A C Ó R D Ã O
(3ª Turma)
GMABB/rmg
RECURSO DE REVISTA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. CONTRARIEDADE À SÚMULA 463, I, DO TST.
1. A jurisprudência pacífica desta Corte - consubstanciada no item I da Súmula 463 do TST -, é no sentido de que " para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim .".
2. A análise dos autos revela que o reclamante declarou (ainda perante o Juízo de primeiro grau) que não possuía condições financeiras de arcar com as despesas do processo.
3. Decidida a lide em desconformidade com a jurisprudência sumulada desta Corte, a reforma do acórdão regional para deferir a gratuidade da justiça é medida que se impõe.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO QUANTO À PERCEPÇÃO DO SALÁRIO ACRESCIDO DE 40%. ART. 62, II, DA CLT.
Tratando-se de aspecto essencial para eventual análise da controvérsia em sede de Recurso de Revista, a omissão de registro no acórdão quanto à percepção do salário acrescido de 40% (nos moldes do parágrafo único do art. 62 da CLT) implica ofensa ao art. 93, IX, da CF e caracteriza a negativa de prestação jurisdicional.
Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-831-60.2021.5.09.0673 , em que é Recorrente WILSON WATANABE e é Recorrida FARMÁCIA E DROGARIA NISSEI S.A.
Trata-se de recurso de revista interposto pelo reclamante, admitido pelo Regional às fls. 719.
A reclamada ofereceu contrarrazões.
Dispensado o parecer do Ministério Público do Trabalho, na forma do art. 95 do RITST.
É o relatório.
V O T O
Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade.
1. CONHECIMENTO
1.1 JUSTIÇA GRATUITA
O Tribunal Regional negou o benefício da justiça gratuita, sob os seguintes fundamentos, transcritos nas razões do recurso de revista, a teor do que dispõe o art. 896, § 1º-A, I, da CLT:
"A presente reclamação foi proposta em 2021, quando já vigia a Lei nº 13.467/2017. Logo, no que toca à possibilidade de deferimento da gratuidade de justiça, referida Lei merece ser observada.
[...]
No caso dos autos, o Reclamante, tão somente, declarou-se pobre na acepção jurídica do termo (fl. 11).
A cópia da CTPS das fls. 35/37 (física) está incompleta e, por esta razão, não comprova que o Reclamante está desempregado . Ao contrário: em seu depoimento, o Autor declarou que atualmente se encontra empregado, recebendo de R$ 2.900,00 a R$ 3.000,00 líquidos e R$ 3.400,00 brutos, importe que supera 40% do teto do RGPS.
[...]
Era, assim, ônus do Reclamante provar a insuficiência de recursos , nos termos do § 4º do art. 790 da CLT, do qual não se desincumbiu , pois insuficiente, para tanto, a mera declaração de hipossuficiência."
O reclamante sustenta que fazia jus ao beneficio da justiça gratuita, de modo que deve ser afastada a deserção do recurso ordinário. Aponta ofensa ao art. 5º, LXXIV, da CF e indica contrariedade à Súmula 463, I, desta Corte. Colaciona arestos para o cotejo de teses.
Com razão.
O art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal dispõe que " o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos ".
Como se vê, o Regional consignou que " No caso dos autos, o Reclamante, tão somente, declarou-se pobre na acepção jurídica do termo (fl. 11).".
Nos termos da Súmula 463, I, desta Corte, " para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015) ".
Contrariado o entendimento sumulado desta Corte, CONHEÇO do recurso, com fulcro no art. 896, "a", da CLT.
1.2 NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
O reclamante afirma que o Regional incorreu em negativa de prestação jurisdicional ao não haver se manifestado quanto à " ausência de comprovação de percepção de 40% a mais que seus subordinados ". Alega que a omissão implica ofensa ao art. 93, IX, da CF.
Sobre a matéria, o Regional consignou:
Nos termos do art. 62, inc. II, da CLT, não estão abrangidos pelo regime legal concernente à duração da jornada, "os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial".
A posição ocupada pelo referido preceito legal perante as leis . do trabalho é a de exceção à regra geral. Justamente por desviar os empregados nele referidos das normas que tratam da duração do labor, o mencionado preceito legal sempre teve aplicação restrita à menor parte dos destinatários da legislação trabalhista.
O cargo de confiança do art. 62, inc. II, da CLT, é aquele em que o empregado exerce, por delegação, algumas ou todas as funções dos proprietários, de modo tal que pode, em seu exercício, alterar ou modificar os destinos da empresa.
Independente da nomenclatura do cargo, para que o empregado seja enquadrável no art. 62, inc. II, da CLT, deve exercer atributos de forma a garantir-lhe a plena autonomia de gestão, diferenciado hierarquicamente dos demais funcionários que compõem o setor ou departamento.
A simples percepção de salário diferenciado não é suficiente para enquadrar o empregado na exceção do art. 62, inc. II, da CLT, sendo necessário, também, que detenha fidúcia especial. Assim, são requisitos para o enquadramento no cargo de gestão o exercício de função de confiança e padrão remuneratório diferenciado.
Nesse contexto, passa-se à análise da prova oral.
[...]
Os depoimentos acima não deixam dúvida de que o Autor, enquanto gerente, era a autoridade máxima na loja, atuando na direção diária das atividades. A supervisora comparecia à filial apenas esporadicamente, duas ou três vezes ao mês. Portanto, fica claro que o Reclamante, em sua unidade, atuava representando a figura do empregador perante clientes e colegas, efetivamente gerenciando o dia-a-dia do trabalho e os problemas que aparecessem. Além disso, confessou em depoimento que possuía o expressivo número de 21 subordinados e que reportava as situações que entendia passíveis de penalidades à supervisora e ao RH, atribuições que o diferenciavam dos demais empregados da loja.
Demonstrado que o Reclamante detinha poder de mando e decisão na loja, ficando claro o grau de fidúcia nele depositado no exercício de suas funções, já que perante os funcionários e clientes era a autoridade máxima dentro da filial.
Portanto, o Reclamante possuía poderes diferenciados em relação aos demais funcionários, com grau de fidúcia mais elevado, circunstância que confirma o exercício do cargo de confiança. O fato de ter que submeter algumas de suas decisões à gerência distrital não afasta a fidúcia especial, mas tão somente revela que havia a necessidade de obediência à estrutura organizacional da empresa.
Logo, enquanto ocupante da função de gerente, o Reclamante estava abrangido pela exceção prevista no art. 62, II, da CLT, não estando submetido a controle de jornada por ocupar cargo de gestão.
Posto isso, reforma-se a r. sentença para reconhecer o enquadramento do Autor na exceção do art. 62, II, da CLT e afastar o pagamento das horas extras e reflexos em relação ao período a partir 11/10/2017, inclusive quanto aos intervalos intrajornada.
Em sede de embargos de declaração, o Regional registrou:
A despeito de todo o arrazoado contido na petição de embargos declaratórios, o v. Acórdão não padece de vícios. O que a parte pretende é reanálise do mérito, o que é vedado na estreita via dos embargos de declaração.
Portanto, este Colegiado formou seu convencimento pelas provas apresentadas (art. 371 do CPC) e expendeu tese sobre a questão, fundamentando seu posicionamento (art.93, inc. IX, da CF/88).
Ao exame .
O parágrafo único do art. 62 da CLT informa que "O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).".
Embora provocado a se manifestar sobre esse aspecto, o Tribunal a quo não consignou (fls. 683/686) se o supramencionado requisito objetivo fora satisfeito.
Tratando-se de questão essencial à análise de eventual apelo devolvido a esta Corte, a referida omissão constitui ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal – motivo pelo qual, com fulcro no art. 896, "c", da CLT, CONHEÇO do recurso de revista.
2. MÉRITO
2.1 JUSTIÇA GRATUITA
Conhecido o apelo por contrariedade à Súmula 463, I, do TST, a consequência lógica é o seu PROVIMENTO para reconhecer o direito à gratuidade da justiça.
2.2 NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Constatada a ofensa ao art. 93, IX, da CF, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para devolver os autos ao Tribunal Regional da 9ª Região a fim de que se manifeste sobre a percepção (ou não) do " salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento)" , requisito exigido pelo parágrafo único do art. 62 da CLT, e prossiga no julgamento da lide, conforme entender de direito.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por contrariedade à Súmula 463, I, do TST (art. 896, "a", da CLT) e ofensa ao art. 93, IX, da CF, e, no mérito, dar-lhe provimento para reconhecer o direito do reclamante à gratuidade da justiça e devolver os autos ao Tribunal Regional da 9ª Região a fim de que se manifeste sobre a percepção (ou não) do " salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento)" , na forma do parágrafo único do art. 62 da CLT, e prossiga no julgamento da lide - conforme entender de direito.
Brasília, 15 de maio de 2024.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALBERTO BASTOS BALAZEIRO
Ministro Relator