A C Ó R D Ã O
(3ª TURMA)
CARP/mjr/ap
RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COOPERATIVA. RELAÇÃO DE EMPREGO CONFIGURADA. Configurada a relação de trabalho, esta Justiça Especializada é competente para dirimir a controvérsia, em obediência ao disposto no artigo 114 da Constituição da República. Recurso não conhecido. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. COOPERATIVA. MATÉRIA FÁTICA. O parágrafo único do artigo 442 da CLT não encerra excludente absoluta da relação de emprego, pois revela apenas presunção relativa da inexistência do vínculo empregatício. É necessário, assim, para a sua incidência, que se afaste a presença dos elementos caracterizadores da relação de trabalho e da relação entre cooperativa e cooperado. As cooperativas de prestação de serviços devem atender aos princípios da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada, segundo os quais, a cooperativa existe para prestar serviços a seus associados, que são profissionais autônomos, e a oferta de serviços a terceiros é mero instrumento para viabilizar o objetivo primário. Na hipótese, ante o quadro fático apresentado, verifica-se que a figura jurídica da cooperativa ficou desvirtuada, pelo que inaplicável a norma legal obstativa ao reconhecimento da relação de emprego prevista no artigo 442, parágrafo único, da CLT, sendo manifesto o propósito de fraudar a lei. Recurso não conhecido. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO ESTADO MEDIANTE A INTERMEDIAÇÃO DE COOPERATIVA DO TRABALHO. A hipótese do processo enquadra-se na figura denominada terceirização de serviços e a Súmula 331, II, do TST dispõe que a contratação irregular de trabalhador, por intermédio de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional. Nessa mesma Súmula, consta, também, que existe responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços se a empresa prestadora de serviços é inadimplente com relação aos direitos trabalhistas de sua empregada. Nesse sentido, há responsabilidade do tomador de serviços, Estado do Amazonas, todavia, na modalidade simplesmente subsidiária, à luz da Súmula 331, IV, do TST. Recurso parcialmente provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-712.616/2000.2, em que é Recorrente ESTADO DO AMAZONAS – SECRETARIA DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO, RECURSOS HUMANOS E PREVIDÊNCIA – SEAD e são Recorridas IVANILDA BRASIL DA SILVA e COOTRASG - COOPERATIVA DE TRABALHO E SERVIÇOS EM GERAL LTDA.
O Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, pelo acórdão de fls.169-175, negou provimento ao Recurso Ordinário da Reclamante e deu provimento parcial aos recursos do Estado do Amazonas e do IPEAM.
O Estado do Amazonas, às fls.179-188, interpôs Recurso de Revista, que foi acolhido pelo despacho de fls.191.
Não foram apresentadas contra-razões. (fls.193)
O Ministério Público do Trabalho, às fls.106-110, opinou pelo provimento parcial do recurso.
É o relatório.
V O T O
1 – CONHECIMENTO
Recurso de Revista que atende aos pressupostos de admissibilidade.
1.1– PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COOPERATIVA. RELAÇÃO DE EMPREGO CONFIGURADA
O Reclamado aduz ser incompetente a Justiça do Trabalho para apreciar o processo, por se tratar de matéria no âmbito do direito civil, já que a ação foi proposta por trabalhador autônomo de cooperativa de serviços. Aponta violação dos artigos 114 da Constituição da República e 442 da CLT.
O Regional rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, por entender que a matéria versada diz respeito a pedido de pagamento de verbas rescisórias, decorrentes da relação empregatícia, e reconhecimento de vínculo de emprego. Consignou ser inaplicável o artigo 442 da CLT, já que, na hipótese, a Cooperativa fora criada com o intuito de fraudar a legislação trabalhista, de maneira a dissimular a existência de uma relação de emprego, em prejuízo da Reclamante.
Configurada a relação de trabalho, esta Justiça Especializada é competente para dirimir a controvérsia, em obediência ao disposto no artigo 114 da Constituição da República.
Não conheço.
1.2 – VÍNCULO EMPREGATÍCIO. COOPERATIVA. MATÉRIA FÁTICA
O Reclamado, Estado do Amazonas, alega que não deve ser reconhecido o vínculo empregatício entre a Reclamante e a Cooperativa, por vedação expressa no artigo 442 da CLT e divergência jurisprudencial.
Ante a análise da prova, o Regional concluiu que a Cooperativa caracterizou-se por simulação e conluio para fraudar a lei, estando presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.
Quanto à divergência jurisprudencial, o aresto de fls.181 é inespecífico, por trazer quadro fático em que não se apresenta desvirtuada a caracterização de ente cooperativo, hipótese diversa da apresentada pelo Regional. Incide a Súmula 296/TST.
Ademais, o parágrafo único do artigo 442 da CLT não encerra excludente absoluta da relação de emprego, pois revela apenas presunção relativa da inexistência do vínculo empregatício. É necessário, assim, para a sua incidência, que se afaste a presença dos elementos caracterizadores da relação de trabalho e da relação entre cooperativa e cooperado.
As cooperativas de prestação de serviços devem atender aos princípios da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada, segundo os quais, a cooperativa existe para prestar serviços a seus associados, que são profissionais autônomos, e a oferta de serviços a terceiros é mero instrumento para viabilizar o objetivo primário.
Na hipótese, ante o quadro fático apresentado, verifica-se que a figura jurídica da cooperativa ficou desvirtuada, pelo que inaplicável a norma legal obstativa ao reconhecimento da relação de emprego prevista no artigo 442, parágrafo único, da CLT, sendo manifesto o propósito de fraudar a lei.
Não conheço.
1.3 - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO ESTADO MEDIANTE A INTERMEDIAÇÃO DE COOPERATIVA DO TRABALHO
O Reclamado, Estado do Amazonas, sustenta inexistir a possibilidade de vínculo empregatício do Reclamante com a Administração Pública. Aponta violação dos artigos 442 da CLT, 37, II e § 2º, da Constituição Federal, 71, § 1º, da Lei nº8.666/93, contrariedade à Súmula 331, item II, do TST e divergência jurisprudencial.
O Regional manteve a responsabilidade solidária entre o Estado do Amazonas e a Cooperativa pelos créditos trabalhistas. Consignou que ficou evidenciada a caracterização do trabalho pessoal, subordinado, habitual e oneroso do Reclamante para a Cooperativa, o que não passou de conluio para fraudar a lei. Entendeu aplicável a Súmula 331, item III, do TST. Consignou que “com efeito, pela análise dos autos, verifica-se que o Estado, ao contratar a Cooperativa em questão, não obedeceu certas condições preestabelecidas, ou seja, somente poderia procurar a prestação de determinado serviço por qualquer associado da Cooperativa de modo autônomo, e não individualizadamente, intuitu personae , o que levou ao reconhecimento do vínculo de emprego, eis que presentes a não-eventualidade, a pessoalidade, a subordinação e a paga salarial (embora o salário fosse repassado às Cooperativas), que são os elementos caracterizadores dessa relação, como dispõem os artigos 2º e 3º da legislação obreira. A relação jurídica de trabalho, a continuidade e subordinação autorizam que se reconheça a existência do contrato de trabalho com o tomador de serviços, e não com a empresa interposta que pode deixar à míngua de proteção o empregado (...)” (fls.172-173). Quanto à nulidade do contrato por ausência de concurso público, o Regional asseverou que a nulidade não pode ser pronunciada em favor de quem lhe deu causa, já que o vício apontado não elimina as garantias mínimas asseguradas ao trabalhador.
Nos termos da Súmula 331, item II, do TST, não se reconhece a existência de relação de emprego entre a tomadora de serviços e o trabalhador, quando se trata de Administração pública, após o advento da Constituição Federal de 1988. O ingresso do trabalhador na administração pública direta, indireta ou fundacional somente pode ocorrer mediante concurso público, conforme estabelecido no inciso II, do art. 37, da Constituição Federal, ressalvadas as hipóteses agasalhadas na própria Constituição Federal.
Desta forma, o Regional, ao reconhecer o vínculo de emprego entre a Reclamante e o Estado do Amazonas, embora a trabalhadora tenha lhe prestado serviços mediante empresa interposta, contraria a Súmula 331, item II, do TST.
Conheço da Revista, por contrariedade à Súmula 331, item II, do TST.
2. MÉRITO
2.1. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO ESTADO MEDIANTE A INTERMEDIAÇÃO DE COOPERATIVA DE TRABALHO
A Reclamante prestou serviços para a Administração Pública após a Constituição Federal de 1988, mediante a intermediação de Cooperativa de Trabalho, tendo dirigido sua pretensão contra a reclamada COOTRASG - Cooperativa dos Trabalhadores em Serviços Gerais - e o Estado do Amazonas, na condição de litisconsorte.
O Regional entendeu haver simulação e conluio para fraudar a lei, por estar descaracterizado o ente cooperativo, e manteve a decisão de primeiro grau quanto à responsabilidade solidária entre a Cooperativa e o Estado do Amazonas.
A hipótese do processo enquadra-se na figura denominada terceirização de serviços e a Súmula 331, item II, do TST dispõe que a contratação irregular de trabalhador, por intermédio de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional. Nessa mesma Súmula, consta, também, que existe responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços se a empresa prestadora de serviços é inadimplente com relação aos direitos trabalhistas de sua empregada.
Nesse sentido, há responsabilidade do tomador de serviços, Estado do Amazonas, todavia, na modalidade simplesmente subsidiária, à luz da Súmula 331, IV, do TST.
Ressalte-se que, com a nova redação da Súmula 331, item IV, alterada pela Res. 96/2000, publicada no DJ 18/09/2000, ficou evidenciada a responsabilidade subsidiária do tomador de serviço quanto ao inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, incluindo órgãos da Administração Direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que tenham participado da relação processual e constem também do título executivo judicial. A Súmula tem como referência o próprio artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que, ao vedar a transferência da responsabilidade pelos encargos aos entes públicos, parte da premissa de que houve cautela da Administração Pública em contratar apenas empresas idôneas para prestação de serviços.
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso para declarar que a COOSTRAG - Cooperativa de Trabalho e Serviços em Geral Ltda. é a responsável principal pelos créditos trabalhistas da Reclamante, respondendo o Estado do Amazonas de forma subsidiária, nos termos da Súmula 331, item IV, do TST.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do Recurso de Revista quanto à preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho e quanto ao vínculo empregatício com a cooperativa e conhecê-lo , por contrariedade à Súmula 331, item II, do TST, quanto à prestação de serviços ao Estado mediante Cooperativa. No mérito, dar provimento parcial ao recurso para declarar que a COOSTRAG - Cooperativa de Trabalho e Serviços em Geral Ltda. é a responsável principal pelos créditos trabalhistas da Reclamante, respondendo o Estado do Amazonas de forma subsidiária, nos termos da Súmula 331, item IV, do TST.
Brasília, 06 de outubro de 2004.
CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA
Relator
Ciente:
Representante do Ministério Público