A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
GPACV/czp
REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. MULTA CONVENCIONAL. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TAMBÉM PREVISTA EM LEI. MATÉRIA PACIFICADA NA SÚMULA Nº 384, II. CONTEÚDO PERSUASIVO. RECORRIBILIDADE. NECESSIDADE DE QUALIFICAÇÃO DA MATÉRIA PARA O FIM DE VINCULAÇÃO DE TESE JURÍDICA. Cinge-se, a controvérsia, em saber se cabe ou não a aplicação de multa normativa no caso de descumprimento de obrigação também prevista em lei. No caso dos autos, a ré pagou parceladamente as verbas rescisórias e restou condenada ao pagamento da multa do art. 477, da CLT e, também, de multa convencional pelo atraso do pagamento rescisório. O Tribunal Regional manteve a condenação, à luz da Súmula nº 384, II, do TST, entendendo que não há falar em exclusão da multa prevista em cláusula normativa, sem prejuízo da multa prevista no art. 477 da CLT. O recurso interposto trata acerca de matéria que já restou pacificada nesta Corte, cristalizada no verbete da Súmula nº 384, II. Ainda que retrate a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, ainda vem sendo objeto de recorribilidade. O Sistema Nacional de Precedentes Judiciais Obrigatórios tem por fim trazer coerência às decisões e, para tal fim, a uniformização da jurisprudência deve ocorrer, inclusive, naqueles casos em que a Súmula, por não ser vinculante, não tem surtido o desejável efeito de pacificação nacional e de redução da recorribilidade. De tal modo, diante da necessidade de trazer a integridade da jurisprudência em face do entendimento consagrado na Súmula em questão, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de reafirmar a respectiva tese: É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal. Recurso de revista representativo da controvérsia não conhecido, por incidência da tese ora fixada.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR - 0000341-87.2024.5.12.0046 , em que é RECORRENTE MARISOL VESTUARIO SA e é RECORRIDA ADRIELI DA SILVA .
O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de ter sido pacificada nesta Corte a ponto de atingir os rígidos pressupostos para a aprovação de Súmula, sob o nº 384, II, ainda vem sendo objeto de recorribilidade, colocando em risco a celeridade processual, segurança jurídica e a própria missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes, responsável pela unidade nacional do direito nas matérias de sua competência.
Em tal contexto, faz-se necessária a utilização da sistemática dos incidentes de recursos repetitivos (IRR), com o trâmite preconizado pelo art. 132-A do Regimento Interno para os casos de reafirmação da jurisprudência pacificada. De tal forma, com a celeridade necessária, eleva-se à eficácia vinculante o tradicional entendimento deste Tribunal Superior, com a finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, reduzindo-se a litigiosidade através de dinâmica que impede a interposição de recursos infundados.
Apresentada, portanto, a presente proposta de afetação do processo TST-RR - 0000341-87.2024.5.12.0046 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, em matéria que já restou pacificada nesta Corte e está cristalizada no verbete da Súmula nº 384, II , de seguinte teor:
É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal.
No caso em exame, as razões de decidir da linha jurisprudencial subjacente à Súmula devem ser objeto de análise, para o fim de verificar se a tese ali firmada, de natureza jurídica persuasiva, deve ser reafirmada de forma vinculante no julgamento do presente caso, diante da renitência das partes que interpõem recurso contra decisão que foi objeto de pacificação na Corte Superior.
Necessário, portanto, solucionar a controvérsia objeto do recurso de revista de MARISOL VESTUARIO S.A., em que consta apenas a matéria acima delimitada, MULTA CONVENCIONAL. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TAMBÉM PREVISTA EM LEI.
É o relatório.
V O T O
ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA – TEMA PACIFICADO POR SÚMULA DE NATUREZA PERSUASIVA.
A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. A despeito de reiterados recordes de produtividade, é essencial que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda, conforme demonstram as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho, que vem recebendo um volume maior de novos processos em comparação com os últimos anos. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:
“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”
Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.
Cabe destacar que as Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, bem como as Orientações Jurisprudenciais, historicamente se traduzem em importante função de uniformização da jurisprudência trabalhista.
Contudo, numa leitura atenta do objetivo do atual Sistema Nacional de Precedentes, torna-se necessária uma interpretação teleológica da origem das Súmulas e OJs no TST, do seu papel histórico, em confronto com a realidade atual, em que todos os atores sociais se unem, num espírito de cooperação e busca do ideal de justiça.
Enquanto há um elemento nodal e comum no objetivo de entregar a jurisdição plena, além da coerência e da integridade, deve ser observada, por todos que dignificam a esfera do “dizer o direito”, a razão de ser dos amplos e efetivos debates que trazem a conclusão de uma tese jurídica: a previsibilidade a que se vinculam as decisões judiciais.
Hoje não há como, no volume estratosférico de processos tramitando na Justiça do Trabalho, podermos deixar a jurisdição caminhar ao largo dos princípios que norteiam a razoável duração do processo. Se há, pelos jurisdicionados, dúvida quanto à persuasão que se entrega na edição de uma Súmula, é preciso rever os critérios da entrega da jurisdição para que as Cortes Superiores possam dar a verdadeira razão das discussões que elevam um entendimento reiteradamente debatido nas instâncias inferiores a um precedente qualificado e vinculante.
A multiplicidade da temática e sua relevância já foram amplamente demonstrados, tendo esta Corte reconhecido como presentes os rígidos pressupostos regimentais para a edição do respectivo verbete, o qual, todavia, não se mostrou suficiente para pacificar a correspondente recorribilidade, comprometendo a isonomia e a segurança jurídica, nacionalmente.
RECURSO DE REVISTA REPRESENTATIVO AFETADO COMO INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DELINEAMENTO DO CASO CONCRETO SUBMETIDO A JULGAMENTO.
O recurso de revista ora afetado como incidente de recursos repetitivos foi interposto por MARISOL VESTUARIO S.A. em face do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, quanto à matéria ora afetada, nos seguintes termos:
1. Das multas do art. 477 da CLT e convencional
A ré insurge-se contra a sentença que lhe condenou ao pagamento da multa do art. 477, da CLT, no importe de R$ 2.375,56, e também ao pagamento da multa convencional, prevista na Convenção Coletiva, no valor de R$ 1.187,78.
Em suas razões recursais, a ré alega que o parcelamento das verbas rescisórias ocorreu em razão de período de dificuldades enfrentado pela empresa. Argui que a autora recebeu todos os seus direitos trabalhistas, inclusive quanto à rescisão contratual. Sustenta que, nos autos, não há qualquer indício de vício de consentimento ou de falta dos pagamentos dos valores acordados, e que os recibos juntados comprovam que o parcelamento foi efetuado de forma rigorosa e dentro dos prazos previstos.
Ademais, destaca que, quando da homologação da rescisão contratual, a autora foi devidamente orientada conforme os trâmites legais, e que o procedimento foi homologado pelo sindicato da categoria. Ainda, argui que invalidar o acordo resultaria na quebra da boa-fé objetiva entre as partes, caracterizando comportamento contraditório por parte da autora. De igual sorte, alega que a multa prevista na CCT não é devida, em razão de que as verbas rescisórias foram devidamente quitadas.
Ato contínuo, defende que as penalidades devem ser interpretadas de maneira restritiva, sendo aplicáveis tão somente nas hipóteses de atraso no pagamento das verbas rescisórias. Por fim, requereu a reforma da sentença para que seja considerado válido o parcelamento das verbas rescisórias e, com efeito, seja excluída a condenação das multas fixadas em primeiro grau.
Passo à análise.
A sentença, no que tange às multas cominadas, está assim fundamentada (fls. 467-468):
[...] O acordo entabulado entre as partes foi silente a respeito das referidas penalidades.
A par de o acordo coletivo não tratar especificamente sobre as multas postuladas, a mera anuência da autora com o parcelamento das verbas rescisórias devidas pela empresa não implica renúncia às penalidades, que decorrem do descumprimento de disposições legais.
Desse modo, tendo em vista que as verbas rescisórias não foram pagas no prazo legal, condeno a ré a pagar a multa do art. 477 da CLT , no valor de R$ 2.375,56.
Pela mesma razão, a ré infringiu o disposto na Cláusula 18.2 da Convenção Coletiva. Destarte, condeno a ré a pagar a multa convencional prevista na Cláusula 18.2 da Convenção Coletiva, no valor de R$ 1.187,78.
A sentença não merece reforma.
Destaca-se, de início, que a autora fora contratada pela ré em 10/03/2021, e dispensada sem justa causa em 05/07/2023, com aviso prévio indenizado, tal como se observa no TRCT juntado aos autos (fls. 129-130).
Ato contínuo, o TRCT consigna o valor líquido de R$ 7.402,88, sendo que tal instrumento foi assinado pela autora, bem como homologado pelo sindicato da categoria. Registra-se, porém, que no próprio TRCT, no campo "155 Ressalvas" (fl. 130), houve expressa observação de que as verbas rescisórias seriam pagas de forma parcelada em quatro vezes, conforme entendimento direto entre empregado e empregador, com a ressalva do direito da cobrança da multa do art. 477, e da multa convencional.
Pois bem, há de se registrar que, na forma do art. 477, § 6°, da CLT, o empregador tem o prazo de 10 dias para efetuar o pagamento das verbas rescisórias, assim como para fazer a entrega dos documentos que comprovam a comunicação da extinção do contrato aos órgãos competentes, a partir do término do contrato, caso contrário estará sujeito à multa prevista no § 8°, do mesmo dispositivo legal.
Isso considerado, vê-se que não obstante o acordo de parcelamento das verbas rescisórias firmado entre as partes, fato é, todavia, que ocorreu o descumprimento do prazo para pagamento dos haveres rescisórios, na forma estabelecida pelo art. 477 da CLT, razão pela qual tenho por acertada a sentença que condenou a reclamada ao pagamento das multas.
Destaca-se, nesse sentido, que apenas a primeira parcela do acordo foi paga dentro do prazo legal de 10 dias da rescisão contratual (fl. 132), sendo que as outras três parcelas foram pagas posteriormente (fls. 133-135), conjectura que faz incidir, na espécie, a multa do art. 477, da CLT .
Registra-se, a propósito, que o argumento da ré de que todas as verbas foram pagas, tal como corroboram os comprovantes anexos ao feito, não é contexto apto, no caso, a elidir as multas cominadas, porquanto as mesmas sucederam-se em razão do pagamento das verbas rescisórias fora do prazo legal. Tem-se, pois, não se tratar de questão de inadimplemento, mas sim de pagamento atrasado, face ao que dispõe a lei.
Ademais, o fato do sindicato ter participado no momento da homologação da rescisão contratual não é, outrossim, circunstância que afasta a aplicação das multas, haja vista que, a despeito do acordo, o saldamento das verbas rescisórias foi efetuado com atraso, configurando, assim, o descumprimento do § 6°, do art. 477, da CLT, e idem, do disposto na Convenção Coletiva que, de igual sorte, comina multa pela mora.
Para além, não há que se falar, no caso, de violação ao princípio da boa-fé objetiva, ou mesmo de comportamento contraditório por parte da autora, mormente porque, malgrado o acordo levado a efeito entre as partes, observa-se que no próprio TRCT houve a ressalva quanto ao direito de cobrar a multa do art. 477, da CLT, e, também, a multa convencional.
Veja-se, pois, que a autora não abdicou do seu direito de cobrar as multas concernentes ao atraso no pagamento das suas verbas rescisórias, porquanto tão somente consentiu que, naquele momento, as mesmas fossem pagas de forma parcelada.
Para além, há de se ponderar que o momento de dificuldade da empresa não pode resultar em ônus à empregada, haja vista que o risco do negócio incumbe ao empregador, conforme o princípio da alteridade (art. 2° da CLT).
Ato contínuo, a concordância da autora quanto ao parcelamento das suas verbas rescisórias não lhe retira o direito ao pagamento das multas, seja a do art. 477, da CLT, ou a convencional, máxime porque no acordo não houve previsão nesse sentido. Soma-se, a isso, a previsão expressa no TRCT ressalvando o direito de cobrança das multas referidas.
Afora isso, ressalta-se que a trabalhadora não tinha outra opção a não ser aceitar o parcelamento das verbas rescisórias, pois em caso contrário não as receberia. Assim sendo, observa-se que o consentimento manifestado pela trabalhadora no que concerne ao pagamento parcelado das verbas rescisórias não pode ser interpretado como renúncia ao direito de cobrar as multas previstas na legislação e na norma coletiva.
Noutro giro, registra-se que não há que se falar em exclusão da multa prevista na cláusula 18.2 da CCT, uma vez que referida norma coletiva estabelece, expressamente, o pagamento de multa de 50% sobre o salário nominal, caso a quitação das verbas rescisórias não ocorra no prazo de 10 dias, contados da data da dispensa do aviso prévio, e ainda sem prejuízo da multa prevista no art. 477, §§ 6° e 8°, da CLT.
Vejamos, a propósito, o disposto na cláusula 18.2 da CCT 2023/2024 (fl. 196):
A quitação das verbas rescisórias , no caso de dispensa imediata, com ou sem justa causa, pedido de demissão com dispensa do cumprimento do aviso prévio será feita até 10 (dez) dias corridos , contados da data da dispensa do Aviso Prévio, sob pena de a partir deste prazo, a empresa pagar a multa equivalente a 50% (cinquenta por cento) do salário nominal, sem prejuízo ao disposto nos parágrafos 6º e 8º do artigo 477, da CLT. Esta penalidade não será aplicada à empresa quando houver a recusa do empregado em receber as verbas rescisórias e/ou quando o mesmo deixar de comparecer na empresa ou Sindicato Profissional na data previamente designada para recebimento das verbas rescisórias.
Outrossim, importante destacar que, na forma da Súmula 384, II, do TST, a multa prevista em norma coletiva é aplicável em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, ainda que a norma coletiva seja tão somente repetição de texto legal, senão vejamos:
MULTA CONVENCIONAL. COBRANÇA. [...] II - É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal. (ex-OJ nº 239 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
Em arremate, destaco julgados deste E. Regional no mesmo sentido:
(...)
Em face do exposto, mantenho a bem lançada sentença que condenou a ré ao pagamento da multa prevista no art. 477, da CLT, bem como ao pagamento da multa convencional.
Portanto, nego provimento.
Conforme se verifica da transcrição acima, a ré pagou parceladamente as verbas rescisórias e restou condenada ao pagamento da multa do art. 477, da CLT e, também, de multa convencional pelo atraso do pagamento rescisório. O Tribunal Regional manteve a condenação, à luz da Súmula nº 384, II, do TST, entendendo que não há falar em exclusão da multa prevista em cláusula normativa, sem prejuízo da multa prevista no art. 477 da CLT.
No recurso de revista, a parte recorrente sustenta que a multa normativa seria indevida e fundamenta o recurso de revista na alegação de violação ao art. 5º, II, LIV e LV, da Constituição.
Assim delineados os contornos fáticos e jurídicos do caso concreto em julgamento, passo à análise da jurisprudência pacífica desta Corte Superior ora submetida à reafirmação e suas repercussões no julgamento do caso.
REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO SOBRE A MATÉRIA SUBMETIDA À AFETAÇÃO.
O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, conforme veiculado na Súmula nº 384, II, é que é aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal .
O teor do verbete se ampara na compreensão de que deve ser respeitada a vontade pactuada coletivamente, resultando que “ a multa pelo descumprimento de obrigação prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho tem incidência mesmo quando o direito avençado possui previsão legal ”.
Neste sentido, os precedentes que ampararam a edição do respectivo enunciado, por exemplo, TST-E-RR-499.723/98.5, Rel. Min. Milton de Moura França, 28/08/2000:
(...) Não obstante as considerações acima expendidas, a e. SDI-1 adota entendimento diametralmente oposto, no sentido de que a multa pelo descumprimento de obrigação prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho tem incidência mesmo quando o direito avençado possui previsão legal.
Precedentes: E-RR-213.244/95, Relator Ministro Francisco Fausto, DJ 7.5.99; TST-E-RR-213.245/95, Relator Ministro Vantuil Abdala, DJ 26.6.98.
Com estes fundamentos, NEGO PROVIMENTO ao recurso. (Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, TST-E-RR-499.723/98.5, Rel. Min. Milton de Moura França, 28/08/2000)
Nesse sentido, citam-se, ainda, os seguintes precedentes sobre o tema:
(...) MULTA NORMATIVA. NORMA COLETIVA QUE REPETE TEXTO LEGAL. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 384, II, DO TST. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Recurso de revista interposto pela parte autora contra acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. 2. Cinge-se a controvérsia em estabelecer se é devida a multa normativa que repete texto de lei. 3. A Súmula n.º 384 do TST dispõe que, ainda que a penalidade prevista em norma coletiva esteja prevista em lei, sua aplicabilidade não será afastada. Eis o teor do Verbete: II - É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal. 4. Portanto, assentada no acórdão regional a premissa fática segundo a qual existe a obrigação de pagar uma multa convencional pela ausência de concessão integral do intervalo intrajornada, nos mesmos fundamentos que ensejaram a aplicação do art. 71, § 4º, da CLT, não se pode afastar a incidência da multa convencional, e vice-versa, sob o pretexto de que a parte ré já foi condenada ao pagamento pelo respectivo período, ainda que ambas possuam conteúdo similar. Recurso de revista conhecido e provido. (...) (RR-1000749-45.2018.5.02.0080, 1ª Turma , Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 13/12/2024).
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. (...) MULTA CONVENCIONAL. Ante a possível violação do art. 7º, XXVI, da CF, dá-se provimento ao agravo de instrumento. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (...) II - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. (...) MULTA CONVENCIONAL. O TRT excluiu o pagamento das multas normativas decorrentes do pagamento de horas extras, do intervalo intrajornada e do intervalo interjornadas. Restabelecida a condenação do intervalo interjornadas, há que deferir a multa normativa pelo descumprimento da respectiva cláusula convencional, conforme a Súmula 384, II, do TST. Recurso de revista conhecido e provido. (...) (RRAg-10258-58.2018.5.03.0025, 2ª Turma , Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/11/2024).
(...) B) RECURSO DE REVISTA . PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nº 13.015/2014 E Nº LEI 13.467/2017 . MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. CUMULAÇÃO COM MULTA PREVISTA EM INSTRUMENTO NORMATIVO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 384, II/TST. A Súmula 384,II/TST estabelece: "É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal". Em havendo previsão em norma coletiva de multa por descumprimento de cláusula referente à mora da quitação das verbas rescisórias, como no presente caso, é devido o pagamento da referida multa, mesmo diante da condenação no pagamento da multa prevista no art. 477, §8º, da CLT. Julgados desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido. (ARR-11159-51.2016.5.15.0093, 3ª Turma , Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 16/02/2024).
(...) B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO (ITAÚ UNIBANCO S.A.). RECURSO INTERPOSTO DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. (...) 6. MULTA CONVENCIONAL. DIREITO PREVISTO EM LEI. LIMITAÇÃO POR AÇÃO AJUIZADA. NÃO CONHECIMENTO. I . A questão acerca da aplicação de multa convencional aos casos em que houve violação de direito assegurado por preceito de lei já se encontra pacificada nesta Corte Superior, por meio da Súmula nº 384, II. II . Também, a decisão regional foi proferida em conformidade com o item I da Súmula nº 384 do TST, no tocante à dispensa do ajuizamento de várias ações pelo trabalhador para pleitear a aplicação de multa convencional. Registre-se, outrossim, que o verbete sumular não faz qualquer ressalva quanto à existência de disposição convencional no tocante à limitação de aplicação da multa por ação judicial. III . Assim, uma vez uniformizada a jurisprudência pelo Tribunal Superior do Trabalho, inviável o processamento do recurso por divergência jurisprudencial nos termos do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST. IV. Recurso de revista de que não se conhece . (ARR-753-84.2011.5.09.0651, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 08/02/2019).
(...) II. RECURSO DE REVISTA. (...) 3. MULTA CONVENCIONAL. MULTA DO ARTIGO 477, §8º, DA CLT. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. 1. Esta Corte Superior, consoante a diretriz do item II da Súmula 384/TST, já sedimentou o entendimento quanto à possibilidade de cumulação de multa convencional com multa legalmente prevista, ainda que a norma coletiva seja mera repetição do texto legal. Portanto, a imposição da multa convencional, estipulada para o caso de atraso no pagamento das verbas rescisórias, pode ser cumulada com a multa prevista no artigo 477, §8º, da CLT, sem que isso resulte na ocorrência de bis in idem . 2. A decisão do Tribunal Regional, no sentido de considerar inviável a aplicação das duas penalidades, em razão do atraso no pagamento das verbas rescisórias, mostra-se contrário a diretriz da Súmula 384, II, desta Corte, restando caracterizada a transcendência política do debate. Julgados do TST. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 477, § 8º, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (RRAg-780-73.2016.5.09.0657, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 26/08/2024).
AGRAVO DO RECLAMADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. (...) MULTA NORMATIVA. HORAS EXTRAS. A decisão monocrática não reconheceu a transcendência e negou provimento ao agravo de instrumento A Corte Regional preservou a sentença que deferiu o pagamento de multa normativa pelo descumprimento da cláusula coletiva atinente às horas extras. Adotou a tese de que, “ Uma vez desrespeitada a cláusula convencional que dispõe sobre as horas extras, mantenho a condenação ao pagamento da multa prevista nas convenções coletivas ”. O TRT resolveu a controvérsia em sintonia com a Súmula nº 384, II, do TST, segundo a qual “ É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal ”. A propósito, a jurisprudência desta Corte preconiza a aplicação da Súmula nº 384, II, do TST quanto ao descumprimento de cláusula coletiva atinente às horas extras. Julgados. Agravo a que se nega provimento. (...) (Ag-AIRR-10590-70.2014.5.15.0109, 6ª Turma , Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 16/05/2025).
I-AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. (...) MULTA CONVENCIONAL. DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONSTANTE NO INSTRUMENTO COLETIVO. O Colendo Tribunal Regional aplicou a multa normativa por descumprimento do previsto na cláusula 32ª (fornecimento de EPI´s), tendo em vista que o perito constatou que as fichas de controle dos equipamentos não foram juntadas aos autos. Assim, uma vez que ficou comprovado o descumprimento de norma prevista em acordo coletivo de trabalho, a multa prevista pelo seu descumprimento também será devida. Este é o entendimento sedimentado na Súmula 384, II, do TST: “É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal”. No caso, verifica-se que a matéria envolve insatisfação como posicionamento adotado pelo Tribunal Regional quanto à avaliação fática e probatória realizada no presente caso, fato que, por si só, impossibilita o acesso ora pretendido à instância extraordinária. Assim, para se chegar à decisão diversa demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, o que inviabiliza o prosseguimento do recurso de revista, ante o óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (...) (AIRR-11314-43.2016.5.15.0129, 7ª Turma , Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 30/05/2025).
I) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO. (...) 7. MULTA NORMATIVA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. Segundo a jurisprudência desta Corte, perfilhada na Súmula 384, aplica-se multa prevista em instrumento normativo em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal, sendo devida uma multa por instrumento violado. Na hipótese, o Colegiado Regional consignou que diante da condenação ao pagamento de horas extraordinárias, pela descaracterização do exercício de cargo de confiança, não havia se falar em exclusão da multa normativa respectiva. Assim, manteve as disposições do r. decisum a esse respeito, o qual reconheceu a aplicabilidade da multa por força de disposição convencional. Referida decisão está em conformidade com jurisprudência deste Tribunal Superior, o que torna prejudicado o processamento do recurso de revista, ante o óbice do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333. Nesse contexto, a incidência do óbice da Súmula nº 333 é suficiente para afastar a transcendência da causa, uma vez que inviabilizará a análise da questão controvertida e, por conseguinte, não serão produzidos os reflexos gerais, nos termos previstos no § 1º do artigo 896-A da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (...) (RRAg-142-11.2017.5.12.0014, 8ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 17/04/2023).
A permanência da litigiosidade, mesmo em face de ampla pacificação da matéria neste Tribunal Superior, a ponto de ensejar a edição do verbete em comento, constitui disfunção de nossa sistemática recursal que permite que esta Corte tenha de desviar sua atenção das questões verdadeiramente novas, tendo de examinar recursos em matérias já pacificadas, com os quais não deveria mais ter de se ocupar. A presente controvérsia evidencia, justamente, que a jurisprudência meramente persuasiva não foi capaz de racionalizar o sistema recursal, detendo a desnecessária recorribilidade em temas já resolvidos pelas instâncias superiores.
Em tal contexto, faz-se imperativo que o presente recurso seja afetado a fim de que, em seu julgamento, se possa reafirmar de forma vinculante a tradicional corrente jurisprudencial representada pela Súmula nº 384, II.
Feitos tais registros, verifica-se que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região que, adotando entendimento conforme aquele deste C. Tribunal Superior do Trabalho, manteve a condenação, à luz da Súmula nº 384, II, do TST, entendendo que não há falar em exclusão da multa prevista em cláusula normativa, sem prejuízo da multa prevista no art. 477 da CLT.
Tendo em vista que a jurisprudência pacífica desta Corte, objeto de Súmula, enfrenta desnecessária e renitente recorribilidade, forçoso admitir a afetação do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência, nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno do TST, o qual autoriza que “o julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação .”
A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar o inchaço do sistema recursal e o desnecessário prolongamento das lides.
Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi que permeou os precedentes que originaram a Súmula nº 384, II, firmando-se a tese jurídica do presente incidente de recursos repetitivos nos mesmos termos , a saber:
É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal.
No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado como representativo de controvérsia não merece ser conhecido, por incidência da tese ora fixada.
Não havendo temas remanescentes, prossiga-se com a regular tramitação do feito.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal. II – Não conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por incidência da tese ora fixada. III – Determinar o regular prosseguimento do feito, diante da ausência de temas remanescentes.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST