A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/iao

REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO . “LIMBO PREVIDENCIÁRIO”. DANO MORAL IN RE IPSA . CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da c. SBDI1, torna-se necessário trazer a exame a seguinte questão: Definir se a conduta do empregador de impedir o retorno do empregado ao trabalho após a alta previdenciária configura dano moral in re ipsa , dando direito à respectiva indenização. Tese de julgamento para reafirmação: A conduta do empregador, ao impedir o retorno do empregado ao trabalho e inviabilizar o percebimento da sua remuneração após a alta previdenciária, mostra-se ilícita e configura dano moral in re ipsa, sendo devida a indenização respectiva.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR - 1000988-62.2023.5.02.0601 , em que é RECORRENTE NELSON DE ALMEIDA TAVARES e é RECORRIDO MOVEBUSS SOLUCOES EM MOBILIDADE URBANA LTDA .

O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito Turmas e na Subseção I de Dissídios Individuais do TST , ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.

A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.

Apresentada, portanto, proposta de afetação do processo RR - 1000988-62.2023.5.02.0601 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 131-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica.

A conduta do empregador de impedir o retorno do empregado ao trabalho após a alta previdenciária configura dano moral in re ipsa, dando direito à respectiva indenização?

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

De início, destaca-se que a matéria a ser examinada diz respeito à configuração de dano moral in re ipsa pela conduta do empregador que submete o empregado ao limbo previdenciário, matéria essa que se resolve à luz dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, 476 da CLT e 63 da Lei nº 8.213/91.

A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. É essencial para que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda – que saltou de 430.850 processos recebidos em 2023, para 530.021 processos em 2024, a despeito de reiterados recordes de produtividade. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024), segundo o qual:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”

Compete ao Presidente do Tribunal “indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal”.

Quanto à multiplicidade da discussão de tal questão no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentada, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST a partir dos termos "danos morais" “limbo” e “previdenciário” revelou, para os últimos 12 meses, 163 acórdãos e 428 decisões monocráticas sobre a questão jurídica em exame.

Já quanto à relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema, esta se dá justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.

Quanto à posição do Tribunal Superior do Trabalho , esta pode ser sintetizada no sentido de que o a conduta do empregador, ao impedir o retorno do empregado ao trabalho e, consequentemente, inviabilizar o percebimento da sua remuneração, mesmo após a alta previdenciária, se mostra ilícita e configura dano moral in re ipsa , sendo devida a indenização respectiva independentemente da prova do dano sofrido pelo empregado. Em tal sentido os seguintes exemplos de todas as suas Turmas:

"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. TÉRMINO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE RETORNO AO EMPREGO POR RECUSA DO EMPREGADOR. ATO ILÍCITO. DANO MORAL IN RE IPSA. DECISÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA NO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. Conforme a jurisprudência sedimentada no TST, a impossibilidade de retorno do empregado ao labor após a alta previdenciária, em razão da recusa do empregador, é conduta ilícita que acarreta o reconhecimento do dano moral in re ipsa (que deriva do próprio fato ofensivo). Uma vez constatado que a decisão agravada adotou posicionamento em harmonia com o entendimento consolidado nesta Corte Superior, a modificação do decisum encontra óbice na Súmula n.º 333 do TST e art. 896, § 7.º, da CLT. Mantém-se, por conseguinte, a decisão que denegou seguimento ao Agravo de Instrumento, por ausência de transcendência da causa, à luz do que preconiza o art. 896-A, caput e § 1.º, da CLT. Agravo conhecido e não provido" (Ag-AIRR-100292-81.2018.5.01.0204, 1ª Turma , Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 17/10/2023).

"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO DO EMPREGADO APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. TRABALHADOR CONSIDERADO INAPTO PELA EMPRESA. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO IN RE IPSA . Na hipótese dos autos, após a alta médica concedida pelo Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS , o reclamante foi impedido, pela empresa, de retornar ao trabalho, sob a alegação de que não tinha condições de exercer suas atividades. Quanto às premissas fáticas, incide o óbice da Súmula n . º 126 do TST. A decisão proferida pelo TRT determinando o pagamento dos salários no período de afastamento bem como indenização por danos moral está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, que tem se firmado no sentido de que, em situações de "limbo previdenciário", como a retratada nos autos, deve ser garantido o pagamento da remuneração integral do empregado. Saliente-se que a legislação trabalhista estabelece que o contrato de trabalho somente esteja suspenso quando o empregado estiver "em gozo de auxílio-doença" (art. 63 da Lei 8.213/91), ou, nos termos do art. 476 da CLT, "durante o prazo desse benefício", se este foi cessado pelo INSS, e não há qualquer decisão judicial determinando o restabelecimento desse benefício. Portanto, com a cessação do benefício previdenciário, nos termos do artigo 476 da CLT, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos, cabendo à empresa viabilizar o retorno do autor a uma atividade condizente com a sua nova condição de saúde, de acordo com o que dispõe o artigo 89 da Lei 8.213/1991, mediante sua readaptação. Esta Corte tem entendido ser abusiva a conduta de recusa da empresa, acarretando ao reclamante um dano de ordem moral, configurando-se em dano in re ipsa , que prescinde de prova e ocorre quando o trabalhador não recebe os salários e o benefício previdenciário. Incidência do óbice da Súmula n . º 333 do TST e do art. 896, § 7 . º, da CLT. Agravo a que se nega provimento " (Ag-AIRR-10955-14.2019.5.03.0003, 2ª Turma , Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 08/09/2023).

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL POR LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. Os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil disciplinam a responsabilidade civil, sendo aplicados nesta justiça especializada por força do art. 8º da CLT. Neles estão os pressupostos da conduta omissiva ou comissiva, dolosa ou culposa do agente que cause algum tipo de dano a direito de outrem, seja material ou moral. Observa-se do acórdão regional que houve controvérsia quanto à conclusão do INSS, que considerou a autora apta ao trabalho, e do médico do trabalho, em sentido contrário. Não há dúvidas de que é da empresa a responsabilidade pela busca de solução do conflito, principalmente para adotar todas as medidas cabíveis para o retorno da autora ao trabalho, além de efetivar o pagamento dos salários da empregada até a solução da pendência. O Tribunal Regional reformou a sentença para excluir da condenação a indenização por danos morais e condenou a autora em honorários sucumbenciais, fixados em 10% do valor atribuído ao pedido de indenização por danos morais, entendendo que " não comprovou a efetiva ocorrência de fato lesivo à sua honra e integridade psíquica. Os inadimplementos constatados resultam em danos materiais, cujo ressarcimento já foi determinado na sentença ". No tocante aos danos morais sofridos pela autora, estes são evidentes. A autora ficou privada, por longo período, de auferir renda, por estar na incerteza de seu retorno ao trabalho ou ao benefício do INSS " limbo judiciário ", sem que a empregadora tomasse providências no sentido de resolver ou ao menos amenizar essa situação. As experiências vividas pela autora (incerteza de seu retorno ao trabalho ou ao benefício do INSS, incapacitada para o serviço e sem fonte de renda) trouxeram-lhe desequilíbrio financeiro suficiente para, presumidamente, causar-lhe lesões por força dos próprios atos. Uma vez comprovada a redução da capacidade laborativa e a inércia da ré para solucionar o impasse, o dano moral é in re ipsa , ou seja, dispensa comprovação. Recurso de revista conhecido por violação dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil e provido" (RR-10014-68.2018.5.03.0013, 3ª Turma , Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 06/03/2020).

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. 1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a conduta empresarial omissa em relação ao período de limbo jurídico previdenciário traduz-se em ato ilícito passível de causar danos também aos direitos da personalidade do trabalhador. II. Ao concluir que " não há como considerar que o não pagamento dos salários no período posterior a alta previdenciária tenha ocasionado constrangimento ou humilhação ao recorrente, desaguando em danos de ordem moral ", a egrégia Turma Regional decidiu em contrariedade com a jurisprudência desta Corte Superior. Transcendência política reconhecida. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-1001536-44.2017.5.02.0263, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 17/06/2022).

"AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. LIMBO JURÍDICO. ALTA PREVIDENCIÁRIA. IMPEDIMENTO DE RETORNO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO IN RE IPSA . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. O e. TRT, mantendo a sentença, reconheceu o limbo jurídico previdenciário imposto à autora, registrando que “ à partir da alta previdenciária, a reclamante teria solicitado seu retorno ao trabalho (...) e não lhe fora oportunizado o regresso pela reclamada”. Conforme se depreende, o e. TRT, mesmo reconhecendo que reclamante permaneceu no denominado limbo jurídico previdenciário, manteve o indeferimento do correspondente pedido de indenização por danos morais, concluindo que a recorrente não se desincumbiu do ônus de comprovar efetivo o dano extrapatrimonial. A conduta patronal, consistente no impedimento do retorno da empregada à atividade laboral, a inviabilizar o percebimento da contraprestação pecuniária, mesmo após a alta previdenciária, a configurar o limbo jurídico, revela-se ilícita nos termos do art. 187 do Código Civil. O sofrimento ensejado pela atitude abusiva da empregadora, ao sonegar direitos básicos do trabalhador, independe de comprovação fática do abalo moral (é presumido em razão do próprio fato), configurando-se, in re ipsa , sendo desnecessário qualquer tipo de prova. Precedentes. Correta, portanto, a decisão agravada que condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais. Agravo não provido, com imposição de multa" (RR-1000319-86.2023.5.02.0252, 5ª Turma , Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 17/10/2024).

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANO IN RE IPSA . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O Regional concluiu que o prejuízo causado pela ausência de pagamento de salários após a alta previdenciária, o denominado "limbo previdenciário", por si só, não gera dano moral. Todavia, esta Corte firmou entendimento de que a conduta do empregador, ao impedir o retorno do empregado ao trabalho e, consequentemente, inviabilizar o percebimento da contraprestação pecuniária, mesmo após a alta previdenciária, se mostra ilícita e configura dano moral in re ipsa , de modo que não há necessidade da efetiva comprovação do dano sofrido pelo empregado. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1000547-98.2019.5.02.0382, 6ª Turma , Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 05/12/2023).

RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. DANO MORAL. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE SALÁRIO E BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO IN RE IPSA . TRANSCENDÊNCIA. RECONHECIMENTO. I. Esta Corte Superior tem firme entendimento no sentido de que a conduta empresarial omissa em relação ao período de limbo jurídico previdenciário traduz-se em ato ilícito passível de causar danos também aos direitos da personalidade do empregado. Precedentes. II. Extrai-se do acórdão regional que, após a cessação do benefício previdenciário inicialmente concedido à parte reclamante até o novo reconhecimento por parte do INSS da incapacidade laborativa da obreira, houve retenção salarial indevida pelo banco reclamado nos meses de junho, julho, agosto e setembro de 2017. O Tribunal de origem registrou que a parte reclamante não recebeu salário tampouco benefício previdenciário nos meses de junho e julho de 2017, após a alta previdenciária e a constatação de inaptidão para o trabalho pelo serviço médico do banco reclamado. III. Assim, considerando-se as premissas fáticas delineadas no acórdão regional, evidencia-se a ocorrência dedano moral sofrido pela parte reclamante. A conduta do banco de inviabilizar o percebimento da contraprestação pecuniária, mesmo após a alta previdenciária, revela-se ilícita, nos termos do art. 187 do Código Civil. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-1337-63.2017.5.08.0007, 7ª Turma , Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 11/10/2024).

"RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. REGÊNCIA PELA LEI Nº 13.467/2017. 1 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que, após a alta previdenciária do empregado, a empregadora tem o dever de providenciar o retorno do empregado às suas atividades ou de promover sua readaptação à função compatível com suas limitações de saúde, sob pena de, não o fazendo, ficar obrigada ao pagamento dos salários e consectários no período do limbo previdenciário. A conduta ilícita do empregador em impedir o retorno do empregado ao trabalho configura dano moral in re ipsa . Julgados. No caso dos autos, ao excluir a condenação ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes do não recebimento dos salários no período do "limbo jurídico previdenciário", o Tribunal Regional divergiu da notória e atual jurisprudência desta Corte Superior sobre a matéria . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento .(RR-1000822-59.2018.5.02.0066, 8ª Turma, Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 21/10/2024)..

A c. SBDI1 do TST adota o mesmo entendimento:

RECURSO DE EMBARGOS. RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. LIMBO JURÍDICO. CONCLUSÃO DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PELA APTIDÃO PARA O RETORNO AO TRABALHO. CONCLUSÃO DA EMPRESA EM SENTIDO CONTRÁRIO. AUSÊNCIA DE SALÁRIO E BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A egrégia Sexta Turma, no tema, conheceu do recurso de revista da reclamada, por violação do art. 7º, XXVIII, da Constituição, e, no mérito, deu-lhe provimento para excluir da condenação o pagamento da indenização por danos morais. A c. Turma, assentando estar a reclamante, desde a alta previdenciária, sem receber salários em razão de o INSS constatar a aptidão para o trabalho e o serviço médico da empresa atestar inaptidão total para a atividade que realizava, concluiu que nessas situações, não está configurada a culpa ou dolo da empresa, justificada a conduta da empresa de demonstrar vigilância quanto à situação psicobiofísica da reclamante, que foi posteriormente confirmada pela perícia realizada nos autos (incapacidade total e permanente para a atividade exercida e parcial para o trabalho em geral). A conduta da empresa, ao impedir o retorno do empregado à atividade laboral e, consequentemente, inviabilizar o percebimento da contraprestação pecuniária, mesmo após a alta previdenciária, se mostra ilícita, nos termos do artigo 187 do Código Civil. O sofrimento ensejado pela atitude abusiva da empregadora, ao sonegar direitos básicos do trabalhador, independe de comprovação fática do abalo moral (é presumido em razão do próprio fato), configurando-se, in re ipsa , sendo desnecessário qualquer tipo de prova. Assim, demonstrada a existência da conduta patronal abusiva e ilícita no acometimento do dano sofrido pelo reclamante e do nexo de causalidade entre eles, exsurge a responsabilidade civil da reclamada, nos termos do artigo 5º, X, da Constituição Federal, revelando-se despicienda a configuração do elemento subjetivo da conduta do empregador (dolo ou culpa). Precedentes. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-ED-RR-51800-33.2012.5.17.0007, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 25/03/2022).

Ocorre que, após levantamento, verificou-se que há divergência nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se transcreve:

“LIMBO PREVIDENCIÁRIO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR A dissonância entre a conclusão firmada pelo INSS quanto a capacitação laboral do reclamante e a incapacidade detectada pelo médico do trabalho ao proceder a avaliação médica imposta pelo artigo 7.4.3.3 da NR 7, deve ser dirimida perante o Instituto Previdenciário e, no caso de insucesso, pelas vias judiciais pertinentes junto a Vara especializada, uma vez que o empregador não pode ser responsabilizado pelo pagamento de salários pelo fato de ter cumprido o ordenamento jurídico, mormente se o próprio trabalhador revela a inaptidão laboral ao intentar perante o INSS a reversão da alta médica. Responsabilidade civil não configurada ao lume do disposto no artigo 186 do Código Civil. Recurso patronal provido.” (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (2ª Turma). Acórdão: 1001631-84.2019.5.02.0431. Relator(a): ROSA MARIA VILLA. Data de julgamento: 10/09/2020. Juntado aos autos em 22/09/2020. Disponível em: )

"LIMBO PREVIDENCIÁRIO". CULPA PATRONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Constatada a culpa da empregadora pela situação de "limbo previdenciário" a que esteve sujeito o empregado, cabível a indenização por danos morais, com fundamento nos artigos 5º, incisos V e X, da CRFB, e 186 e 927 do Código Civil.” (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (2ª Turma). Acórdão: 0100182-57.2021.5.01.0049. Relator(a): JOSE LUIS CAMPOS XAVIER. Data de julgamento: 29/05/2024. Juntado aos autos em 17/06/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/Lg4cey)

Não bastasse isso, destaco que entre os oito precedentes das Turmas desta Corte citados acima, seis foram proferidos em processos nos quais os recursos de revista foram providos para reconhecer o direito à indenização por danos morais nos casos de limbo previdenciário, o que demonstra que os respectivos TRTs decidiram em contrariedade à jurisprudência pacífica do TST.

Por outro lado, o representativo definido para alçar o tema a debate, que cumpre os requisitos para ensejar o exame de mérito do tema, também evidencia dissenso em relação à posição do TST, sendo que a questão trazida foi decidida de modo diverso deste c. TST pelo TRT da 2ª Região, no sentido de que não há dano moral in re ipsa no caso de limbo previdenciário.

Nesse contexto, verifica-se que o recurso de revista afetado merece conhecimento, por violação dos art. 927 do Código Civil.

Dessa forma, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso reconhecer a necessidade de uniformizar a matéria, através do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência do c. TST.

Nos termos do §5º do art. 132-A do Regimento Interno, procede-se à reafirmação da jurisprudência desta c. Corte:

Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.

Como já mencionado supra, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que a conduta do empregador, ao impedir o retorno do empregado ao trabalho e, consequentemente, inviabilizar o percebimento da sua remuneração, mesmo após a alta previdenciária, se mostra ilícita e configura dano moral in re ipsa, sendo devida a indenização respectiva independentemente da prova do dano sofrido pelo empregado, conforme precedentes de todas as suas Turmas, assim como da SBDI-1, já transcritos acima.

A jurisprudência desta Corte parte da interpretação do disposto nos arts. 476 e CLT e 63 da Lei 8.213/91, segundo os quais:

Art. 476 - Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício .

Art. 63. O segurado empregado, inclusive o doméstico, em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa e pelo empregador doméstico como licenciado.

Da leitura dos dispositivos citados, verifica-se que a suspensão do contrato de trabalho e, consequentemente, das obrigações do empregador, somente permanece no período em que o trabalhador está licenciado pelo gozo do benefício previdenciário.

Cessado o benefício em razão da alta previdenciária, o empregador tem a obrigação legal de promover o retorno do trabalhador ao emprego e retomar o cumprimento de suas obrigações legais e contratuais, entre as quais o pagamento da respectiva remuneração.

Nesse contexto, se a empresa recusa o retorno do empregado ao trabalho após a cessação do benefício, impondo-lhe a situação de limbo previdenciário, pratica ato ilícito passível de lhe impor responsabilidade pelos danos causados ao trabalhador. Nesse sentido:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Saliente-se que a compreensão desta Corte Superior, por sua jurisprudência reiterada, é no sentido de que o dano moral no caso de limbo previdenciário é in re ipsa , sendo presumível em face da indisponibilidade de recursos mínimos à subsistência ao trabalhador que se vê privado de toda fonte de renda em face da cessação do benefício previdenciário e da negativa da empresa de retorno ao trabalho e pagamento da remuneração devida.

Assim, do julgamento do presente caso, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada nos precedentes das Turmas e da SBDI-1 desta Corte citados acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:

A conduta do empregador, ao impedir o retorno do empregado ao trabalho e inviabilizar o percebimento da sua remuneração após a alta previdenciária, mostra-se ilícita e configura dano moral in re ipsa , sendo devida a indenização respectiva.

Diante disso, no mérito, em face da violação do art. 927 do Código Civil, aplica-se o entendimento ora reafirmado para restabelecer a sentença que condenou a reclamada ao pagamento da indenização por danos morais.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: A conduta do empregador, ao impedir o retorno do empregado ao trabalho e inviabilizar o percebimento da sua remuneração após a alta previdenciária, mostra-se ilícita e configura dano moral in re ipsa, sendo devida a indenização respectiva . II – Conhecer do recurso de revista do reclamante por violação do art. 927 do Código Civil e, no mérito, dar-lhe provimento quanto ao capítulo afetado, aplicando a tese ora reafirmada para reformar o acórdão regional e restabelecer à sentença de primeiro grau quanto à condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais pela submissão do reclamante ao limbo previdenciário. Prejudicada a preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional ante o disposto no art. 282, § 2º, do CPC.

Brasília, de de

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST