A C Ó R D Ã O
(Ac. SDI-1)
GMACC/knoc/afs
RECURSO DE EMBARGOS. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. NULIDADE DA SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECLAMANTE ELEITO PARA OS CARGOS DE PRESIDENTE, VICE-PRESIDENTE E DIRETOR SUPERINTENDENTE. CONTRARIEDADE À SÚMULA 269 DO TST E VIOLAÇÃO DO ART. 5.º, II, DA CF/88. NÃO CONFIGURAÇÃO . Como presidente, vice-presidente, diretor superintendente eleito de sociedade anônima e participante do conselho de administração, ao de cujus cabia a função de representar o Banco e executar as deliberações da assembléia geral ou do conselho de administração. Significa dizer que ele estava subordinado às deliberações do órgão colegiado do qual participava e essa subordinação não pode ser confundida com a subordinação jurídica inerente aos empregados de confiança, a ponto de caracterizar a hipótese de empregado-diretor. Segundo a confissão da representante do espólio, estavam hierarquicamente acima do de cujus somente o proprietário do Banco e o senhor Maurício Shumann, cuja função ou cargo não foi identificado no acórdão recorrido. A cobrança com relação à produção e aos resultados, até mesmo advertências por não cumprimento de metas relacionadas com os depósitos e a abertura de agências, conforme relatado nos depoimentos de testemunhas, fundamento utilizado pelo Tribunal Regional para afastar a hipótese de suspensão do contrato de trabalho, guardam relação com a execução das deliberações do colegiado não tendo o condão de, por si só, identificar na espécie a situação de empregado-diretor ao ex-reclamante que ocupou vários cargos de administração da sociedade anônima, razão pela qual deve ser mantido o acórdão recorrido que declarou a suspensão do contrato de trabalho durante o respectivo período. Recurso de embargos não conhecido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-1873100-87.1998.5.09.0015 , em que é Embargante LYCIA MARIA BRAGA MOCELIN e Embargado HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO e OUTRO .
A Segunda Turma desta Corte, mediante acórdão da lavra do Ministro José Luciano de Castilho Pereira, conheceu do recurso de revista interposto pelos reclamados, por contrariedade à Súmula 269 do TST, e, no mérito, deu-lhe provimento " para declarar que, no período da suspensão do contrato de trabalho, não subsistiu o vínculo de emprego, conforme afirmado pelo Acórdão Regional " (fl. 1.586).
Os embargos de declaração opostos por Lycia Maria Braga Mocelin, cônjuge do reclamante falecido (fls. 1.589-1.597 - fac-símile e 1.598-1.606 - originais), não foram providos às fls. 1.609-1.611.
Inconformada, Lycia Maria Braga Mocelin, na condição de representante do espólio, apresentou recurso de embargos pelas razões de fls. 1.613-1.622. Arguiu violação do art. 5.º, II, da CF/88, bem como sustentou a má aplicação da Súmula 269 do TST, em razão do não reconhecimento do vínculo empregatício e indeferimento das verbas trabalhistas durante o período reconhecido como de suspensão do contrato de trabalho.
Impugnação dos reclamados às fls. 1.625-1.627.
Desnecessária a remessa dos autos à Procuradoria Geral do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2.º, II, do RITST.
É o relatório.
V O T O
1 - PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de embargos, porquanto tempestivo (fls. 1.612-1.613), subscrito por procurador regularmente constituído nos autos (procuração à fl. 22 e substabelecimento à fl. 1.557), e regular o preparo (restabelecida a sentença que julgou improcedente o pedido, e comprovação do pagamento das custas, no importe de R$1600,00, à fl. 1.251), cumpre examinar os pressupostos específicos, de acordo com a Lei 11.496/2007.
2 - PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
VÍNCULO DE EMPREGO. DIRETOR. NULIDADE DA SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Ao conhecer do recurso de revista dos reclamados por contrariedade à Súmula 269 do TST, na sua primeira parte, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença, a qual julgou improcedentes os pedidos, a Segunda Turma deste Tribunal concluiu ter o contrato de trabalho ficado suspenso ao tempo em que o de cujus foi eleito diretor no Bamerindus do Brasil e Bamerindus Companhia de Seguros, especialmente em razão da constatação de ter ocupado os cargos de presidente, vice-presidente e diretor superintendente, e pelo fato de inexistir a comprovação de que a suspensão do contrato de trabalho tenha sido uma fraude. Eis as razões de decidir consignadas no acórdão às fls. 1.584-1.586:
"[...]
Feitas estas colocações, passo a examinar a adequação dos fatos destacados pelo Regional com a Súmula nº 269.
Primeiro, deve ser fixado que o Direito do Trabalho não surgiu com o espírito de proteger os trabalhadores de altíssimo nível salarial, com padrão geral completamente diferenciado dos trabalhadores comuns.
A intervenção do Estado foi imposta pela extraordinária exploração capitalista da massa inerme de trabalhadores.
E, como se sabe, o Direito do Trabalho surgiu dentro do capitalismo, como instrumento de uma autocorreção dele, visando uma humana inclusão social.
Mas a lei trabalhista brasileira que surgiu com o mesmo espírito cuida dos pequenos, dos médios e dos altos empregados.
Por isto, na sua aplicação, ela reclama um extraordinário cuidado do Juiz, que deve se revestir do máximo de cautela para não aplicar a todos os trabalhadores da empresa de modo indiscriminado - os princípios tutelares, que estão na letra e no espírito do Direito do Trabalho.
Se ele flexibilizar a tutela trabalhista com relação aos pequenos e médios ele estará sendo profundamente injusto, na medida em que ele, em verdade, está negando o próprio Direito do Trabalho.
Mas se ele aplicar, com rigor fundamentalista, a tutela trabalhista para um alto trabalhador da empresa, ele pode também nesta hipótese estar negando o Direito do Trabalho.
Sob esta advertência, passo a examinar, como anunciado no item 7, se a Súmula nº 269, diante dos fatos revelados pelo Regional, foi bem ou mal aplicada.
O fundamento maior para sustentar a aplicabilidade da exceção contida na Súmula nº 269 do TST reside no fato de que o Reclamante trabalhava no Banco desde 1971 e teve seu contrato de trabalho suspenso a partir de 1º/1/1975, por estar na função eletiva com o Bamerindus do Brasil Sociedade Anônima e Bamerindus Companhia de Seguros.
Mas ele compôs a Diretoria do Banco desde 1974, como já anotado neste Voto.
Daí o Regional tirou a seguinte ilação:
Se o Reclamante integrava a Diretoria desde 5/3/1974 e seu contrato somente foi suspenso a partir de 1º/1/1975, era necessário a prova que suas atribuições tenham mudado a partir da suspensão de seu contrato (à fl. 1297).
Sem esta prova, foi aplicada a exceção da Súmula nº 269.
Provocado por Embargos Declaratórios, o Regional mudou sua posição, como já transcrito neste Voto. E, pelo visto, substancial foi a mudança imposta pela solução dos Embargos Declaratórios.
Fica explicitado, portanto, que outras foram as atribuições do Reclamante a partir de 1º/1/1975.
Logo, a fundamentação do Acórdão, neste ponto, ficou seriamente abalada.
Ora, é impossível afirmar-se que o grau de subordinação jurídica não tenha se alterado quando o Acórdão reconhece que o Reclamante passou a vice-presidente, diretor superintendente etc. (fl. 1323).
Neste quadro, fica impossível admitir-se a subordinação jurídica com base no que afirma o Acórdão.
É possível afirmar-se que a subordinação jurídica que vincula o empregado a seu empregador é a mesma que liga o Diretor eleito ao Banco, que ele dirige, junto com outros diretores?
A resposta somente pode ser negativa, sem a menor sombra de dúvida.
Claramente, os Diretores de uma S/A não podem ser independentes em todos os seus atos. Se tal ocorresse, a sociedade não duraria uma semana.
Todos os dirigentes devem estar subordinados aos objetivos societários, que são alcançados pela ação coordenada dos diretores.
Não há, pois, como se possa sustentar que, neste caso, tenha permanecido a subordinação jurídica inerente à relação de emprego, como exige a parte final da Súmula nº 269 do TST.
Anoto ainda que para concluir de modo contrário ter-se-ia de estar demonstrado que a suspensão do contrato de trabalho tenha sido uma fraude, na busca de impedir a aplicação das normas consolidadas (art. 9º da CLT).
Mas não há nenhuma prova disso. O Acórdão regional não conseguiu detectar nenhuma fraude, nem quando provocado por Embargos Declaratórios (às fls. 1321/1322).
Neste quadro, conheço do Recurso, por atrito com a Súmula nº 269 do TST.
1.2 – MÉRITO
Afastada a incidência da parte final da Súmula nº 269 do TST, tem-se, por conseqüência, que o contrato de emprego do Reclamante ficou suspenso ao tempo em que foi Diretor eleito, como registrado em sua CTPS. Como todos os demais pedidos da inicial estão vinculados à subsistência integral da relação de emprego, ficam eles prejudicados, como registrado pela Sentença de 1º Grau (à fl. 1223).
Assim, dou provimento ao Recurso para declarar que, no período da suspensão do contato de trabalho não subsistiu o vínculo de emprego, como afirmado pelo Acórdão regional. Por conseqüência, fica restabelecida a Sentença de fls. 1218/1224."
Nas razões dos embargos, a recorrente arguiu violação do art. 5.º, II, da CF/88 diante do indeferimento das verbas trabalhistas durante o período reconhecido como de suspensão do contrato de trabalho, bem como sustentou a má aplicação da Súmula 269/TST. Ressaltou ter restado incontroverso nos autos que o contrato de trabalho do ex-reclamante com a primeira reclamada " nunca sofreu solução de continuidade, pois permaneceu exercendo as mesmas atividades anteriores, ligadas a gerência de crédito e negócios bancários, remunerado pela ‘Holding’ Bamerindus e, sobretudo, sob comando e subordinação da mesma chefia " (fl. 1.620). Acrescentou que, apesar do exercício do cargo de direção, o de cujus sofria punições disciplinares por seus superiores, inclusive com advertências pelo não cumprimento de metas.
Da leitura dos acórdãos proferidos pela Segunda Turma do TST, nos quais há transcrições de trechos dos acórdãos do Tribunal Regional, extraem-se os seguintes dados:
- consoante anotação da CTPS, o de cujus trabalhava no Banco Bamerindus do Brasil S.A., sociedade anônima, desde 1971;
- a partir de 1º/1/1975, o contrato foi suspenso em razão do exercício da função eletiva com o Bamerindus do Brasil Sociedade Anônima e Bamerindus Companhia de Seguros;
- o de cujus compôs a diretoria do Banco, sociedade anônima, desde 5/3/1974; passou a ser vice-presidente em 16/7/1984; presidente em 14/3/1985; novamente vice-presidente em 17/3/1986; retornou como presidente em 24/4/1990 e diretor-superintendente em 20/4/1996. Foi dirigente do Bamerinclub e participou da diretoria do Bamerindus Companhia de Seguros;
- segundo depoimento da representante do espólio, ora recorrente, o de cujus participava do conselho de administração e era diretor do Banco, sociedade anônima, antes e depois da aposentadoria;
- conforme transcrição inserida no acórdão recorrido, o Tribunal Regional concluiu não haver nos autos documento ou prova testemunhal que demonstrasse a alteração da configuração jurídica de empregado a partir de 1º/1/1975;
- com relação à prova testemunhal, constaram no acórdão recorrido os seguintes dados fornecidos pelo Tribunal Regional: " A primeira testemunha do litigante ativo, fl. 1173, disse ‘14) quem estava acima do autor, não somente dava ordens mas principalmente tinha a função de cobrar; ... 28) a cobrança dos superiores em relação a Jair era de produção e principalmente de resultados; 29) as ordens eram também no mesmo sentido.’ A segunda testemunha do demandante, na fl. 1174, assim depôs: ‘14) nas reuniões o autor recebia ordens ou até mesmo advertências por não cumprimento de metas; 15) as metas eram relacionadas aos produtos como depósitos e vista ou abertura de agências, além de outros; ... 22) as ordens que viu Jair receber diziam respeito ao estabelecimento de metas, por exemplo, como de abertura de agências em algumas cidades; 23) se na reunião seguinte não houvesse sido cumprida a meta, Jair era advertido’ (segunda testemunha )" (fls. 1.581-1.582);
- de acordo com a representante do espólio, havia superiores ao de cujus , e acima dele estavam José Eduardo Andrade, proprietário do Banco, e Maurício Schumann.
De pronto observa-se que é incontroverso nos autos que o de cujus ocupou por mais de uma vez os cargos de vice-presidente e presidente, bem como exerceu o cargo de diretor superintendente e compôs o conselho de administração do Banco.
C omo presidente, vice-presidente, diretor superintendente eleito de sociedade anônima e participante do conselho de administração, ao de cujus cabia a função de representar o Banco e executar as deliberações da assembléia geral ou do conselho de administração. Significa dizer que ele e stava subordinado às deliberações do órgão colegiado do qual participava e essa subordinação não pode ser confundida com a subordinação jurídica inerente aos empregados de confiança, a ponto de caracterizar a hipótese de empregado-diretor.
Em se tratando de sociedade anônima, a diretoria é o órgão de representação da companhia e o órgão de execução das deliberações da assembléia geral ou do conselho de administração e nestas condições o diretor não pode ser, ao mesmo tempo, empregado, salvo prova em contrário o que não se constata no presente caso.
Isso porque, e m que pese verificar-se da leitura do acórdão recorrido que o Tribunal Regional tenha afirmado inexistir prova quanto à alteração da configuração jurídica de empregado antes e depois da suspensão do contrato de trabalho e que a subordinação jurídica restou demonstrada a partir dos depoimentos de algumas testemunhas, no caso concreto, não há comprovação inequívoca da circunstância excepcional de permanência da sujeição do poder de comando exercido pelo empregador, isto é, subordinação jurídica típica da relação de emprego.
Segundo a confissão da representante do espólio, estavam hierarquicamente acima do de cujus somente o proprietário do Banco e o senhor Maurício Shumann, cuja função ou cargo não foi identificado no acórdão recorrido. A cobrança com relação à produção e aos resultados, até mesmo advertências por não cumprimento de metas relacionadas com os depósitos e a abertura de agências, conforme relatado nos depoimentos de testemunhas, fundamento utilizado pelo Tribunal Regional para afastar a hipótese de suspensão do contrato de trabalho, guardam relação com a execução das deliberações do colegiado não tendo o condão de, por si só, identificar na espécie a situação de empregado-diretor.
Durante o período no qual o de cujus atuou como presidente, vice-presidente e diretor-superintendente de sociedade anônima, diante da não constatação de fraude, não é possível verificar a subordinação jurídica inerente à relação de emprego, a ponto de permitir a aplicação da parte final da Súmula 269/TST, in verbis :
" DIRETOR ELEITO. CÔMPUTO DO PERÍODO COMO TEMPO DE SERVIÇO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego."
A cobrança de compromissos estratégicos, assumidos em nível de diretoria ou conselho de administração, não se confunde com o exercício do poder diretivo que usualmente é titularizado pelos empregadores. Na contraface do mesmo fenômeno, o esforço de coordenar alguma logística empresarial não se assemelha à disponibilização da energia de trabalho, vale dizer, à sujeição ao poder patronal de comando.
Não havendo prova inequívoca da subordinação jurídica do de cujus quando exercente de cargos de presidente, vice-presidente e diretor superintendente, não se compatibiliza a condição de hipossuficiência do trabalhador disciplinada pelo artigo 3.º da Consolidação das Leis do Trabalho, ensejadora da aplicabilidade das normas protetivas trabalhistas, razão pela qual se entende inaplicável na espécie a parte final da Súmula 269 do TST.
Também não se vislumbra a possibilidade de êxito da pretensão recursal por violação do art. 5.º, II, da Constituição Federal.
Mesmo se tratando de recurso de embargos interposto contra acórdão publicado antes da nova redação do art. 894 da CLT, o que, em tese, permite o processamento do apelo por violação direta de dispositivo legal ou constitucional, observa-se da leitura do acórdão recorrido não ter sido a controvérsia a respeito do reconhecimento do vínculo empregatício de empregado que exerce o cargo de diretor resolvida à luz do princípio da legalidade insculpido na norma constitucional dita violada.
Ademais, eventual ofensa ao disposto no art. 5.º, II, da Lei Maior, em caso como o dos autos, somente seria passível de caracterização pela via reflexa, tornando inviável a admissibilidade dos embargos, conforme regra prevista no art. 894, II, da CLT, na sua redação anterior à vigência da Lei 11.496/2007.
Portanto, não conheço do recurso.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de embargos.
Brasília, 17 de junho de 2010.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
AUGUSTO CESAR LEITE DE CARVALHO
Ministro Relator