sentença de primeiro grau quanto à homologação parcial da quitação do acordo extrajudicial entabulado entre as partes requerentes.

Irresignada, a empresa requerente interpôs recurso de revista às págs. 146-168, com fulcro nas alíneas "a" e "c" do artigo 896 da CLT. Aponta divergência jurisprudencial e violação dos arts. 5º, II e XXXVI, da Constituição Federal, 855-B, 855-E e 769 da CLT, 104, 840 e 843 do Código Civil e 15 e 515, II e §2º, do CPC.

O recurso de revista foi admitido pelo despacho de págs. 213-216.

Não foram apresentadas contrarrazões.

Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 95 do Regimento Interno do TST.

É o relatório.

V O T O

ACORDO EXTRAJUDICIAL INSTITUÍDO PELA LEI Nº 13.467/17. HOMOLOGAÇÃO APENAS PARCIAL DE SUAS CLÁUSULAS, COM PRESERVAÇÃO DA TRANSAÇÃO CELEBRADA PELAS PARTES, PARA ATENDER ÀS PREMENTES NECESSIDADES DA PARTE HIPOSSUFICIENTE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO SOMENTE DE CLÁUSULAS LESIVAS OU ABUSIVAS QUE VIOLAM DIREITOS FUNDAMENTAIS, NORMAS DE ORDEM PÚBLICA E DIREITOS DE TERCEIROS, A EXEMPLO DAS CLÁUSULAS DE QUITAÇÃO GERAL E IRRESTRITA DO CONTRATO DE TRABALHO E DE IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DAS PARCELAS DE FORMA CONTRA LEGEM . FUNÇÃO DO JUIZ DO TRABALHO NA HOMOLOGAÇÃO. ATO JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS TUITIVO OU PROTETIVO, DA IRRENUNCIABILIDADE, DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO OU DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA, DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA EFETIVIDADE SOCIAL DO PROCESSO. EQUALIZAÇÃO JURÍDICA DE PARTES MATERIALMENTE DESIGUAIS E DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DO ÔNUS DO TEMPO INERENTE À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL. TRANSAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DE RES DUBIA .

O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pela empresa requerente, mantendo a sentença de primeiro grau quanto à homologação parcial da quitação do acordo extrajudicial, externando, para tanto, a seguinte fundamentação:

"Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, respaldado na inovação contemplada pela Lei 13.467/17, que introduziu a alínea "f", no artigo 652, da CLT, bem como os artigos 855-B, 855-C, 855-D e 855-E, à Consolidação das Leis do Trabalho (Capítulo III-A, do Título X), em simetria com a previsão contida no artigo 725, VIII, do CPC, cujo escopo, à parte de concretizar os princípios basilares do Direito Processual do Trabalho - conciliatório e celeridade processual - é salvaguardar os direitos do trabalhador, em razão da submissão dos termos da avença ao crivo do Poder Judiciário, sem perder de vista a garantia conferida ao empregador, levada a efeito pela prolação de decisão acobertada pelo manto da coisa julgada.

Rezam os dispositivos consolidados em apreço:

Art. 652. Compete às Varas do Trabalho: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

(...)

f) decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

(...)

Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 1º As partes não poderão ser representadas por advogado comum. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 2º Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Na hipótese concreta, os autos foram distribuídos ao MM. Juízo da 20ª Vara do Trabalho de São Paulo - Zona Sul, que deliberou pelo envio do feito ao CEJUSC - Sul, para designação de audiência de conciliação (ID. 6718c1a).

Prosseguindo, o Excelentíssimo Senhor Juiz Coordenador do CEJUSC - Sul determinou a juntada do comprovante do recolhimento das custas e de cópias da CTPS da empregada, designou data para comparecimento das partes em audiência e advertiu que "eventual emenda à petição inicial quanto à discriminação individualizada das verbas e valores que são objeto de transação no presente acordo poderá ser realizada, de comum acordo, por petição ou em audiência" (ID. 9f3802c), providência de que as partes abstiveram-se, mantendo a discriminação constante da avença apresentada com o pedido inicial (ID. b9090bc - Pág. 1).

Na audiência realizada aos 01/04/2019 o MM. Juízo proferiu sentença (ID. 56c2e0c), homologando parcialmente o acordo extrajudicial e enaltecendo o entendimento adotado no âmbito do CEJUSC de que de que a quitação decorrente de homologação de acordo extrajudicial restringe-se aos direitos (verbas) especificados na petição inicial e efetivamente pagos por meio do acordo , respeitados os direitos de terceiros e as normas de ordem pública.

Em face de tal decisão, insurge-se a empresa Volkswagen Participações Ltda., defendendo a homologação do acordo com quitação geral ao contrato de trabalho, nos exatos termos em que exposto com a peça vestibular, louvando as disposições contidas nos artigos 104 e 840 do CC/02, e no artigo 165 do CPC/15.

Passo à análise.

É certo que a tendência do Direito do Trabalho mundial é a solução das pendências laborais pelas próprias partes, sem a interferência Estatal. Ademais, o princípio básico que informa o Direito Processual do Trabalho é o conciliatório, já que a parte, detentora de seu direito, deve ter a liberdade de transacioná-lo, como a mais pura expressão do Estado Democrático de Direito. A utilização das formas autocompositivas de solução de conflitos, quer no âmbito judicial, quer na esfera extrajudicial e o respeito aos efetivos interesses das partes envolvidas, nos afigura solução rápida e eficaz para a prevenção de litígios, bem como para a solução dos mesmos, quando instaurados. No entanto, não é menos certo que a conciliação deve respeitar todo o ordenamento jurídico a fim de que passe pelo crivo do Poder Judiciário, de modo que o novel Capítulo III-A, do Título X, da CLT, merece ser interpretado sistematicamente à luz dos princípios norteadores do Direito Material e Processual do Trabalho, sem prejuízo das disposições contidas nos artigos 515, incisos II e III, e § 2º, e 723, parágrafo único, do CPC, nos artigos 320 e 843, do Código Civil, e no artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna.

De ser ressaltado, ainda, que o próprio artigo 855-D, da CLT, dispõe textualmente que "o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença" , a reforçar a conclusão de que, conquanto se trate de procedimento de jurisdição voluntária (artigo 855-B, da CLT), por meio do ato homologatório, o juiz referenda o quanto negociado pelas partes, reconhecendo a compatibilidade do ato com o direito, ou seja, trata-se de atividade jurisdicional, respaldada no livre convencimento e não de imposição ou mera formalidade, não sendo outra a conclusão que se extrai das diretrizes externadas pela Súmula 418, do C. TST, bem assim pelo parágrafo único, do artigo 723, do CPC, de seguinte teor:

Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna.

Postas tais premissas, imperioso ressaltar que a inovação introduzida pela Lei nº 13.467/17 (Capítulo III-A, do Título X) não adentrou à disciplina relacionada ao cumprimento dos títulos executivos judiciais, assomando imperativa, na hipótese, a aplicação subsidiária do comando extraído do artigo 515, incisos II e III, e § 2º, do CPC, por força das disposições contidas no artigo 769, Consolidado, valendo a transcrição:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:

(...)

II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;

III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;

(...)

§ 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.

Como se verifica, o dispositivo legal em referência diferencia a decisão homologatória da autocomposição judicial da decisão homologatória do acordo extrajudicial de "qualquer natureza", ao estabelecer que, somente em relação à primeira modalidade mostra-se possível a quitação relativa a sujeito estranho à lide, assim como a discussão alusiva à relação jurídica não deduzida em Juízo.

Nessa senda, levando-se em conta que o artigo 855-B, da CLT, versa a modalidade de autocomposição extrajudicial, incide à hipótese a limitação envolvendo a extensão do acordo, decorrente da aplicação do já citado § 2º, do artigo 515, do CPC, da qual se extrai que os termos da avença não atingem terceiros, tampouco alcançam relação jurídica alheia à discussão levada à cognição do Juízo, atraindo, por corolário, o comando inserido no artigo 843, do Código Civil, no sentido de que a transação deve ser interpretada restritivamente.

Aliando-se aos fundamentos suso alinhavados, não se olvide que o legislador, ao instituir o procedimento de que trata os já mencionados artigos 855-B até 855-E, da CLT, não contemplou a possibilidade automática de o acordo entabulado extrajudicialmente encampar a quitação ampla e irrestrita das parcelas atinentes ao contrato de trabalho . Mas, diversamente, o próprio artigo 855-E, da CLT, ao estabelecer que a petição de homologação do acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados, reforça a conclusão de que o instituto ora em análise assenta-se na possibilidade de coexistência de direitos outros não delineados no requerimento de homologação da avença.

Nesse contexto, não se concebe a outorga, pelo ex-empregado, da ampla e irrestrita quitação geral de todos os títulos inerentes à extinta relação de emprego, merecendo ser mantida a tônica emanada do entendimento jurisprudencial cristalizado na Súmula 330, do C. TST, aplicável analogicamente, no sentido de que a eficácia liberatória restringe-se às parcelas expressamente delimitadas na avença. Trata-se de interpretação que se coloca em linha não apenas com os princípios norteadores do Direito Obreiro - o protetivo e o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas -, mas também com a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, consagrada no já mencionado inciso XXXV, do artigo 5º, da Lei Maior.

Por amor ao debate, oportuno salientar que há recomendação expressa deste Eg. Regional aos Magistrados responsáveis pela homologação dos acordos extrajudiciais nos processos de jurisdição voluntárias (CEJUSC - JT2 - https://www.trtsp.jus.br/institucional/conciliacao/conciliacao-2), de que a quitação envolvendo sujeito estranho ao processo ou relação jurídica não deduzida em juízo somente é possível no caso de autocomposição em processo judicial contencioso, bem assim no sentido de que a quitação deve ser limitada aos direitos (verbas) especificados na petição de acordo, tratando-se de diretriz da qual foram os requerentes plenamente cientificados por ocasião da intimação do despacho ID. 9f3802c.

Em conclusão, a almejada quitação geral do extinto contrato de trabalho só seria possível em composição realizada em processo contencioso, na forma do art. 515, II, §2º, do CPC, o que equivale a dizer que o acordo extrajudicial, entabulado na forma do artigo 855-B, da CLT, não tem o condão de alcançar os títulos não discriminados na avença, ou seja, a quitação é restrita aos valores pagos e discriminados na peça vestibular, em consonância com o teor dos artigos 320 e 843, do Código Civil, e da Súmula 330, do C. TST, aplicável analogicamente .

Nesse sentido, inclina-se a jurisprudência deste Eg. Regional, consoante se extrai dos seguintes precedentes:

AUTOCOMPOSIÇÃO EXTRAJUDICAL - ART. 855-B DA CLT - HOMOLOGAÇÃO - EFEITOS. Tratam-se os autos de "autocomposição extrajudicial", nos termos do art. 855-B da CLT, para Homologação de Acordo Extrajudicial, com indeferimento do pedido de "quitação ampla para alcançar parcelas de todo o contrato de trabalho". Pois Bem. De plano friso que a r.sentença não merece qualquer reparo, uma vez que a quitação envolvendo relação jurídica não deduzida em juízo somente é possível em "autocomposição judicial", em decisão homologatória de processo contencioso, consoante art. 515, II e III e § 2º do NCPC. Destarte, nas decisões homologatórias de "autocomposição extrajudicial" a quitação é limitada aos direitos (verbas) nele especificadas. Nessa linha é o disposto no art. 843 do Código Civil, que determina que a transação seja interpretada restritivamente, não sendo possível a quitação genérica de verbas que não constem da petição de acordo. Aplicação analógica do entendimento trazido pela Súmula 330 do C.TST. Por fim, reforça a tese de quitação apenas em relação às parcelas acordadas (constantes da petição comum), a interpretação analógica do art. 855-E da CLT, no qual o próprio legislador determina a suspensão do prazo prescricional restrita aos direitos especificados na petição de acordo. Mantenho. Nego Provimento. (Proc. nº 1000711-10.2018.5.02.0702, Relatora: Desembargadora Ivani Contini Bramante, 4ª Turma, DEJT 30/10/2018)

"REFORMA TRABALHISTA. PROCESSO DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL (ART. 855-B, CLT). EFICÁCIA LIBERATÓRIA RESTRITA AOS PEDIDOS E VALORES PAGOS. A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) trouxe, entre outras, a novidade do Processo de Homologação de Acordo Extrajudicial, disciplinado no art. 855-B e sgs., da CLT. Trata-se de mais um meio de solução de conflitos, propiciando àqueles que desejam se compor, a utilização de uma via rápida e efetiva, sem ter, em tese, que esperar tanto quanto numa demanda judicial, eis que o acordo homologado terá efeito de título executivo judicial, a teor do art. 515 do CPC. In casu, o magistrado de piso homologou parcialmente o ajuste, dando-lhe eficácia restrita aos títulos e valores transacionados, sendo este o motivo do insurgimento da reclamada, que quer a quitação extensiva a todo o contrato. Não obstante os argumentos do recorrente, incide à espécie o disposto no §2º do art. 515 do CPC (§ 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.), a sinalizar que, a contrario sensu, na modalidade de autocomposição extrajudicial a que alude o art. 855-B, da CLT/2017, persiste sim, a limitação da extensão do acordo, que não alcança relação jurídica não deduzida em Juízo. Nesse sentido dispõe o art. 843 do Código Civil ao consignar que a transação interpreta-se restritivamente. Não bastasse, consta das Diretrizes do NUPEMEC-JT2 para pedidos de homologação de Acordos Extrajudiciais, as quais vêm sendo adotadas nesta Justiça Especializada pelos magistrados que compõem o Cejusc-JT (Órgão responsável para a homologação desses acordos), a recomendação expressa de que nesses casos (processo homologatório de jurisdição voluntária) a quitação deve ser limitada aos direitos (verbas) especificados na petição de acordo. E nem se argumente de que o papel do magistrado, em tais casos, estaria confinado à esfera administrativa, com obrigação de conferir chancela automática a toda e qualquer conciliação extrajudicial a ele trazida, sem submetê-la ao crivo ético ou da juridicidade. Nesse sentido pontua a mais atual doutrina trabalhista (Antonio Umberto, Fabiano Coelho, Ney Maranhão e Platon Teixeira, in Reforma Trabalhista, Ed. Rideel, 2ª Edição, pág. 518): (..) "a lei não reserva ao juiz, nos procedimentos da chamada jurisdição voluntária, ao exigir sua chancela para a outorga de eficácia ao ato consensual dos requerentes, o papel coadjuvante de mero homologador de qualquer coisa que lhe tragam as partes".Firmo pois, o mesmo convencimento do D. Juízo de origem no sentido de conferir eficácia restrita ao ajuste, mantendo a homologação parcial do acordo entabulado pelas partes, nos exatos termos da decisão primária. Recurso improvido." (Processo nº 1000150-89.2018.5.02.0021, 4ª Turma, Relator: Desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, DEJT: 05/11/2018)

O procedimento estabelecido nos arts. 855-B e seguintes da CLT retrata hipótese de transação extrajudicial que, por sua vez, deve ser interpretada de forma restritiva, (art. 843 do CC). (TRT-02, Processo n. 1002192-35.2017.5.02.0090, 09ª Turma, Relator: Sergio José Bueno Junqueira Machado, Publicação: 11/10/2018)

DA HOMOLOGAÇÃO INTEGRAL DO ACORDO EXTRAJUDICIAL. O artigo 855-E, ao estabelecer que a petição de homologação de acordo extrajudicial importa na suspensão do prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados, revela a adstrição da decisão homologatória exclusiva a estas verbas, não importando, também ao ver desta Relatora, em quitação geral à relação trabalhista mantida entre as partes. Nego provimento. (TRT-02, Processo n. 1000767-93.2018.5.02.0071, 02ª Turma, Relatora: Marta Casadei Momezzo, Publicação: 21/02/2019)

REFORMA TRABALHISTA - ACORDO EXTRAJUDICIAL – ALCANCE DA QUITAÇÃO DADA PELO TRABALHADOR. Nas ações que visam a homologação de acordo celebrado extrajudicialmente, a eficácia liberatória da quitação dada pelo empregado deve restringir-se às parcelas expressamente consignadas no ajuste. Inteligência do disposto no Art. 855-E da CLT, que faz referência expressa à suspensão do prazo prescricional em relação aos direitos especificados no ajuste. Recurso patronal que se nega provimento. (TRT-02, Processo n. 1002191-85.2017.5.02.0046, 14ª Turma, Relator: Fernando Álvaro Pinheiro, Publicação: 18/12/2018)

PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA INSTITUÍDO PELA LEI 13.467/17. ARTIGOS 855-B E SEGUINTES, DA CLT. ACORDO EXTRAJUDICIAL PARCIALMENTE HOMOLOGADO. PREVALÊNCIA. QUITAÇÃO GERAL. IMPOSSIBILIDADE. EFICÁCIA LIBERATÓRIA RESTRITA ÀS PARCELAS DISCRIMINADAS NA PETIÇÃO DA AVENÇA. É certo que a tendência do Direito do Trabalho mundial é a solução das pendências laborais pelas próprias partes, sem a interferência Estatal. Ademais, o princípio básico que informa o Direito Processual do Trabalho é o conciliatório, já que a parte, detentora de seu direito, deve ter a liberdade de transacioná-lo, como a mais pura expressão do Estado Democrático de Direito. A utilização das formas autocompositivas de solução de conflitos, quer no âmbito judicial, quer na esfera extrajudicial e o respeito aos efetivos interesses das partes envolvidas, nos afigura solução rápida e eficaz para a prevenção de litígios, bem como para a solução dos mesmos, quando instaurados.

Contudo, não é menos certo que a conciliação deve respeitar todo o ordenamento jurídico e, portanto, conquanto se trate de procedimento de jurisdição voluntária (artigo 855-B, da CLT), por meio do ato homologatório, o juiz referenda o quanto negociado pelas partes, reconhecendo a compatibilidade do ato com o direito, ou seja, trata-se de atividade jurisdicional, respaldada no livre convencimento e não de imposição ou mera formalidade. Nesse contexto, em se tratando de modalidade de autocomposição extrajudicial (515, II e III, § 2º, do CPC), não se concebe a outorga, pelo ex-empregado, da ampla e irrestrita quitação geral de todos os títulos inerentes à extinta relação de emprego, merecendo ser mantida a tônica emanada do entendimento jurisprudencial cristalizado na Súmula 330, do C. TST, aplicável analogicamente, no sentido de que a eficácia liberatória restringe-se às parcelas expressamente delimitadas na avença. Trata-se de interpretação que se coloca em linha não apenas com os princípios norteadores do Direito Obreiro - o protetivo e o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas -, mas também com a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, consagrada no inciso XXXV, do artigo 5º, da Lei Maior. Precedentes deste Eg. Regional. Recurso Ordinário do Requerente ao qual se nega provimento. (TRT-02, Processo n. 1001317-20.2018.5.02.0029, 06ª Turma, Relatora: Jane Granzoto Torres da Silva, Publicação: 16/05/2019)

De mesmo teor, mencionem-se os acórdãos não ementados extraídos dos autos dos processos 1000623-54.2018.5.02.0028 (09ª Turma, Publicado em 18/03/2019); 1000311-29.2018.5.02.0012 (06ª Turma, Publicado em 27/02/2019); 1000626-36.2018.5.02.0019 (15ª Turma, Publicado em 20/09/2018); 1000455-61.2018.5.02.0704 (04ª Turma, Publicado em 13/11/2018); 1000055-19.2018.5.02.0002 (07ª Turma, Publicado em 04/10/2018); 1000620-19.2018.5.02.0087 (02ª Turma, Publicado em 07/02/2019).

Nada, pois, a ser modificado.

Isto posto,

ACORDAM os Magistrados da 06ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: CONHECER do recurso ordinário interposto; e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao apelo, mantendo íntegra a r. decisão de primeiro grau. Tudo nos termos da fundamentação do voto da Relatora, parte integrante deste." (págs. 113-122; destacou-se)

Em seu recurso de revista, a empresa requerente alega que as partes efetuaram transação extrajudicial seguindo todos os requisitos legais, sejam os da norma da CLT, como petição conjunta e representação obrigatória por advogados distintos, sejam os do artigo 104 do Código Civil, relativos à validade do negócio jurídico. Defende que as partes chegaram a um consenso para dar ampla, geral e irrevogável quitação ao contrato de trabalho, conforme termo de acordo assinado e anexado aos autos. Aponta divergência jurisprudencial e violação dos arts. 5º, II e XXXVI, da Constituição Federal, 855-B, 855-E e 769 da CLT, 104, 840 e 843 do Código Civil e 15 e 515, II e §2º, do CPC.

Pois bem.

A Lei nº 13.467/2017 introduziu os arts. 855-B a 855-E na CLT, com o seguinte teor:

"Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.

§ 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum.

§ 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.

Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.

Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.

Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.

Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo."

Discute-se, no caso, se o Magistrado pode homologar de forma parcial o acordo extrajudicial disciplinado no artigo 855-B e seguintes da CLT, atribuindo-lhe, como no caso dos autos, eficácia restrita aos títulos e valores transacionados, com exclusão da cláusula de quitação geral e irrestrita de todo o contrato de trabalho nele ajustada.

O artigo 855-B da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, incluiu a possibilidade de homologação de acordo extrajudicial no âmbito da Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de petição conjunta das partes, representadas por seus respectivos advogados. Não obstante a previsão legal acerca da viabilidade de entabulação do referido ajuste, não se pode permitir que a transação sirva de instrumento para criar situações jurídicas vedadas ou contrárias ao ordenamento jurídico, na esteira do que preconiza o artigo 9º da CLT, segundo o qual "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impeder ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação".

Portanto, o papel do juiz na conciliação ou homologação de acordos extrajudiciais e judiciais é fundamental, como instrumento estatal de equalização jurídica de partes materialmente desiguais e de controle da aplicação das normas de ordem pública que versam sobre direitos privados indisponíveis e sobre temas de interesse da sociedade em geral (questões tributárias e previdenciárias, por exemplo). Com efeito, embora o Juiz do Trabalho solucione conflitos individuais, estes têm origem e repercussão de amplo significado social, cujo conteúdo corresponde em boa parte a direitos indisponíveis, boa parte deles constitucionalmente assegurados de forma expressa e, portanto, com a indiscutível natureza de direitos fundamentais sociais, e diante do qual se defrontam partes com inegáveis desigualdades do ponto de vista econômico, social e cultural.

Considerando que o Juiz do Trabalho pode e deve controlar o conteúdo de todas e quaisquer transações (judiciais ou extrajudiciais) que lhes sejam submetidas à apreciação, no exercício da sua função jurisdicional, visto que a transação não pode ser lesiva, conclui-se que nessa homologação de que tratam os artigos 855-B a 855-E da CLT introduzidos pela assim chamada Reforma Trabalhista não há propriamente ato de jurisdição voluntária, por não se tratar essa manifestação conjunta das partes submetida a seu exame de um mero ato administrativo dos interessados em relação em que não existe uma verdadeira lide entre ambos e cuja validade meramente formal vai ser conferida pelo Juiz, como ocorre com os demais casos de jurisdição voluntária.

Por envolverem esses assim denominados "acordos extrajudiciais" relações trabalhistas inegavelmente assimétricas e, portanto, a priori ao menos potencialmente conflituosas, o Juiz do Trabalho, nesses casos, não está obrigado a homologar transações lesivas aos direitos fundamentais dos trabalhadores ou claramente infringentes da legislação tributária e previdenciária a elas aplicável, não podendo ser transformado em um mero "carimbador" desse ato de manifestação de vontade dos interessados ou em instrumento mecânico de aceitação automática de qualquer transação que lhe seja submetida.

Por isso mesmo, o ato de homologação do Juiz, diante de uma transação celebrada pelas partes em uma lide potencial ou real já existente, não é e nem pode ser de mera verificação da validade formal da manifestação de vontade das partes à luz do Código Civil, precisamente do seu artigo 104 (o qual, como se sabe, estabelece os seguintes requisitos de validade de todo e qualquer negócio jurídico - agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei). Isso porque o Juiz, quando homologa negócios jurídicos como os aqui em análise, em que inexistem meros interessados na prática de atos de disposição de seus direitos em relações de direito civil não conflituosas (como realmente ocorre nos atos verdadeiramente de jurisdição voluntária cuja competência, para sua prática, o legislador atribui ao Poder Judiciário), mas sim partes de uma relação sabidamente assimétrica e desigual, por isso mesmo sempre potencialmente conflituosa, tem o indeclinável dever, constitucional e legal, de participar de forma crítica e ativa do ato, tornando-o seu , no sentido etimológico do vocábulo homologação . Vale dizer, o Estado-Juiz, através de seu agente jurisdicional, o magistrado, toma conhecimento do ato dessas partes interessadas e o incorpora como ato do próprio Estado, na forma e no conteúdo , fazendo sempre e necessariamente, portanto, um controle do próprio conteúdo de cada transação a ele submetida.

A esse respeito já me pronunciei há muitos anos em Artigo Doutrinário, citando o grande Jurista baiano José Augusto Rodrigues Pinto, que ensina de forma extremamente persuasiva que o ato de homologar, em tais casos, não é um mero ato de jurisdição voluntária, e sim um ato jurisdicional por natureza, quando há verdadeiramente uma lide, já existente ou meramente potencial, submetida à apreciação do órgão judicial e uma transação celebrada entre as partes é levada para a sua homologação:

"Nessa perspectiva, cumpre aqui relembrar que o magistrado não é um mero "homologador" passivo de todo e qualquer acordo que lhe seja submetido pelos litigantes. O i. jurista baiano José Augusto RODRIGUES PINTO preceitua que homologar é "... confirmar ou aprovar por autoridade judicial ou administrativa" e homologação é "... a aprovação por autoridade judicial ou administrativa a certos atos de particulares para que produzam efeitos jurídicos que lhe são próprios". Do ponto de vista etimológico, "homologar" eqüivale a "tornar próprio" aquele negócio jurídico. Ainda se colhe na doutrina que as homologações são "julgamentos meramente formais": por um lado declaratórios, quanto à existência do ato ou manifestação de vontade; por outro, constitutivos, pelos efeitos jurídicos novos produzidos pelo ato homologador. O mesmo José Augusto RODRIGUES PINTO observa em seguida, com inteira propriedade, que a expressão "homologação por ato judicial", na verdade, traduz duas situações jurídicas bem diferentes: a primeira homologação, praticada na esfera impropriamente denominada "jurisdição voluntária", é exercida mediante a provocação do legítimo interessado e tem natureza administrativa (pois não decide uma lide e se limita a completar o efeito constitutivo de negócio jurídico entre particulares que o legislador considerou transcender os limites da esfera de interesses das pessoas diretamente empenhadas, interessando também à própria coletividade), significando uma forma de "administração pública de interesses privados"; a segunda, que corresponde ao ato judicial objeto das presentes considerações, é praticada pelo juiz em decorrência de uma lide e no âmbito de um processo judicial, significando o endosso necessário do Estado, como parte da relação tripartite processual, conferindo validade a um negócio jurídico (para alguns doutrinadores, enquanto, para outros, reconhecendo como válida uma forma de extinção de obrigações, na forma prevista nos termos dos artigos 1025 e seguintes do Código Civil) celebrado pelas outras duas partes, quando transigem uma demanda. São, portanto, absolutamente inconfundíveis. Nesta última modalidade de homologação, aliás, compete ao julgador (e é aliás seu dever) examinar com a profundidade que lhe parecer necessária não só os aspectos formais do ajuste (com vistas a assegurar a livre e consciente manifestação da vontade das partes) como também o seu conteúdo, para evitar ofensa a normas de ordem pública e para assegurar a existência de uma genuína transação." ( PIMENTA, José Roberto Freire. A conciliação judicial na Justiça do trabalho após a Emenda constitucional n 24/99: aspectos de direito comparado e o novo papel do juiz do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 32, n. 62, p. 36-37, jul/dez 2000)

Chega a ser elementar, por outro lado, a consideração de que, ainda que se entenda que o papel do magistrado ao analisar o acordo, conforme previsão expressa do artigo 855-D da CLT, será tão-somente o de verificar a presença, no caso, dos requisitos de validade do negócio jurídico estabelecidos no já citado artigo 104 do Código Civil, isso não o eximirá de examinar a validade ou não das condições ajustadas pelos interessados, na medida em que o próprio inciso II desse dispositivo legal civil exige que esse negócio jurídico deve sempre ter objeto lícito , o que não será possível dizer que exista em todos os casos em que a parte hipossuficiente dessa transação extrajudicial manifestamente estiver RENUNCIANDO pura e simplesmente, por exemplo, a direitos trabalhistas constitucionalmente ou legalmente assegurados e que, por isso mesmo, são sabidamente INDISPONÍVEIS , ou em que as partes interessadas estejam ajustando uma transação que claramente descumpra a legislação tributária ou previdenciária aplicável, lesando direitos da Fazenda Pública ou da Previdência Social Nacional.

Superada essa primeira questão, resta examinar o ponto crucial da controvérsia dos autos, objeto de impugnação pela recorrente, para a qual não seria possível ao magistrado do trabalho, nesses casos, decotar dos termos do ajuste extrajudicial que os interessados pretendem celebrar apenas os pontos e cláusulas consideradas inválidas, por lesivas ou contrárias à lei tributária e previdenciária, e ainda assim homologar os seus termos, restringindo também os efeitos da quitação à empregadora apenas aos valores e às parcelas objeto da transação submetida a juízo.

Nesse passo, com relação à possibilidade de homologação apenas parcial, somente dos valores e parcelas consignados no acordo, com a exclusão da cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho, ou mesmo daquela relativa à identificação da natureza jurídica das parcelas acordadas de forma contrária ao estabelecido em lei, cabe trazer a lume dispositivos da legislação civil que tratam da transação e quitação, os quais podem ser utilizados como fonte subsidiária do Direito do Trabalho, nos termos do art. 8º, § 1º, da CLT, e, em virtude do seu teor restritivo quanto ao objeto transacionado, são, a fortiori , ou seja, com muito mais razão, aplicáveis aos acordos trabalhistas, em virtude do caráter social dos direitos trabalhistas a que se referem.

Com efeito, dispõem os artigos 320, 841, 843 e 844 do Código Civil o seguinte:

"Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada , o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.

Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida."

"Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação."

"Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente , e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos."

"Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem , ainda que diga respeito a coisa indivisível."

Depreende-se , dos termos do artigo 320 do Código Civil, que a quitação conferida em acordo extrajudicial abrange exclusivamente os valores e parcelas discriminadas no termo, não sendo possível, portanto, a quitação ampla e irrestrita pelo extinto contrato de trabalho. Ademais, conforme o citado artigo 843 do Código Civil, a transação interpreta-se restritivamente, não sendo juridicamente possível e nem válida a quitação genérica de verbas que não constem da petição de acordo.

Esse entendimento é reforçado pela própria disposição do artigo 855-E da CLT, ao preconizar que a petição de homologação de acordo suspende o prazo prescricional apenas dos direitos nela especificados, o que demonstra o alcance restritivo deste instituto.

Acresça-se, ainda, que, a teor do também citado artigo 844 do Código Civil, "a transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível". Desse modo, não pode o Juiz do Trabalho permitir a deturpação das normas legais imperativas concernentes à identificação da natureza jurídica das parcelas objeto do acordo, já que é absolutamente pacífico, na jurisprudência deste Tribunal Superior do Trabalho, ser vedada pelas partes, nos processos trabalhistas, a transação em relação a direitos de terceiros, notadamente da União no tocante aos efeitos tributários, e do INSS com relação aos efeitos previdenciários.

A par dessas considerações, entende-se que o Juiz do Trabalho, ao se deparar com um acordo extrajudicial trabalhista que contenha cláusulas que malfiram normas de caráter cogente ou que tenham o potencial de sonegar direitos trabalhistas (como as cláusulas de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho e de atribuição de natureza jurídica contra legem das parcelas trabalhistas), não deve ficar limitado entre as alternativas de proceder a uma homologação total ou a uma não homologação total do acordo extrajudicial. Deve-se-lhe ser facultado, à luz do seu convencimento motivado (art. 371 do CPC) e do seu poder-dever de ampla liberdade na direção do processo (art. 765 da CLT), no caso, processo de homologação de acordo extrajudicial, deliberar por extirpar do ajuste somente tais cláusulas, de modo a manter a viabilidade do pagamento das parcelas trabalhistas que as partes acordaram serem devidas ao trabalhador.

Nesse sentido, aliás, doutrina abalizada do eminente Ministro Maurício Godinho Delgado e de Gabriela Neves Delgado, in verbis :

"O Magistrado não está vinculado ao estabelecido no acordo extrajudicial, podendo, inclusive, recusar a homologação pretendida. Dispõe o art. 855-E que o Juiz, no prazo de 15 dias da distribuição da petição, 'analisará o acordo, designando audiência se entender necessário e proferirá sentença'.

Evidentemente que a recusa, pelo Magistrado, pode ser total ou apenas parcial. llustrativamente, recusa quanto à descaracterização de verbas salariais em indenizatórias, para fins de burla aos recolhimentos imperativos legais (no caso, para determinar o correto recolhimento, por exemplo); ou recusa quanto à amplitude da quitação lançada na petição de acordo (no caso, para fixar os corretos limites da quitação, por exemplo)." ( In A Reforma Trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. Editora LTR, 2018, 2ª edição, pág. 387)

Isso porque as mencionadas normas da legislação civil e a própria norma celetista que prevê o acordo extrajudicial devem, por óbvio, ser interpretadas em conjunto com os princípios e regras trabalhistas, em verdadeiro diálogo, em direta e exemplar aplicação da doutrinariamente consagrada Teoria do Diálogo das Fontes. Esta, como também é sabido, se trata de importante metodologia hermenêutica que foi construída para propiciar soluções mais justas, protegendo o indivíduo vulnerável e dando um caráter humanista ao Direito, de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) e da aplicação imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, da CF/88), e cuja aplicabilidade ao Direito Trabalhista é salutar e essencial, em razão da necessidade de se buscar o necessário equilíbrio entre partes da relação de emprego em total assimetria, tanto do ponto de vista econômico quanto social e cultural.

Com efeito, é preciso aqui voltar a afirmar que, não obstante a previsão legal contida no art. 855-B da CLT acerca da viabilidade de entabulação de acordo extrajudicial na esfera trabalhista, a sua realização não afasta e nem desnatura a condição de hipossuficiência do empregado inerente à relação sempre assimétrica característica da relação de emprego. Muito pelo contrário, considerando que a grande parte dos acordos são firmados em virtude da extinção contratual, a situação de vulnerabilidade do empregado, muitas vezes, se agrava, em razão da notória situação de desemprego generalizado hoje infelizmente existente. Por isso mesmo, permanece aqui também aplicável o Princípio Tuitivo ou Protetivo do Direito do Trabalho.

Nesse ínterim, a propósito, o que se denota dos acordos extrajudiciais que vêm obtendo a homologação apenas parcial por parte do Judiciário Trabalhista é que, em sua grande maioria , eles prevêem, em seu objeto, o simples pagamento de parcelas rescisórias rotineiras e todas flagrantemente devidas, mas com o acréscimo – injustificado - da cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho.

Nesse sentido, é cediço, à luz das regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (aqui invocadas nos termos e para os efeitos do artigo 375 do CPC), que, havendo acordo para simples pagamento de verbas rescisórias, o trabalhador adere a tal pactuação na premência de verem atendidos de imediato seus créditos alimentares para a satisfação das necessidades mais básicas para a sua sobrevivência e de sua família, visto que este, em regra, é o escopo inerente aos haveres rescisórios, como o é também de toda verba de natureza alimentar, mas que se sobressai ou se destaca nesses casos em razão da provável situação de desemprego em que se encontra o empregado naquele exato momento.

Ora, o objetivo peculiar a toda transação é prevenir futuros litígios, em um contexto de concessões recíprocas, na esteira do que dispõe o artigo 840 do Código Civil, segundo o qual "é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas". Acha-se subjacente a um acordo extrajudicial, portanto, a imprescindível ocorrência da res dubia relativa a eventuais direitos ou parcelas trabalhistas, pois , se assim não for, o ajuste em que se pactue a supressão desses se transmuda em verdadeira renúncia a tais direitos, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, desnaturando a sua natureza de transação.

Na hipótese mencionada, de ajuste para mero pagamento de verbas rescisórias rotineiras, é incontrastável que não se trata de direitos em relação aos quais pairam a res dubia necessária para o reconhecimento da ocorrência de transação típica com concessões recíprocas ou mútuas, nas quais seria possível cogitar que o reconhecimento ao pagamento de determinada verba duvidosa teve como contrapartida o não reconhecimento do direito ao pagamento de outra verba igualmente conflituosa, de formar a impossibilitar a exclusão ou não homologação pelo juiz de uma ou outra, pela presumível quebra do sinalagma inerente a todo e qualquer negócio jurídico. Trata-se nestes casos, ao contrário, de direitos indubitavelmente devidos ao trabalhador (já que para a constituição e para o reconhecimento da existência desses direitos basta a constatação fática do rompimento do pacto laboral, à exceção, é claro, da ocorrência de uma justa causa) que tem rescindido o seu contrato de trabalho e que não foram pagos tempestivamente na forma do artigo 477 da CLT.

De fato, o que se infere em tais casos é uma tentativa abusiva e injustificável dos ex-empregadores de se valerem do desespero dos trabalhadores pela perda de sua fonte de sustento e da sua necessidade premente de obterem as verbas rescisórias que lhes são incontroversamente devidas no momento da rescisão contratual, para adquirirem do Judiciário, por via transversa, uma chancela estatal que lhes propiciaria a tranquilidade trazida pela quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho. Esta, por sua vez, com a qualidade e imutabilidade da coisa julgada material, subjacente às homologações procedidas pelo juiz do trabalho, nos termos do artigo 487, inciso III, alínea "b", do CPC/2015, segundo o qual haverá resolução de mérito quando o juiz homologar a transação, constituindo o que a doutrina denomina de equivalente jurisdicional, apto a atrair a incidência do artigo 203, §1º, do CPC.

A manutenção da cláusula de quitação geral e irrestrita, portanto, impediria o trabalhador de futuramente questionar e pleitear direitos da relação de emprego eventualmente sonegados ao longo do pacto laboral, obstaculizando o próprio direito de Acesso à Justiça, insculpido no artigo 5o, XXXV, da CF/88.

Por isso mesmo, não permitir ao Juiz do Trabalho que, à luz dos princípios da imediatidade, celeridade, simplicidade, instrumentalidade e efetividade social do processo, apreciando o caso concreto, delibere pela homologação apenas parcial do acordo extrajudicial, em vez de sua não homologação total, de forma a excluir do seu âmbito tão somente a malfadada e coibida cláusula de quitação geral do contrato de trabalho (que não encontra respaldo nem mesmo na legislação civil que trata da transação, que dirá na legislação social protetiva trabalhista), é penalizar o trabalhador duplamente e violar ainda o seu direito ao mínimo existencial. Este constitui núcleo irredutível do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e consubstancia-se na satisfação de prestações materiais essenciais e imprescindíveis à sobrevivência do trabalhador e de sua família.

Isso justamente quando se encontra no maior momento de vulnerabilidade econômica e social, em virtude da sua provável situação de desemprego pela ruptura contratual, imputando-lhe o duro ônus de ter que se valer de uma ação judicial a fim de obter a tutela jurisdicional para a efetuação do pagamento de simples haveres rescisórios, na contramão do artigo 5º, LXXVIII, da CF/88 (a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação), que já deveriam ter sido oportuna e obrigatoriamente quitados pelo empregador quando da rescisão contratual, na esteria do art. 477 da CLT.

Dessa forma, o artigo 855-B da CLT deve ser interpretado sistemática e teleologicamente à luz de todo o arcabouço normativo constitucional e legal mencionado e, ainda, à luz do artigo 5º da LINDB, segundo o qual "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

É preciso, portanto, no caso, avaliar e sopesar os direitos fundamentais da pessoa humana em geral e do trabalhador, em especial, sob o prisma da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais , vale afirmar, da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, e não apenas nas relações entre uma pessoa e o Poder Público, ou mais precisamente, como denomina a doutrina, da eficácia diagonal dos direitos fundamentais , na sensível esfera das relações assimétricas privadas, das quais as relações de emprego são um dos mais importantes e recorrentes exemplos.

Isso porque, malgrado os direitos fundamentais historicamente tenham nascido da luta do indivíduo contra a opressão do Estado Absolutista, eles evoluíram para abranger as relações privadas, consagrando-se aí os direitos sociais, denominados direitos de segunda dimensão, dos quais são espécie os direitos trabalhistas, inseridos no âmbito das relações de trabalho subordinadas, que são, por definição, assimétricas, por possuírem uma parte hiperssuficiente (para outros, autossuficiente) e outra hipossuficiente.

De fato, hoje já é absolutamente consensual, na doutrina constitucional mais autorizada, que os direitos fundamentais não se aplicam somente nas relações entre o Estado e os particulares, mas também – e principalmente –, entre as partes de toda relação jurídica, ou, nas palavras do célebre e conceituado jurista Ingo Wolfgang Sarlet: "Para além de vincularem todos os poderes públicos, os direitos fundamentais exercem sua eficácia vinculante também na esfera jurídico-privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas entre particulares" ( in A eficácia dos direitos fundamentais. 7 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 398).

Nessas relações entre particulares de natureza assimétrica, nas quais os denominados poderes privados podem, com frequência e facilidade, vulnerar os direitos das outras partes que integram essas relações jurídicas, é indispensável a extensão dos direitos fundamentais para que estes também se apliquem às relações privadas, visto que, no contexto de uma sociedade desigual, a opressão pode vir não apenas do Estado mas, sobretudo, de uma variedade de atores privados, principalmente daqueles investidos em maior poder social .

É o que ensina com acuidade Daniel Sarmento - mestre e doutor em Direito Público na UERJ, com pós-doutorado na Yale Law School, professor titular de Direito Constitucional da UERJ, advogado e ex-Procurador Regional da República -, em sua obra Direitos fundamentais e relações privadas, 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 264, na qual, aprofundando a análise da questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, escreve o seguinte:

"Por outro lado, um dos papéis essenciais dos direitos fundamentais é a proteção da pessoa humana contra o poder. Por isso, como já destacado antes, uma das razões para a extensão destes direitos às relações entre os particulares é exatamente a constatação empírica de que, na sociedade contemporânea, existem inúmeros outros pólos de poder além do Estado, que podem oprimir o indivíduo. Daí porque parece amplamente justificada uma incidência mais enérgica dos direitos fundamentais sobre agentes privados mais poderosos, ainda que ao preço de aceitar-se uma certa relativização do princípio da autonomia privada nas relações assimétricas de que participam."

Dessa forma, nas relações de trabalho, a evidente desigualdade entre as partes torna imperiosa a aplicação da teoria da eficácia horizontal ou diagonal dos direitos fundamentais, consoante ensina o ilustre magistrado trabalhista Zeno Simm, professor, especialista e doutor pela Universidade de Castilla-La Mancha – Toledo/Espanha -, in verbis :

"O âmbito laboral mostrou-se propício a essa horizontalização dos direitos fundamentais porque ali, pela própria natureza da relação contratual, o empregado abre mão de uma parte de suas liberdades na medida em que se coloca a serviço do empregador, subordinado a este e por ele controlado e fiscalizado. Quando, porém, a atuação patronal extrapola os limites do razoável, do aceitável, do necessário ao desenvolvimento das atividades empresariais, entram em ação os direitos fundamentais do trabalhador como limitação ao poder empresarial e como forma de limitar a perda das liberdades do empregado, devendo-se buscar a conciliação dos interesses em conflito." (in Os direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr. Legislação do Trabalho, São Paulo-SP, n. 11, 2005. p. 1293).

Em outras palavras, deve ser afastada qualquer interpretação que implique vulneração ou esvaziamento dos princípios e direitos fundamentais insculpidos nos incisos III e IV do art. 1º (dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho) e nos incisos XXXV e LXXIV do art. 5º (acesso à justiça e razoável duração do processo), todos da Constituição Federal, que, como direitos e garantias individuais, integram as chamadas cláusulas pétreas da Constituição, que são insuscetíveis de modificação até mesmo mediante Emendas constitucionais (art. 60, § 4º, inciso IV, da Carta Fundamental).

Também não se pode admitir um resultado flagrantemente inconstitucional na interpretação do dispositivo da Reforma Trabalhista à luz de todas as normas constitucionais já mencionadas, em decorrência da chamada eficácia objetiva das normas constitucionais , pela qual elas têm um efeito irradiante, projetando-se sobre todo o ordenamento jurídico para o intérprete, para o legislador e também, do mesmo modo, para as partes privadas que celebram negócios jurídicos. Significa afirmar que as normas constitucionais, sobretudo os direitos fundamentais, em sua dimensão objetiva, estabelecem diretrizes para a atuação não apenas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mas também dos próprios particulares, devendo ser aplicadas diretamente a estes independentemente da existência de normas infraconstitucionais com esse objeto.

A aplicabilidade imediata desses dispositivos constitucionais, principalmente aqueles que definem direitos fundamentais, além de decorrer diretamente do que estabelece expressamente o § 1º do artigo 5º da Constituição da República (que dispõe que "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata"), tem como base o princípio da máxima efetividade dos preceitos constitucionais , o qual apregoa que as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal modo que a eficácia da Lei Maior seja plena, devendo, portanto, esses preceitos ser atendidos em sua máxima extensão possível.

Por todo o exposto, data maxima vênia dos ilustres entendimentos em contrário, entende-se que vulnera todo o arcabouço normativo mencionado a postura de imputar ao juiz a obrigatoriedade de que se limite a proceder a uma homologação total ou a uma não homologação total do acordo extrajudicial, retirando-lhe o poder-dever de homologá-lo apenas parcialmente, de modo a extirpar do ajuste apenas a cláusula que tenha por objetivo frustar direitos trabalhistas e impedir o direito de livre acesso ao judiciário pelo trabalhador hipossuficiente (cláusula de quitação geral), ou mesmo aquela que busque descartar a incidência de normas cogentes, de ordem pública, que afetem direitos de terceiro (cláusula sobre a natureza das parcelas, atribuindo-lhe caráter jurídico diverso do estabelecido em lei, impedindo os devidos recolhimentos previdenciários e fiscais).

Ou seja, a postura do Poder Judiciário de, nesses casos, recusar a ambas as partes a homologação em Juízo daquela rescisão contratual e do pagamento, mesmo incorreto e a menor, das verbas rescisórias inquestionavelmente devidas e da liberação de seu seguro desemprego justamente no momento em que ele e sua família estão com sua subsistência diretamente ameaçada pelo desemprego em que abrutamente terá sido colocado pelo ato unilateral de seu ex-empregador que o dispensou sem justo motivo, será data venia a um só tempo insensível e desnecessária, causando exatamente à parte mais frágil da relação de emprego um gravame excessivo, desproporcional e muito mais intenso do que o mero incômodo causado a esse empregador pela recusa integral à homologação judicial pretendida.

Em outras palavras, essa posição maxima permissa venia restritiva, excessivamente rígida e radical acarreta sempre, na verdade, a penalização maior e desproporcional do trabalhador, imputando-se-lhe exclusivamente o ônus do tempo da tramitação de um futuro processo para a percepção de seus direitos trabalhistas, já que para o empregador, nesses casos, a demora seria indiferente (ou por vezes benéfica), pois não é ele quem está com a necessidade premente de obtenção das verbas de caráter alimentar para sua sobrevivência e de sua família.

Não se está aqui, por óbvio, a permitir que o magistrado proceda a uma homologação parcial de modo a criar um segundo acordo, a partir do pinçamento de cláusulas e direitos em que pairam a res dubia e que foram ajustados a partir de um contexto de concessões recíprocas, mas sim, somente, admitir a possibilidade de este excluir cláusulas que malfiram normas de ordem pública e que tenham nítido caráter abusivo ou fraudulento, permitindo, por outro lado, a manutenção da validade da parte do ajuste que atenda à finalidade do Direito do Trabalho e ao ordenamento jurídico como um todo, exatamente como ocorreu no presente caso .

Pelas razões expostas ao longo da fundamentação, não se divisa afronta aos artigos 5º, II, da Constituição Federal, 855-B e 769 da CLT e 104 do Código Civil. Já no tocante aos arts. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, 855-E da CLT, 840 e 843 do Código Civil e 15 e 515, II e §2º, do CPC, como se observa das razões recursais, a parte recorrente não atentou para a previsão contida no art. 896,§ 1º-A, III da CLT, na medida em que não procedeu à necessária demonstração analítica entre as normas tidas por violadas e o entendimento adotado pelo Regional, pelo que tais dispositivos não se credenciam ao âmbito de cognição desta Corte.

De resto, o recurso também não logra conhecimento por dissenso jurisprudencial. Com efeito, os arestos trazidos à colação às págs. 160-163, oriundos dos Tribunais Regionais do Trabalho da 4ª, 23ª e 24ª Regiões, afiguram-se inespecíficos, nos termos das Súmulas 23 e 296 do TST, visto não abordarem todas as premissas fáticas e fundamentos do acórdão recorrido, até porque partem da premissa de que os acordos extrajudiciais atenderam aos requisitos de validade previstos no ordenamento jurídico. Por sua vez, o julgado de págs. 164-167 revela-se inservível, à luz do art. 896, "a", da CLT, pois proveniente de Turma desta Corte.

Do exposto, não conheço do recurso de revista.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencido o Exmo. Ministro Alberto Bastos Balazeiro, que juntará voto, não conhecer do recurso de revista.

Brasília, 12 de abril de 2023.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA

Ministro Relator