A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/cal

REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. DÚVIDA RAZOÁVEL E OBJETIVA ACERCA DA DATA DE INÍCIO DA GESTAÇÃO DURANTE O CONTRATO DE TRABALHO. Hipótese em que se discute o reconhecimento de garantia no emprego à gestante quando existe dúvida razoável e objetiva, considerada a margem de erro, sobre o momento de a concepção ter ocorrido antes (ou depois) da rescisão contratual. O Tribunal Regional do Trabalho concluiu pela inexistência da estabilidade provisória ao argumento de que, considerada a margem de erro, a data da concepção poderia ter ocorrido após o término da relação empregatícia. Diante da manifestação da C. SBDI-1 e de Turmas do Tribunal Superior do Trabalho, indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: Existindo dúvida sobre a data de início da gravidez durante o contrato de trabalho, deverá a garantia de emprego à gestante ser reconhecida? Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: "A dúvida razoável e objetiva sobre a data de início da gravidez e sua contemporaneidade ao contrato de trabalho não afasta a garantia de emprego à gestante. " Recurso de revista representativo da controvérsia de que se conhece e a que se dá provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista TST-RR-0000321-55.2024.5.08.0128 , em que é RECORRENTE MARILIA HELLEN SOARES DE MELO , é RECORRIDO MARCOS C A DE SOUSA E CIA LTDA e é CUSTOS LEGIS MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO .

O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de haver pronunciamento relacionado nas Turmas e na Subseção I de Dissídios Individuais do TST , ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.

A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.

Apresentada, portanto, a presente proposta de afetação do processo RR - 0000321-55.2024.5.08.0128 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

Existindo dúvida sobre a data de início da gravidez durante o contrato de trabalho, deverá a garantia de emprego à gestante ser reconhecida?

No caso em exame, trata-se de tema a ser reafirmado em recurso de revista interposto pela Reclamante, em que consta a seguinte matéria delimitada “estabilidade provisória – gestante - dúvida acerca da data de início da gestação durante o contrato de trabalho”.

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. A despeito de reiterados recordes de produtividade, é essencial que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda, conforme demonstram as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho, que vem recebendo um volume maior de novos processos em comparação com os últimos anos. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”

Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.

No que diz respeito ao requisito da multiplicidade de recursos de revista em que se discute a mesma questão de direito do presente caso, verifica-se que, em pesquisa jurisprudencial realizada em 06/03/2025 , no sítio eletrônico deste tribunal, adotando-se como critério de busca as expressões “ estabilidade”, “dúvida”, “gestante”, “data da concepção” ou “data da gestação” ou “data da gravidez” , foram localizados 360 acórdãos e 363 decisões monocráticas, sendo nos últimos 12 meses, 70 acórdãos e 116 decisões monocráticas.

A relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema se configura justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Tribunais Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.

RECURSO DE REVISTA REPRESENTATIVO AFETADO COMO INCIDENTE DE REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DELINEAMENTO DO CASO CONCRETO SUBMETIDO A JULGAMENTO

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região decidiu que era indevida a indenização substitutiva à garantia de emprego à gestante, pois não se tinha certeza da data de concepção e, considerada a margem de erro de 7 (sete) dias a mais ou a menos, se teria ocorrido antes ou depois da extinção contratual (05.09.2023):

“(...) A RECLAMANTE APRESENTOU OS DOCUMENTOS DE ID AB378DF, QUE ESTIMAM A GRAVIDEZ EM NUMERO DE SEMANAS E DIAS, ESTABELECENDO TAMBÉM MARGEM DE ERRO PARA MAIS OU MENOS SETE DIAS. O JUÍZO A QUO, ELABOROU CÁLCULO CONSIDERANDO O NÚMERO DE DIAS E SEMANAS, SEM CONTAR, CONTUDO, COM A MARGEM DE ERRO DE SETE DIAS. PELOS CÁLCULOS ELABORADOS, CONCLUIU-SE QUE A CONCEPÇÃO TERIA OCORRIDO EM 04.09, VÉSPERA DO DIA DO ENCERRAMENTO DO PACTO EM 05.09. OCORRE QUE NÃO SE TEM CERTEZA DESSA DATA, POIS, SE CONSIDERARMOS A MARGEM DE ERRO DE SETE DIAS PARA MAIS OU PARA MENOS, A CONCEPÇÃO PODERÁ TER OCORRIDO POSTERIORMENTE À DATA DA EXTINÇÃO DO PACTO . ASSIM, PENSO QUE NÃO HÁ COMO SE ESTABELECER COM PRECISÃO A DATA EM QUE OCORREU A CONCEPÇÃO. SEJA PORQUE NÃO HÁ OUTROS ELEMENTOS NOS AUTOS CAPAZES DE PRECISAR ESSA DATA, SEJA PELA INFORMAÇÃO CONTIDA NOS EXAMES APRESENTADOS PELA RECLAMANTE QUE INDICAM A MARGEM DE ERRO AQUI JÁ MENCIONADA. ADEMAIS, O DOCUMENTO DE ID 83B14C0, APRESENTADO PELA RECLAMADA E QUE FOI IMPUGNADO PELA AUTORA, SOB O ARGUMENTO DE TER SIDO PRODUZIDO UNILATERALMENTE, APONTA PARA UMA DATA DE CONCEPÇÃO BEM POSTERIOR A QUE FOI CONSIDERADA PELO JUÍZO SENTENCIANTE. TRATA-SE DE DOCUMENTO ELABORADO PELA RECLAMADA SEM A PARTICIPAÇÃO DA RECLAMANTE, PORÉM COM BASE NOS EXAMES JUNTADOS COM A EXORDIAL E QUE NÃO MERECEM O DESCRÉDITO SUGERIDO PELA AUTORA, ELE APENAS DEMONSTRA A DÚVIDA RAZOÁVEL A RESPEITO DA DATA DA CONCEPÇÃO, O QUE, NO MEU SENTIR, LEVA À IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO . PROVEJO, ENTÃO, O APELO.”

No recurso de revista, a Reclamante sustenta que faria jus ao reconhecimento da garantia no emprego prevista no artigo 10, inciso II, “b”, do ADCT, pois, remanescendo incerteza quanto ao exato momento da concepção, à luz da jurisprudência deste Tribunal Superior do Trabalho, deveria ser privilegiada a interpretação que prestigia a proteção objetiva do nascituro. Fundamenta o recurso de revista na alegação de contrariedade à Súmula 244 do TST, violação aos artigos 10, II, b, do ADCT e 391-A da CLT, além de divergência jurisprudencial.

Delineados os contornos fático-jurídicos do caso concreto, passo à análise do entendimento pacífico deste Tribunal Superior do Trabalho ora submetida à reafirmação e suas repercussões no julgamento do caso.

REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO SOBRE A MATÉRIA SUBMETIDA À AFETAÇÃO

A posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que, existindo dúvida quanto ao momento da concepção para fins da estabilidade da gestante de que do art. 10, II, "b", do ADCT, considerar-se-á a interpretação que privilegia o reconhecimento do direito, em atenção à proteção do nascituro, da maternidade, da família e à dignidade da pessoa humana.

É nesse sentido a posição da SDI-1 e de sete Turmas (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª) desta Corte Superior :

(...) III - RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE. PROVA DIVIDIDA. DÚVIDA ACERCA DA DATA DA CONCEPÇÃO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROTEÇÃO À MÃE E AO NASCITURO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, "b", do ADCT visa à tutela da família e da dignidade humana, de modo que, pairando dúvida quanto ao estado gravídico no momento da rescisão, deve prevalecer a interpretação que privilegia o reconhecimento do direito constitucionalmente garantido . Precedentes. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. (RR-1000332-58.2018.5.02.0059, 1ª Turma , Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 25/03/2022).

(.;.) II - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE. LAUDO PERICIAL INCONCLUSIVO ACERCA DA DATA PRECISA DA CONCEPÇÃO. DECISÃO QUE SE NORTEIA COM BASE NOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROTEÇÃO À SAÚDE DO NASCITURO E DA MÃE. 1. Hipótese em que o Tribunal Regional, considerando a dúvida existente no laudo pericial sobre o dia preciso da concepção da gravidez, entendeu que a obreira não se desincumbiu do seu encargo probatório quanto ao estado gravídico no curso do contrato de trabalho e, se valendo de cálculos matemáticos, concluiu que a concepção do nascituro ocorreu após a ruptura do contrato de trabalho, mantendo a sentença que não reconheceu o direito à estabilidade provisória da reclamante. 2. Em casos semelhantes, em que não há certeza quanto à data da concepção da gravidez da obreira, esta Corte já se pronunciou no sentido de que não se deve decidir com base nas regras de distribuição do ônus da prova, mas, sim, à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção à saúde do nascituro e da mãe. Precedentes da SBDI-1 e de Turmas desta Corte . Recurso de revista conhecido e provido. (RR-1772-24.2016.5.12.0019, 2ª Turma , Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 13/12/2019).

(...) 2 - ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. RECUSA DE RETORNO AO TRABALHO. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO AO INÍCIO DO ESTADO GRAVÍDICO NO MOMENTO DA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. A Súmula 244, I, do TST dispõe que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, ' b' do ADCT). 2. O STF decidiu que a "incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa" (Tema 497 da tabela de repercussão geral do STF - RE 629.053/SP). 3. Por fim, a jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que o direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, "b", do ADCT objetiva à tutela da família e da dignidade humana, de modo que, existindo dúvida razoável e objetiva quanto ao início o estado gravídico no momento da rescisão do contrato de trabalho, deve prevalecer a interpretação que privilegia a garantia constitucional à estabilidade provisória, prevista no art. 10, inc. II, do ADCT . Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR-1001079-87.2019.5.02.0086, 3ª Turma , Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 10/02/2023).

RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DÚVIDA QUANDO À DATA DE INÍCIO DA GRAVIDEZ. I - Não se vislumbra, na conclusão atacada, vulneração à literalidade do art. 10, II, "b", do ADCT. II - O Regional não negou o direito constitucional à estabilidade provisória da empregada gestante, tampouco o reconheceu em condições diversas daquelas previstas na alínea "b", ou seja, "desde a confirmação da gravidez". III - A questão que ora se discute reveste-se de natureza infraconstitucional porque afeta às normas processuais de produção e instrução probatória. A discussão reside em fixar-se, na hipótese sub judice, a data do início da gravidez, em face da dúvida suscitada pelo laudo laboratorial trazido aos autos. IV - A conclusão do Tribunal recorrido, de a dúvida em questão não poder militar em desfavor da empregada, em virtude do princípio protetivo in dubio pro operario , não afronta, repita-se, a literalidade da norma constitucional em questão. V - Recurso não conhecido . (RR-75400-82.2006.5.10.0009, 4ª Turma , Relator Ministro Antonio Jose de Barros Levenhagen, DEJT 24/08/2007).

(...) II. RECURSO DE REVISTA REGIDO LEI 13.467/2017. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. DÚVIDA ACERCA DO ESTADO GRAVÍDICO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. 1. De acordo com o artigo 896-A da CLT, o Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, deve examinar previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. 2. No presente caso, o Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário da Reclamante, mantendo a sentença, na qual foi julgado improcedente o pedido de estabilidade e a indenização substitutiva em relação ao período de garantia de emprego, ao fundamento de que as provas dos autos não são capazes de confirmar a gravidez da empregada no momento da rescisão do contrato de trabalho. A Corte de origem consignou que "o exame de ultrassonografia registrado sob ID nº f861263 não faz prova contundente e segura de que a reclamante estivesse realmente grávida, na data de término do seu contrato de trabalho. Isso porque, conforme descrito no referido documento, chegou-se à conclusão de que existia um "saco gestacional tópico e único com idade ecográfica média de 5 semanas (variação +/- 5 dias)", sugerindo-se uma nova avaliação em 2 (duas) semanas, a qual não foi demonstrada nos autos, porém". 3. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que havendo dúvida razoável e objetiva acerca do estado gravídico da empregada no momento da rescisão contratual deve prevalecer a garantia da estabilidade provisória da gestante, à luz do princípio constitucional da dignidade humana e da proteção à maternidade e ao nascituro. Precedentes . 4. Nesse cenário, a decisão regional mostra-se dissonante da atual e notória jurisprudência desta Corte Superior, bem como evidencia violação do art. 10, II, "b", do ADCT, restando, consequentemente, divisada a transcendência política do debate proposto. Recurso de revista conhecido e provido. (RRAg-1000005-15.2021.5.02.0090, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 02/12/2022).

(...) II - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. LEI 13.467/2017. ESTABILIDADE DA GESTANTE - DÚVIDA QUANTO À CONCEPÇÃO NO CURSO DO CONTRATO DE EMPREGO. 1 - No caso dos autos, consta no acórdão do TRT que: a) a contagem retroativa da gravidez a partir da data de nascimento indica a concepção em 7/10/2016, quando ainda vigente o contrato de trabalho, extinto em 24/10/2016; b) o exame de idade gestacional, por sua vez, indica concepção provável em 25/10/2016, um dia após extinto o vínculo. Porém, como esse segundo exame tem uma margem de erro de uma semana a mais ou a menos, e diante da contagem retroativa a partir do nascimento indicar concepção bem anterior a 25/10/2016, os dois exames em conjunto, embora não conclusivos, autorizam o reconhecimento do direito postulado. 2 - Ainda que assim não fosse, a jurisprudência desta Corte, em casos como o dos autos, em que há dúvida acerca do momento exato da concepção para fins de estabilidade, vem se firmando que deve ser reconhecido o direito que visa à tutela do nascituro, da família e da dignidade do ser humano . Julgados. 3 - Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (...) (RR-236-58.2017.5.09.0008, 6ª Turma , Redatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 16/12/2022).

(...) RECURSO DE REVISTA DA AUTORA. LEI Nº 13.467/2017 . GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO À DATA DA CONCEPÇÃO. PREVALÊNCIA DO DIREITO DO NASCITURO. DECISÃO REGIONAL CONTRÁRIA À JURISPRUDÊNCIA ATUAL E REITERADA DESTA CORTE SUPERIOR. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. Na hipótese dos autos, depreende-se do acórdão regional, baseado em laudo pericial, que a data da concepção pode ter ocorrido entre 15/12/2019 e 23/12/2019, considerando a margem de erro de 5 (cinco) dias para mais ou para menos do início provável da gestação - 19/12/2019, o que abarca o período de ruptura da relação de emprego, ocorrida em 18/12/2019, já observado o período decorrente da projeção do aviso-prévio indenizado. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de se reconhecer o direito à estabilidade no emprego da gestante, nos casos de dúvida razoável quanto à data da concepção, caracterizada (aquela) nas situações fáticas nas quais não existem provas aptas a afastar , com segurança, a presunção quanto à ocorrência do fato , isto é, as provas produzidas militam em favor de formar a convicção do julgador no sentido de que o fato em que a parte autora ampara a sua pretensão efetivamente ocorreu. Portanto, é a dúvida legítima, perfeitamente compreensível, já que o Direito se baseia na linguagem e na inexatidão, sobretudo por exigir interpretação do que se contém nas regras e princípios aplicáveis à solução do caso concreto. Ademais, há de se privilegiar a interpretação que importe na efetividade dos direitos sociais, no caso, o direito de proteção à maternidade e ao nascituro, na linha de precedentes do STF (ADI nº 5.938/DF, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, Pleno, julgada em 29.05.2019) e de precedentes desta Corte . Recurso de revista conhecido e provido. (RR-1000188-84.2021.5.02.0025, 7ª Turma , Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 17/05/2024).

A C. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais posicionou-se no mesmo sentido:

“EMBARGOS – GESTANTE – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – DÚVIDA OBJETIVA SOBRE O MOMENTO DA CONCEPÇÃO. A estabilidade à gestante é garantia constitucional que visa à tutela da família e da dignidade humana. Assim sendo, ante a existência de dúvida objetiva quanto ao momento da concepção – se na vigência do contrato de trabalho ou no período de aviso-prévio -, deve prevalecer a interpretação que privilegia o reconhecimento do direito constitucionalmente garantido. Embargos não conhecidos.” (E-RR-3973300-85.2002.5.02.0900, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 17/02/2006).

No mesmo sentido as seguintes decisões da SBDI-1: E-RR-3973300-85.2002.5.02.0900, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 17/02/2006 e E-RR-758976-38.2001.5.03.5555, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Redatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 01/07/2005.

Em relação à Egrégia 8ª Turma em pesquisa realizada identifica-se que o colegiado não tem se manifestado recentemente com relação ao mérito da questão. Cito, nesse sentido:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC E DA LEI Nº 13.467/17 – ESTABILIDADE GESTANTE – DÚVIDA QUANTO À DATA DA CONCEPÇÃO – SÚMULA Nº 126 DO TST. O Tribunal Regional concluiu que as provas juntadas aos autos são insuficientes para demonstrar que a Reclamante estava grávida no momento da demissão. A questão reveste-se de cunho fático probatório, cujo reexame é vedado, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Recurso de Revista não conhecido. ( RR-785-69.2016.5.09.0892, 8ª Turma , Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 15/10/2018)

A despeito da uniformização da jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, verificou-se que ainda remanescem recentes divergências nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se infere de acórdão do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:

RECURSO ORDINÁRIO. ESTABILIDADE GESTANTE. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. INCERTEZA QUANTO À DATA DA CONCEPÇÃO. É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após parto, nos termos do art. 10, II, b do ADCT e, não sendo respeitada essa garantia, deve a trabalhadora ser reintegrada ou receber o pagamento da indenização relativa ao período estabilitário, ainda que tenha obtido novo emprego durante o período de estabilidade. Contudo, uma vez não evidenciado com exatidão que a concepção ocorreu no período contratual laborado, indevido o reconhecimento da estabilidade gestacional e pagamento de indenização substitutiva. Sentença mantida. (Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (2ª Turma). Acórdão: 0000817-12.2023.5.09.0025. Relator(a): ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPAO. Data de julgamento: 26/03/2024. Juntado aos autos em 02/04/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/Gudohu)

O mesmo ocorreu com a Segunda Turma do Tribunal Regional da 24ª Região:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. INÍCIO DA GRAVIDEZ. NÃO COMPROVAÇÃO. A legislação garante a estabilidade da empregada gestante a partir da confirmação da gravidez, inclusive no caso do contrato de experiência ou determinado. In casu, subtraindo-se 58 dias (8 semanas e 2 dias) da data do exame realizado no dia 30.11.2023, chega-se à conclusão que a provável data da concepção ocorreu exatamente um dia após encerramento do contrato de experiência. Assim, havendo dúvida quanto ao dia preciso da concepção da gravidez e, não juntando aos autos atestado ou laudo médico, entendo que a obreira não se desincumbiu do seu encargo probatório quanto ao início do estado gravídico no curso do contrato de trabalho. Recurso da reclamante improvido. (Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (2ª Turma). Acórdão: 0025341-25.2023.5.24.0003. Relator(a): JOAO DE DEUS GOMES DE SOUZA. Data de julgamento: 11/09/2024. Juntado aos autos em 16/09/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/Ux7nyo)”

Da fundamentação do referido acórdão regional ( 0025341-25.2023.5.24.0003 ), infere-se que a Segunda Turma do TRT 24 desconsiderou a margem de erro registrada no exame clínico e reputou que a empregada não teria se desincumbido adequadamente de seu ônus probatório em razão da dúvida quanto ao dia preciso do início da gravidez:

“Aqui está o ponto fulcral, visto que o exame à f.16, juntado nos autos não demonstra de forma inequívoca e objetiva a existência da gravidez no período de experiência.

Tanto é verdade que, subtraindo-se 58 dias(8 semanas e 2 dias) à data do exame no dia 30.11.2023, chega-se à conclusão que a provável data da concepção ocorreu exatamente um dia após a rescisão do contrato.

Observo, também, que a reclamante não juntou aos autos atestado ou laudo médico, certidão de nascimento ou as demais ultrassonografias relativas ao pré-natal que pudessem comprovar robustamente a data da concepção.

Ressalto, por oportuno que o documento à f. 16 indica uma margem de erro de 0,5 semanas para mais ou para menos, contudo, em se tratando do ultrassom no primeiro trimestre (https://www.fetalmed.net/idade-gestacional-pelo-ultrassom-e-confiavel/#google_vignette) da gravidez a margem de erro é de até uma semana.

Assim, considerando a dúvida quanto ao dia preciso da concepção da gravidez, entendo que a obreira não se desincumbiu do seu encargo probatório quanto ao estado gravídico no curso do contrato de trabalho , mantendo a sentença que não reconheceu o direito à estabilidade provisória da reclamante.”

Nesse sentido, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso admitir a necessidade de uniformizar a matéria, por meio do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência, nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno do TST:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.”

A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.

A estabilidade gravídica é expressão da proteção à maternidade (art. 6º, da CF) e à criança e advém do respeito, fixado na ordem constitucional, à dignidade da pessoa humana e à própria vida (art. 1º, III, e 5º, caput, da CF). E, por se tratar de benefício que concretiza direitos fundamentais, deve ser interpretado de forma a conferir-se, na prática, sua efetividade.

Como é notório, métodos científicos, embora confiáveis, não são exatos. Tanto não o são que os exames confirmatórios trazem margem de erro. Desse modo, entende-se que não cabe ao julgador, interpretando tal margem, cercear direito de bases constitucionais e negligenciar apoio legal atribuído à genitora e ao nascituro.

Precisamente nesse esteio a decisão da SBDI-1:

Pelas premissas fáticas lançadas no acórdão regional, entender-se-ia que, em 13.07.2000 - logo, no período de aviso-prévio foi dada a confirmação da gravidez. O acórdão, portanto, apenas trata da confirmação, nada abordando sobre o momento da concepção, que, como pacificado por esta Corte, é o momento em que a empregada adquire a estabilidade do art. 10, “b”, do ADCT. É o que decorre do entendimento da Súmula nº 244, I, que apresenta o seguinte teor:

“O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10, II, ‘b’ do ADCT). (ex-OJ nº 88 - DJ 16.04.2004)”

A C. 1a Turma entendeu que, embora a confirmação tenha-se dado no período do aviso-prévio, a concepção teria ocorrido durante o pacto laboral. Essa conclusão, contudo, não é imediata. Não se poderia, afinal, apenas com os dados apresentados pelo acórdão regional, entender que a concepção se deu durante o período do contrato de trabalho. Afinal, nada impede que a empregada tenha engravidado no período de aviso-prévio e confirmado esse estado durante esse mesmo período. Há, por isso, uma dúvida a respeito do efetivo momento da concepção, quando tem início a estabilidade da gestante. A questão que surge, pois, é: se o acórdão regional apenas afirma que a confirmação se deu no período do aviso-prévio, é possível afastar a estabilidade, presumindo que a concepção também se deu nesse período ou, ao revés, a presunção deve se direcionar para o período anterior à extensão temporal realizada pelo aviso-prévio?

Em aplicação do princípio protetivo do trabalho e em benefício da criança, a dúvida deve direcionar-se para a última hipótese, isto é, para a estabilidade provisória.

A medicina, como se sabe, não é ciência exata. E a tecnologia disponível não consegue precisar – de forma rigorosa – a época da concepção de um ser vivo. Tanto assim que os exames de gravidez sempre trazem uma margem de erro quanto ao início da gestação (que costuma ser de +/- 2 semanas).

Diante da impossibilidade objetiva de aferir o momento da concepção, há de se manter a estabilidade gestante conferida à Reclamante.

A estabilidade gestante, deve-se lembrar, é garantia constitucional que visa à tutela da família e da dignidade humana. Assim sendo, ante a existência de dúvida objetiva quanto ao estado gravídico no momento da rescisão, deve prevalecer a interpretação que privilegia o reconhecimento do direito constitucionalmente garantido.

No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia merece ser conhecido por violação ao art. art. 10, II, “b”, do ADCT, já que a parte logrou demonstrar que o entendimento do Regional esvazia a garantia ali estabelecida, em razão do afastamento do entendimento ora uníssono nesta Corte.

Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada no julgamento da SBDI-1 transcrito acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:

"A dúvida razoável e objetiva sobre a data de início da gravidez e sua contemporaneidade ao contrato de trabalho não afasta a garantia de emprego à gestante. "

No mérito, quanto ao recurso de revista interposto pela parte MARILIA HELLEN SOARES DE MELO , no tema ora afetado, dou-lhe provimento para determinar o restabelecimento da sentença que conferiu o pagamento de indenização substitutiva, em observância da estabilidade conferida à gestante nos moldes do art. 10, II, “b”, do ADCT.

Não havendo temas remanescentes, prossiga-se com a regular tramitação do feito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: A dúvida razoável e objetiva sobre a data de início da gravidez e sua contemporaneidade ao contrato de trabalho não afasta a garantia de emprego à gestante . II – Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por violação direta ao art. art. 10, II, “b”, do ADCT, nos moldes do art. 896, §9º da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada para determinar o restabelecimento da sentença que conferiu o pagamento de indenização substitutiva. III – Determinar o regular prosseguimento do feito, diante da ausência de temas remanescentes.

Brasília, 28 de abril de 2025.

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST