A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
GPACV/ipm/rdc
REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. DURAÇÃO DO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE DA JORNADA DE TRABALHO EXTERNO. ÔNUS DA PROVA DO EMPREGADOR. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1, indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: É do empregado ou do empregador o ônus de comprovar a impossibilidade de controle da jornada externa de trabalho? Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: É do empregador o ônus de comprovar a impossibilidade de controle da jornada de trabalho externo, por se tratar de fato impeditivo do direito do trabalhador.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST- RRAg-0000113-77.2023.5.05.0035 , em que é Recorrente FLÁVIO PACHECO SANTANA e é Recorrido MONDELEZ BRASIL NORTE NORDESTE LTDA.
O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito Turmas e na Subseção I de Dissídios Individuais do TST , ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.
A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.
Apresentada, portanto, a presente proposta de afetação do processo TST-RRAg-0000113-77.2023.5.05.0035 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica:
É do empregado ou do empregador o ônus de comprovar a impossibilidade de controle da jornada externa de trabalho?
No caso em exame, se trata de tema a ser reafirmado no recurso de revista da parte autora, em que consta a matéria acima delimitada: duração do trabalho – trabalho externo – ônus da prova. Consta, também, agravo de instrumento em recurso de revista interposto pelo autor, em que se busca o exame do tema: atos processuais – nulidade - negativa de prestação jurisdicional.
É o relatório.
V O T O
ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST
A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. A despeito de reiterados recordes de produtividade, é essencial que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda, conforme demonstram as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho, que vem recebendo um volume maior de novos processos em comparação com os últimos anos. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:
Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.
Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.
Quanto à multiplicidade de recursos sobre o debate da questão jurídica no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentado, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST, a partir da temática ora em exame, revelou 178 acórdãos e 4.228 decisões monocráticas, nos últimos 12 meses (pesquisa realizada em 11/3/2025 no sítio www.tst.jus.br).
A relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema se configura justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Tribunais Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.
O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho pode ser sintetizado no sentido de que é do empregador o ônus de comprovar a impossibilidade de controle da jornada externa de trabalho, por se tratar de fato impeditivo do direito do trabalhador a horas extras (art. 818, II, da CLT).
Nesse sentido, a jurisprudência de todas as Turmas desta Corte Superior:
(...) RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE DO CONTROLE DE JORNADA. ÔNUS DA PROVA. 1. A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte Superior firmou tese jurídica no sentido de que é do empregador o ônus de demonstrar que o trabalho externo é incompatível com o controle de horário. 2. O Tribunal Regional, ao julgar improcedente o pleito de horas extras, por entender que o autor não comprovou o controle da atividade externa, divergiu dessa orientação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-739-96.2019.5.07.0030, 1ª Turma , Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 10/05/2024).
RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE DO CONTROLE DE JORNADA. ÔNUS DA PROVA. 1. A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte Superior firmou tese jurídica no sentido de que é do empregador o ônus de demonstrar que o trabalho externo é incompatível com o controle de horário. 2. O Tribunal Regional, ao julgar improcedente o pleito de horas extras, por entender que o autor não comprovou o controle da atividade externa, divergiu dessa orientação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-739-96.2019.5.07.0030, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 10/05/2024).RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - HORAS EXTRAORDINÁRIAS - TRABALHO EXTERNO - CONTROLE DE JORNADA - ÔNUS DA PROVA. 1. Constou expressamente do acórdão regional que a reclamada não efetuava o controle formal da frequência do reclamante; que o reclamante foi contratado para exercer a função de vendedor externo, a princípio incompatível com o controle de jornada, e que cabia a ele fazer prova da fiscalização da jornada, o que não teria ocorrido, já que a prova produzida por ambas as partes mostrou-se dividida. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a impossibilidade de controle de horário do trabalhador externo é circunstância que afasta a obrigação legal de manutenção dos registros de jornada e do pagamento de horas extraordinárias, tratando-se, portanto, de fato impeditivo do direito do reclamante, cujo ônus da prova cabe ao reclamado. 3. Demonstrada violação dos arts. 818, I, da CLT e 373, II, do CPC e tendo em vista que a reclamada não apresentou controles formais de jornada, o que gera presunção de veracidade da jornada alegada pelo reclamante, impõe-se dar provimento ao recurso de revista para, reformando o acórdão regional, condená-la ao pagamento de horas extraordinárias excedentes da 8ª diária e 44ª semanal, conforme alegado na inicial, com os adicionais legais e convencionais, bem como reflexos, conforme se apurar em liquidação de sentença. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-357-57.2017.5.23.0021, 2ª Turma , Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 13/10/2023.)
AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. CONTROLE DE JORNADA. ÔNUS DA PROVA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. A parte agravante não demonstra o desacerto da decisão monocrática que conheceu e deu provimento ao recurso de revista interposto pela reclamante. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é do empregador o ônus da prova quanto ao enquadramento do empregado na exceção prevista no art. 62, I, da CLT. Estabelecida tal tese jurídica, deve ser restabelecida a sentença que condenou a reclamada ao pagamento de horas extras, inclusive decorrentes do intervalo intrajornada e intervalo previsto no artigo 384 da CLT, devendo os autos deverão retornar ao Tribunal Regional para analisar se desse encargo a ré se desincumbiu, dado a vedação de incursão em fatos e provas nesta instância recursal extraordinária (Súmula nº 126 do TST). Agravo de que se conhece e a que se nega provimento. (Ag-RR-1085-03.2019.5.12.0032, 3ª Turma , Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 07/03/2025).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DA JORNADA DE TRABALHO. COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA PROVA 1. Consoante o art. 62, I, da CLT, os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho não fazem jus ao recebimento de horas extras. 2. Para a aplicação do art. 62, I, da CLT, todavia, exige-se a comprovação de absoluta impossibilidade de controle direto ou indireto da jornada de trabalho do empregado. 3 . Incumbe ao empregador o ônus de comprovar a impossibilidade de controle da jornada do empregado que exerce atividade externa, porquanto fato impeditivo do direito a horas extras . 4. Agravo de instrumento da Reclamada de que se conhece e a que se nega provimento. (AIRR-1445-23.2012.5.09.0013, 4ª Turma , Relator Ministro Joao Oreste Dalazen, DEJT 15/04/2016).
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. HORAS EXTRAS. PERÍODO DA ADMISSÃO ATÉ MAIO/2012. TRABALHO EXTERNO. ÔNUS DA PROVA SOBRE A IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE DA JORNADA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O Tribunal Regional afastou o pagamento das horas extras relativas ao interregno entre a admissão do reclamante até maio/2012 ao fundamento de que cabia ao empregado demonstrar a possibilidade de controle da sua jornada de trabalho praticada de forma externa, assim como o labor extraordinário, ônus do qual não teria se desincumbido. A jurisprudência desta Corte Superior, todavia, orienta-se no sentido de que, configurando a hipótese do inciso I do art. 62 da CLT uma regra exceptiva à obrigação do empregador de manter os registros de horário do empregado e, respectivamente, do direito às horas extras, recai sobre o empregador a demonstração de impossibilidade de controle da jornada externa. Estando a decisão regional em dissonância com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, impõe-se o reconhecimento da transcendência política e o respectivo provimento do recurso de revista para restabelecer a sentença, no particular. Recurso de revista conhecido e provido (...). (RRAg-1144-49.2016.5.20.0007, 5ª Turma , Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 23/02/2024).
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE DE HORÁRIO. ÔNUS DA PROVA. A condição que excepciona o pagamento de jornada extraordinária é de impossibilidade de controle do horário de trabalho, e não a sua ausência por mera deliberação do empregador. A circunstância exceptiva tratada no artigo 62, I, da CLT, alude a situação na qual tal controle mostra-se virtualmente impraticável. Assim, a comprovação da impossibilidade de controle dos horários afastaria o direito do autor às horas extras e, portanto, por se tratar de circunstância exceptiva da obrigação legal de manter os registros de horário de trabalho, bem como de afastamento do direito do obreiro ao pagamento da sobrejornada, o ônus de provar sua ocorrência é do empregador, e não do empregado, porquanto constitua fato obstativo do direito obreiro. Precedentes. Decisão regional em consonância com a jurisprudência desta Corte. Não ficou demonstrado o desacerto da decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento, não obstante os esclarecimentos prestados. Agravo não provido, sem incidência de multa" (Ag-AIRR-101614-65.2016.5.01.0024, 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 17/02/2025).
(...) 2. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. JORNADA EXTERNA. ÔNUS DE PROVAR A IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE DE HORÁRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 338, I, DO TST. TRANSCENDÊNCIA. NÃO RECONHECIMENTO. I . Ao atribuir à parte reclamada o ônus de provar a impossibilidade de controle de horário, quando cumprida jornada externa, a Corte Regional decidiu em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior. Precedente. II. No caso, em que reconhecida a possibilidade de controle da jornada cumprida pelo empregado que trabalha externamente, mas se descumpre obrigação legal prevista no art. 74, § 3º, da CLT, não se apresentando os controles de ponto ou a descrição da jornada efetivamente cumprida, pelos meios que dispunha a parte reclamada, aplica-se a Súmula nº 338, I, do TST. Julgado. III. Estando a decisão proferida pela Corte Regional em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, resulta inviável reconhecer a transcendência da causa. IV. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (ARR-21380-71.2014.5.04.0028, 7ª Turma , Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 07/03/2025).
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017 1 - HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. CONTROLE DE JORNADA. ÔNUS DA PROVA. Tratando-se de fato impeditivo, a teor do disposto no artigo 818 da CLT c/c o artigo 333, II, do CPC de 1973, é ônus do empregador a prova da impossibilidade de controle do horário de trabalho externo do reclamante. Não tendo a ré se desincumbido do ônus que lhe competia, faz jus o reclamante às horas extras postuladas, segundo a jornada alegada na inicial, nos termos da Súmula 338, I, do TST. Agravo não provido. (...)” (Ag-AIRR-10925-46.2019.5.03.0110, 8ª Turma , Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 27/03/2023).
A C. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais posicionou-se no mesmo sentido:
AGRAVO INTERNO EM EMBARGOS EM AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE DE HORÁRIO. ÔNUS DA PROVA. SÚMULA Nº 126 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE. Esta Subseção já firmou entendimento no sentido de, em regra, não ser viável o conhecimento do recurso de embargos por contrariedade a súmula de conteúdo processual, tendo em vista a sua função precípua de uniformização da jurisprudência, conferida pelas Leis nos 11.496/2007 e 13.015/2014, razão pela qual o acolhimento da alegação de afronta ou má aplicação da Súmula nº 126 do TST constitui hipótese excepcional. Nesse cenário, observa-se que a hipótese mais evidente de contrariedade ao conteúdo da Súmula nº 126 desta Corte diz respeito aos casos em que a Turma, para afastar a conclusão a que chegou o Colegiado Regional, recorre a elemento fático não registrado no acórdão recorrido ou incursiona nos autos na busca de fatos para conhecer do recurso. No caso, com relação ao controle de jornada, o TRT afirmou que "a prova testemunhal permaneceu dividida neste aspecto, o que implica decidir em desfavor daquele que detinha o ônus probatório quanto ao tema - no caso, o demandante.". Por sua vez, a Egrégia Turma, amparada rigorosamente nas regras de distribuição do ônus da prova, adotou tese de que o encargo cabia à ré. Nesse contexto, não se verifica a excepcionalíssima hipótese de contrariedade à Súmula nº 126 desta Corte, uma vez que a controvérsia não demanda revolvimento do acervo probatório, mas mero reenquadramento jurídico da situação exposta pela Corte Regional quanto ao ônus probatório. De outra parte, a Egrégia Turma, ao concluir que o ônus de provar a impossibilidade de controle de horário é do empregador, e não do empregado, decidiu em harmonia com o entendimento pacificado nesta Corte Superior. Precedentes. Incide, portanto, o disposto no artigo 894, § 2º, da CLT. Agravo interno conhecido e não provido. (Ag-E-Ag-RRAg-382-37.2017.5.12.0034, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais , Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 13/09/2024. Grifos acrescidos.)
A despeito da uniformização da jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, verificou-se que ainda remanescem recentes divergências nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se infere das seguintes ementas e da Súmula n.º 17 do TRT da 5ª Região:
TRABALHO EXTERNO. CONTROLE DA JORNADA. ÔNUS DE PROVA DO RECLAMANTE. Nos termos do art. 62, I, da CLT, não estão abrangidos pelo regime de duração da jornada os empregados que exerçam atividade externa incompatível com a fixação do respectivo horário. Cabe ao demandante provar que a despeito do trabalho realizado externamente, era possível ao empregador o controle de sua jornada de trabalho. (TRT18, ROT - 0010101-51.2020.5.18.0008, Rel. PLATON TEIXEIRA DE AZEVEDO FILHO, 2ª TURMA, 24/09/2021). ( Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (1ª TURMA). Acórdão: 0010423-68.2020.5.18.0009. Relator(a): WELINGTON LUIS PEIXOTO. Data de julgamento: 13/12/2021. Juntado aos autos em 16/12/2021).
TRABALHO EXTERNO. JORNADA NÃO CONTROLADA. HORAS EXTRAS INDEVIDAS. Com efeito, restou incontroverso que o reclamante prestava serviços externos, cabendo-lhe o ônus da prova de demonstrar que, nada obstante, tinha sua jornada de trabalho controlada. De seu ônus o reclamante não se desincumbiu. Com efeito, do cotejo dos depoimentos prestados pelo reclamante e sua testemunha, constatam-se contradições incontornáveis quanto ao suposto controle da jornada de trabalho. ( Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (9ª Turma). Acórdão: 0100351-92.2018.5.01.0067. Relator(a): IVAN DA COSTA ALEMAO FERREIRA. Data de julgamento: 29/01/2019. Juntado aos autos em 07/02/2019.)
Súmula n.º 17 do TRT da 5ª Região:
I- Compete ao empregador o ônus de provar o exercício de trabalho externo incompatível com a fixação de horário de trabalho;
II - Uma vez comprovado que o empregado desenvolve atividade externa incompatível com a fixação de horário, compete a ele o ônus de provar que o empregador, mesmo diante desta condição de trabalho, ainda assim, mantinha o controle da jornada trabalhada.
(Grifos acrescidos.)
Feitos tais registros, verifico que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região que, adotando entendimento diverso deste C. Tribunal Superior do Trabalho, decidiu que cabia ao empregado comprovar que, apesar de laborar externamente, a empresa reclamada mantinha controle de sua jornada, e que não teria se desincumbido de tal ônus (fls. 651/660 - id 742c516):
Por conseguinte, cabia ao obreiro comprovar que, mesmo laborando externamente, a empresa mantinha controle de jornada. Todavia, de tal ônus o Autor não se desincumbiu , como corretamente entendeu o magistrado de primeiro grau, nos termos abaixo transcrito:
"Da jornada de trabalho.
(...)
Não basta que o serviço seja externo - assim entendido aquele que ocorre fora do estabelecimento do empregador - mas que este serviço seja incompatível com a fixação de jornada. É indiferente se o empregador fiscaliza a jornada ou não; o que interessa é a impossibilidade de controle pelo empregador.
No seu depoimento, o reclamante esclareceu todos os pontos necessários a esta conclusão. Ele mesmo não consegue explicar quanto tempo era despendido com trabalho ou com deslocamento para o trabalho, o que, por si só, já consegue demonstrar que a reclamada não teria possibilidade de controle da efetiva jornada de trabalho.
O reclamante relata que ia para a sede do seu cliente, onde não havia qualquer preposto da reclamada. Todo o controle que o reclamante invoca seria exercido por meio de telefones.
"(...) que o depoente trabalhava remoto; que o superior do depoente era o gerente de vendas (Alexandre e depois Amarildo) e gerente regional, cujo contato do reclamante era presencial uma ou duas vezes por mês em rota ou em reuniões na SanMartin; que a
reclamada fiscalizava o horário de trabalho conforme o reclamante estivesse online; que os gerentes moravam em Salvador e poderiam pedir para encontrar o reclamante; (...)"
(Depoimento pessoal do reclamante)
A testemunha do reclamante pouco ou nada pode comprovar acerca da real jornada de trabalho dele. Conquanto executasse função similar, deixa evidente que cada um controlava sua própria prestação de serviço.Todas as afirmações daquela testemunha decorrem simplesmente de suas suposições, dado que exercia o mesmo cargo que o reclamante. Não há prova efetiva de controle do tempo de trabalho pela reclamada e nem mesmo que tal controle era possível.
A segunda testemunha do reclamante, por sua vez, demonstra uma intenção de ajudar o reclamante que findou por majorar a jornada informada pelo próprio reclamante. O depoimento não é condizente com aquele do próprio reclamante, de sorte que a testemunha via o reclamante sair 22h00/23h00, horário que nem mesmo o reclamante afirmou estar trabalhando.
O que chama a atenção dessa julgadora é a dissonância de fatos. O reclamante relatou uma realidade que foi integralmente contrariada pela segunda testemunha, ampliando o tempo de trabalho.
Mas não é só.
O próprio reclamante admitiu que era quem determinava o próprio intervalo.
Em suma, os depoimentos demonstram que o serviço era efetivamente incontrolável. São as características do serviço descrito pelo próprio reclamante que dão conta de que o seu trabalho era, efetivamente, externo.
A variedade é o que caracteriza a jornada do externo: a mudança intensa que
impossibilita o controle, ou mesmo que o próprio autor consiga relatar nos autos quanto tempo era gasto com trabalho sem que suas afirmações desafiem a lógica matemática.
O simples fato de ter que comparecer na sede do cliente não significa que havia, ou mesmo que poderia haver controle por parte do empregador.
Note-se que foi o próprio reclamante que afirmou que trabalhava na sede de um cliente e não tinha superior imediato para o controle da sua efetiva jornada. Ou seja: além de tudo isso, havia deslocamento constante. Nesse deslocamento, o reclamante enfrentava o trânsito o que, decerto, não poderia ser controlado pelo seu empregador que estava em outra cidade do Brasil. O empregador poderia até mesmo saber quando o reclamante afirmava estar em serviço - porque ele dizia estar em serviço ao telefone. Mas não poderia saber o que fez neste interregno e, menos ainda, se estava efetivamente em serviço.
Daí ser impossível chegar-se à jornada por ele declinada na peça de ataque.
Por todo o exposto o pagamento de horas extras e, indefiro seus consectários, assim como requerido da peça de ataque.
Reconhecido o trabalho externo, fica indeferido o pagamento da indenização pela supressão do intervalo intrajornada.
Indefiro o pagamento de adicional noturno pelo mesmo fundamento.".
Com efeito, de acordo com esse regramento legal e analisando as provas colhidas, entendo que não merece prosperar a irresignação do Recorrente, já que, de fato, não restou provado, nos autos, que a jornada de trabalho do Reclamante era passível de fiscalização.
Ademais, na avaliação da prova oral, via de regra, deve prevalecer o convencimento do Juízo de primeiro grau, pois foi ele quem esteve em contato mais próximo com as partes, testemunhas e a realidade fática, estando, assim, mais habilitado a avaliar a prova. Assim, verificou-se no presente caso que o juízo considerou inservíveis como meio de a quo prova o depoimento das testemunhas do Autor, inclusive reconhecendo, por exemplo, a nítida intenção em favorecer o Reclamante, chegando a apontar jornada superior àquela descrita pelo próprio obreiro.
Disse o Autor em seu depoimento pessoal que: "o depoente trabalhava na reclamada como executivo de vendas, sendo focado no distribuidor San Martin e mais um cliente que era o Mais Supermercados; (...) que o depoente nunca foi na sede da reclamada; que a reclamada não possui sede no estado da Bahia; que o depoente trabalhava remoto; que o superior do depoente era o gerente de vendas (Alexandre e depois Amarildo) e gerente regional, cujo contato do reclamante era presencial uma ou duas vezes por mês em rota ou em reuniões na SanMartin; que a reclamada fiscalizava o horário de trabalho conforme o reclamante estivesse online (...)".
Vê-se, portanto, que restou demonstrado pelo depoimento pessoal do Autor que este não era obrigado a comparecer à empresa.
Por conseguinte, entendo que o Reclamante não conseguiu comprovar que sua jornada era passível de fiscalização, estando enquadrado na exceção prevista no art. 62, I, da CLT, não havendo que se falar em pagamento de horas extras.
Saliento que o fato de prepostos da empresa entrarem em contato durante o horário de trabalho, por si só, não evidencia a possibilidade de controle de jornada pela empregadora.
Desta forma, mantenho a sentença que indeferiu o pedido de condenação da Reclamante no pagamento das horas extras, intervalo interjornada, adicional noturno e consectários.
(Grifos acrescidos.)
Nesse sentido, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso admitir a necessidade de uniformizar a matéria, por meio do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência, nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno do TST:
Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.
Como já mencionado, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que é do empregador, por se tratar de fato impeditivo do direito a horas extras, o ônus de comprovar a incompatibilidade do trabalho externo com o controle de jornada, nos termos do artigo 818, II, da CLT:
Art. 818. O ônus da prova incumbe:
I - ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.
A prestação de serviços fora do âmbito do empregador, por si só, não enquadra o empregado na hipótese do art. 62, I, da CLT (exceção à regra geral atinente à jornada de trabalho e sua limitação), sendo imperiosa a absoluta comprovação de impossibilidade de controle (direto ou indireto) da jornada de trabalho realizada externamente. Rege o preceito legal:
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia merece ser conhecido, por violação ao artigo 818 da CLT, nos termos do artigo 896, “c”, da CLT, já que a parte logrou demonstrar que o Tribunal Regional promoveu má distribuição do ônus da prova, ao imputar à reclamante o ônus de demonstrar que não se enquadrava no regime excepcional previsto no artigo 62, I, da CLT.
Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada no julgamento da SBDI-1 transcrito acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:
É do empregador o ônus de comprovar a impossibilidade de controle da jornada de trabalho externo, por se tratar de fato impeditivo do direito do trabalhador.
No mérito, quanto ao recurso de revista interposto pela parte autora, dou-lhe provimento para atribuir à reclamada o ônus da prova quanto ao enquadramento da autora na exceção do artigo 62, I, da CLT e determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional, para analisar se desse encargo a reclamada se desincumbiu, considerando a vedação de incursão em fatos e provas nesta instância recursal extraordinária (Súmula n.º 126 do TST).
Após o retorno dos autos, determina-se a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: É do empregador o ônus de comprovar a impossibilidade de controle da jornada de trabalho externo, por se tratar de fato impeditivo do direito do trabalhador e II - Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por violação ao artigo 818 da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento para atribuir à reclamada o ônus da prova quanto ao enquadramento da autora na exceção do artigo 62, I, da CLT e determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional, para analisar se desse encargo a reclamada se desincumbiu, considerando a vedação de incursão em fatos e provas nesta instância recursal extraordinária (Súmula n.º 126 do TST). III – Após o retorno dos autos, determinar a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST