A C Ó R D Ã O

(6ª Turma)

GMKA/ch/rm

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. SUMARÍSSIMO. LEI Nº 13.467/2017.

TRANSCENDÊNCIA.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO.

Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. Constata-se em exame preliminar a relevância da controvérsia sobre o montante da indenização por danos morais, a qual envolve juízo de proporcionalidade em relação aos fatos registrados no acórdão recorrido, o que em princípio justifica o pronunciamento do TST no caso concreto.

Aconselhável o provimento do agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista para melhor exame da alegada violação do art. 5º, X, da Constituição Federal.

Agravo de instrumento a que se dá provimento.

II - RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. SUMARÍSSIMO. LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO.

1 - O TRT deu parcial provimento ao recurso ordinário da reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, em R$ 3.000,00 (com fundamento no art. 223-G, §1º, da CLT), decorrentes de discriminação de gênero sofrida no ambiente de trabalho.

2 - Quanto aos fatos anteriores à vigência da Lei 13.467/2017, na fixação do montante da indenização por danos morais levam-se em consideração os princípios da proporcionalidade e da reparação integral dos danos (arts. 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil).  A regra matriz da indenização por danos morais (art. 5º, X, da CF) é a dignidade da pessoa humana, indicada pelo legislador constituinte originário como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF).  Por esses motivos, de acordo com o STF, não encontraram legitimidade na Constituição Federal as antigas leis especiais que fixavam valores da indenização por danos morais em hipóteses específicas, como eram os casos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962) e do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986. No RE 447.584/RJ, Ministro Cezar Peluso, o STF concluiu pela não recepção do art. 52 da Lei de Imprensa (Lei 5250/1967) registrando que "Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República" . Na ADPF 130, Ministro Carlo Britto, o STF decidiu pela não recepção integral da Lei de Imprensa (Lei 5250/1967), afastando novamente a hipótese de tabelamento do montante da indenização por danos morais, entre outros, pelo seguinte fundamento: "(...) A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido (...)" .

3 - Quanto aos fatos posteriores à vigência da Lei 13.467/2017, na fixação do montante da indenização por danos morais também segue aplicável o princípio da proporcionalidade (arts. 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil).  Em razão das disposições da Lei 13.467/2017 sobre a matéria, foram propostas ações diretas de inconstitucionalidade pela ANAMATRA (ADI 6.050), pela CNTI (ADI 6.082) e pelo CFOAB (ADI 6.069), as quais foram desapensadas da ADI 5.870 (extinta sem resolução do mérito por perda de objeto ante o fim da vigência da MP 808/2017). Nas ADIs 6.050, 6.082 e 6.069, a conclusão do STF foi sintetizada na seguinte ementa: "Ações diretas de inconstitucionalidade. 2. Reforma Trabalhista. Artigos 223-A e 223-G, §§ 1º e 2º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017. Parâmetros para a fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais. 3. Ações conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que: 3.1. As redações conferidas aos art. 223-A e 223- B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; 3.2. Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade".

4 - Assim, quanto aos fatos ocorridos na vigência da Lei 13.467/2017, podem ser utilizados na fixação do montante da indenização por danos morais os parâmetros do art. 223-G da CLT. O dispositivo, contudo, na parte em que apresenta tabelamento de valores, não vincula o julgador na fixação da indenização por danos morais, conforme " as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade " (nos termos decididos pelo STF).

5 - No caso dos autos, a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais decorreu de discriminação de gênero observada no curso contrato de trabalho, assim descritos pelo TRT " a partir da sua mudança para a função de açougueira, em 26/5/2018 (fl. 58), sofreu com atitudes machistas de outros colegas de trabalho , inclusive o encarregado do setor, que não lhe consideravam apta ao exercício da função somente por ser mulher , em evidente discriminação de gênero ". Além da gravidade dos fatos narrados, importa ponderar a culpa da reclamada que, de acordo com a decisão do Regional, tinha ciência dos fatos e foi omissa na busca de uma solução.

6 - Acerca do tema, cumpre observar que a Organização Internacional do Trabalho, na Declaração de Filadélfia, previu que " todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas possibilidades ". A importância de se buscar a igualdade de gênero foi destacada pela ONU, que traz a matéria como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – 5 da Agenda 2030 da ONU.

7 - Ademais, entre as core obligations da OIT está a Convenção nº 111 (ratificada pelo Brasil), que combate a discriminação em matéria de emprego e profissão, conceituando em seu art. 1º discriminação como " Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão ".

8 - A violência e assédio em razão de gênero é também combatida pela OIT na Convenção nº 190 (pendente de ratificação pelo Brasil), que assim a conceitua: " o termo "violência e assédio com base no gênero" significa violência e assédio dirigido às pessoas em virtude do seu sexo ou gênero, ou afetam de forma desproporcionada as pessoas de um determinado sexo ou género, e inclui o assédio sexual ."

9 - No ordenamento pátrio, a discriminação em razão de gênero fere o princípio da igualdade e o art. 5º, I, da Constituição Federal: " homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição ", bem como o art. 1º da Lei nº 9.029/95: " É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente [...] ".

1 0 - O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ – criado com o objetivo primordial de alcançar a superação dos entraves que impossibilitam a equivalência de dignidade entre mulheres e homens, em todos os cenários – destaca como o ambiente de trabalho pode ser hostil às mulheres, muitas vezes de forma velada.

11 - A situação em análise reveste-se de maior gravidade. A violência de gênero se dava de forma transparente no ambiente laboral, sem qualquer pudor e sem repreensão por parte da reclamada.

11 - Constata-se, portanto, que o valor arbitrado em R$ 3.000,00 a título de indenização por danos morais não observou o princípio da proporcionalidade, considerando-se os fatos narrados, a natureza e a extensão do dano e o grau de culpa da reclamada.

13 – Recurso de revista a que se dá provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-444-14.2021.5.09.0651 , em que é Recorrente CELICIA DOMINGUES DOS SANTOS e Recorrido SUPERMERCADO JACOMAR LTDA.

O juízo primeiro de admissibilidade negou seguimento ao recurso de revista, sob o fundamento de que não é viável o conhecimento do recurso de revista.

A parte interpôs agravo de instrumento, com base no art. 897, b , da CLT.

Contrarrazões apresentadas.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho porque não se configuraram as hipóteses previstas em lei e no RITST.

É o relatório.

V O T O

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO

CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.

TRANSCENDÊNCIA

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO.

Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. Constata-se em exame preliminar a relevância da controvérsia sobre o montante da indenização por danos morais, a qual envolve juízo de proporcionalidade em relação aos fatos registrados no acórdão recorrido, o que em princípio justifica o pronunciamento do TST no caso concreto.

MÉRITO

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO.

O Tribunal Regional, juízo primeiro de admissibilidade do recurso de revista (art. 682, IX, da CLT), denegou-lhe seguimento, adotando os seguintes fundamentos:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR (2567) / INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL (1855) / VALOR ARBITRADO

Alegação(ões):

- violação do(s) inciso IV do artigo 3º; caput do artigo 5º; incisos I, V, X e XLI do artigo 5º; inciso XXX do artigo 7º da Constituição Federal.

A Recorrente argumenta que o valor arbitrado a título de indenização por danos morais não é proporcional ao prejuízo experimentado. Postula a majoração do quantum indenizatório.

Fundamentos do acórdão recorrido: [...]

A SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho firmou a seguinte diretriz quanto à admissibilidade de recurso de revista quando se discute o quantum devido a título de indenização por dano moral:

(...) INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. DECISÃO DA TURMA QUE RESTABELECE A R. SENTENÇA EM VALOR MAIOR AO DETERMINADO PELO EG. TRIBUNAL REGIONAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. Ao considerar aCONTRARIEDADE À SÚMULA Nº 126 DO TST NÃO COMPROVADA necessidade de restabelecimento do valor das indenizações a título de danos morais e estéticos, tal como definido na r. sentença, a c. Turma não desbordou do quadro fático, mas apreciou exatamente os mesmos fatos delineados pelo eg. Tribunal Regional, não havendo contrariedade à Súmula nº 126 desta c. Corte. Além disso, não demonstrada divergência jurisprudencial capaz de impulsionar o recurso de embargos, na medida em que os arestos colacionados não trazem tese divergente da lançada na decisão turmária, mas com ela se harmonizam, no sentido de que a jurisprudência desta Corte apenas admite a majoração ou diminuição do valor da indenização por danos morais, nesta instância extraordinária, nos casos em que a indenização for fixada em valores excessivamente módicos ou estratosféricos, o que ocorreu no caso. Agravo regimental conhecido e desprovido. (AgR-E-ARR - 140700-64.2010.5.21.0002 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 30/11/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 07/12/2017)

Diante desse posicionamento, de que a admissibilidade do recurso de revista quando se discute o valor fixado a título de indenização por danos morais somente se dá quando se constatar montante irrisório ou exorbitante, não se vislumbra possível afronta aos dispositivos da Constituição Federal.

Denego.

Inicialmente, consigne-se que o recurso de revista foi interposto sob a vigência da Lei nº 13.015/2014. Eis o trecho do acórdão indicado nas razões do recurso de revista:

DANO MORAL

A sentença rejeitou o pedido da autora de pagamento de indenização por danos morais, por eventuais insultos recebidos pelos empregados do sexo masculino, em razão da sua condição de mulher, na medida em que não comprovados os fatos narrados.

Sustenta a autora que o assédio moral, a partir da discriminação de gênero, foi devidamente comprovado pelo depoimento da testemunha Everaldo.

Analiso.

O assédio moral é caracterizado pela sistemática e prolongada utilização de métodos de gestão que causam graves constrangimentos e desestabilização psicológica com o objetivo de aumentar a produtividade de determinado empregado ou grupo de trabalhadores (assédio moral organizacional), ou com a ilegítima finalidade de retaliar alguma conduta obreira, excluir algum trabalhador do emprego ou pressionar o empregado para que encerre o contrato voluntariamente.

A Constituição Federal de 1988 prescreve expressamente a proteção dos direitos de personalidade, conforme decorre da leitura do seu art. 5º, inciso X:  "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação ".

O campo de proteção jurídica extrapatrimonial compreende a vida, a integridade física, o nome, a honra, a privacidade, a imagem ou a intimidade do empregado. Elenco de aspectos extrapatrimoniais protegidos pelo Direito do Trabalho foi detalhado também com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, conforme novo art. 223-C da CLT:  "A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física".

O assédio moral implica necessariamente agressão aos aspectos extrapatrimoniais acima enumerados e possibilita ao ofendido obter indenização por danos morais no âmbito judicial, visto que preenchidos os requisitos legais dos arts. 186 e 927 do Código Civil, autorizadores da condenação compensatória de danos.

Acrescento também que a conduta em análise consiste em procedimento patronal que excede plenamente os limites normais do poder diretivo do empregador, sendo reprimida pelo Código Civil como abuso de direito, conforme preconizado em seu art. 187:  comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Por outro lado, conquanto se revele essencial à proteção da dignidade da pessoa humana no desenvolvimento das atividades laborais, entendo que a aplicação da responsabilidade civil por danos morais decorrentes de assédio moral na seara trabalhista somente se configura quando for demonstrada efetiva violação de alguma perspectiva moral do empregado, gerada pelo ato patronal.

Os atos e fatos que geram esta violação, portanto, não podem ser reconhecidos pelo magistrado com base em meras alegações. O dano moral por assédio se caracteriza por elementos, atos ou fatos objetivos que devem ser demonstrados nos autos, sendo insuficientes apenas considerações subjetivas da parte que se declara atingida.

Não se sustenta a figura do assédio moral, como espécie de dano moral, somente na impressão subjetiva do empregado acerca de lesão a direito ínsito de sua personalidade. Eventuais conflitos no âmbito da empresa ou más condições de trabalho não se confundem de imediato com o assédio moral. Igualmente, a cobrança de metas dentro de patamares razoáveis ou o regular exercício do poder regulamentar da empresa são exemplos de condutas que não podem ser consideradas como assédio moral.

Tratando-se de fato constitutivo do seu direito, cabe à parte autora demonstrar a presença concomitante dos elementos acima enfatizados, em conformidade com as regras de distribuição do ônus da prova previstas nos arts. 818 da CLT e 373, inciso I, do CPC/2015.

No sentido acima exposto, a seguinte ementa do c. TST:

"RECURSO DE REVISTA 1 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ASSÉDIO MORAL. DANOS MORAIS. De acordo com as premissas fáticas consignadas no acórdão, verifica-se a presença de comportamento abusivo dos prepostos em relação à reclamante, atingindo diretamente o psicológico e emocional da trabalhadora que, no caso dos autos, passou a ser ofendida e retaliada em função de sua atuação na CIPA e de ter denunciado assédio sexual ocorrido na empresa. Nesse cenário, decidir de modo diverso e concluir pela ausência dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil demandaria reexame de fatos e provas dos autos, haja vista que as premissas fáticas delineadas no acórdão apenas confirmam a ocorrência de assédio moral e o dever da empresa de indenizar. Incide, pois, o óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido".(...).  (RR - 116500-18.2012.5.17.0007 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 04/10/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/10/2017)

No caso, como mencionado no tópico anterior, a autora alegou que sofreu com tratamento desrespeitoso dos demais empregados do açougue da ré, com ofensas machistas, questionando a sua capacidade para o exercício da função, além das dificuldades pelo labor na câmara fria sem o equipamento de proteção necessário, o que também motivava piadas jocosas inclusive pelo encarregado do setor, fatos que não foram efetivamente negados pela ré em sua contestação.

Nesse contexto, ainda, o depoimento da testemunha Everaldo, que trabalhou na ré por cerca de dois anos, até maio de 2019, na função de açougueiro, junto com a autora; foi o empregado responsável pelo treinamento da autora nessa função; presenciou tratamento desrespeitoso dos outros empregados do setor à autora, em especial o encarregado Alan e o açougueiro Jonas, que se negavam a ajudar a autora em algumas atribuições, pois tinha escolhido exercer a função e ser mulher; houve reclamação ao gerente, que não agiu, por amizade com o encarregado; a autora sofria com a temperatura no interior da câmara fria e tinha crises de enxaqueca por esse motivo, sendo até atendida por ambulância no local de trabalho; permaneciam na câmara fria das 7h às 12h; não se envolvia, pois os fatos eram do conhecimento dos superiores, que não agiam para minimizar os danos.

Ressalto que o depoimento da testemunha supracitada prevalece sobre aquele prestado pela testemunha Débora, arrolada pela ré, que não trabalhava no mesmo turno da autora; portanto, não há indícios que trabalhasse na companhia dos empregados que desrespeitavam a autora e se subordinasse ao mesmo encarregado.

Com relação ao labor no interior da câmara fria, seria necessária a realização de perícia técnica para a averiguação das condições ambientais e as circunstâncias do trabalho desenvolvido, inclusive a eventual inadequação dos EPI's fornecidos. Assim, não há efetiva comprovação dos danos morais, muito menos da relação entre as crises de enxaqueca da autora com o labor.

Por outro lado, diante da confissão ficta da ré, que não negou expressamente os fatos narrados na petição inicial, e do depoimento da testemunha Everaldo, conclui-se que a autora, a partir da sua mudança para a função de açougueira, em 26/5/2018 (fl. 58), sofreu com atitudes machistas de outros colegas de trabalho, inclusive o encarregado do setor, que não lhe consideravam apta ao exercício da função somente por ser mulher, em evidente discriminação de gênero. Portanto, demonstrada a ofensa moral no ambiente de trabalho.

Verificados simultaneamente, no caso concreto, os pressupostos da indenização por danos morais na esfera trabalhista, cabe ao magistrado fixar indenização compensatória.

O dano extrapatrimonial deve ser compensado por meio de uma indenização pecuniária e, por se tratar da quantificação monetária de ofensas morais, consiste em questão de difícil aferição, porquanto depende de raciocínio altamente subjetivo, o que reflete diretamente na fixação do valor devido nesses casos.

Logo, a matéria requer por parte do julgador grande bom senso. Para os casos em que os atos ilícitos tenham ocorrido ou se concretizado após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, devem ser avaliados os parâmetros legais elencados pela lei para a segura aferição da intensidade dos danos a serem compensados.

A precisa avaliação dos aspectos subjetivos apresentados pelo agente e pela vítima e dos detalhes objetivos, consequenciais e circunstanciais do ato ilícito deve ser realizada de acordo com a previsão do art. 223-G, da CLT, que elenca os seguintes critérios para considerar nos casos de comprovada ocorrência de danos extrapatrimoniais:  I - a natureza do bem jurídico tutelado; II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa.

A análise deste importante elenco legal permitirá ao magistrado classificar a lesão conforme sua gravidade em leve, média, grave ou gravíssima, escala que, por sua vez, enquadrará a ilicitude nas faixas indenizatórias adequadas com seus respectivos tetos de valores, conforme segue no art. 223-G, § 1º, da CLT:

§ 1 o  Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I - ofensa de natureza  leve,  até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II - ofensa de natureza  média , até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III - ofensa de natureza  grave , até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV - ofensa de natureza  gravíssima , até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

No caso em análise, a ofensa extrapatrimonial foi leve, visto que as provas dos autos demonstram que as ofensas ocorreram apenas no último ano de vigência do contrato de trabalho, quando passou a exercer a função de açougueira, assim como não houve provas de maiores reflexos na vida pessoal e social.

Reformo a sentença para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 3.000,00, condizente com os parâmetros acima mencionados . (destaques pela parte)

A agravante impugna o despacho de admissibilidade. Nas razões de recurso de revista, a reclamante sustenta que deve ser majorado o valor da indenização por danos morais, uma vez que " a empregadora, embora ciente da discriminação de gênero a que a autora sofria no seu ambiente de trabalho, não coibiu a conduta de seus empregados, optando deliberadamente por deixar de reprimir ou evitar a continuidade da situação, embora tivesse o dever de impedir e punir os atos atentatórios a honra da autora, o que torna a situação ainda mais gravosa ". Aponta violação dos arts. 3º, IV, e 5º, V e X, da Constituição Federal e de dispositivos infraconstitucionais.

À análise.

Preenchidos os requisitos do art. 896, §1º-A, da CLT.

O TRT deu parcial provimento ao recurso ordinário da reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, em R$ 3.000,00 (com fundamento no art. 223-G, §1º, da CLT), decorrentes de discriminação de gênero sofrida no ambiente de trabalho.

Acerca da fixação do valor arbitrado a título de indenização por danos morais, faz-se necessário fazer um breve histórico.

Quanto aos fatos anteriores à vigência da Lei 13.467/2017, na fixação do montante da indenização por danos morais, levam-se em consideração os princípios da proporcionalidade e da reparação integral dos danos (arts. 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil).

A regra matriz da indenização por danos morais (art. 5º, X, da CF) é a dignidade da pessoa humana indicada pelo legislador constituinte originário como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF).

Por esses motivos, de acordo com o STF, não encontraram legitimidade na Constituição Federal as antigas leis especiais que fixavam valores da indenização por danos morais em hipóteses específicas, como eram os casos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962) e do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986), que compunham o denominado "Sistema de Tarifação Legal da Indenização" (SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010).

No RE 447.584/RJ, Ministro Cezar Peluso, o STF concluiu pela não recepção do art. 52 da Lei de Imprensa (Lei 5250/1967) registrando que "Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República".

Na ADPF 130, Ministro Carlo Britto, o STF decidiu pela não recepção integral da Lei de Imprensa (Lei 5250/1967), afastando novamente a hipótese de tabelamento do montante da indenização por danos morais, entre outros, pelo seguinte fundamento: "(...) A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido (...)".

Sendo vedado o tabelamento do montante da indenização por danos morais por meio de leis infraconstitucionais, também ficou afastada a tarifação jurisprudencial. O método bifásico proposto pelo saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (STJ) recomendou a pesquisa jurisprudencial somente como ponto de partida, e não como ponto de chegada, do critério de fixação do montante da indenização por danos morais - assim, quando possível, uma vez coletados os julgados sobre casos semelhantes, cabe ao julgador sopesar os fatos e as circunstâncias agravantes ou atenuantes do caso concreto para decidir pelo montante mais adequado. Aliás, justamente por não haver em princípio casos rigorosamente idênticos, mas hipóteses assemelhadas, é que a SBDI-1 do TST decidiu que em regra é inviável o conhecimento do tema por divergência jurisprudencial (mesmo entendimento da Súmula 420 do STJ).

Nas Cortes Superiores, a conclusão pela proporcionalidade ou desproporcionalidade do montante da indenização por danos morais não leva em conta a expressão monetária considerada em si mesma, mas a ponderação entre o montante fixado e os fatos ocorridos no caso concreto, observando-se as peculiaridades processuais que envolvem a matéria devolvida pela via recursal (prequestionamento demonstrado, tipo de impugnação apresentada, limites do pedido etc.). Nesse contexto, majora-se o montante quando for necessário assegurar a efetividade da natureza compensatória, dissuasória e exemplar da indenização; por outro lado, reduz-se o montante na hipótese de valores excessivos (evitando-se o enriquecimento sem causa do demandante ou o comprometimento das finanças da demandada).

Quanto aos fatos posteriores à vigência da Lei 13.467/2017, a fixação do montante da indenização por danos morais também segue aplicando os princípios da proporcionalidade e da reparação integral dos danos (arts. 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil).

Em razão das disposições da Lei 13.467/2017 sobre a matéria, foram propostas ações diretas de inconstitucionalidade pela ANAMATRA (ADI 6.050), pela CNTI (ADI 6.082) e pelo CFOAB (ADI 6.069), as quais foram desapensadas da ADI 5.870 (extinta sem resolução do mérito por perda de objeto ante o fim da vigência da MP 808/2017).

Nas ADIs 6.050, 6.082 e 6.069, a conclusão do STF foi sintetizada na seguinte ementa: "Ações diretas de inconstitucionalidade. 2. Reforma Trabalhista. Artigos 223-A e 223-G, §§ 1º e 2º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017. Parâmetros para a fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais. 3. Ações conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que: 3.1. As redações conferidas aos art. 223-A e 223- B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; 3.2. Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade".

Constou no voto do voto do Ministro Gilmar Mendes, relator: "os parâmetros fixados no art. 223-G, tanto nos incisos I a XII do caput do dispositivo quanto no próprio § 1º, podem validamente servir de critérios, ainda que não exaurientes, para a definição do quantum da reparação extrapatrimonial pelo magistrado trabalhista. De fato, o que o entendimento jurisprudencial deste STF assentou foi apenas a inconstitucionalidade do tabelamento do dano, assim entendido como o conjunto de normas que excluem in totum a discricionariedade de quantificação do dano pelo magistrado, tornando-o um mero aplicador de valores pré-determinados que não podem ser adaptados às especificidades do caso concreto" .

Constou no voto da Ministra Rosa Weber: "Diversamente da racionalidade economicista própria da avaliação da indenização por danos patrimoniais, a extensão dos danos extrapatrimoniais (CC, art. 944, caput ) envolve a complexidade da compreensão de bens jurídicos existenciais, que não são objeto de aferição econômica. As nuances de cada caso concreto somam-se às funções compensatória e pedagógica da reparação do dano de forma a rejeitar qualquer sistema de tabelamento ou tarifação prévia pelo Poder Legislativo e atrair para o Poder Judiciário a concretização da isonomia na aplicação dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade em fundamentada análise das circunstâncias fáticas".

Assim, quanto aos fatos ocorridos na vigência da Lei 13.467/2017, podem ser utilizados na fixação do montante da indenização por danos morais os seguintes parâmetros: "Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I - a natureza do bem jurídico tutelado; II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa" . Porém, o art. 223-G, § 1º e 2º, da CLT, na parte em que apresenta tabelamento de valores, não vincula o julgador na fixação da indenização por danos morais, podendo haver decisão conforme "as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade" (nos termos decididos pelo STF).

No caso dos autos , a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais decorreu de discriminação de gênero observada no curso contrato de trabalho, assim descritos pelo TRT " a partir da sua mudança para a função de açougueira, em 26/5/2018 (fl. 58), sofreu com atitudes machistas de outros colegas de trabalho , inclusive o encarregado do setor, que não lhe consideravam apta ao exercício da função somente por ser mulher , em evidente discriminação de gênero ".

Além da gravidade dos fatos narrados, importa ponderar a culpa da reclamada que, de acordo com a decisão do Regional, tinha ciência dos fatos e foi omissa na busca de uma solução.

Acerca do tema, cumpre observar que a Organização Internacional do Trabalho, na Declaração de Filadélfia, previu que " todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas possibilidades ". A importância de se buscar a igualdade de gênero foi destacada pela ONU, que traz a matéria como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – 5 da Agenda 2030 da ONU.

Ademais, entre as core obligations da OIT está a Convenção nº 111 (ratificada pelo Brasil), que combate a discriminação em matéria de emprego e profissão, conceituando em seu art. 1º discriminação como " Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão ".

A violência e assédio em razão de gênero é também combatida pela OIT na Convenção nº 190 (pendente de ratificação pelo Brasil), que assim a conceitua: " o termo "violência e assédio com base no gênero" significa violência e assédio dirigido às pessoas em virtude do seu sexo ou gênero, ou afetam de forma desproporcionada as pessoas de um determinado sexo ou género, e inclui o assédio sexual ."

No ordenamento pátrio, a discriminação em razão de gênero fere o princípio da igualdade e o art. 5º, I, da Constituição Federal: " homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição ", bem como o art. 1º da Lei nº 9.029/95: " É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente [...] ".

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ – criado com o objetivo primordial de alcançar a superação dos entraves que impossibilitam a equivalência de dignidade entre mulheres e homens, em todos os cenários – destaca como o ambiente de trabalho pode ser hostil às mulheres, muitas vezes de forma velada:

O ambiente de trabalho pode ser hostil em termos de gênero. A participação das mulheres em reuniões, por exemplo, é cerceada por interrupções de sua fala ("manterrupting"); por explicações desnecessárias como se elas não fossem capazes de compreender ("mansplaining"); por apropriações de suas ideias que, ignoradas quando elas verbalizam, são reproduzidas por homens, que passam a receber o crédito ("bropriating"). A moral, o comportamento e a imagem das mulheres são colocados em julgamento pelos colegas de trabalho ("slut shaming"). E, para desqualificar a sanidade mental da mulher, o/a agressor/a manipula os fatos e coloca em dúvida suas queixas ("gaslighting"). Todas estas formas de microagressões, violências ou assédios possuem um claro viés de gênero e isoladamente podem constituir meros melindres. Todavia, as microagressões, combinadas entre si ou associadas a outras condutas ("cantadas", toques inapropriados, convites insistentes, maior rigor na cobrança de metas, piadas sexistas, esvaziamento da função, desconsideração da opinião, isolamento etc.) criam um ambiente de trabalho hostil e intimidativo em termos de gênero. Nesse caso, a depender da prevalência ou não do caráter sexista da violação, pode configurar-se assédio sexual ambiental ou assédio moral. (Conselho Nacional de Justiça (Brasil). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. Brasília: Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados — Enfam, 2021, p. 114)

A situação em análise reveste-se de maior gravidade. A violência de gênero se dava de forma transparente no ambiente laboral, sem qualquer pudor e sem repreensão por parte da reclamada.

Constata-se, portanto, que o valor arbitrado em R$ 3.000,00 a título de indenização por danos morais não observou o princípio da proporcionalidade, considerando-se os fatos narrados, a natureza e a extensão do dano e o grau de culpa da reclamada.

Pelo exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, por provável violação do art. 5º, X, da Constituição Federal.

II – RECURSO DE REVISTA.

CONHECIMENTO

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO.

Recurso de revista interposto sob a vigência da Lei nº 13.015/2014. A fim de demonstrar o prequestionamento, a parte transcreve os seguintes trechos do acórdão do TRT:

DANO MORAL

A sentença rejeitou o pedido da autora de pagamento de indenização por danos morais, por eventuais insultos recebidos pelos empregados do sexo masculino, em razão da sua condição de mulher, na medida em que não comprovados os fatos narrados.

Sustenta a autora que o assédio moral, a partir da discriminação de gênero, foi devidamente comprovado pelo depoimento da testemunha Everaldo.

Analiso.

O assédio moral é caracterizado pela sistemática e prolongada utilização de métodos de gestão que causam graves constrangimentos e desestabilização psicológica com o objetivo de aumentar a produtividade de determinado empregado ou grupo de trabalhadores (assédio moral organizacional), ou com a ilegítima finalidade de retaliar alguma conduta obreira, excluir algum trabalhador do emprego ou pressionar o empregado para que encerre o contrato voluntariamente.

A Constituição Federal de 1988 prescreve expressamente a proteção dos direitos de personalidade, conforme decorre da leitura do seu art. 5º, inciso X:  "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação ".

O campo de proteção jurídica extrapatrimonial compreende a vida, a integridade física, o nome, a honra, a privacidade, a imagem ou a intimidade do empregado. Elenco de aspectos extrapatrimoniais protegidos pelo Direito do Trabalho foi detalhado também com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, conforme novo art. 223-C da CLT:  "A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física".

O assédio moral implica necessariamente agressão aos aspectos extrapatrimoniais acima enumerados e possibilita ao ofendido obter indenização por danos morais no âmbito judicial, visto que preenchidos os requisitos legais dos arts. 186 e 927 do Código Civil, autorizadores da condenação compensatória de danos.

Acrescento também que a conduta em análise consiste em procedimento patronal que excede plenamente os limites normais do poder diretivo do empregador, sendo reprimida pelo Código Civil como abuso de direito, conforme preconizado em seu art. 187:  comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Por outro lado, conquanto se revele essencial à proteção da dignidade da pessoa humana no desenvolvimento das atividades laborais, entendo que a aplicação da responsabilidade civil por danos morais decorrentes de assédio moral na seara trabalhista somente se configura quando for demonstrada efetiva violação de alguma perspectiva moral do empregado, gerada pelo ato patronal.

Os atos e fatos que geram esta violação, portanto, não podem ser reconhecidos pelo magistrado com base em meras alegações. O dano moral por assédio se caracteriza por elementos, atos ou fatos objetivos que devem ser demonstrados nos autos, sendo insuficientes apenas considerações subjetivas da parte que se declara atingida.

Não se sustenta a figura do assédio moral, como espécie de dano moral, somente na impressão subjetiva do empregado acerca de lesão a direito ínsito de sua personalidade. Eventuais conflitos no âmbito da empresa ou más condições de trabalho não se confundem de imediato com o assédio moral. Igualmente, a cobrança de metas dentro de patamares razoáveis ou o regular exercício do poder regulamentar da empresa são exemplos de condutas que não podem ser consideradas como assédio moral.

Tratando-se de fato constitutivo do seu direito, cabe à parte autora demonstrar a presença concomitante dos elementos acima enfatizados, em conformidade com as regras de distribuição do ônus da prova previstas nos arts. 818 da CLT e 373, inciso I, do CPC/2015.

No sentido acima exposto, a seguinte ementa do c. TST:

"RECURSO DE REVISTA 1 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ASSÉDIO MORAL. DANOS MORAIS. De acordo com as premissas fáticas consignadas no acórdão, verifica-se a presença de comportamento abusivo dos prepostos em relação à reclamante, atingindo diretamente o psicológico e emocional da trabalhadora que, no caso dos autos, passou a ser ofendida e retaliada em função de sua atuação na CIPA e de ter denunciado assédio sexual ocorrido na empresa. Nesse cenário, decidir de modo diverso e concluir pela ausência dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil demandaria reexame de fatos e provas dos autos, haja vista que as premissas fáticas delineadas no acórdão apenas confirmam a ocorrência de assédio moral e o dever da empresa de indenizar. Incide, pois, o óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido".(...).  (RR - 116500-18.2012.5.17.0007 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 04/10/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/10/2017)

No caso, como mencionado no tópico anterior, a autora alegou que sofreu com tratamento desrespeitoso dos demais empregados do açougue da ré, com ofensas machistas, questionando a sua capacidade para o exercício da função, além das dificuldades pelo labor na câmara fria sem o equipamento de proteção necessário, o que também motivava piadas jocosas inclusive pelo encarregado do setor, fatos que não foram efetivamente negados pela ré em sua contestação.

Nesse contexto, ainda, o depoimento da testemunha Everaldo, que trabalhou na ré por cerca de dois anos, até maio de 2019, na função de açougueiro, junto com a autora; foi o empregado responsável pelo treinamento da autora nessa função; presenciou tratamento desrespeitoso dos outros empregados do setor à autora, em especial o encarregado Alan e o açougueiro Jonas, que se negavam a ajudar a autora em algumas atribuições, pois tinha escolhido exercer a função e ser mulher; houve reclamação ao gerente, que não agiu, por amizade com o encarregado; a autora sofria com a temperatura no interior da câmara fria e tinha crises de enxaqueca por esse motivo, sendo até atendida por ambulância no local de trabalho; permaneciam na câmara fria das 7h às 12h; não se envolvia, pois os fatos eram do conhecimento dos superiores, que não agiam para minimizar os danos.

Ressalto que o depoimento da testemunha supracitada prevalece sobre aquele prestado pela testemunha Débora, arrolada pela ré, que não trabalhava no mesmo turno da autora; portanto, não há indícios que trabalhasse na companhia dos empregados que desrespeitavam a autora e se subordinasse ao mesmo encarregado.

Com relação ao labor no interior da câmara fria, seria necessária a realização de perícia técnica para a averiguação das condições ambientais e as circunstâncias do trabalho desenvolvido, inclusive a eventual inadequação dos EPI's fornecidos. Assim, não há efetiva comprovação dos danos morais, muito menos da relação entre as crises de enxaqueca da autora com o labor.

Por outro lado, diante da confissão ficta da ré, que não negou expressamente os fatos narrados na petição inicial, e do depoimento da testemunha Everaldo, conclui-se que a autora, a partir da sua mudança para a função de açougueira, em 26/5/2018 (fl. 58), sofreu com atitudes machistas de outros colegas de trabalho, inclusive o encarregado do setor, que não lhe consideravam apta ao exercício da função somente por ser mulher, em evidente discriminação de gênero. Portanto, demonstrada a ofensa moral no ambiente de trabalho.

Verificados simultaneamente, no caso concreto, os pressupostos da indenização por danos morais na esfera trabalhista, cabe ao magistrado fixar indenização compensatória.

O dano extrapatrimonial deve ser compensado por meio de uma indenização pecuniária e, por se tratar da quantificação monetária de ofensas morais, consiste em questão de difícil aferição, porquanto depende de raciocínio altamente subjetivo, o que reflete diretamente na fixação do valor devido nesses casos.

Logo, a matéria requer por parte do julgador grande bom senso. Para os casos em que os atos ilícitos tenham ocorrido ou se concretizado após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, devem ser avaliados os parâmetros legais elencados pela lei para a segura aferição da intensidade dos danos a serem compensados.

A precisa avaliação dos aspectos subjetivos apresentados pelo agente e pela vítima e dos detalhes objetivos, consequenciais e circunstanciais do ato ilícito deve ser realizada de acordo com a previsão do art. 223-G, da CLT, que elenca os seguintes critérios para considerar nos casos de comprovada ocorrência de danos extrapatrimoniais:  I - a natureza do bem jurídico tutelado; II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa.

A análise deste importante elenco legal permitirá ao magistrado classificar a lesão conforme sua gravidade em leve, média, grave ou gravíssima, escala que, por sua vez, enquadrará a ilicitude nas faixas indenizatórias adequadas com seus respectivos tetos de valores, conforme segue no art. 223-G, § 1º, da CLT:

§ 1 o  Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I - ofensa de natureza  leve,  até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II - ofensa de natureza  média , até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III - ofensa de natureza  grave , até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV - ofensa de natureza  gravíssima , até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

No caso em análise, a ofensa extrapatrimonial foi leve, visto que as provas dos autos demonstram que as ofensas ocorreram apenas no último ano de vigência do contrato de trabalho, quando passou a exercer a função de açougueira, assim como não houve provas de maiores reflexos na vida pessoal e social.

Reformo a sentença para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 3.000,00, condizente com os parâmetros acima mencionados . (destaques pela parte)

Nas razões de recurso de revista, a reclamante sustenta que deve ser majorado o valor da indenização por danos morais, uma vez que " a empregadora, embora ciente da discriminação de gênero a que a autora sofria no seu ambiente de trabalho, não coibiu a conduta de seus empregados, optando deliberadamente por deixar de reprimir ou evitar a continuidade da situação, embora tivesse o dever de impedir e punir os atos atentatórios a honra da autora, o que torna a situação ainda mais gravosa ". Aponta violação dos arts. 3º, IV, e 5º, V e X, da Constituição Federal e de dispositivos infraconstitucionais.

À análise.

Preenchidos os requisitos do art. 896, §1º-A, da CLT.

O TRT deu parcial provimento ao recurso ordinário da reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, em R$ 3.000,00 (com fundamento no art. 223-G, §1º, da CLT), decorrentes de discriminação de gênero sofrida no ambiente de trabalho.

Acerca da fixação do valor arbitrado a título de indenização por danos morais, faz-se necessário fazer um breve histórico.

Quanto aos fatos anteriores à vigência da Lei 13.467/2017, na fixação do montante da indenização por danos morais, levam-se em consideração os princípios da proporcionalidade e da reparação integral dos danos (arts. 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil).

A regra matriz da indenização por danos morais (art. 5º, X, da CF) é a dignidade da pessoa humana indicada pelo legislador constituinte originário como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da CF).

Por esses motivos, de acordo com o STF, não encontraram legitimidade na Constituição Federal as antigas leis especiais que fixavam valores da indenização por danos morais em hipóteses específicas, como eram os casos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962) e do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986), que compunham o denominado "Sistema de Tarifação Legal da Indenização" (SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010).

No RE 447.584/RJ, Ministro Cezar Peluso, o STF concluiu pela não recepção do art. 52 da Lei de Imprensa (Lei 5250/1967) registrando que "Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República".

Na ADPF 130, Ministro Carlo Britto, o STF decidiu pela não recepção integral da Lei de Imprensa (Lei 5250/1967), afastando novamente a hipótese de tabelamento do montante da indenização por danos morais, entre outros, pelo seguinte fundamento: "(...) A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido (...)".

Sendo vedado o tabelamento do montante da indenização por danos morais por meio de leis infraconstitucionais, também ficou afastada a tarifação jurisprudencial. O método bifásico proposto pelo saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (STJ) recomendou a pesquisa jurisprudencial somente como ponto de partida, e não como ponto de chegada, do critério de fixação do montante da indenização por danos morais - assim, quando possível, uma vez coletados os julgados sobre casos semelhantes, cabe ao julgador sopesar os fatos e as circunstâncias agravantes ou atenuantes do caso concreto para decidir pelo montante mais adequado. Aliás, justamente por não haver em princípio casos rigorosamente idênticos, mas hipóteses assemelhadas, é que a SBDI-1 do TST decidiu que em regra é inviável o conhecimento do tema por divergência jurisprudencial (mesmo entendimento da Súmula 420 do STJ).

Nas Cortes Superiores, a conclusão pela proporcionalidade ou desproporcionalidade do montante da indenização por danos morais não leva em conta a expressão monetária considerada em si mesma, mas a ponderação entre o montante fixado e os fatos ocorridos no caso concreto, observando-se as peculiaridades processuais que envolvem a matéria devolvida pela via recursal (prequestionamento demonstrado, tipo de impugnação apresentada, limites do pedido etc.). Nesse contexto, majora-se o montante quando for necessário assegurar a efetividade da natureza compensatória, dissuasória e exemplar da indenização; por outro lado, reduz-se o montante na hipótese de valores excessivos (evitando-se o enriquecimento sem causa do demandante ou o comprometimento das finanças da demandada).

Quanto aos fatos posteriores à vigência da Lei 13.467/2017, a fixação do montante da indenização por danos morais também segue aplicando os princípios da proporcionalidade e da reparação integral dos danos (arts. 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil).

Em razão das disposições da Lei 13.467/2017 sobre a matéria, foram propostas ações diretas de inconstitucionalidade pela ANAMATRA (ADI 6.050), pela CNTI (ADI 6.082) e pelo CFOAB (ADI 6.069), as quais foram desapensadas da ADI 5.870 (extinta sem resolução do mérito por perda de objeto ante o fim da vigência da MP 808/2017).

Nas ADIs 6.050, 6.082 e 6.069, a conclusão do STF foi sintetizada na seguinte ementa: "Ações diretas de inconstitucionalidade. 2. Reforma Trabalhista. Artigos 223-A e 223-G, §§ 1º e 2º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017. Parâmetros para a fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais. 3. Ações conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que: 3.1. As redações conferidas aos art. 223-A e 223- B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; 3.2. Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade".

Constou no voto do voto do Ministro Gilmar Mendes, relator: "os parâmetros fixados no art. 223-G, tanto nos incisos I a XII do caput do dispositivo quanto no próprio § 1º, podem validamente servir de critérios, ainda que não exaurientes, para a definição do quantum da reparação extrapatrimonial pelo magistrado trabalhista. De fato, o que o entendimento jurisprudencial deste STF assentou foi apenas a inconstitucionalidade do tabelamento do dano, assim entendido como o conjunto de normas que excluem in totum a discricionariedade de quantificação do dano pelo magistrado, tornando-o um mero aplicador de valores pré-determinados que não podem ser adaptados às especificidades do caso concreto" .

Constou no voto da Ministra Rosa Weber: "Diversamente da racionalidade economicista própria da avaliação da indenização por danos patrimoniais, a extensão dos danos extrapatrimoniais (CC, art. 944, caput ) envolve a complexidade da compreensão de bens jurídicos existenciais, que não são objeto de aferição econômica. As nuances de cada caso concreto somam-se às funções compensatória e pedagógica da reparação do dano de forma a rejeitar qualquer sistema de tabelamento ou tarifação prévia pelo Poder Legislativo e atrair para o Poder Judiciário a concretização da isonomia na aplicação dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade em fundamentada análise das circunstâncias fáticas".

Assim, quanto aos fatos ocorridos na vigência da Lei 13.467/2017, podem ser utilizados na fixação do montante da indenização por danos morais os seguintes parâmetros: "Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I - a natureza do bem jurídico tutelado; II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa" . Porém, o art. 223-G, § 1º e 2º, da CLT, na parte em que apresenta tabelamento de valores, não vincula o julgador na fixação da indenização por danos morais, podendo haver decisão conforme "as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade" (nos termos decididos pelo STF).

No caso dos autos , a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais decorreu de discriminação de gênero observada no curso contrato de trabalho, assim descritos pelo TRT " a partir da sua mudança para a função de açougueira, em 26/5/2018 (fl. 58), sofreu com atitudes machistas de outros colegas de trabalho , inclusive o encarregado do setor, que não lhe consideravam apta ao exercício da função somente por ser mulher , em evidente discriminação de gênero ".

Além da gravidade dos fatos narrados, importa ponderar a culpa da reclamada que, de acordo com a decisão do Regional, tinha ciência dos fatos e foi omissa na busca de uma solução.

Acerca do tema, cumpre observar que a Organização Internacional do Trabalho, na Declaração de Filadélfia, previu que " todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranqüilidade econômica e com as mesmas possibilidades ". A importância de se buscar a igualdade de gênero foi destacada pela ONU, que traz a matéria como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – 5 da Agenda 2030 da ONU.

Ademais, entre as core obligations da OIT está a Convenção nº 111 (ratificada pelo Brasil), que combate a discriminação em matéria de emprego e profissão, conceituando em seu art. 1º discriminação como " Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão ".

A violência e assédio em razão de gênero é também combatida pela OIT na Convenção nº 190 (pendente de ratificação pelo Brasil), que assim a conceitua: " o termo "violência e assédio com base no gênero" significa violência e assédio dirigido às pessoas em virtude do seu sexo ou gênero, ou afetam de forma desproporcionada as pessoas de um determinado sexo ou género, e inclui o assédio sexual ."

No ordenamento pátrio, a discriminação em razão de gênero fere o princípio da igualdade e o art. 5º, I, da Constituição Federal: " homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição ", bem como o art. 1º da Lei nº 9.029/95: " É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente [...] ".

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ – criado com o objetivo primordial de alcançar a superação dos entraves que impossibilitam a equivalência de dignidade entre mulheres e homens, em todos os cenários – destaca como o ambiente de trabalho pode ser hostil às mulheres, muitas vezes de forma velada:

O ambiente de trabalho pode ser hostil em termos de gênero. A participação das mulheres em reuniões, por exemplo, é cerceada por interrupções de sua fala ("manterrupting"); por explicações desnecessárias como se elas não fossem capazes de compreender ("mansplaining"); por apropriações de suas ideias que, ignoradas quando elas verbalizam, são reproduzidas por homens, que passam a receber o crédito ("bropriating"). A moral, o comportamento e a imagem das mulheres são colocados em julgamento pelos colegas de trabalho ("slut shaming"). E, para desqualificar a sanidade mental da mulher, o/a agressor/a manipula os fatos e coloca em dúvida suas queixas ("gaslighting"). Todas estas formas de microagressões, violências ou assédios possuem um claro viés de gênero e isoladamente podem constituir meros melindres. Todavia, as microagressões, combinadas entre si ou associadas a outras condutas ("cantadas", toques inapropriados, convites insistentes, maior rigor na cobrança de metas, piadas sexistas, esvaziamento da função, desconsideração da opinião, isolamento etc.) criam um ambiente de trabalho hostil e intimidativo em termos de gênero. Nesse caso, a depender da prevalência ou não do caráter sexista da violação, pode configurar-se assédio sexual ambiental ou assédio moral. (Conselho Nacional de Justiça (Brasil). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. Brasília: Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados — Enfam, 2021, p. 114)

A situação em análise reveste-se de maior gravidade. A violência de gênero se dava de forma transparente no ambiente laboral, sem qualquer pudor e sem repreensão por parte da reclamada.

Constata-se, portanto, que o valor arbitrado em R$ 3.000,00 a título de indenização por danos morais não observou o princípio da proporcionalidade, considerando-se os fatos narrados, a natureza e a extensão do dano e o grau de culpa da reclamada.

Pelo exposto, conheço do recurso de revista, por violação do art. 5º, X, da Constituição Federal.

MÉRITO

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO.

Como consequência do conhecimento do recurso de revista, por violação do art. 5º, X, da Constituição Federal, dou-lhe provimento para majorar os valores arbitrados a título de indenização por danos morais para R$ 10.000,00, considerando a gravidade da conduta, a omissão da reclamada, bem como os limites do pedido apresentado na inicial.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade:

I – reconhecer a transcendência quanto ao tema "INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO." e dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista nesse particular;

II – conhecer do recurso de revista quanto ao tema "INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. VALOR ARBITRADO.", por violação do art. 5º, X, da Constituição Federal e, no mérito, dar-lhe provimento para majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 10.000,00. Custas pela reclamada, no importe de R$ 200,00, sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 10.000,00 .

Brasília, 25 de outubro de 2023.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA

Ministra Relatora