A C Ó R D Ã O
(8ª Turma)
GMDMC/Rg/Mp/cb/nh
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CULPA IN VIGILANDO . O Tribunal Regional decidiu a controvérsia em consonância com os artigos 186 e 927 do Código Civil, os quais preveem a culpa in vigilando . Ademais, os artigos 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93 impõem à Administração Pública o dever de fiscalizar a execução dos contratos administrativos de prestação de serviços por ela celebrados. No presente caso, o ente público tomador dos serviços não cumpriu adequadamente essa obrigação, permitindo que a empresa prestadora contratada deixasse de pagar regularmente à sua empregada as verbas trabalhistas as quais lhe eram devidas. Saliente-se que essa conclusão não implica afronta ao art. 97 da CF ou à Súmula Vinculante nº 10 do STF, nem desrespeito à decisão do STF na ADC nº 16, porque não parte da declaração de inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, mas da definição do alcance das normas inscritas nessa Lei, com base na interpretação sistemática. 2. MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. CONTROVÉRSIA QUANTO À FORMA DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RESCISÃO INDIRETA. O fato gerador da multa de que trata o § 8º do art. 477 da CLT é a inadimplência na quitação das verbas rescisórias, e as sanções previstas se relacionam à pontualidade no pagamento, e não ao fato de haver controvérsia sobre a forma de extinção da relação de emprego, ou mesmo sobre a própria existência do vínculo. Assim, se o empregado der causa à mora no pagamento das verbas rescisórias, não será devida a referida multa, o que não se verifica na hipótese. Incidência da Súmula nº 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-1217-71.2013.5.04.0233 , em que é Agravante MUNICÍPIO DE GRAVATAÍ e são Agravadas MÁRCIA REGINA DE VARGAS e CLINSUL MÃO DE OBRA E REPRESENTAÇÃO LTDA. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) .
O Vice-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por meio da decisão de fls. 735/737, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo Município de Gravataí.
Inconformado com a referida decisão, o Município interpôs agravo de instrumento , às fls. 743/774 .
Sem contraminuta ao agravo de instrumento ou contrarrazões ao recurso de revista, conforme certificado à fl. 785.
O Ministério Público do Trabalho, a teor dos incisos II e XIII do art. 83 da LC nº 75/93, por não vislumbrar a presença de interesse público primário, opina pelo prosseguimento do feito, sem prejuízo de posterior intervenção oral em sessão ou com vista dos autos, por razão superveniente, na forma do inciso VII do citado art. 83.
É o relatório.
V O T O
I - CONHECIMENTO
Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.
II - MÉRITO
1. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CULPA IN VIGILANDO .
O Tribunal Regional adotou os seguintes fundamentos quanto ao tema:
"Ausência de revelia e confissão. Apresentação de contestação pelo segundo reclamado. Exclusão da condenação. Responsabilidade subsidiária
O segundo reclamado alega que não poderia ter sofrido os efeitos da revelia da 1ª reclamada pois apresentou contestação confrontando e tornando controversos os fatos narrados pela autora. Dessa forma, refere que era ônus da autora comprovar os fatos constitutivos do seu direito, do qual não se desincumbiu. Requer seja julgada improcedente a demanda com exclusão total da condenação em relação ao Município de Gravataí pois juntou prova documental que elide as alegações da parte contrária.
Quanto à responsabilidade subsidiária, o Município demandado refere que, no julgamento da ADC nº 16, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/93, com o que requer seja afastada sua responsabilidade subsidiária no presente caso. Afirma que houve violação à força vinculante (art. 102, § 2º, da CF) do entendimento estampado pela ADC nº 16, na medida em que não houve aferição quanto à omissão do Município recorrente. Sustenta que o Juízo não considerou que a constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93 já restou reconhecida pelo próprio Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADC nº 16. Sinala que o texto do art. 71 mencionado não possui qualquer ressalva quanto à possibilidade de transferência de encargos à Administração mesmo naqueles casos em que o Poder Público deixe de fiscalizar a contento o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada. Afirma ter restado comprovado que não foi omisso no que concerne à fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais, não podendo ser responsabilizado, sob pena de violação da Súmula nº 331 do TST. Por fim, repisa que não restou evidenciada e comprovada omissão culposa por parte do Município. Colaciona jurisprudência.
Examino.
No caso dos autos, o 2º reclamado juntou aos autos, fls. 139/178 cópia da ação da ação de consignação em pagamento (processo nº 0001104- 20.2013.5.04.0233) em que consta a lista dos empregados da 1ª reclamada que prestavam serviços para o Município de Gravataí. Sinalo que a autora Consta nessa lista, ou seja, a própria reclamada admitiu que se beneficiou dos serviços prestados pela autora.
Assim, incontroverso que a autora sempre laborou em benefício do segundo reclamado, Município de Gravataí, no exercício da função de "auxiliar de serviços gerais", por força de contratos de prestação de serviços firmados por ele com a primeira reclamada.
Não obstante as alegações recursais, restou sobejamente demonstrado nos autos, inclusive pela documentação juntada com a defesa, que, na condição de tomador de serviços, o município reclamado beneficiou-se diretamente da mão de obra prestada pela autora na condição de empregada da primeira reclamada.
O reconhecimento da responsabilidade subsidiária do segundo reclamado harmoniza-se com o entendimento jurisprudencial firmado pelo Colendo TST, em razão da atual redação da Súmula nº 331 do TST e seus incisos IV, V e VI:
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Além disso, em que pese se deva afastar, nos casos disciplinados pelo artigo 71 da Lei nº 8.666/93, a atribuição da responsabilidade objetiva da administração pública contratante dos serviços terceirizados, não há amparo para não reconhecer sua responsabilidade por culpa tipicamente subjetiva, quando verificada sua omissão em fiscalizar o devido cumprimento das obrigações contratuais da empresa prestadora contratada.
Disso decorre o entendimento que emana da supramencionada Súmula nº 331, itens IV, V e VI, do TST, em conformidade com as disposições constantes dos artigos 67, caput, e 71 da Lei nº 8.666/93, e, inclusive, com a decisão proferida pelo Colendo STF no julgamento da ADC nº 16/DF. Isso porque, no referido julgamento, não restou afastada a possibilidade de os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta serem responsabilizados pelo adimplemento das obrigações trabalhistas devidas ao trabalhador, em caso de eventual omissão na fiscalização do contrato.
De acordo com o princípio da aptidão para a prova, compete ao tomador dos serviços comprovar a efetiva fiscalização do contrato de trabalho mantido entre a prestadora e o trabalhador, ônus do qual o segundo reclamado não se desincumbiu a contento, restando caracterizada, pois, a sua culpa in vigilando.
Ressalto que, pela documentação trazida aos autos não se evidencia a efetiva fiscalização do contrato de prestação de serviços, máxime em relação aos deveres trabalhistas da empregadora, na medida em que o deferimento, em sentença, de obrigações trabalhistas não regularmente satisfeitas, demonstram o descumprimento destas obrigações.
Aliás, a condenação imposta na origem abarca as seguintes parcelas:
a) diferenças do adicional de insalubridade em grau médio(20%) para o adicional de insalubridade em grau máximo (40%), durante toda a contratualidade, calculado sobre o salário mínimo, nos termos do item 2.2 da fundamentação;
b) diferenças entre o valor pago a título de remuneração dos meses de setembro e outubro de 2013 e o valor efetivamente devido, com integrações em FGTS com acréscimo de 40%, nos termos do item 2.3. da fundamentação;
c) férias vencidas (simples) referentes ao período aquisitivo de 6/8/2012 a 5/8/2013, com acréscimo de 1/3, nos termos do item 2.4. da fundamentação;
d) valores concernentes ao FGTS incidente sobre as parcelas pagas durante a vigência do contrato de trabalho, bem como sobre as parcelas de natureza salarial reconhecidas na presente decisão, acrescidos da multa de 40%, abatidos os valores já recolhidos, nos termos do item 2.5. da fundamentação;
e) multa prevista no § 8º do artigo 477 da CLT;
f) multa do art. 467 da CLT;
Assim, no caso dos autos, o segundo demandado não logrou comprovar a adoção das medidas necessárias para a fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da contratada, restando caracterizada, pois, a sua culpa in vigilando.
Registro que, nos termos do item VI da Súmula nº 331 do TST, "a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral". Incluídas, pois, as parcelas rescisórias e as multas aplicadas. Nesse sentido, a Súmula nº 47 deste Tribunal Regional.
Pelo exposto, mantenho a sentença que declarou a responsabilidade subsidiária do segundo reclamado pelos créditos reconhecidos na presente ação, tendo por prequestionados todos os dispositivos legais e constitucionais invocados no recurso." (fls. 688/693)
Nas razões do recurso de revista, às fls. 706/730, o Município de Gravataí insurge-se contra a sua condenação subsidiária para responder pelos créditos trabalhistas reconhecidos nesta demanda.
Nesse cenário, afirma ter sido condenado sem comprovação de culpa, somente com o simples inadimplemento dos direitos trabalhistas pela empresa prestadora de serviços. Pugna pela reforma da decisão, já que, no caso concreto, não houve provas de sua omissão quanto à fiscalização. Consoante alega , a ADC nº 16 do STF impede a sua condenação sem provas, isto é, somente com presunção de culpa.
Segundo assevera, para haver a responsabilidade subsidiária, a culpa deve ser grave, patente e flagrante, o que não ocorreu no caso, contrariando, assim, a Súmula n° 331, V, do TST. Sustenta, ainda, que em nenhum momento o acórdão regional elencou qualquer suposta conduta culposa praticada pela municipalidade.
O Município argumenta não haver falar em culpa, porquanto sempre existiu regular fiscalização do contrato firmado com a primeira reclamada.
Fundamenta sua tese em ofensa aos arts. 37, § 6º, e 102, § 2º, da CF/88; 71, § 1º, da Lei 8.666/93; e 949 e 950 do Código Civil, além de contrariedade à ADC nº 16/STF e à Súmula n° 331, IV, V e VI, do TST. Transcreve arestos para confronto jurisprudencial (fls. 711; 715; 722/725 e 727/729) .
Sem razão.
De plano, não se verifica, no acórdão recorrido, nenhuma menção às alegadas violações dos artigos 949 e 950 do CC, visto que essas matérias sequer foram prequestionadas, nos termos da Súmula nº 297 do TST, razão pela qual não merecem análise.
Verifica-se que a responsabilidade subsidiária do ente público tomador de serviços teve por fundamento, principalmente, a responsabilidade civil subjetiva, prevista nos arts. 186 e 927 do Código Civil. Eis o que preceituam os citados dispositivos legais .
"Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
"Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."
Dos dispositivos transcritos, extrai-se que a verificação de culpa do agente é um dos requisitos essenciais à atribuição de responsabilidade civil subjetiva. Com efeito, uma das modalidades de culpa hábil a justificar a responsabilização é a chamada culpa in vigilando , a qual ocorre quando o agente se omite quanto ao dever de vigiar e fiscalizar a ação de terceiros. Especificamente no tocante à terceirização de serviços pelos entes da Administração Pública, os arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93 assim preceituam:
"Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: [...] III - fiscalizar-lhes a execução."
"Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição."
Dos citados dispositivos legais emerge expressamente a obrigação dos entes da Administração Pública de acompanhar e fiscalizar a execução dos contratos administrativos de prestação de serviços.
No presente caso, todavia, é possível extrair do acórdão regional que a segunda reclamada, tomadora dos serviços, não cumpriu adequadamente essa obrigação, permitindo que a empresa prestadora contratada deixasse de pagar regularmente à sua empregada as verbas trabalhistas as quais lhe eram devidas. Por conseguinte, ficou configurada a culpa in vigilando , hábil a justificar a atribuição de responsabilidade subsidiária, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil.
Acrescente-se que, partindo dessa interpretação, o Pleno deste Tribunal Superior, em revisão de sua jurisprudência, por meio da Resolução nº 174, de 24/5/2011 (DEJT de 27/5/2011), alterou a redação do item IV e acrescentou o item V à Súmula nº 331, com a seguinte redação:
"CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
[...]
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada."
Registre-se que esse entendimento não implica violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. A interpretação sistemática desse dispositivo, em conjunto com os demais artigos citados (67 da Lei nº 8.666/93 e 186 e 927 do Código Civil), revela que a norma nele inscrita, ao isentar a Administração Pública das obrigações trabalhistas decorrentes dos contratos de prestação de serviços por ela celebrados, não alcança os casos em que o ente público tomador não cumpre sua obrigação de fiscalizar a execução do contrato pelo prestador.
Saliente-se, por oportuno, não haver falar em violação do art. 97 da Constituição Federal, em contrariedade à Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, tampouco em desrespeito à decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, em sessão realizada no dia 24/11/2010, entendeu ser o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 compatível com a ordem constitucional vigente, notadamente com o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988.
Conforme exposto, não se está declarando a incompatibilidade do citado dispositivo com a Constituição Federal, mas, sim, definindo-se o alcance da norma nele inscrita mediante interpretação sistemática de legislação infraconstitucional, notadamente em face dos arts. 67 da Lei nº 8.666/93 e 186 e 927 do Código Civil, os quais possibilitam a atribuição de responsabilidade subsidiária ao ente público na hipótese de constatação de sua culpa in vigilando .
Nesse sentido, aliás, decidiu o próprio STF no julgamento da referida ADC (DJ de 3/12/2010), ocasião na qual se entendeu que "a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas reconheceu-se que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade" (Rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 9/9/11).
Nesse contexto, estando a decisão proferida pelo Regional em consonância com a jurisprudência pacificada desta Corte Superior, descabe cogitar de violação de dispositivos de lei e da Constituição ou divergência jurisprudencial, uma vez que já foi atingido o fim precípuo do recurso de revista, incidindo, assim, o óbice previsto na Súmula n° 333 do TST e no art. 896, § 7º, da CLT.
Nego provimento.
2. MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. CONTROVÉRSIA QUANTO À FORMA DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
Eis o teor da decisão regional:
"Multa do artigo 477, §8º, da CLT
O segundo reclamado alega que o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho em sede judicial evidencia que houve controvérsia entre as partes sobre a causa de extinção do contrato de trabalho, o que afasta a incidência da penalidade ora discutida. Aduz que a primeira reclamada pagou corretamente as verbas rescisórias. Requer, assim, seja excluída a condenação ao pagamento da multa prevista no §8º do artigo 477 da CLT.
Examino.
Sobre o tópico, a sentença assim consignou:
Narra, a reclamante, que não recebeu os salários referentes aos meses de setembro e outubro de 2013.
A primeira reclamada informa que foi proposta ação de consignação em pagamento (0001104-20.2013.5.04.0233), com trâmite na 3ª Vara do Trabalho de Gravataí, na qual houve o depósito global da quantia de R$ 514.864,87, pelo segundo reclamado, para a quitação dos salários de setembro e outubro. O segundo reclamado reforça a mesma tese, esclarecendo o recebimento, pela reclamante, da quantia de R$ 1.397,76.
A reclamante reconhece, em seu depoimento pessoal, o recebimento do montante. Todavia, o comprovante da fl. 53 demonstra que, até agosto de 2013, a reclamante recebia a quantia mensal de R$ 849,97 (salário e adicional de insalubridade em grau médio). Assim, considerando o valor recebido pela empregada, fica claro que o valor recebido é insuficiente.
Diante disso, condeno a reclamada ao pagamento das diferenças entre o valor pago a título de remuneração dos meses de setembro e outubro de 2013 e o valor efetivamente devido, com integrações sobre o FGTS e indenização compensatória de 40%.
(...)
A CLT, em seu artigo 477, § 6º, fixa prazo para o pagamento das chamadas parcelas rescisórias. A inobservância dos prazos assegura ao trabalhador o direito à multa, no valor equivalente ao salário, frente ao disposto no § 8º do mesmo dispositivo legal.
Como consequência do inadimplemento das verbas rescisórias reconhecido acima, condeno a reclamada ao pagamento da multa prevista no §8º do artigo 477, da CLT.
Assim, não comprovado o pagamento das verbas rescisórias no prazo a que alude a letra "a" do §6º do artigo 477 da CLT, incide no caso a multa prevista no §8º do mesmo dispositivo legal. De qualquer sorte, em razão da Súmula 47 deste TRT:
MULTAS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DE SERVIÇOS.
O tomador de serviços é subsidiariamente responsável pelas multas dos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT, inclusive se for ente público.
Saliento, ademais, que o reconhecimento da despedida imotivada do trabalhador apenas em sede judicial não constituiria óbice ao deferimento da multa em comento.
Nego provimento." (fls. 693/695)
O Município de Gravataí, às fls. 730/731, insurge-se contra a condenação ao pagamento da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT. Conforme sustenta, a multa do art. 477, § 8º, da CLT não é aplicável no caso de a controvérsia envolvendo a rescisão indireta ser reconhecida somente em Juízo.
Indica violação dos artigos 477, § 8º, da CLT e divergência jurisprudencial (fl. 731).
Sem razão.
O art. 477, § 8º, da CLT assim dispõe:
"A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora."
Como se infere da letra da lei, a multa tem pertinência quando o empregador, ao rescindir o contrato de trabalho, deixa de quitar as parcelas rescisórias no momento oportuno, expressamente previsto no § 6º do art. 477 da CLT. O fato gerador da multa é, portanto, a inadimplência na quitação das verbas rescisórias, e as sanções estipuladas se relacionam à pontualidade no pagamento, e não às espécies de motivação as quais ensejam o término da relação jurídico-trabalhista.
Assim, somente quando o empregado der causa à mora no pagamento das verbas rescisórias não será devida a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT.
Nesse contexto, aplica-se o entendimento da SDI-1 do TST de que a fundada controvérsia em relação à obrigação inadimplida não afasta a incidência da sanção inscrita no § 8º do art. 477 da CLT, tendo em vista o cancelamento da OJ n° 351, conforme os seguintes precedentes:
"RECURSO DE REVISTA. [...]. MULTA PREVISTA NO ARTIGO 477 DA CLT. A multa de que trata o comando do art. 477, § 8º, da CLT é cabível quando o empregador, ao rescindir o contrato de trabalho, deixa de quitar as parcelas rescisórias nos prazos expressamente estipulados no § 6º do referido preceito de lei. O fato gerador é a inadimplência na quitação das verbas rescisórias, e as sanções previstas se relacionam à pontualidade no pagamento, e não ao fato de haver controvérsia sobre a forma de extinção da relação de emprego, ou mesmo sobre a própria existência do vínculo. Assim, apenas se o empregado der causa à mora no pagamento das verbas rescisórias não será devida a referida multa, o que não se verifica na hipótese. Recurso de Revista não conhecido. [...]"(RR - 195800-76.2006.5.15.0142 , Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 18/03/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015)
"[...]. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. [...]. 3. MULTA DO ART. 477 DA CLT. CONTROVÉRSIA SOBRE A EXTINÇÃO DO VÍNCULO. JUSTA CAUSA. REVERSÃO EM JUÍZO. O fato gerador da multa de que trata o § 8º do art. 477 da CLT é a inadimplência na quitação das verbas rescisórias, e as sanções previstas se relacionam à pontualidade no pagamento, e não ao fato de haver controvérsia sobre a forma de extinção da relação de emprego, ou mesmo sobre a própria existência do vínculo. Assim, apenas se o empregado der causa à mora no pagamento das verbas rescisórias não será devida a referida multa, o que não se verifica na hipótese. Recurso de revista conhecido e provido."(AIRR - 1130-54.2013.5.02.0433 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 04/03/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015)
"AGRAVO. RECURSO DE EMBARGOS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. OBSERVÂNCIA DA SÚMULA 337 DO TST. Ante a plausibilidade da divergência jurisprudencial indicada, dá-se provimento ao Agravo para o amplo julgamento do Recurso de Embargos. RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. MULTA PREVISTA NO ART. 477, § 8º, DA CLT. JUSTA CAUSA DESCONSTITUÍDA EM JUÍZO. A desconstituição em juízo da justa causa não impede a aplicação da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, cujo fato gerador é a não-quitação das parcelas rescisórias no prazo estabelecido pelo § 6º do aludido preceito de lei. A multa só incidirá se o empregado tiver dado causa à mora no pagamento das verbas rescisórias. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega provimento." (E-RR - 575300-32.2009.5.09.0029 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 06/10/2016, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 14/10/2016)
"RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO EM JUÍZO. Após o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 351 da SBDI-1, a jurisprudência desta c. Corte firmou-se no sentido de que a decisão judicial que reconhece a existência de vínculo de emprego apenas declara situação fática preexistente, o que impõe a incidência da multa do artigo 477, § 8º, da CLT pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias. Precedentes. Recurso de embargos conhecido por divergência jurisprudencial e não provido." (E-ED-RR - 14600-93.2006.5.17.0009, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 02/10/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 10/10/2014)
"RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO EM JUÍZO. MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. PAGAMENTO DEVIDO. Acórdão embargado em consonância com a jurisprudência reiterada desta Corte Superior, no sentido de que a exclusão da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT somente se dá na hipótese em que a mora no pagamento das verbas rescisórias seja causada pelo empregado, de modo que o reconhecimento judicial do vínculo de emprego, por si só, não exime o empregador do pagamento da multa em exame. Precedentes desta SDI-I. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-ED-RR - 48900-36.2008.5.03.0095, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 11/12/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 19/12/2014)
Nesse contexto, incide no caso o óbice da Súmula nº 333 desta Corte e do art. 896, § 7º, da CLT.
Nego provimento.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento.
Brasília, 9 de Novembro de 2016.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Dora Maria da Costa
Ministra Relatora