A C Ó R D Ã O

(8ª Turma)

GMDMC/Rac/gl/gc

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. INTERVALO INTRAJORNADA. ÔNUS DA PROVA. CARTÕES DE PONTO COM REGISTROS BRITÂNICOS. A legislação trabalhista autoriza a pré-assinalação do horário para repouso e alimentação. Logo, ainda que os registros nos cartões de ponto apresentados pela primeira reclamada possam ser considerados britânicos, tal invalidade não repercute na inversão do ônus da prova da alegada supressão do intervalo intrajornada, fato constitutivo da pretensão, cujo encargo pertence ao reclamante. Nesse contexto, a decisão recorrida revela-se irrepreensível, pois observou corretamente as regras de distribuição do ônus da prova, não sendo possível divisar violação dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC/15. Agravo de instrumento conhecido e não provido. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA (ENGELMIG). LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO. RECONHECIMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF 324 E RE 958252. REPERCUSSÃO GERAL. 1. O Supremo Tribunal Federal, em 30/8/2018, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 324 e o Recurso Extraordinário n° 958252, com repercussão geral reconhecida, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim. 2 . A tese de repercussão geral aprovada no recurso extraordinário foi a de que " é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante ". 3 . Como se observa, nos moldes do entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, razão pela qual a liberdade de contratar é conciliável com a terceirização, mormente diante da ausência de legislação que impeça as empresas de contratarem mão de obra, bem como da inexistência de dispositivo legal que defina o que é atividade fim e/ou atividade meio. 4. Logo, e em face dos princípios constitucionais da livre iniciativa (CF, art. 170) e da livre concorrência (CF, art. 170, IV), tem-se por lícita qualquer forma de terceirização, sobretudo porque essa aquece o mercado de trabalho e gera maior produtividade. 5 . Entretanto, não obstante a licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, por certo que, na hipótese de descumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, a empresa tomadora dos serviços será responsabilizada de forma subsidiária pelo pagamento da remuneração e das demais verbas trabalhistas devidas, sendo certo, ainda, que a conclusão do Supremo Tribunal Federal de licitude da terceirização não impede que eventuais abusos decorrentes da referida terceirização sejam apreciados e decididos pelo Poder Judiciário, de modo a garantir os direitos trabalhistas dos trabalhadores terceirizados, pois o remate no sentido da licitude da terceirização não pode resultar na precarização das relações de trabalho, tampouco na desproteção do trabalhador. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-ARR-1729-79.2016.5.17.0009 , em que é Agravada e Recorrente ENGELMIG ELÉTRICA LTDA. e são Agravantes , Agravados e Recorridos DAVID WILSON MAURO e EDP ESPÍRITO SANTO DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA S.A.

O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, mediante o acórdão prolatado às fls. 764/782 (seq. 3), complementado às fls. 926/936 (seq. 3), deu parcial provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamante para reconhecer o vínculo de emprego com a segunda reclamada, EDP Espírito Santo Distribuição de Energia S.A., com os consectários decorrentes e atribuição de responsabilidade solidária às reclamadas.

Inconformadas, as partes interpuseram recursos de revista, com fulcro no art. 896, "a" e "c", da CLT, postulando a reforma do julgado. A primeira reclamada, às fls. 970/990 (seq. 3), se insurgindo quanto ao tema "licitude da terceirização". O reclamante, às fls. 995/1.013 (seq. 3), postulando a revisão do acórdão regional quanto aos temas "intervalo intrajornada", "indenização por dano moral" e "honorários advocatícios". E a segunda reclamada, às fls. 1.014/1.083 (seq. 3), arguindo a nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional e pleiteando a reforma do julgado quanto ao tema "licitude da terceirização".

Pela decisão de fls. 1.096/1.103 (seq. 3), foi recebido o recurso de revista interposto pela primeira reclamada, por possível violação do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95, e foi denegado seguimento aos recursos de revista interpostos pelo reclamante e pela segunda reclamada.

Irresignados, o reclamante e a segunda reclamada interpuseram agravos de instrumento, respectivamente, às fls. 1.143/1.157 e 1.158/1.176 (seq. 3), insistindo na admissibilidade de suas revistas.

Contrarrazões, às fls. 1.113/1.142, 1.196/1.222, 1.223/1.253 e 1.273/1.282 (seq. 3), e contraminutas, às fls. 1.186/1.195, 1.254/1.260 e 1.261/1.273 (seq. 3).

Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do art. 95 do RITST.

É o relatório.

V O T O

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE

I – CONHECIMENTO

As reclamadas arguem, às fls. 1.255/1.256 e 1.263/1.266 (seq. 3), preliminar de não conhecimento do agravo de instrumento interposto pelo reclamante, por ausência de dialeticidade, pois o agravante não impugnou especificamente os fundamentos da decisão que denegou seguimento ao recurso de revista, atraindo o óbice da Súmula nº 422 do TST.

Ao exame.

A breve leitura da minuta do agravo de instrumento permite constatar que os fundamentos da decisão denegatória do recurso de revista foram devidamente impugnados na forma articulada pelo reclamante quanto ao tópico objeto de insurgência, de modo que não há falar em incidência da Súmula nº 422, I, desta Corte na presente hipótese.

Pelo exposto, rejeito a preliminar e, preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do agravo de instrumento.

II – MÉRITO

Ab initio , registre-se que a análise do recurso ficará limitada ao único tópico objeto da insurgência ("intervalo intrajornada"), tendo em vista o princípio da adstringência recursal e a preclusão dos demais temas articulados no recurso de revista e não impugnados no presente agravo de instrumento.

INTERVALO INTRAJORNADA

Quanto ao tema, o Tribunal Regional assim decidiu:

" 2.2.3. INTERVALO INTRAJORNADA

O reclamante alegou que o intervalo para descanso e refeição, na prática, não era respeitado, ante a cobrança incessante pela execução dos serviços, gozando o autor de, no máximo, 30 minutos, e disse que os horários manualmente registrados nas folhas de ponto eram fixos, uniformes, britânicos, não possuindo valor probante.

A 2ª ré alegou que, ante o labor externo, o autor estava enquadrado na previsão do art. 62, da CLT, mas que "sempre usufruía de intervalo intrajornada", frisando que "os mais abalizados Tribunais têm entendido que nos casos de pré-assinalação dos intervalos cabe ao Reclamante provar que o referido repouso não lhe era concedido."

A 1ª ré impugnou a alegação de que o autor era orientado pelos seus superiores a registrar a sua frequência com horário britânico, afirmando que sempre gozou do intervalo integral de 01 hora para refeição e descanso.

Asseverou, ainda, que orientava o gozo de intervalo para alimentação de 01h; que a quantidade de tarefas deferidas permitia o efetivo gozo do intervalo; e que devido ao trabalho externo, não tinha como fiscalizar a realização ou não do intervalo intrajornada.

A MM. Juíza julgou improcedente o pleito, fundamentando que:

"O autor se insurge em face da não concessão do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, postulando, assim, o pagamento, como extra, do tempo mínimo não concedido.

No entanto, ressalto que os cartões de ponto possuem o horário de intervalo intrajornada assinalado, obrigação da reclamada, sendo certo que a presença de tal registro também faz prova a favor da empregadora, nos termos do art. 71 da CLT.

Ademais, além da assinalação, havia anotação do período destinado à alimentação e descanso, com horários que se alternavam entre variáveis e não variáveis, o que também é indício de prova a favor da ré, na forma da Súmula 338 do TST.

Por outro lado, o autor não fez qualquer prova a infirmar as informações colhidas nos livros de ponto.

Indefiro o pagamento de intervalo intrajornada."

Em seu apelo, o reclamante argumenta que "diante da impugnação obreira aos cartões de ponto e da ausência de validade dos controles de jornada apresentados pela 1ª reclamada, o ônus de comprovar a concessão do intervalo para repouso e alimentação incumbia às demandadas, a teor dos arts. 818, da CLT, e 373, II, do CPC. E, no caso dos autos, as RÉS NÃO PRODUZIRAM UMA PROVA SEQUER, seja documental, seja testemunhal, em sentido contrário à tese da exordial!"

À análise.

Segundo dispõe o art. 818 da CLT, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer , e segundo o art. 333 do CPC, "o ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".

Tais regras podem ser relativizadas em situações específicas no processo do trabalho, diante da possibilidade de inversão do ônus da prova.

Nos termos da Súmula 338 do TST, " É ônus do empregador que conta mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, §2º, da CLT ", de tal modo que, " A não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário ".

Outrossim, a mesma Súmula preceitua que " Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir" .

In casu , a 1ª ré juntou aos autos as folhas de ponto de todo o período de vínculo, que podem ser considerados britânicos, inclusive quanto às anotações de intervalo.

Nada obstante, por ser possível até a pré-assinalação do horário para refeição, a presunção da Súmula 338 não alcança o intervalo, cujo ônus de prova continua sendo do autor, que, contudo, não se desincumbiu a contento.

Logo, por não ter provado a ausência de intervalo, deve ser mantida a r. sentença.

Nego provimento. " (fls. 773/774 – seq. 3)

Nas razões de revista, às fls. 997/1.005 (seq. 3), o reclamante postula a revisão do julgado quanto ao pedido de horas extras decorrentes do intervalo intrajornada não usufruído. Sustenta, em síntese, a inobservância das regras de distribuição do ônus da prova, pois as reclamadas alegaram a ausência do controle de jornada e não se desvencilharam de tal encargo, de modo que não é aplicável a exceção do art. 62, I, da CLT na hipótese dos autos. Ressalta que há contradição na tese defensiva de ausência de controle da jornada com a juntada de folhas de ponto de todo o período. Alega, ainda, que os controles de ponto carreados são inválidos, pois possuem marcações britânicas, e que incumbia ao empregador provar a regular concessão do intervalo intrajornada. Indica violação dos arts. 7º, XIII, da CF, 58, 62, I, 71, § 4º, 74 e 818 da CLT, 373, I e II, do CPC/15 e 104 do CC, contrariedade às Súmulas nº 338, III, e 437 do TST e divergência jurisprudencial.

Ao exame.

Ab initio , registre-se que não houve o enquadramento do reclamante na exceção do art. 62, I, da CLT, tampouco há se cogitar em contradição entre as defesas apresentadas por reclamadas distintas.

Por sua vez, como bem pontuado pelo Tribunal de origem, " por ser possível até a pré-assinalação do horário para refeição, a presunção da Súmula 338 não alcança o intervalo, cujo ônus de prova continua sendo do autor ".

Com efeito, a legislação trabalhista autoriza a pré-assinalação do horário para repouso e alimentação. Logo, ainda que os registros nos cartões de ponto apresentados pela primeira reclamada possam ser considerados britânicos, tal invalidade não repercute na inversão do ônus da prova da alegada supressão do intervalo intrajornada, fato constitutivo da pretensão, cujo encargo pertence ao reclamante.

Constata-se, portanto, que a decisão recorrida observou corretamente as regras de distribuição do ônus da prova, não sendo possível divisar violação dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC/15.

De igual modo, não se divisa violação dos arts. 74 da CLT e 104 do CC nem contrariedade à Súmula nº 338, III, do TST.

Nesse sentido, já me manifestei alhures:

"[...] B) RECURSO DE REVISTA. 1.HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA PRÉ-ASSINALADO. O artigo 74, § 2º, da CLT prevê a obrigatoriedade de o empregador pré-assinalar o período referente ao intervalo intrajornada. Por sua vez, a disposição contida no item III da Súmula 338 do TST não se aplica ao intervalo intrajornada pré-assinalado, sendo ônus do empregado a demonstração do descumprimento do período do intervalo. Desse modo, merece reparo o acórdão regional que decide a favor da parte que não se desincumbiu do ônus de provar que o intervalo intrajornada não foi usufruído. Recurso de revista conhecido e provido. [...]" (RR-1594-46.2014.5.03.0100, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 15/8/2016)

Na mesma linha, os seguintes precedentes:

"AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS. HORAS EXTRAS. INTERVALOS INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. SÚMULA Nº 338, III, DO TST. CONTRARIEDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO 1. Revela-se impertinente a indicação de contrariedade à Súmula nº 338, III, do TST se se controverte acerca da viabilidade de o empregador pré-assinalar o intervalo intrajornada nos cartões de ponto do empregado. 2. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgR-E-RR - 149700-14.2006.5.17.0011, Rel. Min. João Oreste Dalazen, SDI-1, DEJT 09/12/2016)

"RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA PRÉ-ASSINALADO. CARTÕES DE PONTO COM REGISTROS BRITÂNICOS. ÔNUS DA PROVA. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido da inaplicabilidade do item III da Súmula nº 338 do TST à hipótese de marcação invariável dos horários do intervalo intrajornada nos registros de ponto, porquanto a pré-assinalação é prevista no art. 74, § 2º, da CLT. Desse entendimento dissentiu o acórdão regional. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-776-56.2013.5.15.0016, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, DEJT 31/5/2019)

"RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA - PRÉ-ASSINALAÇÃO - ÔNUS DA PROVA (alegação de contrariedade à Súmula/TST nº 338, III). A pré-assinalação do intervalo intrajornada é procedimento referendado pelo artigo 74, §2º, da CLT e pela Portaria/MTE nº 3.626/91, que, ao disciplinarem o registro de empregados, anotação na CTPS e registro de horário, admitem que empregador pré-assinale o período referente ao intervalo intrajornada, sob pena de sanção meramente administrativa. Assim, a pré-assinalação do período de intervalo mantém com o reclamante a carga probatória de demonstrar o efetivo desrespeito ao repouso, não incidindo o teor da Súmula/TST nº 338, III. Recurso de revista não conhecido." (RR - 927-98.2010.5.15.0057, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, DEJT 5/6/2015)

"[...] II - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. INTERVALO INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. CARTÕES DE PONTO COM REGISTROS BRITÂNICOS. O TRT consignou que os cartões de ponto não foram considerados válidos, seja porque apresentavam uma espécie de registro de jornada por exceção, seja porque apresentavam registros britânicos. Todavia, considerou, em relação ao intervalo intrajornada pré-assinalado, a validade da sua fruição. Esta Corte Superior tem entendimento no sentido de que não se aplica a Súmula 338, III, do TST, nas hipóteses em que o intervalo intrajornada seja pré-assinalado nos cartões de ponto, sendo ônus do empregado a comprovação da sua não fruição. Precedentes. Recurso de revista não conhecido." (ARR-10154-48.2016.5.03.0183, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, DEJT 26/4/2019)

"[...] II) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - ÔNUS DA PROVA DO INTERVALO INTRAJORNADA - CARTÕES DE PONTO COM REGISTRO BRITÂNICO - PRÉ-ASSINALAÇÃO DO PERÍODO DE REPOUSO - DESPROVIMENTO. 1. A Súmula 338, III, do TST dispõe que os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. 2. Já o art. 74, § 2º, da CLT estipula que para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso. 3. In casu, o Regional atribuiu ao Reclamante o ônus da prova da alegada ausência de fruição do intervalo intrajornada, ainda que diante de cartões de ponto britânicos, por entender que a marcação desse período não é obrigatória. 4. Nesses termos, não merece reparos o acórdão regional, devendo permanecer com o Reclamante o encargo de comprovar a ausência de fruição do intervalo intrajornada, ainda que os cartões de ponto com registro de horários britânicos tenham sido considerados inválidos como meio de prova, uma vez que, diferentemente dos horários de entrada e de saída, inexiste a obrigatoriedade de marcação diária do período de descanso, por expressa determinação legal de sua pré-assinalação. Recurso de revista do Reclamante conhecido e desprovido." (RR-2196-38.2014.5.02.0432, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, 4ª Turma, DEJT 23/11/2018)

"RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.015/2014. CARTÕES DE PONTO. HORÁRIOS DE ENTRADA INVARIÁVEIS. SÚMULA 338, III/TST. INTERVALO INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO. Controvérsia centrada na validade dos cartões de ponto colacionados aos autos pela Reclamada, os quais consignam horários de entrada invariáveis, conforme informações constantes do acórdão regional. No entanto, o Tribunal Regional considerou válidos os documentos colacionados. Concluiu que competia ao Autor o ônus probatório acerca da jornada extraordinária, afastando a aplicação da Súmula 338, III/TST. Dispõe a Súmula 338, III, do TST que "Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir". Conforme a diretriz contida no aludido verbete sumular, controles de ponto que apresentam horários de entrada invariáveis não merecem ser considerados como meio de prova. Ademais, a apresentação de cartões de ponto inidôneos gera a inversão do ônus probatório, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada narrada na inicial se dele não se desincumbir. Desse modo, o Tribunal Regional, ao considerar válidos os cartões ponto, muito embora registrassem horários de entrada britânicos, consignando que o ônus probatório acerca da jornada extraordinária competia ao Reclamante, proferiu acórdão contrário à Súmula 338, III/TST. No que tange ao intervalo para refeição e descanso, o artigo 74, §2º, da CLT, dispõe que deve haver a pré-assinalação do período de repouso. Assim, a pré-assinalação dos cartões de ponto quanto ao intervalo intrajornada é admitida pela legislação pátria. Neste particular, cumpria ao Reclamante comprovar a concessão parcial do intervalo, ônus do qual não se desincumbiu. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido." (RR-25139-17.2015.5.24.0007, Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma, DEJT 30/11/2018)

"[...] RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INTERVALO INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO. VALIDADE. ART. 74, § 2º, DA CLT. ÔNUS DA PROVA. O § 2º do art. 74 da CLT expressamente exige a anotação da hora de entrada e de saída dos empregados, nos estabelecimentos com mais de 10 (dez) trabalhadores. Contudo, acerca do período de repouso, a referida norma determina apenas a sua pré-assinalação. Assim, em sendo comprovada nos autos a referida pré-assinalação, não cabe ao empregador o ônus de provar a concessão do descanso, sendo incumbência do empregado provar o fato constitutivo do seu direito, a teor dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC. Dessa forma, não tendo o reclamante se desincumbido de seu encargo, são indevidas as horas extraordinárias daí decorrentes. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-959-13.2014.5.11.0013, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT 4/3/2016)

"[...] III - RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E DA IN Nº 40 DO TST. ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. RECLAMADA. INTERVALO INTRAJORNADA. PRÉ-ASSINALAÇÃO NOS CONTROLES DE FREQUÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. 1 - Nos termos do § 2º do art. 74 da CLT e do art. 13, caput, da Portaria nº 3.626/91 do Ministério do Trabalho, o empregador está autorizado a adotar a pré-assinalação do intervalo intrajornada nos controles de frequência. À vista disso, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que, havendo registros previamente assinalados dos intervalos para repouso e alimentação, é do reclamante o ônus de comprovar a sua incorreta fruição, mesmo na ocorrência de prova dividida, sendo inaplicável a disposição contida na Súmula 338, III, do TST. 2 - No caso dos autos, não obstante ter constatado que, até 10/12/2014, ocorreram pré-assinalações do intervalo intrajornada e que, quanto à veracidade desses registros, as provas testemunhais foram divergentes (prova dividida), a Corte regional imputou à reclamada o ônus de comprovar a correta concessão dessa pausa, decidindo em sentido contrário à jurisprudência deste Tribunal Superior. Julgados. 3 - Recurso de revista a que se dá provimento." (ARR- 10379-15.2016.5.15.0028, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, DEJT 28/9/2018)

"[...] III - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 - INTERVALO INTRAJORNADA - - ÔNUS DA PROVA Nos termos do art. 74, § 2º, da CLT, cabe ao empregador pré-assinalar o período referente ao intervalo intrajornada. No caso, a disposição contida no item III da Súmula nº 338 do TST não se aplica ao intervalo intrajornada pré-assinalado, sendo ônus do empregado demonstrar o descumprimento do período. Recurso de Revista não conhecido." (ARR-10141-71.2016.5.03.0111, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, DEJT 31/5/2019)

Nesse contexto, resta inviabilizado o dissenso pretoriano, ante o óbice da Súmula nº 333 desta Corte e do art. 896, § 7º, da CLT.

Por conseguinte, ausente a prova da supressão do intervalo intrajornada, não há falar em direito às horas extras, restando incólumes os arts. 7º, XIII, da CF, 58 e 71, § 4º, da CLT e a Súmula nº 437 do TST.

Assim, nego provimento ao agravo de instrumento.

B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA (ENGELMIG)

I - CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade recursal, prossegue-se na análise dos pressupostos específicos do tema objeto de reapreciação.

LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO

Eis os fundamentos adotados pelo Regional:

" 2.2.1. ILEGALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO - VÍNCULO DIRETAMENTE COM A TOMADORA (ESCELSA)

O autor relatou ter sido admitido pela 1ª reclamada em 07/04/2016, para exercer a função de Eletricista II, laborando exclusivamente em favor da 2ª ré até a demissão em 06/10/2016.

Disse que não se encaixa no caso de contrato temporário, conforme definição da Lei n.º 6.019/74, uma vez que suas atribuições se inserem na atividade-fim 2ª reclamada, detentora de contrato de concessão de serviço público de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

Ressaltou que a Lei n.º 8.987/95 conferiu ao concessionário a possibilidade de subconcessão (e não terceirização), razão pela qual pugnou pelo reconhecimento da ilicitude na terceirização, com a declaração de nulidade do liame mantido entre autor e 1ª ré e o reconhecimento do vínculo diretamente com a tomadora, 2ª ré.

Contestando, a 2ª reclamada aduziu, após longas explicações acerca do panorama fático e legislativo das concessões de serviços públicos de energia elétrica, que a Lei n.º 8.987/95 permitiu a delegação da execução dos serviços a terceiros, incluindo os serviços inerentes à concessão.

Em síntese, defendeu que não há falar em inconstitucionalidade, pois não se trata de delegação da concessão, mas apenas da execução de determinados serviços; que a licitação não é incompatível com a terceirização de serviços; que a matéria não há contrariedade à Súmula n.º 331 do C. TST, dirigida aos casos genéricos de contratação, não regulados expressamente por lei, situação distinta da presente, que se encontra sob o pálio de lei expressa a permitir a contratação de empresas para a execução de algumas das atividades, inclusive inerentes ou fins; que não estão presentes os requisitos do art. 3º da CLT para caracterização do vínculo de emprego.

A 1ª ré também aduziu que "não há que se falar em ilicitude da terceirização, pois a Lei 8.987/95, em seu art. 25, §1º, autoriza que as concessionárias de serviço público contratem terceiros para o exercício de sua atividade fim, impedindo o reconhecimento de fraude na terceirização especialmente das atividades constantes dos contratos administrativos de concessão, tornando inaplicável o inciso I da Súmula n.º 331 do C. TST."

O Juízo de primeiro grau rejeitou o pedido do autor, verbis :

"VÍNCULO DE EMPREGO. TERCEIRIZAÇÃO. DIREITOS EQUIPARADOS AOS EMPREGADOS DA TOMADORA. DANOS MORAIS

Pretende o autor o reconhecimento do vínculo de emprego com a 2ª reclamada, alegando, em síntese, que embora contratado pela 1ª reclamada, sempre prestou serviços exclusivamente para a 2ª reclamada - Escelsa, exercendo função diretamente ligada à sua atividade fim, qual seja, eletricista, ligando e remanejando padrão de energia, alegando a ilicitude da terceirização.

As reclamadas, em síntese, confirmam a prestação de serviços do autor em favor da 2ª reclamada, tomadora dos serviços em face da existência de um contrato de prestação de serviços entre as empresas, sustentando a licitude da terceirização.

A terceirização trabalhista se caracteriza pela criação de uma relação jurídica trilateral em que o empregado é inserido no processo produtivo do tomador de serviços, sem que este assuma a posição de empregador, mantendo-se os laços justrabalhistas formalmente fixados entre o trabalhador e a empresa prestadora de serviços. Em princípio, não há qualquer ilegalidade nesta forma de vinculação. Isso não quer dizer, contudo, que toda e qualquer terceirização seja lícita.

Com efeito, embora não previsto de forma geral em nosso ordenamento jurídico, a terceirização afigura-se lícita dentro de uma estreita utilização, de forma a não haver fraude aos preceitos trabalhistas, nem precarização da força de trabalho. Nesse sentido, entendimento pacificado pelo C. TST, veiculado na Súmula n° 331, fixa os limites para uso do referido sistema, iniciando pela proibição de que ocorra ela na chamada atividade-fim da tomadora de serviços.

Por atividade-fim deve-se entender aquela dentro do objetivo social da empresa, manifestada pela atividade que dá característica própria à atividade empresarial e que a posiciona dentro do mercado.

No presente caso, a tomadora dos serviços - 2ª reclamada - tem por objeto social "... a exploração de serviços públicos de energia elétrica, podendo estudar, planejar, projetar, desenvolver, construir e explorar os respectivos sistemas, bem como prestar serviços correlatos que tinham sido ou venham a ser delegados e praticar os demais atos necessários à execução de seus objetivos..." (art. 4º do Estatuto Social), sendo que, de acordo com a delegação feita pela agência reguladora, ANEEL, a ESCELSA é responsável por "produção, transmissão e distribuição de energia elétrica (...)".

Cumpre notar, ainda, que no que tange à concessão e delegação de serviços públicos de fornecimento e produção de energia elétrica e de serviços de telecomunicação, o § 1º do art. 25 da Lei 8.987/95 dispõe que "a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados" (grifo nosso).

Nesse contexto, mudando entendimento anterior e adequando-o aos novos modelos de produtividade, bem como considerando que o direito e sua hermenêutica não são imutáveis e não estão a par das mudanças sociais e tecnológicas, ressaltando que a modernização das novas relações de trabalho por meio das quais há necessidade constante da especialização das atividades fim, entendo que a atividade de eletricista, como a realizada pelo autor, que fazia os serviços de ligar, religar ou desligar os padrões de energia e verificar a correção dos cabos, não mais se enquadra como atividade fim.

Com efeito, a concessão da tomadora é para produção e distribuição de energia, no sentido de disponibilizar energia e, não necessariamente de fazer a ligação da energia elétrica nas residências, tal competência extrapola o fim maior da ré que é produzir e disponibilizar energia elétrica.

Ademais, ainda que assim não fosse, não se pode olvidar que a concessionária pode contratar atividade inerente à distribuição de energia elétrica, conforme os termos da Lei 8.987/95 e nesse caso, não há como se negar que a ligação e o desligamento da energia nas residências, bem como a verificação dos cabos elétricos nas mesmas, não seja uma atividade inerente ao serviço público concedido.

Dessa feita, afasto a alegação de ilicitude na terceirização de atividade fim, sobretudo considerando que a interpretação do que seja atividade fim deve ser restritiva diante dos novos modelos de produtividade e relações de trabalho e indefiro, por conseguinte, todos os pedidos correlatos, quais sejam: 1,2,3, 4, 8 e 9 da inicial."

Dessa decisão recorre o autor, renovando a tese inicial e argumentando que "o D. Juízo a quo não se atentou à jurisprudência predominante no C. TST, no sentido de que o referido dispositivo legal possui aplicabilidade no direito administrativo, mas na seara trabalhista não pode ir de encontro com as normas protetoras do trabalhador, que proíbem a terceirização de atividade-fim".

Assevera que "Interpretar o § 1º, do art. 25, da Lei nº 8.987/95, como sendo uma autorização legal para terceirizar atividade-fim de concessionária de serviço elétrico seria uma violação à exigência de licitação disposta no art. 14 do mesmo estatuto, bem como nos arts. 72, caput, e 78, VI, ambos da Lei nº 8.666/93".

Ressalta que "os contratos apresentados pela Escelsa (Id's 9df0d95 e 85b790f) demonstram, a saciedade, que NÃO houve qualquer certame para a escolha da Engelmig como prestadora de serviços, sendo certo afirmar que se tratam de singelos e ilegais contratos de terceirização da atividade-fim da 2ª ré e, portanto, nulos"

À apreciação.

Incontroverso que o reclamante foi admitido pela 1ª reclamada e prestou serviços em favor da Escelsa.

Certo, ainda, que foi contratado para a função de Eletricista II, sendo suas atribuições, entre outras (Id 887891d):

1. Execução de Serviços Técnicos Comerciais (ligação/religação/ligação provisória/religação de urgência) em unidades consumidoras atendidas por AT-BT, BT-BT e AT-AT;

2. Corte de energia elétrica;

3. Instalação de padrões tipo baixa renda; [...]"

Tratando-se a 2ª reclamada da empresa responsável pela prestação de serviços públicos de energia elétrica neste Estado, parece evidente que o reclamante, tendo a função de realizar cortes e ligamentos de energia elétrica nas residências dos consumidores, cumpria atividades vinculadas à atividade-fim da empresa. Aliás, como bem destacou a 1ª ré em sua contestação, o objeto social da Escelsa é justamente a produção, a transmissão e a distribuição de energia elétrica.

Desse modo, não é razoável defender-se que esse tipo de atividade não constitui atividade-fim da 2ª reclamada, eis que intimamente relacionado aos serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica.

Concluímos, assim, que o reclamante não apenas laborava em benefício da 2ª ré, como também desempenhava atividades relacionadas à sua atividade-fim.

Passemos a perquirir as consequências jurídicas dessa conclusão.

Suscitou a 2ª reclamada, em sua defesa, o §1º do art. 25 da Lei 8.987/95 (Lei essa que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências). Preceitua o referido dispositivo:

Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados. (...)

A questão que se impõe é saber se o dispositivo em tela permite que as empresas sob o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal podem terceirizar atividades vinculadas à sua atividade-fim.

Entendemos que não. Ocorre que esse dispositivo não pode ser interpretado isoladamente, mas apenas dentro do conjunto legal em que se insere. Posto isso, é necessário trazer à baila o art. 26 da mesma Lei 8.987/95, que dispõe que "É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente", bem como o seu § 1º, que preceitua que "A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência."

Dessa forma, conclui-se que "a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados" (art. 25, §1º, Lei 8.987/95), mas tal contratação apenas poderá se dar por meio de subconcessão, observados o art. 26, caput , e parágrafos da mesma Lei.

Esse entendimento, calha registrar, já foi adotado no acórdão de RO desta 2ª Turma referente ao processo 0141500-04.2009.5.17.0014, em que igualmente figura no polo passivo da demanda a ora 2ª reclamada, in verbis :

"Inclusive, referida interpretação coaduna-se com o restante da lei, visto que o art. 26 da lei somente admite a subconcessão "nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente". Além disso, o §1º, do mesmo artigo, prescreve que "a outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência".

Desse modo, a contratação de terceiros em "atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido" (§ 1º do art. 25), ligados à atividade fim da concessionária, somente pode acontecer mediante prévia concorrência e desde que autorizado pelo poder concedente (art. 26), visto que constitui verdadeira subconcessão do serviço. Essa é a interpretação que mais harmoniza a lei com a Constituição".

Como se vê, não se trata de declarar a inconstitucionalidade do §1º do art. 25 da Lei 8.987/95, mas apenas de se determinar a sua correta interpretação.

Situação distinta, conveniente registrar, é a dos serviços de telecomunicações. Vejamos.

A Lei 9.472/1997, que dispõe sobre "a organização dos serviços de telecomunicações" conta com um dispositivo de conteúdo semelhante ao do §1º do art. 25 da Lei 8.987/95, há pouco analisado, que é o art. 94, II, in verbis:

Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: (...)

II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.

Diferentemente do que acontece com a Lei 8.987/95, entretanto, a Lei 9.472/1997 não exige que a contratação de terceiros para desenvolver "atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço"ocorra através de subconcessão. Quer dizer, no caso dos serviços de telecomunicações, é permitida a terceirização de atividade-fim, observados os requisitos da Lei, independentemente de subconcessão.

Tal não afeta a conclusão alcançada nestes autos, porque os serviços de telecomunicações são uma exceção. Tanto que, enquanto a Lei 8.987/95 dispõe, de um modo geral, "sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal", a Lei 9.472/1997 dispõe especificamente sobre "a organização dos serviços de telecomunicações".

Aliás, essa distinção vem da própria CF/88, que, no seu art. 21, XI, fixa ser competência da União "explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais", e, no inciso XII, subsequente, fixa ser competência da União "explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão" diversos outros serviços, que são enumerados nas alíneas de 'a' a 'f'. Significa dizer, a própria CF/88 pensou um arcabouço legislativo específico para os serviços de telecomunicações.

Feito esse parêntese, verifica-se que, no caso dos autos, estamos diante de verdadeira contratação de trabalhador por empresa interposta, a determinar a aplicação do entendimento jurisprudencial consagrado no inciso I da Súmula 331 do TST:

SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). (...)

Vale esclarecer que, no caso, sequer é necessário investigar o preenchimento dos requisitos da relação de emprego, como a pessoalidade e a subordinação direta, pois, consoante se depreende do inciso III da Súmula 331 do TST, em interpretação a contrario sensu , o só fato de a empresa terceirizar ilegalmente sua atividade-fim, fora das hipóteses expressamente admitidas, já caracteriza a repudiada intermediação de mão-de-obra e é suficiente para a formação direta do vínculo.

Portanto, conclui-se que a hipótese consubstancia autêntico caso de formação de vínculo empregatício diretamente com a tomadora dos serviços, devendo ambas as reclamadas responder solidariamente pelas verbas trabalhistas.

A responsabilidade solidária, no caso, resulta da aplicação do arts. 942 e 927, do Código Civil, e, ainda do art. 9º da CLT, ante a fraude perpetrada na contratação do autor, para a qual ambas as rés contribuíram. Assim, não há que se falar em exclusão da 1ª ré da lide, como pleiteado, tampouco em limitação da condenação, eis que restou evidenciado pelo conjunto probatório, especialmente prova pericial, que, durante todo o pacto laboral, o autor exercera suas funções em prol da 2ª reclamada.

Assim, dou provimento ao recurso para reconhecer o vínculo de emprego diretamente com a 2ª ré, tomadora dos serviços, que deverá, por conseguinte, proceder à devida anotação na CTPS do reclamante, e para condenar ambas as reclamadas, solidariamente, ao pagamento das verbas objeto da presente condenação, sem limitação, uma vez que a 2ª ré, em defesa, sequer negou a prestação dos serviços em seu favor durante todo o lapso temporal indicado na inicial." (fls. 765/771 – seq. 3)

Nas razões do recurso de revista, às fls. 974/990 (seq. 1), a primeira reclamada postula a revisão do julgado quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego com a tomadora dos serviços e à responsabilidade solidária atribuída às reclamadas, ao argumento da licitude da terceirização, pois expressamente autorizada pelo art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/1995, o qual não pode ser afastado sem a observância da cláusula de reserva de plenário. Alega, ainda, a aplicabilidade da Lei nº 13.429/2017. Indica violação dos arts. 5º, II, e 22, I, da CF, 265 do CC, 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95 , 1º e 4º-A, caput e § 2º , da Lei nº 13.429/2017, bem como contrariedade à Súmula Vinculante nº 10 do STF e à Súmula nº 331, I, do TST e divergência jurisprudencial .

Ao exame.

Ab initio , é oportuno ressaltar que, embora a questão controvertida não verse sobre a terceirização no âmbito de empresas de telecomunicações nem gire em torno da aplicação do art. 94, II, da Lei nº 9.472/1997 – matéria apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do processo nº ARE 791.932, em sede de repercussão geral (Tema nº 739), idêntica ratio decidendi do aludido precedente deve ser adotada na presente hipótese, na qual se discute a viabilidade da terceirização no âmbito de concessionárias de serviço público em razão da previsão contida no art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95.

No referido precedente, restou fixada a tese de que " é nula a decisão de órgão fracionário que se recusa a aplicar o art. 94, II, da Lei 9.472/1997, sem observar a cláusula de reserva de Plenário (CF, art. 97), observado o art. 949 do Código de Processo Civil ". E, ainda, foi reiterada a tese firmada em plenário acerca da licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, consoante se depreende da seguinte ementa:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR DESRESPEITO A CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ART. 97 E SV 10). NEGATIVA PARCIAL DE VIGÊNCIA E EFICÁCIA AO INCISO II, DO ART. 94 DA LEI 9.472/1997 (LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES) POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO COM BASE NA SÚMULA 331/TST. IMPOSSIBILIDADE. LICITUDE DE TERCEIRIZAÇÃO DE TODA E QUALQUER ATIVIDADE, MEIO OU FIM, NÃO SE CONFIGURANDO RELAÇÃO DE EMPREGO ENTRE A CONTRATANTE E O EMPREGADO DA CONTRATADA (ADPF 324 E RE 958.252). AGRAVO CONHECIDO. RECURSO PROVIDO.

1. A inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (turma, câmara ou seção), em respeito à previsão do art. 97 da Constituição Federal.

2. A cláusula de reserva de plenário atua como condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para todos os tribunais, via difusa, e para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, também no controle concentrado (CF, art. 97 e SV 10).

3. É nula a decisão de órgão fracionário que, ao negar a aplicação do inciso II, do art. 94 da Lei 9.472/1997, com base na Súmula 331/TST, e declarar ilícita a terceirização e atividade-fim, reconhece a existência de vínculo trabalhista entre a contratante e o empregado da contratada, pois exerceu controle difuso de constitucionalidade, declarando a parcial nulidade sem redução de texto do referido dispositivo em observar a cláusula de reserva de Plenário. AGRAVO PROVIDO.

4. O PLENÁRIO DA CORTE declarou parcialmente inconstitucional a SÚMULA 331/TST e proclamou a licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim; para afirmar a inexistência de relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

5. Agravo conhecido e recurso extraordinário provido para restabelecer a sentença de primeiro grau, com a fixação da seguinte tese no TEMA 739: ‘É nula a decisão de órgão fracionário que se recusa a aplicar o art. 94, II, da Lei 9.472/1997, sem observar a cláusula de reserva de Plenário (CF, art. 97), observado o artigo 949 do CPC.’" (STF, ARE 791932, Rel. Min. Alexandre de Morais, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2018, DJe-044 6/3/2019)

Ora, conforme referido, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 30/8/2018, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 324 e o Recurso Extraordinário n° 958252, com repercussão geral reconhecida, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim. As respectivas decisões foram publicadas no DJe de 10/9/2018.

A tese de repercussão geral aprovada no recurso extraordinário foi a de que " é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante ".

Com efeito, a Corte Suprema entendeu que, nos moldes exarados pelo Relator do Recurso Extraordinário, o Ministro Luiz Fux, a Súmula n° 331 desta Corte Superior trabalhista consistia numa intervenção imotivada da liberdade jurídica de contratar sem restrição.

Segundo o Ministro Relator, a Constituição Federal, no art. 1°, IV, lista a valorização social do trabalho e a livre iniciativa como fundamentos do Estado Democrático de Direito, e os referidos princípios fundamentais estão intrinsecamente conectados, de modo a impedir a maximização de um deles, razão pela qual " é essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos ", motivo por que as intervenções do poder regulatório na dinâmica da economia devem se limitar ao mínimo possível.

Por sua vez, o Relator da ADPF, Ministro Luís Roberto Barroso, salientou não haver lei que proíba a terceirização, de modo que " não se pode violar a livre iniciativa e a livre concorrência. Tais princípios asseguram às empresas liberdade em busca de melhores resultados e maior competitividade. A Constituição Federal não impõe a adoção de um modelo específico de produção. A Constituição Federal não veda a terceirização ".

Ressaltou, além disso, que, " se não houver desenvolvimento econômico, se não houver sucesso empresarial das empresas, não haverá emprego, renda ou qualquer outro direito para os trabalhadores ". Concluiu que " as amplas restrições à terceirização, previstas no conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre o tema violam os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica, além de não terem respaldo legal ".

Como se observa, nos moldes do entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, razão pela qual a liberdade de contratar é conciliável com a terceirização, mormente diante da ausência de legislação que impeça as empresas de contratarem mão de obra, bem como da inexistência de dispositivo legal que defina o que é atividade fim e/ou atividade meio.

Assim, o STF deixou clara a constitucionalidade do modelo, a autorizar a terceirização irrestrita, a qual tem papel estratégico no processo produtivo, gerando oportunidade de empreendedorismo e inovação.

Logo, e em face dos princípios constitucionais da livre iniciativa (CF, art. 170) e da livre concorrência (CF, art. 170, IV), tem-se por lícita qualquer forma de terceirização, sobretudo porque essa aquece o mercado de trabalho e gera maior produtividade.

Entretanto, não obstante a licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, por certo que, na hipótese de descumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, a empresa tomadora dos serviços será responsabilizada de forma subsidiária pelo pagamento da remuneração e das demais verbas trabalhistas devidas, a fim de preservar a imperatividade das normas trabalhistas, a indisponibilidade dos direitos dos trabalhadores e a intangibilidade salarial.

Ademais, a conclusão do Supremo Tribunal Federal de licitude da terceirização não impede que eventuais abusos decorrentes da referida terceirização e da livre negociação entre empregados e empregadores sejam apreciados e decididos pelo Poder Judiciário, de modo a garantir os direitos trabalhistas dos terceirizados, pois o remate no sentido da licitude da terceirização não pode resultar na precarização das relações de trabalho, tampouco na desproteção do trabalhador.

Dentro desse contexto, considerando a conclusão do STF, nos autos da ADPF n° 324, de que a respectiva decisão somente não tem aplicabilidade aos processos em que tenha havido coisa julgada , não há falar em impossibilidade de terceirização das atividades fins, tampouco em inconstitucionalidade e/ou ilegalidade da terceirização havida, a rechaçar o pedido de reconhecimento de vínculo com a empresa tomadora dos serviços, a qual apenas continuaria responsável subsidiariamente em caso de eventual condenação, o que não é a hipótese.

Logo, ultrapassada a discussão alusiva à licitude ou ilicitude da terceirização havida, tendo em vista que a aprovação de tese de repercussão geral tem como principal objetivo a uniformização da interpretação de determinada matéria por parte do STF e deve ser observada pelos demais órgãos do Poder Judiciário, especialmente para a garantia da segurança jurídica, tem-se que a decisão do Regional, ao concluir pela ilicitude da terceirização, viola o art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95 .

Pelo exposto, conheço do recurso de revista por violação do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95 .

II - MÉRITO

LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO

Como consequência lógica do conhecimento do recurso de revista por violação do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95 , dou-lhe provimento para reformar o acórdão regional a fim de declarar a licitude da terceirização e afastar o reconhecimento do vínculo de emprego com a segunda reclamada, EDP Espírito Santo Distribuição de Energia S.A., excluindo da condenação as parcelas e obrigações decorrentes, bem como a responsabilidade solidária atribuída às reclamadas, com o consequente restabelecimento da sentença quanto à improcedência total da presente reclamação trabalhista.

C ) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA SEGUNDA RECLAMADA (EDP)

Ante a conclusão do julgamento do recurso de revista interposto pela primeira reclamada, fica prejudicado o exame do presente agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: a) conhecer do agravo de instrumento interposto pelo reclamante e, no mérito, negar-lhe provimento ; e b) conhecer do recurso de revista interposto pela primeira reclamada (Engelmig), p or violação do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95, e, no mérito, dar-lhe provimento para reformar o acórdão regional a fim de declarar a licitude da terceirização e afastar o reconhecimento do vínculo de emprego com a segunda reclamada, EDP Espírito Santo Distribuição de Energia S.A., excluindo da condenação as parcelas e obrigações decorrentes, bem como a responsabilidade solidária atribuída às reclamadas, com o consequente restabelecimento da sentença quanto à improcedência total da presente reclamação trabalhista, ficando prejudicado o exame do agravo de instrumento interposto pela segunda reclamada.

Brasília, 14 de agosto de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Dora Maria da Costa

Ministra Relatora