A C Ó R D Ã O
(SDI-2)
GMDAR/FSMR
REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO CPC DE 1973. 1. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. 2. AUSÊNCIA DE UMA DAS PARTES QUE FIGURAM NA RELAÇÃO PROCESSUAL PRIMITIVA. PRESSUPOSTO PROCESSUAL NÃO OBSERVADO. 3. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Trata-se de ação rescisória em que a União pretende rescindir acórdão em que o TRT deferiu o pagamento de diferenças salariais e reflexos, em ação ajuizada pelo Sindicato dos trabalhadores em face do INSS. 2. Em sede de recurso ordinário, a preliminar de ilegitimidade ativa da União, arguida na contestação e renovada em contrarrazões, deve ser apreciada, inclusive ex officio , pois ao órgão julgador cumpre examinar de ofício as matérias de ordem pública, à luz do efeito translativo próprio aos recursos de índole ordinária (arts. 267, § 3º, 301, § 4º, e 515, §§ 1º e 2º, do CPC de 1973). 3. A legitimidade para a ação é verificada sob a perspectiva do interesse afirmado pelo autor e do interesse que se opõe à pretensão deduzida em juízo. Deve ser analisada a situação jurídica da parte em relação ao objeto litigioso da demanda, com vistas a aferir se o autor possui a titularidade do direito postulado, bem como se a parte ré é a pessoa que irá suportar os efeitos do provimento jurisdicional. No caso específico da ação rescisória, há expressa disposição legal acerca da legitimidade ativa para a proposição pelo terceiro juridicamente interessado (arts. 487, II, do CPC de 1973). Ocorre, todavia, que a relação jurídica existente entre a União (Administração direta) e o INSS (Administração indireta) não é afetada pela discussão travada no processo matriz. A controvérsia envolve apenas a autarquia previdenciária e os seus servidores, substituídos pelo ente sindical que ajuizou a ação coletiva. Note-se que, nos termos do inciso I do art. 5º do Decreto-Lei nº 200, as autarquias são entidades que detêm autonomia, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, atuando administrativa e financeiramente de forma descentralizada. Desse modo, a questão debatida na ação primitiva, concernente ao pagamento de diferenças salariais, não diz respeito à União. Esta não possui interesse jurídico na demanda porque o julgamento proferido na ação originária não produz repercussão jurídica no vínculo que mantém com o INSS. Na verdade, é tão somente econômico o efeito provocado pela decisão rescindenda na relação jurídica mantida entre a União e o INSS. E o interesse meramente econômico, como se sabe, não habilita a Autora ao ajuizamento da ação rescisória. De igual modo, não socorre à Autora o argumento inicial de que o art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997 lhe atribui legitimidade, ao dispensar a configuração do interesse jurídico e permitir a intervenção em causas cuja decisão pode ter reflexos de natureza econômica, ainda que indiretamente, aos cofres públicos. Afinal, quando já ajuizada a ação rescisória pelo destinatário direto do comando judicial censurado, a atuação da União deve limitar-se a intervir (intervenção anômala), conforme previsto na norma referida. Se já ajuizada a ação rescisória pela autarquia que figurou como parte no processo em que proferido o título judicial, a propositura de subsequente ação desconstitutiva por quem poderia estar presente – mas não esteve – na relação processual primitiva afigura-se incompatível com a intervenção anômala de que trata a norma invocada. Assim, já intentada a ação rescisória pela parte que efetivamente figurou no processo originário, a União, que daquela ação não participou, está habilitada apenas a intervir no feito em andamento, podendo inclusive interpor recursos, não lhe cabendo, contudo, propor ação desconstitutiva. Definitivamente, intentada a ação rescisória pela autarquia previdenciária, a atuação da União, ostentando interesse processual meramente econômico, fica restrita à intervenção estatuída no parágrafo único do art. 5º da Lei 9.469/1997. Acolhe-se a arguição formulada em contrarrazões e se reconhece a ilegitimidade ativa da União, impondo-se a extinção do feito sem resolução do mérito. 4. Ademais, na ação rescisória em que o terceiro economicamente interessado (art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997) pretende rescindir acórdão proferido em ação coletiva, as partes que integram a lide primitiva – Autor e Ré - devem estar presentes, como litisconsortes passivos necessários, pois terão as respectivas esferas jurídicas afetadas caso procedente o pedido de corte rescisório. Logo, não se afigura correto direcionar a pretensão desconstitutiva em desfavor unicamente do sindicato que ajuizou a ação matriz. O equívoco decorrente do ajuizamento da ação rescisória sem observância do litisconsórcio necessário no polo passivo somente pode ser corrigido no prazo previsto no art. 495 do CPC de 1973. Decorrido o biênio legal, a ausência de citação do litisconsorte passivo necessário atrai o reconhecimento da decadência do direito de postular a rescisão do acórdão, transitado em julgado em 3/10/2005, revelando-se tal vício insuscetível de retificação no atual momento processual. Nesse contexto, o processo deve ser extinto, sem resolução do mérito, também ante a ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular da relação processual, concernente à falta de citação de todos os litisconsortes passivos necessários. 5. Reconhecida a ilegitimidade ativa ad causam e a ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular da relação processual, extingue-se o processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, IV e VI do CPC de 1973 . Remessa necessária e recurso ordinário conhecidos e processo extinto sem resolução do mérito.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário / Recurso Ordinário n° TST-ReeNec e RO-95100-31.2007.5.21.0000 , em que é Remetente TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO e Recorrente UNIÃO (PGU) e Recorrido SINDICATO DOS TRABALHADORES FEDERAIS NA PREVIDÊNCIA E SAÚDE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – SINDP.
A UNIÃO ajuizou ação rescisória, com fulcro no art. 485, II e V, do CPC de 1973, pretendendo a desconstituição de acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, na ação trabalhista nº 144/1990, que tramitou perante a 3ª Vara do Trabalho de Natal e em que figuram como partes o SINDICATO DOS TRABALHADORES FEDERAIS NA PREVIDÊNCIA E SAÚDE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – SINDP e o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS.
O Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, por meio do acórdão às fls. 245/249, após rejeitar as preliminares de incompetência, ilegitimidade ativa ad causam e inépcia da petição inicial, acolheu parcialmente a arguição de litispendência e, no mérito, julgou improcedente o pedido de corte rescisório (fls. 865/887).
A Autora interpôs recurso ordinário, mediante o qual pugna pelo afastamento da litispendência parcial e pelo reconhecimento da incompetência da Justiça do Trabalho para exame do pedido em relação ao período posterior ao advento da Lei 8.112/1990 (ofensa aos arts. 114 da CF, 243 da Lei 8.112/1990 e 87 do CPC de 1973), insistindo também na tese de violação dos arts. 5º, XXXVI, da CF, 879, § 1º, da CLT, 610 do CPC de 1973 e 7º, parágrafo único, I, da Lei 7.686/1988.
Contrarrazões oferecidas às fls. 947/953, nas quais o Sindicato-Réu alegou a desfundamentação do recurso (Súmula 422 do TST), renovando as preliminares de inépcia da petição inicial, litispendência e ilegitimidade ativa da Autora.
O Ministério Público do Trabalho, em parecer do i. Subprocurador-Geral do Trabalho Dan Caraí da Costa e Paes, opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso ordinário (fls. 961/967).
É o relatório.
V O T O
1. CONHECIMENTO
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade, pois tempestivo (fl. 931), com regular representação processual (Súmula 436 do TST), isenção de custas (art. 790-A, I, da CLT) e não cabimento do depósito recursal, ante a ausência de condenação em pecúnia (Súmula 161 do TST).
Não há falar em desfundamentação do recurso ordinário, pois enfrentada satisfatoriamente a motivação externada no julgamento proferido pela Corte a quo .
CONHEÇO do recurso ordinário.
Presentes os pressupostos legais, também CONHEÇO da remessa necessária.
2. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM (RENOVAÇÃO DA ARGUIÇÃO EM CONTRARRAZÕES)
Na petição inicial da ação rescisória, a Autora afirmou estar legitimada para a propositura da ação desconstitutiva, alegando "... não é nenhuma novidade que a União por diversos anos realizou pagamentos indevidos cominando com graves lesões ao erário em um verdadeiro império do perdularismo com o dinheiro alheio " (fl. 25).
Anotou que a Advocacia Geral da União deve apreciar os processos referentes ao pagamento de precatórios alusivos às dívidas de órgãos da Administração direta e indireta, conforme arts. 11 do Decreto 2.214/1997 e 87 da Lei 9.995/2000.
Asseverou, ainda, que a Lei 9.469/1997, em seu art. 5º, caput e parágrafo único, "19-29... conferiu o direito de a União de intervir nas causas cuja decisão possa ter reflexos, mesmo que indiretos, de natureza econômica, aos cofres públicos, dispensando a configuração do interesse jurídico " (fl. 27).
Aduziu que possui legitimidade para exercer o controle em processos judiciais em que figurem autarquias e fundações a ela vinculadas, com adoção de todas as medidas cabíveis, inclusive o ajuizamento de ações rescisórias.
Ponderou que a condenação que importe em ampliação de vencimentos de servidores públicos em autarquias ou fundações têm reflexos diretos e indiretos nas finanças públicas.
Em contestação, o Réu suscitou preliminar de ilegitimidade ativa da União.
O TRT da 21ª Região assim decidiu:
"3. Da Ilegitimidade da Parte .
Suscita o sindicato requerido a ilegitimidade da parte da autora, sob o argumento de que o ente autárquico que figurou como reclamado no processo possui quadro de procuradores próprio.
Neste caso, a Lei n°. 9.469/97, em seu artigo 5°, permite à União a intervenção em feitos em que figurarem, como autoras ou rés, suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, quando a decisão da causa possa produzir reflexos de natureza econômica, ainda que indiretamente.
Desta forma, o reconhecimento da legitimidade da União para a presente lide é medida que se impõe.
Rejeita-se, pois, a alegação."
Em suas razões de contrariedade ao recurso ordinário, o Sindicato-Réu insiste que a União "... é parte ilegítima para propor a ação rescisória porque se trata de ação em que figurou como ré um ente autárquico, com procuradoria própria. Ou seja, o máximo que a União Federal poderia fazer seria ingressar na ação rescisória promovida pelo INSS como litisconsorte e não poderia fazer mais que esse " (fl. 953).
Incialmente, convém assinalar que, em sede de exame de recurso ordinário, a preliminar de ilegitimidade ativa da União, arguida na contestação e renovada em contrarrazões, deve ser apreciada, inclusive de ofício.
Com efeito, ao órgão julgador cumpre examinar de ofício as matérias de ordem pública, tal como a legitimidade para a causa, à luz do efeito translativo próprio aos recursos de índole ordinária (arts. 267, § 3º, 301, § 4º, e 515, §§ 1º e 2º, do CPC de 1973).
Na hipótese, de fato, a União não possui legitimidade para o ajuizamento da presente ação rescisória.
Reza a doutrina que as condições da ação, entre as quais se insere a legitimidade ad causam , devem ser pesquisadas em termos genéricos, in statu assertionis , pouco importando a procedência ou não dos fatos articulados pelo Autor da demanda.
Ensina Arruda Alvim que " estará legitimado o autor quando for o possível titular pretendido, ao passo que a legitimidade do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo procedente a ação, a suportar os efeitos oriundos da sentença ".
Na ação matriz, os contendores são o Sindicato dos Trabalhadores Federais na Previdência e Saúde no Estado do Rio Grande do Norte - SINDP e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
A legitimidade para a ação é verificada sob a perspectiva do interesse afirmado pelo autor e do interesse que se opõe à pretensão deduzida em juízo.
Deve ser analisada a situação jurídica da parte em relação ao objeto litigioso da demanda, com vistas a aferir se o autor possui a titularidade do direito postulado, bem como se a parte ré é a pessoa que irá suportar os efeitos do provimento jurisdicional.
No caso específico da ação rescisória, há expressa disposição legal acerca da legitimidade ativa para a proposição pelo terceiro juridicamente interessado (arts. 487, II, do CPC de 1973 e 967 do CPC de 2015).
Ocorre, todavia, que a relação jurídica existente entre a União (Administração direta) e o INSS (Administração indireta) não é afetada pela discussão travada no processo matriz.
A controvérsia envolve apenas a autarquia previdenciária e os seus servidores, substituídos pelo ente sindical que ajuizou a ação coletiva. Note-se que, nos termos do inciso I do art. 5º do Decreto-Lei nº 200, as autarquias são entidades que detêm autonomia, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, atuando administrativa e financeiramente de forma descentralizada.
Desse modo, a questão debatida na ação primitiva, concernente ao pagamento de diferenças salariais, não diz respeito à União. Esta não possui interesse jurídico na demanda porque o julgamento proferido na ação originária não produz repercussão jurídica no vínculo que mantém com o INSS.
Na verdade, é tão somente econômico o efeito provocado pela decisão rescindenda na relação jurídica mantida entre a União e o INSS. E o interesse meramente econômico, como se sabe, não habilita a Autora ao ajuizamento da ação rescisória.
Em semelhante sentido já decidiu a SBDI-2 do TST em causa ajuizada pela União:
"AÇÃO RESCISÓRIA. LEGITIMIDADE. TERCEIRO INTERESSADO. Em princípio, os limites subjetivos da coisa julgada são as partes no processo. Tal delimitação diz respeito às pessoas diretamente vinculadas à coisa julgada material, que resultou da solução da lide entre as partes. Não atingem a esfera jurídica de terceiro, isto é, não há benefício a terceiros, mas pode haver prejuízo jurídico a estes. Se o terceiro demonstra que é juridicamente interessado, porque a decisão objeto da ação rescisória reconhece algo incompatível com a sua relação jurídica, ele poderá se opor à eficácia da sentença. Não ficando demonstrado o interesse jurídico, mas meramente econômico na hipótese dos autos, impõe-se a manutenção do julgado regional que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, ante a ilegitimidade ad causam da União para a propositura da ação rescisória. Recurso ordinário a que se nega provimento."
(TST-RXOFROAR-646008-88.2000.5.07.5555, Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, DJ 13/10/2000).
Afastado o interesse jurídico, resta investigar se o interesse meramente econômico confere legitimidade ativa à União na situação concreta.
Data venia , não socorre à Autora o argumento inicial de que o art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997 dispensa a configuração do interesse jurídico, permitindo a intervenção em causas cuja decisão pode ter reflexos de natureza econômica, ainda que indiretamente, aos cofres públicos.
Confira-se a redação do mencionado dispositivo legal:
"Art. 5º. A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes."
Embora não se possa negar a legitimação ativa, se demonstrada a condição de terceira juridicamente interessada – já afastada no caso examinado –, é certo que quando já ajuizada a ação rescisória pelo destinatário direto do comando judicial censurado, a atuação da União deve limitar-se a intervir, conforme previsão do art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997.
Se já ajuizada a ação rescisória pela autarquia que figurou como parte no processo em que proferido o título judicial, a propositura de subsequente ação desconstitutiva por quem poderia estar presente na relação processual primitiva afigura-se incompatível com a intervenção anômala de que trata a norma invocada.
Admitir a legitimidade da União para o ajuizamento da ação rescisória quando já em curso ação de idêntica natureza intentada pelo INSS implicaria a subversão do art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997, norma que autoriza apenas a intervenção anômala do ente da Administração direta.
Assim, já intentada a ação rescisória pela parte que efetivamente figurou no processo originário, a União, que daquela ação não participou , está habilitada apenas a intervir no feito em andamento, podendo inclusive interpor recursos, não lhe cabendo, contudo, propor ação desconstitutiva.
Nessa direção a lição de Leonardo Carneiro da Cunha:
"A intervenção prevista no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997 dispensa a demonstração de interesse jurídico, satisfazendo-se com a simples evidência de uma potencial e reflexa repercussão econômica, a ser realizada em qualquer tipo de demanda judicial, seja naquela que envolvem entes da Administração Pública indireta, seja naquelas que tenham particulares como partes...
(...)
Na intervenção anômala, a Fazenda Pública tem sua atuação limitada ao esclarecimento das questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria. A regra desponta como pouco esclarecedora.
A falta de detalhes no regramento da nova figura de intervenção de terceiros pode gerar dúvidas na condução de alguma demanda que conta com a participação da Fazenda Pública. Cumpre, todavia, observar que o parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997 introduz uma regra excepcional, afastando, para a intervenção de terceiro, uma exigência secular: a presença do interesse jurídico. Ora, encerrando o dispositivo uma regra excepcional, sua interpretação deve ser restrita ou literal, de forma que os poderes conferidos ao interveniente devem limitar-se à previsão normativa.
Então, a pessoa jurídica de direito público que intervenha na demanda, com fulcro no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997, fica adstrita a esclarecer questões de fato e de direito e a juntar documentos e memoriais reputados úteis à eliminação da controvérsia em juízo...
(...)
Intervindo num processo com fundamento no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997, e interpondo recurso, a pessoa jurídica de direito público adquire, como se percebeu, a condição de parte, vindo a ser alcançada pela coisa julgada material. Não poderá mais rediscutir a decisão final em qualquer outra demanda idêntica; poderá, contudo, ajuizar ação rescisória, eis que, considerada como parte, terá legitimidade ativa para tanto, mercê da regra encartada no art. 487, I, do CPC.
Essa conclusão é até curial, não encerrando qualquer novidade.
O que se questiona é se, não tendo sido parte na demanda originária, poderia a pessoa jurídica de direito público, invocando o parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997, ajuizar ação rescisória, por ser terceiro interessado (CPC, art. 487, II). Tudo leva a crer que não se afigura possível franquear à Fazenda Pública legitimidade para ajuizar ação rescisória contra sentença de mérito proferida em processo do qual não fez parte, fundamentando-se no interesse econômico previsto no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997. Em primeiro lugar, porque, na hipótese aventada, não figurou no processo originário, lá não adquirindo a condição de parte; não preenche, pois, a exigência do inciso I do art. 487 do CPC. Demais disso, a regra contida no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997 não poderia ser invocada para justificar a legitimidade ativa na ação rescisória. É que o terceiro, para ajuizar ação rescisória, deve, na dicção do próprio inciso II do art. 487 do CPC, ser juridicamente interessado, ou seja, deve apresentar interesse jurídico, não sendo suficiente a demonstração de mero interesse econômico. O art. 487, II, do CPC, ao aludir, expressamente, a terceiro juridicamente interessado, afastou, no trato da legitimidade ativa para a ação rescisória, a regra encartada no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/199722 .
Não é possível à Fazenda Pública, com base no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/1997, ajuizar ação rescisória. É-lhe lícito, porém, ingressar como interveniente numa ação rescisória em curso. Em outras palavras, havendo interesse econômico, ainda que indireto ou reflexo, a Fazenda Pública pode ingressar como interveniente numa ação rescisória em curso, se bem que não possa, ela mesma, ajuizar tal rescisória ." ( A Fazenda Pública em Juízo , Dialética, 12ª ed., 2014, p. 190-205, destaquei)
Veja-se o seguinte precedente deste Colegiado:
"AÇÃO RESCISÓRIA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM . TERCEIRA JURIDICAMENTE INDIFERENTE
1. Ação rescisória ajuizada pela União a fim de desconstituir acórdão que condena a Fundação Nacional de Saúde ao pagamento de diferenças salariais decorrentes do IPC de março de 1990.
2. Falece à Autora legitimidade ad causam para a propositura de ação rescisória, a teor do art. 487, inciso II, do CPC, visto que os efeitos da condenação em nada repercutem do ponto de vista jurídico em sua relação com a Fundação, configurando, tão-somente, o interesse econômico.
3. À luz do art. 5º, da Lei nº 9.469/97, ostentando interesse de natureza meramente econômica, é dado às pessoas jurídicas de direito público intervirem em ações já ajuizadas por quem de direito, inclusive para interpor recurso. Não, todavia, para ajuizarem ação rescisória .
4. Recursos ordinário e de ofício a que se nega provimento."
(ED-RXOFROAR - 613463-20.1999.5.17.5555, Relator Ministro João Oreste Dalazen, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, DJ 16/2/2001, sublinhei).
Portanto, intentada a ação rescisória pela autarquia previdenciária, a atuação da União, ostentando interesse processual meramente econômico, fica restrita à intervenção estatuída no parágrafo único do art. 5º da Lei 9.469/1997.
Dito de outro modo, a referida norma não permite à União ajuizar ação rescisória, autorizando-a apenas a intervir em ação rescisória já intentada .
Registro, por último, que a União inovou nos memorais que entregou no gabinete. Ora, a alegação de que pretende rescindir o julgado relativamente aos seus servidores que estariam trabalhando no INSS jamais foi ventilada nos autos do processo.
Diferentemente, o que sustentou a União na petição inicial é que sua legitimidade decorre de seu poder de controle sobre a Administração Indireta e do impacto do aumento deferido aos servidores da autarquia nas finanças públicas.
Em suma, a União jamais alegou que atuava com o escopo de desconstituir o título judicial transitado em julgado apenas em relação aos seus servidores. Essa discussão nunca foi travada nos presentes autos .
Acolho a arguição formulada em contrarrazões e reconheço a ilegitimidade ativa da União, razão por que extingo o processo sem resolução do mérito , na forma do art. 267, VI, do CPC de 1973.
Ademais, há um outro óbice processual para o processamento da ação.
A União dirigiu a pretensão rescisória apenas em face do Sindicato que propôs a ação coletiva originária, sem fazer incluir no polo passivo o INSS, parte autora.
O pedido de " intimação do INSS para, querendo, manifestar seu interesse em integrar o processo " (fl. 71) é insuficiente, porquanto, na hipótese, a citação revelava-se obrigatória.
Ora, dispõe o art. 47 do CPC de 1973 que " Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. "
Nos termos da Súmula 406, I, do TST, " O litisconsórcio, na ação rescisória, é necessário em relação ao polo passivo da demanda, porque supõe uma comunidade de direitos ou de obrigações que não admite solução díspar para os litisconsortes, em face da indivisibilidade do objeto. "
Sobre a necessidade de formação de litisconsórcio num tal contexto, confira-se a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco:
"Com a observação de que essa é apenas uma regra fundamental, sujeita a exceções em dois sentidos opostos (há casos de litisconsórcio unitário que não é necessário e casos de litisconsórcio necessário e comum...) -, vejamos agora uma exemplificação de hipóteses em que, segundo a doutrina e a jurisprudência, a natureza da relação jurídica controvertida conduz à necessariedade do litisconsórcio. São casos, pois, de litisconsórcio necessário unitário que têm sido afirmados, embora alguns deles possam comportar alguma dúvida ou questionamento:
[ omissis ]
y) as ações, em geral, que vissem à desconstituição de relação jurídica , seja para rescindi-la por inadimplemento da parte contrária, seja para anular o ato em virtude de simulação ou de vício de consentimento, seja por violação de lei etc. Nessas ações serão partes necessárias todos os sujeitos da relação jurídica que se pretende desconstituir ..." ( in Litisconsórcio, Malheiros, 2001, 6ª ed., p. 165-172).
Data venia , não há como retirar a eficácia da coisa julgada formada na ação matriz sem que a parte que ali residia no polo passivo tenha sido integrada ao processo.
O equívoco decorrente do ajuizamento da ação rescisória sem observância do litisconsórcio necessário no polo passivo somente pode ser corrigido no prazo previsto no art. 495 do CPC. Decorrido o biênio legal, a ausência de citação do litisconsorte passivo necessário atrai o reconhecimento da decadência do direito de postular a rescisão do acórdão, transitado em julgado em 3/10/2005 (fl. 429), revelando-se tal vício insuscetível de retificação no atual momento processual, razão por que deve ser extinto o processo, sem resolução do mérito.
Nesse sentido a jurisprudência do STJ:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO RESCISÓRIA. PROPOSITURA APENAS EM FACE DE PARTE DOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO ORIGINÁRIA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. CORREÇÃO. DECADÊNCIA.
1. Nas ações rescisórias integrais devem participar, em litisconsórcio unitário, todos os que foram partes no processo cuja sentença é objeto de rescisão.
2. A propositura de ação rescisória sem a presença, no polo passivo, de litisconsorte necessário somente comporta correção até o prazo de dois anos disciplinado pelo art. 495 do CPC. Após essa data, a falta de citação do litisconsorte implica a decadência do direito de pleitear a rescisão, conduzindo à extinção do processo sem resolução do mérito.
3. Embargos de divergência conhecidos e providos."
(STJ, EREsp 676159/MT, Relatora Ministra Nancy Andrigui, Corte Especial, DJe 30/3/2011)
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NÃO FORMAÇÃO. PRESSUPOSTO DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. AUSÊNCIA. DECADÊNCIA. RECONHECIMENTO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. APRECIAÇÃO EQUITATIVA DO MAGISTRADO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo consistente na falta de citação de todos os litisconsortes passivos necessários, beneficiários da demanda originária, obsta o seguimento da ação rescisória.
II - Não tendo sido a ação rescisória tempestivamente proposta contra todos os litisconsortes passivos necessários, impõe-se reconhecer a decadência do direito de propô-la.
III - Não há falar em valor exorbitante de honorários, pois vencida a Fazenda Pública, os honorários sucumbenciais serão fixados conforme apreciação equitativa do juiz, observado o disposto no art. 20, §3º, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do Código de Processo Civil. Precedentes do STJ.
IV - Agravo interno desprovido."
(STJ, AgRg nos EDcl na AR 4363/PI, Relator Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, DJe 12/11/2010)
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE NECESSÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO, EIS QUE ESGOTADO O PRAZO DECADENCIAL.
1. O réu da ação em que se proferiu o acórdão rescindendo é parte passiva indispensável na ação rescisória do respectivo julgado. Proposta a rescisória contra o assistente litisconsorcial, o réu, assistido, deve figurar como litisconsorte passivo necessário.
2. Decorrido o prazo decadencial para interposição da rescisória (CPC, art. 495) já não pode a ação ser proposta contra novo réu, sendo, conseqüentemente, impossível a regularização da relação processual nos termos do disposto no art. 47 do CPC.
3. Processo extinto sem julgamento do mérito (art. 267, IV, do CPC)."
(STJ, AR 2009/PB, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ 3/5/2004)
Em semelhante direção já decidiu esta SBDI-2 do TST, considerando insanável, em fase de recurso, o vício consistente na ausência de indicação de todos os litisconsortes passivos necessários:
"AÇÃO RESCISÓRIA - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - AUSÊNCIA DE CHAMAMENTO DE CO-RÉU - APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 82 DA SBDI-2 DO TST - ARTS. 488, CAPUT , E 282, II, IV e VII, DO CPC - VÍCIO INSANÁVEL EM FASE RECURSAL - INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
1. O art. 488, caput, do CPC exige à petição inicial da ação rescisória a observância dos requisitos do art. 282 do CPC, dentre os quais se inserem ‘os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu’, ‘o pedido, com as suas especificações’ e ‘o requerimento para a citação do réu’ (incisos II, IV e VII do aludido preceito).
2. Em se tratando de ação rescisória, o litisconsórcio é necessário em relação ao pólo passivo, e não facultativo, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 82 da SBDI-2 do TST. Nesse sentido, torna-se imprescindível a citação de todos os litisconsortes passivos necessários, sob pena de extinção do processo (CPC, art. 47, parágrafo único).
3. Ora, é do autor o ônus de formular pedido certo quanto à citação dos co-réus (CPC, arts. 47 e parágrafo único, 282, II, IV e VII, e 488, caput), sendo defeso repassá-lo ao Judiciário, uma vez que a este compete decidir a lide nos limites propostos, sob pena de incidir em julgamento citra, extra ou ultra petita (CPC, arts. 128 e 460), até porque a inclusão de parte no curso da lide implica alteração do pedido, o que compete exclusivamente ao autor e sujeito ao consentimento expresso do réu (CPC, art. 264 e parágrafo único).
4. In casu , como na exordial da presente ação a Autora não requereu a citação de um dos co-Réus, litisconsorte passivo necessário, e sendo insanável o vício em fase recursal, a petição inicial há de ser considerada inepta e, consequentemente, extinto o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, I, VI e § 3º, c/c o art. 295, I e parágrafo único, I, do CPC.
Processo extinto sem julgamento do mérito."
(ED-RXOFROAR - 774279-16.2001.5.13.5555, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, SBDI-2, DJ 28/11/2003)
Diante da ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular da relação processual, concernente à falta de citação de todos os litisconsortes passivos necessários, não é possível adentrar o exame da matéria de fundo, sendo impositiva a extinção do processo sem resolução do mérito , também com fundamento no art. 267, IV, do CPC de 1973.
Por essas razões, o processo é extinto sem resolução do mérito , com fulcro no art. 267, IV e VI do CPC de 1973.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer da remessa necessária e do recurso ordinário e, acolhendo preliminar suscitada em contrarrazões, e também de ofício, reconhecer a ilegitimidade ativa da Autora e a nulidade processual por ausência de formação do litisconsórcio passivo necessário, extinguindo o processo sem resolução do mérito, na forma dos arts. 267, IV e VI, do CPC de 1973.
Brasília, 22 de agosto de 2017.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES
Ministro Relator