A C Ó R D Ã O
(2ª Turma)
GMLC/ccfm/lpb
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. HORAS EXTRAS - BANCO DE HORAS – AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS CLAROS PARA COMPENSAÇÃO – PRESTAÇAO HABITUAL DE HORAS EXTRAS – INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 85, IV, DO TST. É inaplicável o item IV da Súmula nº 85 do TST quando é reconhecida a invalidade do sistema de banco de horas. Nessa hipótese, todas as horas trabalhadas além da 8ª diária são devidas como extras e acrescidas do respetivo adicional. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-2121-11.2010.5.02.0053 , em que é Recorrente EDUARDO RODRIGUES DA MOTTA SCHULZE e Recorrida SÃO PAULO TURISMO S.A. .
Trata-se de recurso de revista interposto pelo reclamante em face do acórdão de fls. 101/117 do seq. 23 proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 154/156 do seq. 23.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 162/166 do seq. 23.
Sem remessa dos autos à d. Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do Regimento Interno do TST.
É o relatório.
V O T O
PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passa-se ao exame dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista.
HORAS EXTRAS - BANCO DE HORAS – AUSÊNCIA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA – INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 85, III E IV, DO TST.
CONHECIMENTO
Constou do acórdão regional, na fração de interesse:
DAS HORAS EXTRAS E REFLEXOS.
Não se conforma a reclamada com a r. decisão de origem na qual se concluiu por afastar a invalidade do acordo de compensação, deferindo o pagamento de horas extras compensadas pelo banco de horas, acrescidas do adicional e reflexos.
Vejamos.
Exame dos autos faz ver que, muito embora demonstrada a existência do mencionado acordo de compensação de jornada (vide cláusula 13 de fl. 434), fato é que o ajuste resta descaracterizado em face da habitualidade na prestação de horas extras , (vd. controles de jornada fls. 463 e seguintes) e holerites do autor (fls. 33 e seguintes). Este é o entendimento da Súmula 85, item IV, do C.TST, vazada nos seguintes termos:
"A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário".
Entretanto, ante o teor do verbete transcrito, merece reparo o julgado de origem, pois, diferentemente do que ali se entendeu, remanesce devido somente o adicional de horas extras deferidas, bem como devem ser observados os limites do inciso II da referida súmula, que ora se transcreve: "O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional."
Também merece conserto a r. decisão "a quo" ao determinar que os DSR’s integrados pelas horas extraordinárias repercutam nas demais verbas contratuais (fl. 654).
Com efeito, estabelecer que os domingos integrados repercutam novamente nos demais títulos configura indisfarçável "bis in idem", impondo dupla condenação à demandada quanto a um único título. Não há que se falar em "incidências" sobre "integrações", posto que o que deve ser integrado à remuneração são as horas extras reconhecidas como habituais.
Os descansos semanais remunerados, a exemplo dos demais títulos do contrato, recebem as repercussões de horas extras conforme o cálculo que lhes é próprio, não se podendo admitir que, após integrados, sejam tomados como base para novos reflexos.
Destarte, dou parcial provimento ao recurso para determinar que no cálculo das horas extras deferidas sejam observados os limites dos incisos III e IV da Súmula nº 85 do C. TST, bem como para excluir da condenação a repercussão das incidências dos DSRs nas horas extras nos demais títulos do contrato, no aviso prévio, 13º salários, férias + 1/3 e FGTS. (sem destaques no original)
Em seu recurso de revista (fls. 133/146 do seq. 23), insurge-se o reclamante contra a decisão regional alegando que "a recorrida assume expressamente a existência de regime compensatório na modalidade de banco de horas, o que atrai a incidência do preconizado no inciso V, da Súmula 85 do C. TST". Alega ainda que "a documentação encargada aos autos com a defesa demonstra a inexistência de um número de horas previamente definido como sendo aquele destinado à compensação, razão pela qual deixou de adotar o entendimento do disposto nos incisos III e IV da Súmula nº 85 do C. TST." Ressalta que "a própria sentença de origem pontuou que nem os registros de horários, nem quaisquer outros documentos juntados demonstram os dias exatos em que as folgas por compensação foram gozadas e muito menos a data de origem do labor em excesso e a relação entre ambos, de forma tal que se demonstrasse controle sobre os saldos, ou sobre os parâmetros temporais e limites físicos do art. 59,§ 2º da CLT." Postula a reforma do decidido por violação ao artigo 7º, XIII, da CF/88, contrariedade ao inciso V da Súmula nº 85 do TST e divergência jurisprudencial.
Ao exame.
Cinge-se a controvérsia em saber se o reclamante faz jus às horas extras ou apenas ao adicional decorrente das horas compensadas. Antes, porém, faz-se necessário saber se o presente caso trata de acordo de compensação ou de banco de horas.
Para melhor esclarecimento dos contornos fáticos do caso, transcreve-se trecho da sentença que trata do tema:
"Não se reconhece porém validade ao acordo de compensação de horas arguido porque sem demonstração liminar de vantagem ao obreiro. Primeiramente porque o reconhecimento da jornada suplementar nestes autos configura habitualidade na prestação de serviços em jornada extraordinária. Em segundo porque não há um numero de horas previamente definidos como sendo destinados à compensação , razão pela qual também não se adota o entendimento sumular 85 do C. TST. Ademais, nem os registro de horários, nem quaisquer outros documentos juntados demonstram os dias exatos em que as folgas por compensação foram gozadas e muito menos a data de origem do labor em excesso e a relação entre ambos, de forma tal que se demonstrasse controle sobre os saldos, ou sobre os parâmetros temporais e limites físicos do art. 59, §2º, da CLT. Não demonstrada a compensação, ônus da Reclamada as horas extraordinárias derivadas de compensação pelo banco de horas, acrescidas do adicional. " (fls. 680/681 – grifos acrescidos)
Tanto o Reclamante, quanto a Reclamada tratam o regime de trabalho descrevendo-o como "banco de horas". A sentença e o acórdão regional também definem o regime como "banco de horas". A utilização da expressão "regime de compensação" é referida na sentença de forma ampla, como gênero das espécies "banco de horas" e "regime de compensação estrito sensu". Por essa razão, a própria sentença afasta a aplicação da Súmula nº 85 do TST.
Posto que se trata de regime de "banco de horas", a sentença o declarou inválido por não haver clareza quanto à relação de compensação das horas extras prestadas com habitualidade. O acórdão regional também reconheceu a invalidade do regime de banco de horas, registrando a habitualidade da prestação de horas extras.
Nesses termos, resta inaplicável o entendimento firmado no item IV da Súmula nº 85 do TST, por não se tratar de puro regime de compensação, mas, sim, banco de horas.
Assim, é devida ao obreiro a integralidade das horas extras postuladas e não apenas o adicional.
Nesse sentido, é a jurisprudência desta C. Corte Superior. Veja-se:
(...). HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. INVALIDADE. PRESTAÇÃO DE HORAS EXTRAS HABITUAIS. AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS CLAROS E DEFINIDOS QUE POSSIBILITASSEM À EMPREGADA O CONTROLE SOBRE AS HORAS TRABALHADAS. No caso, consignou o Regional que "o chamado banco de horas consiste em sistema de compensação de jornada e, assim, impõe, além da pactuação coletiva, nos termos do inciso XIII, do artigo 7º, da Constituição Federal, a observância do disposto no parágrafo 2º, do artigo 59 consolidado (labor diário não superior a 10 horas), bem como, a existência de controles mensais das horas extras praticadas e compensadas", bem como que, "quando há adoção do sistema de compensação através do ' banco de horas' , o empregador deve comprovar a regular observância do sistema, por meio de controles mensais do saldo de horas, positivo ou negativo, de modo que o empregado tenha ciência da compensação e do saldo de horas a compensar, impedindo que o regime se dê ao arbítrio do empregador". Destacou, ainda, que "a própria reclamada reconhece que, durante a contratualidade, pagava como extras as horas efetivamente prestadas pela reclamante e não compensadas pelo banco de horas" e que "a reclamada sequer ataca o fundamento de que as horas extraordinárias eram computadas a menor durante a contratualidade, sendo certo que tal defeito também enseja a invalidade do regime de compensação", razão pela qual reconheceu a invalidade do regime de banco de horas. Embora seja possível a coexistência dos sistemas de compensação de jornada, previsto na Súmula nº 85 do TST, e o do banco de horas, faz-se necessário assegurar ao empregado as condições mínimas de trabalho, como o limite diário de 10 horas, conforme previsto no artigo 59, § 2º, da CLT. Além disso, a reclamada deve comprovar a adoção de critérios claros e definidos que possibilitassem à empregada o controle sobre as horas submetidas a essa forma de compensação , contudo, no caso, nem mesmo impugnou que as horas extras eram computadas a menor no decorrer do contrato de trabalho (precedentes). Constata-se, assim, a conformidade do acórdão regional com a iterativa, notória e atual jurisprudência do TST, de forma que incólume o artigo 7º, incisos XII e XXVI, da Constituição Federal e superados os arestos colacionados a título de divergência jurisprudencial, nos termos da Súmula nº 333 do TST. Para se decidir de maneira diversa do entendimento adotado pelo Regional, necessário seria, inequivocamente, o revolvimento da valoração do conteúdo fático-probatório dos autos feita pelas esferas ordinárias, procedimento vedado a esta instância recursal de natureza extraordinária, nos termos em que dispõe a Súmula nº 126 desta Corte. Ademais, como a discussão dos autos se refere à invalidade do acordo de compensação de jornada por meio do banco de horas, não há falar na aplicação do teor dos itens III e IV da Súmula nº 85 do TST, porquanto o referido verbete se refere à validade do acordo de compensação de jornada dentro da mesma semana - 44 horas -, e não ao caso de compensação por meio do banco de horas, prevista no § 2º do artigo 59 (aplicação do item V da Súmula nº 85 do TST) . Recurso de revista não conhecido. (RR - 1180-31.2011.5.09.0021 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 12/03/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/03/2019)
RECURSO DE REVISTA. (...). HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. INEXISTÊNCIA DE MEIOS DE AFERIÇÃO DO CONTROLE DE HORÁRIO. INVALIDADE. 1. O acordo de compensação de jornada, conforme estabelecido no artigo 59, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, pauta-se na existência de acordo ou convenção coletiva do trabalho, na efetiva compensação do horário laborado em sobrejornada com a diminuição da jornada em outro dia, bem como na ausência de extrapolação da jornada diária máxima de 10 horas. 2. No caso em tela, o Tribunal Regional registrou a inexistência de meios aptos à aferição do quanto praticado pelo autor a título de compensação de jornada, o que implica a invalidade do regime compensatório na modalidade "banco de horas" . Precedentes. 3. Recurso de revista não conhecido. (...). (RR - 1303800-76.2008.5.09.0005 , Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 16/08/2017, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/08/2017)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. BANCO DE HORAS. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE À SÚMULA 85, DO TST. NÃO CONFIGURAÇÃO. Se o substrato fático da decisão Regional consagra que o regime de compensação de jornada se dava sob a modalidade de banco de horas, sendo ele descaracterizado, não se aplicam as disposições contidas na Súmula nº 85 do TST. Decisão em consonância com a Súmula 85, V, desta Corte. Violação a dispositivos constitucionais não caracterizada. Agravo de Instrumento a que se nega provimento" (AIRR-147-07.2011.5.15.0096, 2ª Turma, Relator Desembargador Convocado Claudio Armando Couce de Menezes, DEJT 31/03/2015).
"( ) . II - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA PARTE RECLAMADA . RECURSO DE REVISTA. LEI 13.015/2014. HORAS EXTRAS. COMPENSAÇÃO DE JORNADA. BANCO DE HORAS. INVALIDADE. O Tribunal Regional, mediante o exame do conjunto fático e probatório produzido, consignou que, não obstante houvesse autorização em norma coletiva para a prorrogação da jornada de trabalho, o acordo de compensação de jornada na modalidade banco de horas foi considerado inválido. Conforme delineado no acórdão recorrido, " não há nos cartões de ponto anotação das horas extras prestadas no dia ou compensadas, constando apenas o registro genérico do saldo do banco de horas (...), tornando impossível a conferência das anotações ". Qualquer discussão no sentido de que todas as horas trabalhadas foram renumeradas implicaria o prévio exame do conjunto probatório, o que é vedado pela diretriz da Súmula 126/TST. Registre-se ainda que, diante da descaracterização do acordo de compensação, não há falar em pagamento apenas do adicional de horas extras, na forma prevista nos itens III e IV da Súmula 85, haja vista que esta Corte já firmou entendimento pela inaplicabilidade do mencionado verbete ao regime compensatório de banco de horas. O acórdão proferido pelo Tribunal Regional encontra-se em consonância com o disposto no item V da Súmula 85/TST . Incide na hipótese o disposto no art. 896, § 7º, CLT e na Súmula 333/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento . ( )" (Ag-AIRR-1001440-16.2014.5.02.0463, 2ª Turma , Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 10/02/2023);
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ( ). HORAS EXTRAS HABITUAIS - ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA - BANCO DE HORAS INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 85, IV, DO TST. Extrai-se do acordão regional que foi instituído o banco de horas , o qual foi reputado inválido em razão da prestação habitual de horas extras e da ausência de cumprimento dos requisitos para a compensação. Nesse contexto, o e. TRT manteve a condenação ao pagamento das horas extras após a 8ª diária e 44ª semanal, não aplicando à hipótese o item III, nem a parte final do item IV da Súmula 85 do TST. Tal como proferido, o acordão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte, com ressalva de entendimento deste Relator, segundo a qual não se aplica o item IV da Súmula nº 85 do TST quando, no sistema de banco de horas, o trabalhador labora habitualmente além dos limites previstos no artigo 59, § 2º, da CLT. Nesse caso, todas as horas além da 8ª diária são devidas como extras e acrescidas do respectivo adicional nos termos do item V da Súmula 85 do TST . Incidem, portanto, a Súmula nº 333 desta Corte e o art. 896, § 7º, da CLT como óbices ao conhecimento da revista. Agravo não provido. ( )" (Ag-AIRR-1072-35.2014.5.09.0073, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 10/05/2019);
Pelo exposto, conheço do Recurso de Revista por contrariedade ao item V da Súmula/TST nº 85.
MÉRITO
D ou-lhe provimento para, restabelecendo a sentença quanto ao tema, determinar o pagamento de todas as horas extras trabalhadas e acrescidas do respectivo adicional e seus reflexos.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade , conhecer do Recurso de Revista por contrariedade ao item V da Súmula/TST nº 85, e, no mérito, dar-lhe provimento para, restabelecendo a sentença quanto ao tema, determinar o pagamento de todas as horas extras trabalhadas e acrescidas do respectivo adicional e seus reflexos. .
Brasília, 6 de março de 2024.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
LIANA CHAIB
Ministra Relatora