A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
GPACV/iao
PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. EXERCÍCIO EFETIVO DE ATIVIDADES DE DOCÊNCIA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS FORMAIS DO ART. 317 DA CLT. ENQUADRAMENTO COMO PROFESSOR. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas do TST, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O empregado que efetivamente exerceu atividades de docência deve ser enquadrado como professor independentemente da nomenclatura do cargo para o qual foi contratado ou do cumprimento dos requisitos formais referentes à habilitação legal e registro no Ministério da Educação?
Incidente de recursos repetitivos admitido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR - 0020396-54.2022.5.04.0401 , em que é RECORRENTE SERVICO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL-SENAI e é RECORRIDO FULVIO STUDZINSKI .
Trata-se de proposta de afetação de recurso, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.
É o relatório.
V O T O
AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME
A matéria discutida no recurso de revista diz respeito ao enquadramento na categoria de professor do empregado que exerce atividades de docência, independentemente da nomenclatura do cargo para o qual foi contratado ou do cumprimento dos requisitos formais referentes à habilitação legal e registro no Ministério da Educação.
Remanesce, contudo, jurisprudência divergente entre as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais Regionais do Trabalho quanto ao tema, razão pela qual se faz necessário definir se o empregado que efetivamente exerceu atividades de docência, deve ser enquadrado como professor, ainda que ausentes os requisitos formais referentes à habilitação legal e registro no Ministério da Educação e independentemente da nomenclatura do cargo para o qual foi contratado.
Assim delineada a controvérsia, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.
MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO
Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput , da CLT, segundo o qual “ Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito , a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal . ” (destaquei).
No que diz respeito ao requisito da multiplicidade de recursos sobre o debate da questão jurídica no Tribunal Superior do Trabalho, verifica-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST, a partir da temática ora em exame, revelou 141 acórdãos e 182 decisões monocráticas , nos últimos 12 meses (pesquisa realizada em 12/03/2025 no sítio www.tst.jus.br).
RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE AS TURMAS
O tema de fundo diz respeito ao enquadramento na categoria de professor do empregado que exerce atividades de docência, independentemente da nomenclatura do cargo para o qual foi contratado ou do cumprimento dos requisitos formais referentes à habilitação legal e registro no Ministério da Educação.
Há entendimentos divergentes entre as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho. Verifica-se que algumas Turmas, com fundamento na aplicação do princípio da primazia da realidade, têm decidido no sentido de que, comprovado que o empregado efetivamente exerceu atividades de docência, deve ser enquadrado como professor, independentemente da nomenclatura do cargo para o qual foi contratado ou do cumprimento dos requisitos formais referentes à habilitação legal e registro no Ministério da Educação. Nesse sentido:
"ENQUADRAMENTO EM CATEGORIA PROFISSIONAL ESPECIAL. PROFESSOR. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Na hipótese o Tribunal Regional, soberano na análise dos fatos e das provas, firmou a premissa fática de que: a) a prova testemunhal comprovou que a reclamante desenvolvia atividades de professora, sendo responsável pelo desenvolvimento da oralidade e da coordenação motora grossa e fina das crianças, além dos cuidados básicos; b) a prova testemunhal demonstrou ser praxe da reclamada contratar recreadoras para o exercício de atividades de professora; c) os documentos colacionados aos autos sinalizam que a reclamante exercia atividades de professora; d) a norma coletiva da categoria considera como professor o profissional que desenvolve atividades inerentes ao magistério. Por essa razão, concluiu que a ausência de qualificação formal não impede o enquadramento da reclamante como professora, diante do princípio da primazia da realidade. Assim, a análise quanto às atividades exercidas pela reclamante e quanto ao seu enquadramento ou não como professora demandaria reexame de fatos e provas, o que é vedado pela Súmula n.º 126 do TST. Sobre o tema, esta Corte Superior tem entendimento firmado no sentido de que a não satisfação dos requisitos previstos no art. 317 da CLT, inclusive de habilitação legal, não impede o enquadramento do empregado como professor, prevalecendo o princípio da primazia da realidade . Tendo a controvérsia sido dirimida em sintonia com a jurisprudência do TST, o seguimento do apelo encontra óbice no art. 896 § 7.º, da CLT e na Súmula n.º 333 do TST, o que afasta a divergência jurisprudencial trazida a cotejo. Agravo conhecido e não provido, no tema" (Ag-ED-AIRR-10250-82.2020.5.03.0099, 1ª Turma , Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 16/09/2024).
RECURSO DE REVISTA. SENAI. INSTRUTOR DE CURSOS PROFISSIONALIZANTES . ENQUADRAMENTO NA CATEGORIA DE PROFESSOR. Hipótese em que o TRT manteve a decisão que enquadrou o instrutor de cursos profissionalizantes na categoria profissional de professor. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento no sentido de que, independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado - professor, instrutor ou técnico -, é a realidade do contrato de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente. Desse modo, a ausência dos requisitos formais previstos no art. 317 da CLT, concernentes à habilitação legal e ao registro no Ministério da Educação, não é óbice ao reconhecimento da condição de professor do reclamante, com todas as vantagens decorrentes . Precedentes. Óbice da Súmula 333/TST. Recurso de revista não conhecido" (RRAg-22-80.2019.5.17.0006, 2ª Turma , Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 10/03/2025).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INSTRUTOR DE CURSO PROFISSIONALIZANTE. SENAI. ENQUADRAMENTO COMO PROFESSOR. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE Trata-se de instrutor de curso profissionalizante oferecido pelo reclamado, que integra o chamado "Sistema S", hipótese em que deve ser adotado o mesmo entendimento ora exposto, conforme conclusão da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST. Diante disso, tem-se que, no caso dos autos, não se podem admitir, como pressuposto necessário para o reconhecimento do exercício da profissão de professor, a habilitação legal e o registro no Ministério da Educação. Ressalta-se, por oportuno, que a interpretação de a ausência de habilitação legal e registro no Ministério da Educação, requisito meramente formal, produz o efeito de isentar o empregador, que contratou alguém para dar aulas, de pagar a essa pessoa as vantagens correspondentes à categoria de professores, constantes de normas coletivas de trabalho - efeito danoso de não dar aplicação prática aos preceitos protetivos da Consolidação das Leis do Trabalho, da legislação trabalhista e das normas coletivas de trabalho e incentivar a permanência dessas situações absurdas. Essa interpretação faz perdurar a situação de descumprimento reiterado, além de premiar aquele que deu causa à irregularidade. Assim, evidenciado, nos autos, que o reclamante, efetivamente, exercia a função de professor, não é possível admitir que mera exigência formal, referente à habilitação legal e o registro no Ministério da Educação, seja óbice para que se reconheça o reclamante como integrante da categoria de professor . Precedentes envolvendo o mesmo reclamado. Agravo desprovido (Ag-AIRR-1584-70.2019.5.17.0121, 3ª Turma , Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 01/12/2023).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. 1. ENQUADRAMENTO DE INSTRUTOR DE ENSINO NA CATEGORIA PROFISSIONAL DIFERENCIADA DOS PROFESSORES. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO LEGAL E REGISTRO NO MEC. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte Superior adotou o entendimento de que independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado - professor, instrutor ou técnico - é a realidade do contrato de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente. II. Concluiu-se, também, que a ausência de habilitação legal e registro no Ministério da Educação, requisito este meramente formal, não pode isentar o empregador que contratou alguém para dar aulas de pagar a essa pessoa as vantagens correspondentes à categoria de professores, constantes de normas coletivas de trabalho, não se podendo exigir, como pressuposto necessário, para o reconhecimento do exercício da profissão de professor, a habilitação legal e o registro no Ministério da Educação . Neste sentido, julgados desta Corte Superior . III. Demonstrada transcendência política da causa e divergência jurisprudencial. IV. Recurso de revista de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento" (RR-10670-06.2017.5.15.0149, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 09/12/2022).
“RECURSO DE REVISTA. ENQUADRAMENTO SINDICAL. INSTRUTOR DE ENSINO PROFISSIONALIZANTE. SENAI. CATEGORIA PROFISSIONAL DIFERENCIADA DE PROFESSOR. PRIMAZIA DA REALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 511, §3º, DA CLT. TRANSCENDENCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. Caso em que a Corte Regional concluiu que as convenções coletivas acostadas pelo Autor (Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região) não são aplicáveis aos contratos de trabalho celebrados entre o SENAI e seus empregados. Registrou que os empregados do SENAI não podem ser enquadrados na categoria diferenciada dos professores, uma vez que " os serviços sociais autônomos, integrantes do "Sistema S", têm por objetivo promover a assistência social, a orientação e a formação profissional .". Esta Corte Superior firmou o entendimento de que o empregado contratado como instrutor de ensino por estabelecimento de educação profissional se enquadra na condição de professor, independentemente do preenchimento da formalidade exigida pelo art. 317 da CLT, em atenção ao princípio da primazia da realidade . Restou consignado nos autos que o Sindicato atua na qualidade de substituto processual dos professores da Faculdade Reclamada. Assim, o Tribunal Regional, ao indeferir o enquadramento dos substituídos na categoria profissional diferenciada de professor, proferiu decisão dissonante da jurisprudência sedimentada no âmbito desta Corte. Precedentes da SBDI-1 do TST. Recurso de revista conhecido e provido" (Ag-RR-101776-80.2017.5.01.0006, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 16/02/2024).
HORAS EXTRAS. I NSTRUTOR DE CURSO PROFISSIONALIZANTE. SENAT. ENQUADRAMENTO COMO PROFESSOR. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE ART. 317 DA CLT. Trata-se de controvérsia sobre enquadramento do instrutor em curso profissionalizante como professor, nos termos do art. 317 da CLT. A pretensão recursal esbarra no entendimento prevalecente desta Corte no sentido de que as exigências previstas no art. 317 da CLT não obstam o enquadramento do profissional na categoria de professor quando comprovado o efetivo exercício de atividades docentes, diante da aplicação do princípio da primazia da realidade . Agravo de instrumento não provido " (AIRR-994-33.2016.5.14.0008, 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 26/11/2021).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO . INTERPOSTO EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS NºS 13.015/2014 E 13.105/2015, MAS ANTES DA EDIÇÃO DA LEI Nº 13.467/2017. PROFESSOR - ENQUADRAMENTO SINDICAL - PRIMAZIA DA REALIDADE. O Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório, a teor da Súmula nº 126 do TST, consignou que o reclamante exerceu, ao longo do contrato de trabalho, atividades inerentes à categoria dos professores. Esta Corte Superior tem entendimento firme no sentido de que o artigo 317 da CLT, que exige, como requisito para o exercício do magistério, habilitação legal e registro no Ministério da Educação, tem caráter meramente formal, prevalecendo o enquadramento do empregado como professor, caso comprovado o exercício efetivo de atividade docente, em função do princípio da primazia da realidade que norteia o direito do trabalho . Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (RR-663-68.2016.5.21.0004, 7ª Turma , Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 19/08/2022).
De outro lado, constata-se que a 8ª Turma , no julgamento do processo RR-1000455-88.2018.5.02.0501, da Relatoria do Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, consignou o entendimento de que não se pode enquadrar os instrutores como professores, indistintamente, concedendo-lhes os mesmos benefícios da categoria diferenciada, por não ser possível sobrepor-se aos pré-requisitos estabelecidos na Lei nº 9.394/1996 para o exercício da profissão de professor:
"RECURSO DE REVISTA. AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ENQUADRAMENTO SINDICAL. INSTRUTOR DO SENAC. PRETENSÃO DE ENQUADRAMENTO COMO PROFESSOR. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. 1. O recurso oferece transcendência jurídica, nos termos do artigo 896-A, § 1º, IV, da CLT. 2. Cinge-se a controvérsia à possibilidade de enquadramento como professora da empregada contratada pelo SENAC como instrutora/monitora de ensino. 3. O SENAC, ora reclamado, é uma entidade paraestatal, denominada Serviço Social Autônomo, que possui a educação profissional voltada para o setor do comércio de bens, serviços e turismo do Brasil como uma de suas atividades, nos moldes do artigo 1º do seu Regulamento, aprovado pelo Decreto nº 61.843/1967. Ou seja, é entidade destinada à formação de mão-de-obra, com o objetivo de atender as necessidades do setor comercial. 4. Não obstante a jurisprudência desta Corte Superior se incline por considerar os instrutores como professores, a realidade demonstra o contrário. Apesar das atividades dos instrutores serem correlatas com as dos professores, buscando, ambas as categorias, a formação e o aperfeiçoamento dos alunos, não se pode equipará-las. 5. Instrutores orientam quanto à utilização de um computador ou programa de informática, ou como cozinhar ou dançar. Qualquer pessoa com conhecimento dessas operações pode dar instrução a respeito. Assim também como para operar um equipamento como serra elétrica e os cuidados a tomar; como fazer cimento ou assentar tijolos; como fazer massa de pizza ou assá-la; identificar um defeito e trocar a peça. Para isso servem vários cursos técnicos que, em geral, são de curta duração e de ordem prática, em que a outorga do diploma fica condicionada apenas à frequência, sem avaliação oficial da aprendizagem pelos alunos. 6. O instrutor, pela experiência profissional e não pelos conhecimentos intrínsecos ou preparação didática e metodologia adequadas (que pode ou não ter), dá instruções sobre preparo, uso, procedimento ou comportamento. Mas não ensina os fundamentos e nem é submetido à avaliação oficial de sua qualificação e desempenho. O conteúdo programático, a bibliografia, os objetivos, o perfil pretendido do egresso e a própria instituição também não sofrem avaliação. 7. A atividade do professor vai muito além de práticas instrucionais. Envolve não apenas o como, mas também o porquê, ou seja, os fundamentos, para que o aluno (e não meramente o instruído) pesquise na busca de conhecimentos e desenvolva habilidades próprias, que superam o objeto mecânico da instrução vinda de uma experiência profissional do instrutor. 8. “Professor” de clube de natação, de vôlei, de tênis, de futebol de salão ou de campo é professor ou instrutor? O profissional sofre avaliação oficial de qualificação? O seu “ensino” é submetido à avaliação oficial de desempenho? O conteúdo programático, a bibliografia, os objetivos, o perfil pretendido do egresso e a própria instituição sofrem avaliação? Os “alunos” são oficialmente avaliados? 9. Não se diverge nos autos que os professores constituem categoria profissional diferenciada, dispondo o artigo 317 da CLT que “o exercício remunerado do magistério, em estabelecimentos particulares de ensino, exigirá apenas habilitação legal e registro no Ministério da Educação” . A habilitação legal requerida dos professores para fins de exercício regular da profissão, e consequente enquadramento sindical, vem prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB (Lei nº 9.394/1996). 10. O conceito de profissionais da educação está inserto no artigo 61 da LDB, que apresenta em incisos apartados os “professores”, os “trabalhadores em educação” e os “profissionais”, demonstrando a opção clara do legislador em distingui-los. 11. De acordo com o novel inciso IV, incluído pela Lei nº 13.415/2017 no artigo 61, os “profissionais” da educação ali referidos não precisam sequer ter qualquer titulação específica ou formação, bastando o notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do artigo 36, que trata da formação técnica e profissional. 12. A LDB ainda sistematiza em seu artigo 21 a educação escolar em educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – inciso I) e educação superior (inciso II). Há, ainda, a educação profissional e tecnológica prevista no Capítulo III (artigos 39 a 42) do Título V, que não foi incluída em nenhum dos incisos do referido artigo 21, mas poderá ser abarcada ou não pela educação escolar. 13. A partir de uma interpretação lógico-sistemática da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), chega-se a algumas conclusões: a) Para atuar na educação escolar básica e superior, exige-se a contratação de um professor (artigo 61, I c/c artigo 62). b) Os “trabalhadores em educação” e os “profissionais graduados” podem atuar na educação escolar básica como professores (incisos I, II, III e V do artigo 61 c/c artigo 62), uma vez que deles são exigidas graduação e titulação específicas. c) Na educação profissional, seara de atuação do SENAC, ora reclamado, não há a exigência legal de que sejam professores os profissionais contratados para ministrar cursos que não correspondam à educação escolar.Por outro lado, haverá a exigência de contratação de professor no caso de o profissional lecionar disciplinas dos currículos próprios dos cursos integrados pela educação escolar básica ou superior, consoante a Lei nº 9.394/1996 (LDB). 14. No caso dos autos , consta do acórdão regional que “a autora confessou no interrogatório que ‘não possui registro no MEC como professora; (...) que a depoente não ministrou aulas nos cursos universitários, somente em (fl. 950) cursos técnicos, livres e profissionalizantes’ ” (pág. 1.091). 15. Impende ressaltar que não integram a educação escolar os cursos especiais descritos no artigo 42 da LDB, in verbis : “As instituições de educação profissional e tecnológica, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade” . 16. Tendo em vista que a autora foi contratada para ministrar cursos que não compõem a educação escolar básica ou superior, a qual exige graduação e habilitação específicas que ela não possui, o enquadramento sindical da empregada não pode ser feito na categoria profissional diferenciada de professor. 17. Não se desconhece que a questão em debate já foi decidida pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte, no julgamento dos embargos em recurso de revista E-RR-70000-54.2008.5.15.0114, publicado em 28/10/2011, em que ficou assentado o entendimento de que, “independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado – professor, instrutor ou técnico – é a realidade do contrato de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente” . Com efeito, o entendimento prevalecente deste Tribunal Superior, firmado em período anterior à alteração legislativa , é no sentido de que a exigência prevista no artigo 317 da CLT é de natureza meramente formal para o exercício da profissão de professor, devendo ser observado primordialmente o princípio da primazia da realidade. Poderia se afirmar a necessidade de rever tal jurisprudência, realizando-se um verdadeiro overruling ao entendimento até então vigorante. 18. Entretanto, é a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) que distingue professores (que podem atuar na educação escolar básica e superior) de profissionais da educação que operam na educação técnica e profissional não compreendida na educação escolar básica ou superior. Tanto assim o é que, em 2017, o legislador fez questão de alterar o inciso IV do artigo 61 da LDB para especificar a titulação desses profissionais que atuam no ensino técnico profissional, diferindo-os dos demais em verdadeira superação legislativa à jurisprudência outrora firmada por esta Corte. Assim, dada à mudança na base normativa que esmiuçou a atividade dos instrutores profissionais, fatores exógenos ao entendimento deste Tribunal Superior, não há que se falar em suplantar a jurisprudência, mas apenas em nova interpretação à luz da atual regulação. 19. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XIII, preceitua que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” , tal como realizado pela Lei nº 9.394/1996. 20. No contexto da hipótese ora em debate, não há espaço para a aplicação do princípio da primazia da realidade, porquanto não lhe é franqueado sobrepor-se aos pré-requisitos estabelecidos na Lei nº 9.394/1996 para o exercício da profissão de professor, incorrendo em relativização do princípio da segurança jurídica, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. 21. Não se pode enquadrar os instrutores como professores, indistintamente, concedendo-lhes os mesmos benefícios da categoria diferenciada, sob pena de imputar ao empregador obrigação não prevista em lei, em patente ofensa ao princípio da legalidade insculpido no artigo 5º, II, da Constituição Federal. 22. Importa, sim, prestigiar o princípio da isonomia, que impõe tratar de forma igual os iguais e desigualmente os desiguais, aplicando a lei de forma justa, considerando as diferenças. 23. Por fim, restando consignado pelo egrégio TRT que o reclamado não foi representado nas negociações coletivas estatuídas pelo SINPRO, cuja aplicação pretende a reclamante, inviável é o acolhimento da tese recursal, uma vez que o empregador não pode ser obrigado a cumprir norma coletiva quando efetivamente não participou da sua celebração, nos termos da Súmula/TST nº 374. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e desprovido. (...)" (RR-1000455-88.2018.5.02.0501, 8ª Turma , Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 30/10/2023).
Além disso, a ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas desta Corte incentiva a recorribilidade e propicia o surgimento de entendimentos dissonantes entre os Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema, como precedente qualificado, nos termos do art. 926 do CPC.
Cito, a título de exemplo, os seguintes julgados divergentes de Tribunais Regionais:
DO ENQUADRAMENTO SINDICAL. DAS DIFERENÇAS SALARIAIS. [...] Com efeito, a reclamante
admitiu, em seu depoimento pessoal, a ausência da habilitação legal necessária para o
registro no Ministério da Educação, como exige o art. 317 da CLT, aplicável à reclamada, o
que impede o enquadramento na categoria dos professores. Neste sentido, já decidiu esta
13ª Turma, no processo nº 00022446520145020086, com voto da lavra do Exmo. Des. Paulo
Mota. Negado provimento, portanto.” (Tribunal Regional do Trabalho da
2ª Região
(13ª Turma). Acórdão: 1000443-41.2018.5.02.0609. Relator(a): FERNANDO ANTONIO SAMPAIO DA
SILVA. Data de julgamento: 23/04/2019. Juntado aos autos em 24/04/2019. Disponível em:
PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. ENQUADRAMENTO DO INSTRUTOR DE CURSO PROFISSIONALIZANTE COMO PROFESSOR. POSSIBILIDADE. Nos termos do art. 317 da CLT e conforme jurisprudência da SBDI-l do TST, a nomenclatura do cargo na instituição e a ausência de habilitação legal não impedem o enquadramento do instrutor de curso profissionalizante como professor, à luz do princípio da primazia da realidade. (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (02ª Turma). Acórdão: 0010868-89.2024.5.03.0033. Relator(a): Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo. Data de julgamento: 11/02/2025. Juntado aos autos em 11/02/2025. Disponível em: https://link.jt.jus.br/qkaWvX)
A divergência verificada, associada à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permitem concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em um precedente obrigatório, como forma de promover a isonomia, a segurança jurídica e a razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT proponho a afetação do processo TST- RR - 0020396-54.2022.5.04.0401 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:
O empregado que efetivamente exerceu atividades de docência deve ser enquadrado como professor independentemente da nomenclatura do cargo para o qual foi contratado ou do cumprimento dos requisitos formais referentes à habilitação legal e registro no Ministério da Educação?
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O empregado que efetivamente exerceu atividades de docência deve ser enquadrado como professor independentemente da nomenclatura do cargo para o qual foi contratado ou do cumprimento dos requisitos formais referentes à habilitação legal e registro no Ministério da Educação? Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST