A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMRLP/mme/jl
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - RADIAÇÃO IONIZANTE. “A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministerial (Portarias do Ministério do Trabalho nºs 3.393, de 17.12.1987, e 518, de 07.04.2003), ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, ‘caput’, e inciso VI, da CLT. No período de 12.12.2002 a 06.04.2003, enquanto vigeu a Portaria nº 496 do Ministério do Trabalho, o empregado faz jus ao adicional de insalubridade”. (Orientação Jurisprudencial nº 345 da SBDI-1). Recurso de revista conhecido e provido.
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. NULIDADE – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAR CONTRARRAZÕES AO RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO (alegação de violação ao artigo 900 da Consolidação das Leis do Trabalho). Não demonstrada a violação à literalidade de dispositivo de lei federal, não há que se determinar o seguimento do recurso de revista com fundamento na alínea “c” do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista não conhecido.
REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL – AMPLITUDE DA CLÁUSULA AD JUDICIA (alegação de violação ao artigo 38 do Código de Processo Civil). Não demonstrada a violação à literalidade de dispositivo de lei federal, não há que se determinar o seguimento do recurso de revista com fundamento na alínea “c” do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista não conhecido.
VÍNCULO EMPREGATÍCIO – RECONHECIMENTO (alegação de violação aos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho). Não demonstrada a violação à literalidade de dispositivo de lei federal, não há que se determinar o seguimento do recurso de revista com fundamento na alínea “c” do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista não conhecido.
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – GRAU MÉDIO. Prejudicada a análise do tema, ante o conhecimento e provimento do recurso de revista do reclamante no sentido de restabelecer a sentença de que deferiu o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos, excluindo a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade. Recurso de revista não conhecido.
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – BASE DE CÁLCULO. Prejudicada a análise do tema, ante o conhecimento e provimento do recurso de revista do reclamante no sentido de restabelecer a sentença de que deferiu o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos, excluindo a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade. Recurso de revista não conhecido.
DIFERENÇAS DE COMISSÕES – ÔNUS DA PROVA (alegação de violação aos artigos 93, IX, da Constituição Federal, 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e 333, I, do Código de Processo Civil). Não demonstrada a violação à literalidade de preceito constitucional ou de dispositivo de lei federal, não há que se determinar o seguimento do recurso de revista com fundamento na alínea “c” do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista não conhecido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-800/2004-007-03-00.0 , em que são Recorrentes JÚLIO CESAR ALVES DA CUNHA e CLINIBEL – CLÍNICA BELO HORIZONTE LTDA e são Recorridos OS MESMOS .
O Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, mediante o acórdão de fls. 354/361, deu provimento parcial ao recurso da reclamada para excluir da condenação o adicional de periculosidade e reflexos, condenando a reclamada ao pagamento do adicional de insalubridade e reflexos legais. Deu provimento parcial ao recurso do reclamante para acrescer à condenação a multa do artigo 477 da CLT.
Opostos embargos de declaração pelo reclamante, às fls. 363/365, e pela reclamada, às fls. 366/369, o Tribunal Regional, mediante o acórdão de fls. 373/376 deu-lhes provimento para prestar os esclarecimentos constantes do voto e para determinar que o adicional de insalubridade deferido seja calculado sobre o salário profissional do dentista, em conformidade com a Lei nº 3.999/61.
O reclamante interpõe recurso de revista, às fls. 378/390. Postula a reforma do decidido quanto aos seguintes temas: adicional de periculosidade – radiação ionizante, por violação aos artigos 193 e 200, VI, da Consolidação das Leis do Trabalho e por divergência jurisprudencial.
A reclamada interpõe recurso de revista, às fls. 391/398. Postula a reforma do decidido quanto aos seguintes temas: 1) nulidade – ausência de intimação para apresentar contrarrazões ao recurso ordinário adesivo, por violação ao artigo 900 da Consolidação das Leis do Trabalho; 2) representação processual – amplitude da cláusula ad judicia, por violação ao artigo 38 do Código de Processo Civil; 3) vínculo empregatício – reconhecimento, por violação aos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho; 4) adicional de insalubridade – grau médio, por violação à NR-15 do Ministério do Trabalho; 5) adicional de insalubridade – base de cálculo, por violação à Lei nº 3.999/61, à Lei Complementar nº 103/00 e ao artigo 7º, V, da Constituição Federal; 6) diferenças de comissões – ônus da prova, por violação aos artigos 93, IX, da Constituição Federal, 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e 333, I, do Código de Processo Civil.
Os recursos foram admitidos pelo despacho de fls. 400/401.
Contrarrazões apresentadas pela reclamada às fls. 403/407.
Sem remessa dos autos à d. Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do artigo 83, §2º, II, do Regimento Interno do TST.
É o relatório.
V O T O
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE
Recurso tempestivo (acórdão publicado em 18/03/2005 – sexta-feira, conforme certidão de fls. 377, e recurso de revista protocolizado às fls. 378, em 28/03/2005), subscrito por procurador habilitado (procuração às fls. 97), preparo desnecessário, cabível e adequado, o que autoriza a apreciação dos seus pressupostos específicos de admissibilidade.
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE – RADIAÇÃO IONIZANTE
CONHECIMENTO
O reclamante sustenta que, “por foça da delegação legislativa contida no art. 200, VI, da CLT, a Portaria nº 3393, de 17 de dezembro de 1987, do Ministério do Trabalho também considerou como atividades de risco potencial aquelas que expõem o trabalhador a radiações ionizantes ou a substâncias radioativas” (fls. 389). Afirma que não pode prosperar o entendimento exarado no acórdão recorrido de que a citada portaria ministerial extrapolou os limites impostos pela legislação ordinária. Aponta violação aos artigos 193 e 200, VI, da Consolidação das Leis do Trabalho. Transcreve arestos.
O Tribunal Regional, ao tratar do tema, deixou consignado, in verbis :
“Diz a demandada que o local de trabalho é seguro, sob o ponto de vista radiológico, sendo inconclusivo o laudo pericial que se baseia apenas nas alegações do trabalhador. Alega que mesmo que haja contato habitual com radiações ionizantes, este fato enseja apenas o pagamento do adicional de insalubridade, eis que a periculosidade pressupõe contato com substâncias inflamáveis ou explosivas, o que é matéria de essência diversa.
Tem razão.
Segundo interpretação precisa do art. 193 da CLT, somente o contato com agentes inflamáveis e explosivos, em condição de risco acentuado, confere ao trabalhador o direito à percepção do adicional de periculosidade.
Ainda que esta norma tenha sido ampliada pela Lei n. 7.369/85 de forma a abrigar o setor da energia elétrica de alta potência, não o fez de forma a alcançar o exercício da atividade com exposição à radiação ionizante, já que a natureza do agente agressor, neste caso, é de nocividade à saúde e não pela probabilidade de ocorrência de sinistro à vida, matéria de essência diversa.
Desse modo, não se enquadrando naquele Dispositivo Legal as atividades de manuseio de raio-x, caso em exame, merece provimento o apelo para que, reconhecendo o trabalho em condição insalubre, seja o adicional respectivo objeto de condenação.
Provejo o pedido para, reformando a sentença, excluir da condenação o adicional de periculosidade e condenar a reclamada ao pagamento do adicional de insalubridade, em grau máximo, bem assim o reflexo nas parcelas de lei.” (fls. 359)
Ao julgar os embargos de declaração opostos, o Tribunal Regional assim dispôs:
“É notória a acalorada discussão a que se lançam os julgadores trabalhistas acerca do enquadramento pretendido pelo reclamante. Esta Turma apenas se alinha à sua rejeição, com o respaldo da jurisprudência majoritária, que entende que a Portaria Ministerial arvorou-se em lei, com manifesta impertinência.
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - RADIAÇÃO IONIZANTE - ILEGALIDADE - Conforme se infere da leitura do art. 193 da CLT, a periculosidade expõe o trabalhador ao risco de sinistro, por contato com substâncias inflamáveis ou explosivas, sendo que o tempo de exposição só aumenta a probabilidade do sinistro: se este não ocorrer, a pessoa permanece em seu estado normal de saúde, tal como se nunca houvesse trabalhado nessas condições. Assim sendo, a exposição à radiação ionizante não se encontra entre as hipóteses legais para a configuração de periculosidade, pois a natureza do agente agressor é de nocividade à saúde, pela continuidade da exposição, e não de risco à vida, pela maior probabilidade de ocorrência do sinistro, podendo ser, no máximo, considerada como insalubre, em decorrência de exposição contínua, mas não perigosa. A hipótese do art. 193 da CLT apenas foi ampliada pela Lei nº 7.369/85, para o setor de energia elétrica, pelo risco da descarga elétrica de alta potência. Desta forma, a decisão regional, ao conceder adicional de periculosidade à Reclamante, pelo exercício de atividade com exposição à radiação ionizante, violou, efetivamente, o art. 193 da CLT, pois a invocação da Portaria nº 3.393/87 do Ministério do Trabalho não era razão suficiente para condenação no adicional, já que sem respaldo legal - RR 675116/00.0, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho.
É o que se ratifica.” (fls. 374/375)
Entretanto, a conclusão perfilhada no acórdão recorrido discrepa do teor do primeiro aresto transcrito às fls. 382 das razões de recurso de revista, originário do TRT da 4a Região e publicado no DJ de 23/04/2001, a saber:
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. RADIAÇÕES IONIZANTES. A normatização da matéria pelo Ministério do Trabalho não encontra óbice na CLT, uma vez que o art. 193 deve ser interpretado de forma sistemática, não constituindo regra numerus clausus que não comportasse outras situações a ensejar direito ao adicional de periculosidade que não aquelas lá previstas (inflamáveis ou explosivos), mormente em face das transformações decorrentes da aplicação da física nuclear, muito posteriores à edição da CLT.”
Conheço.
MÉRITO
Importa considerar-se que o artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho considera como atividades ou operações perigosas aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado, incumbindo ao Ministério do Trabalho sua regulamentação. Esse, por sua vez, tem poderes para editar normas, como é o caso da Portaria nº 3.393/97, que considera como perigosas as “atividades de operação com aparelhos de raios-X, com irradiadores de radiação gama, radiação beta ou radiação nêutrons”, portanto dentro dos ditames insculpidos pelo artigo consolidado em comento. Incólume, portanto, o dispositivo celetista em comento.
Saliente-se que a edição da Portaria nº 3.393/87 não afronta o princípio da reserva legal, vez que o artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao conceituar as atividades perigosas, remete à regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, promovida por meio de disposições complementares às normas consolidadas, em razão da exposição do trabalhador às radiações ionizantes e às substâncias radioativas prejudiciais à saúde, sendo, pois, devido o adicional de periculosidade de forma integral.
Nesse mesmo sentido, aliás, é a iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte consubstanciada pelos Precedentes de nº 345 da SBDI-1, a saber:
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. RADIAÇÃO IONIZANTE OU SUBSTÂNCIA RADIOATIVA. DEVIDO. DJ 22.06.05. A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministerial (Portarias do Ministério do Trabalho nºs 3.393, de 17.12.1987, e 518, de 07.04.2003), ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, ‘caput’, e inciso VI, da CLT. No período de 12.12.2002 a 06.04.2003, enquanto vigeu a Portaria nº 496 do Ministério do Trabalho, o empregado faz jus ao adicional de insalubridade. ERR 599325/99, T. Pleno, Min. João Oreste Dalazen, Julgado em 05.05.05. ERR 522574/98, Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ 01.09.00. RR 85828/03-900-04-00.2, 1ªT, Min. Emmanoel Pereira, DJ 01.10.04. RR 116557/03-900-04-00.6, 1ªT, Min. João Oreste Dalazen, DJ 25.06.04. RR 70700/02-900-04-00.3, 2ªT, Min. Renato de Lacerda Paiva, DJ 18.02.05. RR 539217/99, 2ªT, Min. José Luciano de Castilho Pereira, DJ 29.08.03. RR 614066/99, 3ªT, Juíza Conv. Eneida Melo, DJ 14.11.02. RR 770947/01, 3ªT, Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ 22.03.02. RR 723740/01, 5ªT, Min. Rider de Brito, DJ 06.12.02. RR 94305/03-900-04-00.7, 5ªT, Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 13.05.05.”
Nestes termos, dou provimento ao recurso de revista, para restabelecer a sentença de fls. 305/311, que deferiu o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos.
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA
Recurso tempestivo (acórdão publicado em 18/03/2005 – sexta-feira, conforme certidão de fls. 377, e recurso de revista protocolizado às fls. 391, em 28/03/2005), subscrito por procurador habilitado (mandato tácito às fls. 301), preparo correto (condenação no valor de R$ 100.000,00, conforme sentença de fls. 305/311, depósitos recursais às fls. 331, no valor de R$ 4.403,00, e às fls. 399, no valor de R$ 8.804,00, e recolhimento de custas às fls. 332, no valor de R$ 2.000,00), cabível e adequado, o que autoriza a apreciação dos seus pressupostos específicos de admissibilidade.
1 – NULIDADE – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAR CONTRARRAZÕES AO RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que não foi intimada para apresentar suas contrarrazões ao recurso ordinário do reclamante, o que gera nulidade processual. Afirma que, quando do julgamento dos embargos de declaração interpostos pelas partes, o Desembargador Relator não apresentou o relatório, sob o fundamento de que tratar-se-ia de processo submetido ao procedimento sumaríssimo, o que não é verdade, tendo em vista o valor atribuído à causa. Aponta violação ao artigo 900 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ao julgar os embargos de declaração da reclamada, o Tribunal Regional assim dispôs:
“EMBARGOS DA RECLAMADA
Da nulidade por ausência de intimação para contra-arrazoar o recurso adesivo do reclamante
Rejeito.
A uma, porque a interposição e subseqüente processamento do apelo adesivo foram tornados públicos no momento de sua subida e com os trâmites recursais, inclusive publicação da pauta, quando a reclamada deveria argüir a nulidade, na forma do art. 795, caput, da CLT.
A duas, porque esta Instância já exauriu seu ofício jurisdicional, sendo-lhe defeso modificá-lo neste sentido - cf. art. 471/CPC.” (fls. 375)
Destarte, não vislumbro violação à literalidade do artigo 900 da Consolidação das Leis do Trabalho. É que, na hipótese dos autos, o recurso ordinário adesivo interposto pelo reclamante (fls. 346/349), para o qual não foi intimada a reclamada para apresentar contrarrazões, foi julgado parcialmente procedente tão-somente para acrescer à condenação a multa do artigo 477 da CLT (fls. 361). Para tanto, o Tribunal Regional adotou tese condizente com a Súmula nº 12 daquela Corte, segundo a qual “Mesmo havendo séria controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício e sendo este reconhecido apenas em Juízo, aplica-se ao empregador a multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias”. Dessa forma, como a tese adotada pelo Tribunal Regional independia da constatação da existência de controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício, não há que se falar em nulidade, eis que, ainda que fosse conferida à reclamada a oportunidade de se manifestar acerca da questão, não lograria alterar os fundamentos estritamente jurídicos adotados no acórdão em recurso ordinário adesivo. Assim, não há que se falar em nulidade, eis que o artigo 794 da Consolidação das Leis do Trabalho, consagrando o brocardo pas de nullité sans grief , estabelece que “Nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes” .
Não conheço.
2 – REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL – AMPLITUDE DA CLÁUSULA AD JUDICIA
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que a procuração outorgada ao advogado do reclamante que assina a petição inicial não lhe outorga poderes especiais para propor reclamatória trabalhista em face da reclamada. Aponta violação ao artigo 38 do Código de Processo Civil.
O Tribunal Regional, ao tratar da questão, deixou consignado, in verbis:
“DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL
Diz a demandada que a procuração outorgada ao advogado que assina a exordial não lhe concede poderes especiais para propor ação trabalhista.
Não obstante, o instrumento de procuração anexado à f. 97 dos autos, firmado pelo reclamante, atende de forma plena à norma que regula a espécie, e se apresenta bastante aos fins a que se destina.
Os advogados então constituídos, regularmente inscritos em seu órgão de classe, acompanharam a integralidade do curso processual praticando todos os atos que emanam da outorga dos poderes contidos na cláusula ad judicia et extra , bem como aqueles necessários à defesa de seu cliente e ao fiel cumprimento do mandato, não se verificando o vício de representação que ora se noticia.
Ademais, não se pode esquecer que em face da Norma Juslaboral vigora o princípio do jus postulandi , sendo de se apontar que o reclamante se fez presente em todos os atos processuais, acompanhando, de perto, o desenrolar do feito.
Nada a prover.” (fls. 356)
Destarte, não prospera a alegação de violação à literalidade do artigo 38 do Código de Processo Civil, eis que o Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório, de inviável reexame nesta esfera recursal, nos termos da Súmula/TST nº 126, constatou que “ o instrumento de procuração anexado à f. 97 dos autos, firmado pelo reclamante, atende de forma plena à norma que regula a espécie, e se apresenta bastante aos fins a que se destina” .
Ressalte-se, ademais, que não é necessária a concessão de poderes especiais para ajuizamento de ação judicial, bastando, para tanto, os poderes conferidos pela cláusula ad judicia.
Não conheço.
3 – VÍNCULO EMPREGATÍCIO – RECONHECIMENTO
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que os pressupostos do vínculo de emprego não restaram configurados, particularmente a subordinação, já que “A agenda do reclamante era de sua própria responsabilidade, cabendo a ele a organização de seu horário para atendimento dos clientes, ditando os ritmos de seus serviços” (fls. 394). Afirma que não havia pessoalidade, já que, não comparecendo o reclamante, era providenciada a presença de outro profissional, caso houvesse necessidade. Aponta violação aos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
O Tribunal Regional, ao tratar da questão, deixou consignado, in verbis:
“DA RELAÇÃO DE EMPREGO
De início, importante salientar que em se tratando de relação de emprego, importa pesquisar os fatos em sua exata dimensão e não na aparência.
Assim, os elementos formais não descaracterizam a existência do vínculo, que se forma pelo seu real conteúdo e não a partir do nome que lhes é atribuído pelas partes.
Neste sentido caminha o princípio da primazia da realidade, cogente em nosso ordenamento jurídico positivo.
No caso em exame, uma vez se faça inquestionável a prestação de serviços, era da reclamada a obrigação de demonstrar que esta não se consubstanciou na forma do art. 3° consolidado.
Deste ônus não se desincumbiu a contento.
Segundo esclarece a primeira testemunha do reclamante, Viviane Castro Lima, que também trabalhou como dentista perante a ré, "não podia recusar pacientes; que o anúncio no jornal oferecia emprego, por isso foi parar na clínica; ganhava em média R$600,00; teve um aumento de tabela em 2002 que não foi passado à depoente nem a nenhum dos dentistas; que a tabela para o dentista era uma só, independentemente da variação do convênio; que tinha uma perita da própria empresa que fiscalizava os serviços depois de encerrados; ... que se um dos dentistas quisesse mudar o horário de atendimento, tinha que pedir permissão; ... que não podia trocar de horário sem autorização; que não podia recusar se o serviço não compensasse financeiramente; ... que se não pudesse ir trabalhar em um determinado dia, tinha que pedir autorização para fechar a agenda; ... que se não aceitasse, tinha que pedir demissão; que as condições eram impostas..." (f. 302/303).
O preposto da reclamada, por sua vez, noticiou que "era a clínica quem marcava as consultas; a empresa detém um responsável técnico que supervisionava o serviço do recte; ... que a recda tem que ter um profissional para atender emergência; ... que a central de marcação é que direcionava o cliente ao dentista..." (f. 301/302).
A testemunha patronal, Cynthia Consuelo da Silva, f. 283, informa que "os dentistas recebiam independentemente da forma de pagamento do cliente; ... nem sempre o dentista que fazia o orçamento era quem executava os serviços, por motivos operacionais; ... que caso algum paciente deixasse de efetuar algum pagamento acordado, o reclamante receberia normalmente o valor pactuado das comissões; ... que nunca aconteceu de o reclamante faltar e não avisar...".
Significa dizer, em outras palavras, que os serviços prestados eram necessários à atividade normal da reclamada, participando o autor, integrativamente, deste processo.
Exercia a ré fiscalização direta sobre o trabalho desenvolvido pelo reclamante, direcionando clientes e forma da prestação, na medida em que estipulava previamente os horários e a agenda à qual se devia submeter o trabalhador.
A subordinação, aferida a partir de critério objetivo, fez-se inteiramente presente na função desempenhada e no modo de concretização do ajuste pactuado entre os demandantes, determinando, em tons e cores, a natureza jurídica do vínculo que então se delineou, eis que inquestionável a existência concomitante dos pressupostos de pessoalidade, não eventualidade e onerosidade.
Definida a relação jurídica material, fazem-se devidas as parcelas resultantes do extinto contrato.
Nego provimento.” (fls. 357/358)
Destarte, não prospera a alegação de violação à literalidade dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. É que, a par dos contornos nitidamente fático-probatórios que envolvem a questão relativa ao preenchimento dos requisitos para o reconhecimento do vínculo empregatício e que inviabilizam o seguimento do recurso de revista na forma preconizada pela Súmula nº 126 desta Corte, o Tribunal Regional deu a exata subsunção dos fatos ao conceito contido nos dispositivos invocados, já que constatou que “A subordinação, aferida a partir de critério objetivo, fez-se inteiramente presente na função desempenhada e no modo de concretização do ajuste pactuado entre os demandantes” , e que restou “ inquestionável a existência concomitante dos pressupostos de pessoalidade, não eventualidade e onerosidade” .
Não conheço.
4 – ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – GRAU MÉDIO
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que os trabalhadores submetidos aos agentes com os quais laborava o reclamante fazem jus ao recebimento do adicional de insalubridade em grau médio, e não em grau máximo. Aponta violação à NR-15 do Ministério do Trabalho.
O Tribunal Regional, ao julgar a questão relativa ao adicional de periculosidade, deixou consignado, in verbis:
“Diz a demandada que o local de trabalho é seguro, sob o ponto de vista radiológico, sendo inconclusivo o laudo pericial que se baseia apenas nas alegações do trabalhador. Alega que mesmo que haja contato habitual com radiações ionizantes, este fato enseja apenas o pagamento do adicional de insalubridade, eis que a periculosidade pressupõe contato com substâncias inflamáveis ou explosivas, o que é matéria de essência diversa.
Tem razão.
Segundo interpretação precisa do art. 193 da CLT, somente o contato com agentes inflamáveis e explosivos, em condição de risco acentuado, confere ao trabalhador o direito à percepção do adicional de periculosidade.
Ainda que esta norma tenha sido ampliada pela Lei n. 7.369/85 de forma a abrigar o setor da energia elétrica de alta potência, não o fez de forma a alcançar o exercício da atividade com exposição à radiação ionizante, já que a natureza do agente agressor, neste caso, é de nocividade à saúde e não pela probabilidade de ocorrência de sinistro à vida, matéria de essência diversa.
Desse modo, não se enquadrando naquele Dispositivo Legal as atividades de manuseio de raio-x , caso em exame, merece provimento o apelo para que, reconhecendo o trabalho em condição insalubre, seja o adicional respectivo objeto de condenação.
Provejo o pedido para, reformando a sentença, excluir da condenação o adicional de periculosidade e condenar a reclamada ao pagamento do adicional de insalubridade, em grau máximo, bem assim o reflexo nas parcelas de lei.” (fls. 359)
Prejudicada a análise do tema, ante o conhecimento e provimento do recurso de revista do reclamante no sentido de restabelecer a sentença de fls. 305/311, que deferiu o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos, excluindo a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade.
Não conheço.
5 – ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – BASE DE CÁLCULO
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que não pode prevalecer o entendimento de que seria utilizado como base de cálculo do adicional de insalubridade o piso salarial previsto na Lei nº 3.999/61, já que ela não foi recepcionada pela Constituição Federal, além de ter sido revogada pela Lei Complementar nº 103/2000. Afirma que não há um piso determinado para os odontólogos a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e que o reclamante recebia à base de comissões, razão pela qual deve o adicional de insalubridade ser calculado com base no valor do salário mínimo. Aponta violação à Lei nº 3.999/61, à Lei Complementar nº 103/00 e ao artigo 7º, V, da Constituição Federal.
O Tribunal Regional, ao julgar os embargos de declaração do reclamante, deixou consignado, in verbis:
“Da base de cálculo do adicional de insalubridade
Atendendo ao disposto no recém revigorado Enunciado 17/TST, provejo os embargos no particular para determinar que o adicional de insalubridade deferido seja calculado sobre o salário profissional do dentista, em conformidade com a Lei 3.999/61.” (fls. 375)
Prejudicada a análise do tema, ante o conhecimento e provimento do recurso de revista do reclamante no sentido de restabelecer a sentença de fls. 305/311, que deferiu o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos, excluindo a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade.
Não conheço.
6 – DIFERENÇAS DE COMISSÕES – ÔNUS DA PROVA
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que não há que se falar em diferenças de comissões, já que o reclamante não logrou qualquer alteração no pactuado de forma a não remunerá-lo ou remunerá-lo a menor. Afirma que era essencial a realização de perícia contábil para comprovar a veracidade ou não do alegado pelo reclamante, o que não foi requerido por ele. Aponta violação aos artigos 93, IX, da Constituição Federal, 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e 333, I, do Código de Processo Civil.
O Tribunal Regional, ao tratar da questão, deixou consignado, in verbis:
“REAJUSTE DE COMISSÕES. ALTERAÇÃO CONTRATUAL
Segundo prova testemunhal colacionada pela própria reclamada à f. 283/284, ‘o reclamante recebia normalmente o valor pactuado das comissões, sendo que antigamente, não sabendo informar até quando, era de 40% para o reclamante, e posteriormente passou a ser de 33% para o reclamante...; quando houve alteração da tabela, os dentistas passaram a receber 33% ao invés de 40%...’.
Houve, portanto, alteração contratual lesiva, traduzida pela redução de salário e consequente prejuízo ao trabalhador, com o que não haverá de compactuar esta Casa de Justiça.
Não há prova de benefício compensatório.
A condenação é consequência de lei e direito, inclusive no que diz respeito aos reflexos legais.
A parcela será objeto de apuração em execução de sentença, tendo-se como termo inicial o mês de abril de 2004 conforme determinado pelo d. juízo primeiro, o que guarda consonância com a prova dos autos, em especial os documentos de f. 24/26, que noticiam a alteração da tabela relatada pela prova testemunhal.
Desprovejo.” (fls. 360)
Destarte, não prospera a alegação de afronta direta e literal ao artigo 93, IX, da Constituição Federal, tampouco de violação à literalidade dos artigos 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e 333, I, do Código de Processo Civil. Note-se que, a par da discussão acerca da distribuição do ônus probatório, o Tribunal Regional, embasado nas provas constantes dos autos, constatou que “ os documentos de f. 24/26” “ noticiam a alteração da tabela relatada pela prova testemunhal” , razão pela qual concluiu que houve “ alteração contratual lesiva, traduzida pela redução de salário e consequente prejuízo ao trabalhador”. Assim, por se tratar da aplicação do ônus objetivo da prova, resta despicienda a discussão acerca do ônus subjetivo, pelo que não há que se falar em ofensa aos dispositivos legais supracitados.
No tocante à valoração da prova, vale esclarecer que o Tribunal Regional decidiu em consonância com o disposto no artigo 131 do Código de Processo Civil, posto que sua conclusão decorreu da aplicação do princípio da persuasão racional. Cumpre observar que não mais vigora o sistema da prova legal, onde o valor das provas era tarifado. No sistema atual, é livre a apreciação e valoração das provas, bastando que o juiz atenda aos fatos e circunstâncias constantes dos autos e indique os motivos que lhe formaram o convencimento.
Não conheço.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista do reclamante, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença de fls. 305/311, que deferiu o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos, julgando prejudicado o recurso da reclamada quanto aos temas “adicional de insalubridade – grau médio” e “adicional de insalubridade – base de cálculo”. Também por unanimidade, não conhecer do recurso de revista da reclamada quanto aos demais temas.
Brasília, 21 de outubro de 2009.
Renato de Lacerda Paiva
Ministro Relator