A C Ó R D Ã O
SESBDI-1
VMF/cg/vg/ab
RECURSO DE EMBARGOS – ACIDENTE DE TRABALHO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - MOTORISTA DE CAMINHÃO CARRETEIRO – TRANSPORTE RODOVIÁRIO - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR - EXPOSIÇÃO DO EMPREGADO A ATIVIDADE DE ALTO RISCO.
1. Na forma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, é possível a responsabilização objetiva - dispensada a culpa daquele a quem se imputa o evento lesivo - quando houver determinação legal nesse sentido e nos casos em que a atividade do causador do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem.
2. Somente o dano decorrente do risco voluntariamente criado e assumido pelo empreendedor é passível de reparação. O empresário, na execução de suas atividades, cria um risco e expõe outrem a perigo de dano (risco criado), além de se beneficiar e tirar proveito financeiro do risco por ele próprio gerado, auferindo lucros (risco - proveito).
3. No caso, o empregado, motorista de caminhão carreteiro, sofreu acidente automobilístico e faleceu em decorrência do infortúnio.
4. Verifica-se que a reclamada submetia a vítima , motorista de caminhão rodoviário, ao desempenho de atividade de alto risco . Assumiu, assim, voluntariamente , o risco inerente ao negócio empresarial e passou a expor, diferenciadamente, a vida e a integridade física dos trabalhadores cuja força de trabalho contrata e dirige.
5 . Eventual erro humano do empregado está absolutamente inserido no risco assumido pela empresa. Ao auferir lucros, dirigir o empreendimento de risco e controlar a atividade laboral do empregado, a empresa internaliza todo o potencial ofensivo de sua atividade. Possível negligência ou imperícia do empregado na sua função de motorista não impede a responsabilização da empresa, visto que a culpa do empregado-motorista faz parte do risco da atividade de transporte rodoviário de cargas, assemelhando-se ao caso fortuito interno.
6 . Considerando o risco da atividade desenvolvida , o infortúnio com nexo de causalidade e o dano sofrido pelo empregado , imperiosa a responsabilização objetiva da reclamada e a condenação ao pagamento de danos materiais e morais.
Recurso de embargos conhecido e desprovido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-270-73.2012.5.15.0062 , em que é Embargante JBS S.A. e são Embargados MARA INEZ DA SILVA OLIVEIRA E OUTROS .
Trata-se de processo em que se discute a responsabilidade objetiva da reclamada relativa à indenização por danos morais e reparação por danos materiais formuladas pela viúva e pelos dois filhos do de cujus , em razão de acidente típico de trabalho que vitimou o empregado, motorista profissional, que dirigia um caminhão de propriedade da reclamada, no regular cumprimento da jornada laboral, quando sofreu acidente em rodovia.
A 2ª Turma do TST reformou a decisão regional, reconhecendo a responsabilidade objetiva do empregador , tendo em vista a atividade de risco desenvolvida pelo empregado. Afastou, ainda, a atribuição de culpa exclusiva atribuída à vítima , que, no seu entender, somente se caracteriza quando "o evento lesivo ocorre unicamente em razão da conduta do empregado, sem qualquer ligação com os fatores objetivos do risco da atividade", o que não ocorreu no caso em análise (fls. 863).
Inconformada, a reclamada interpõe recurso de embargos, no qual requer a reforma da decisão. Aduz que a culpa objetiva decorrente de acidente de trabalho é afastada diante do reconhecimento de culpa exclusiva da vítima, tendo em vista o rompimento do nexo causal. Acrescenta que há registro no acórdão regional de que todas as condições do veículo e da estrada estavam regulares e que o acidente ocorreu por ato exclusivo da vítima, que invadiu a pista contrária e colidiu com outro caminhão. Entende, assim, que houve culpa exclusiva da vítima e que a decisão turmária ignorou os elementos fáticos citados, contrariando a Súmula nº 126 do TST e a jurisprudência que colaciona .
A Presidência da 2ª Turma admitiu o recurso de embargos, a fls. 893.
A reclamante apresentou impugnação , a fls. 904 .
O Ministério Público do Trabalho opina pelo conhecimento e provimento dos embargos .
É o relatório.
V O T O
1 – CONHECIMENTO
Preenchidos os pressupostos genéricos de admissibilidade recursal, passa-se ao exame daqueles específicos do recurso de embargos.
1.1 - ACIDENTE DE TRABALHO TÍPICO - MOTORISTA DE CAMINHÃO – RODOVIA - ATIVIDADE DE RISCO - MORTE DO EMPREGADO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA – DECISÃO DE TURMA QUE AFASTA A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADO
A 2ª Turma do TST reformou a decisão regional, reconhecendo a responsabilidade objetiva do empregador, tendo em vista a atividade de risco desenvolvida pelo empregado. Afastou, ainda, a atribuição de culpa exclusiva atribuída à vítima, que, no seu entender, somente se caracteriza quando "o evento lesivo ocorre unicamente em razão da conduta do empregado, sem qualquer ligação com os fatores objetivos do risco da atividade", o que não ocorreu no caso em análise (fls. 863). Consta da decisão embargada, in verbis :
1 – ACIDENTE DE TRABALHO TÍPICO. MOTORISTA DE CAMINHÃO. RODOVIA. ATIVIDADE DE RISCO. MORTE DO EMPREGADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AFASTADA A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADO
1.1 - Conhecimento
O Tribunal Regional da 15ª Região, no que concerne ao tema destaque, decidiu:
"Do acidente de trabalho Os reclamantes ingressaram com a presente demanda em face da reclamada, pleiteando, entre outros pedidos, indenização por dano material e moral, bem como pagamento de pensão vitalícia, em razão do acidente de trabalho ocorrido em 13/03/2008, que causou a morte do Sr. Natanael João de Oliveira, esposo e pai dos recorrentes.
O trabalhador morreu, quando utilizava um caminhão de propriedade da reclamada, no regular cumprimento da jornada laboral.
Fundamentado no conjunto probatório, o Magistrado de primeiro grau, entendeu pela inexistência de responsabilidade da empresa no fatídico acidente, razão pela qual julgou improcedentes os pedidos.
Inconformados com a decisão, os reclamantes aduziram que as provas não foram valorizadas a contento. Insistiram no reconhecimento da responsabilidade objetiva da recorrida e ainda na sua responsabilização, por afronta ao dever geral de cautela, prevenção ou precaução.
Os autores não têm razão.
Inicialmente, de se ressaltar que não há prescrição no presente caso, uma vez que, à data do acidente, uma das filhas do de cujus contava com 11 anos de idade, beneficiando-se da suspensão da prescrição os demais autores (artigo 198, I, do Código Civil).
No tocante à responsabilização da recorrida, vale frisar que este relator comunga com a corrente doutrinária que vem se formando no sentido de que a responsabilidade do empregador, é, em regra, subjetiva, como bem fixou o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal; à exceção de quando ocorrer a atividade empresarial a impor dano ao meio ambiente ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo empregador implicar pela sua natureza risco para os direitos de outros segundo regra do artigo 927, parágrafo único, do CCB, hipóteses em que a responsabilidade é objetiva, o que não é o caso dos autos.
Já o artigo 186 do Código Civil, traz os requisitos necessários para que haja a responsabilidade civil do empregador e o dever de indenizar: ação ou omissão, culpa ou dolo, dano e nexo causal.
O nexo de causalidade é o vínculo existente entre a conduta e o dano, ou seja, o dano deve decorrer diretamente da conduta praticada pelo indivíduo, sendo consequência única e exclusiva dessa conduta.
Não obstante as alegações dos recorrentes, o contexto das provas não sustentou seu inconformismo. Pelo conjunto das provas presentes nos autos, o acidente ocorrera por culpa exclusiva do trabalhador.
O obreiro era motorista de caminhão. Conforme histórico narrado no inquérito policial, o boletim de ocorrência relatou que o Sr. Natanael invadiu a contramão de direção e colidiu com outro caminhão, causando o acidente (g.n. - fl. 127).
O inquérito policial foi instruído com manifestação do Ministério Publico do Estado de Minas Gerais, que requereu o arquivamento do citado inquérito, uma vez que a morte do trabalhador não poderia ser imputada a outra pessoa. Assim, esclareceu o Promotor de Justiça (fl. 128):
Pela análise das provas carreadas aos autos restou demonstrado que a autoria do acidente deu-se em razão do comportamento da vítima fatal.
Assim, conforme disciplina o artigo 107, inciso I do Código Penal está extinta a punibilidade. (g.n.) Na instrução deste processo, a prova oral dos reclamantes não confirmou a culpa da empresa no indigesto acidente de trabalho (fl. 233v).
A reclamada juntou parecer técnico-pericial (volume em apenso), em que o Sr. Perito constatou que as condições de tráfego do caminhão da Bertin eram ótimas, conforme mostram as fotos dos pneumáticos, tanto do cavalo, quanto da carreta. (fl. 03).
Destaco, ainda, que os reclamantes não produziram outras provas capazes de comprovar a responsabilidade da empresa no acidente em questão.
Analisando a r. sentença, considero que as provas colacionadas foram analisadas e valoradas com esmero pelo MM Juízo de origem.
Também não se pode reconhecer a responsabilidade objetiva da recorrida, nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, pois as atividades desenvolvidas por ela, de acordo com seu objeto social, não configuram por sua natureza, risco aos direitos de outrem (fls. 179/180). Os riscos do trabalho do autor (motorista de caminhão) e os locais em que trabalhava não envolvia riscos acentuados ou qualquer risco diferentemente daqueles que se encontram envoltos centenas de milhares ou, quiçá, milhões de pessoas que transitam pelas estradas brasileiras.
Inexistindo a comprovação da culpa da empresa no fatídico acidente ou que tenha afrontado o dever geral de cautela, prevenção ou precaução, não há fundamento fático-jurídico para condená-la a indenizar os reclamantes.
Mantenho incólume a r. sentença.
Em face da improcedência da reclamatória, resta prejudicada a análise do pedido de honorários advocatícios.
Por fim, considero inviolados os dispositivos legais invocados e tenho por prequestionadas as matérias recursais."
Os reclamantes se insurgem contra a decisão regional ao argumento de que é a atividade exercida pelo de cujus (motorista profissional de caminhão) que atrai a aplicação da responsabilidade objetiva e não a atividade preponderante da empresa, pelo que devidas as compensações e reparações pretendidas.
Alega que o fundamento de culpa exclusiva do reclamante não foi baseado em perícia técnica oficial.
Aponta violação dos arts. 186, 187, 927, caput e parágrafo único, do Código Civil; 2º da CLT, bem como transcreve arestos ao confronto de teses.
Analiso.
Trata-se de pretensões de compensação por danos morais e reparação por danos materiais formuladas pela viúva e pelos dois filhos do de cujus, em razão de acidente típico de trabalho. No caso, o falecido, motorista profissional, dirigia um caminhão de propriedade da reclamada, no regular cumprimento da jornada laboral, quando sofreu acidente em rodovia que resultou na sua morte.
O Tribunal Regional manteve a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial por dois fundamentos. O primeiro fundamento foi o de inaplicabilidade da responsabilidade objetiva da reclamada, nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, uma vez que as suas atividades não seriam de risco acentuado. O segundo, pela existência de culpa exclusiva da vítima.
Quanto ao primeiro fundamento, o TST firmou o entendimento de que o alto risco presente na atividade dos motoristas profissionais de caminhão atrai a responsabilidade objetiva do empregador, nos termos do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, sendo desnecessária a demonstração de culpa da empresa.
Nesse sentido, cito precedentes:
"EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007.INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS.ACIDENTE DO TRABALHO. AJUDANTE DE MOTORISTA DE CAMINHÃO DE TRANSPORTE DE CARGAS. ATIVIDADE DE RISCO.TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Na hipótese, trata-se de pedido de indenização por danos materiais, morais e estéticos decorrentes de acidente do trabalho sofrido por ajudante de motorista de caminhão de transporte de cargas. O Regional afirmou que a prova produzida nos autos demonstra a existência do dano sofrido e o nexo causal com as atividades desempenhadas pelo reclamante, no entanto não foi demonstrada a culpa da empresa no evento danoso. Segundo a Corte de origem, conforme acórdão transcrito na decisão embargada, o acidente ocorreu quando o caminhão da primeira reclamada, dirigido por outro empregado seu, saiu da pista e capotou diversas vezes, causando danos ao motorista e ao reclamante, que sofreu ferimentos no rosto, na cabeça e nos braços, teve perda da visão do olho esquerdo e afundamento de parte frontal do crânio e ficou com dormências e cicatrizes no rosto e nos braços. Assim, havendo o Regional concluído que a prova produzida nos autos demonstra a existência do dano sofrido pelo autor e do nexo causal com as atividades por ele desempenhadas, não há afastar a responsabilidade da reclamada pelo evento danoso. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, c/c o parágrafo único do artigo 8º da CLT, autoriza a aplicação, no âmbito do Direito do Trabalho, da teoria da responsabilidade objetiva do empregador nos casos de acidente de trabalho quando as atividades exercidas pelo empregado são de risco. In casu, não há dúvida de que a atividade profissional desempenhada pelo reclamante era de risco, pois o transporte de cargas submete o motorista do caminhão e os seus ajudantes, que com ele prestam os serviços durante as viagens, a um risco maior de sofrer acidente de trânsito, ao qual não está sujeito um motorista ou um passageiro comum.
Com efeito, as estradas e rodovias brasileiras por onde trafegam, diuturnamente, milhares de motoristas, particulares ou empregados no exercício da profissão, nem sempre apresentam condições adequadas à segurança de motoristas e passageiros. Por outro lado, seja pelas características de cada uma delas, sua localização e peculiaridades da região onde se encontram, seja pelo seu estado de conservação, as rodovias brasileiras figuram entre os maiores perigos que os motoristas de transporte de cargas precisam enfrentar no exercício do labor. Pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes - CNT, em 2016, revelou a baixa qualidade da malha rodoviária, destacando que mais da metade das rodovias federais e estaduais do Brasil apresentam algum tipo de problema, sendo que a região norte (onde ocorreu o sinistro, no caso concreto) está entre as que receberam as piores classificações, o que, segundo o relatório produzido pela entidade, potencializa a ocorrência de acidentes. Logo, o risco cotidiano é, efetivamente, inerente à prestação dos serviços de ajudante de motorista de caminhão, a justificar a responsabilização objetiva do empregador.
Salienta-se que o fato de o reclamante exercer a função de ajudante, e não de motorista do caminhão que capotou, não afasta a configuração do dano, porquanto estava exposto aos mesmos riscos, tanto é assim, que, no caso concreto, o capotamento do veículo causou o esmagamento da cabine onde ambos estavam. Logo, uma vez constatado que a atividade de ajudante de motorista de caminhão é de risco, não afastar a responsabilidade objetiva da reclamada pelos danos morais, materiais e estéticos sofridos pelo reclamante, sendo desnecessária a comprovação da conduta culposa patronal. Embargos conhecidos e providos. (E-RR - 47300-71.2006.5.08.0107, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 14/09/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 22/09/2017)
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA.INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/14. ELETRICISTA DE DISTRIBUIÇÃO QUE DIRIGIA VEÍCULO DA EMPRESA PARA PRESTAR SEUS SERVIÇOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO FATAL POR FATO DE TERCEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL INDIRETO (EM RICOCHETE) DECORRENTE DO ÓBITO CAUSADO POR ACIDENTE DE TRABALHO. FATO DE TERCEIRO QUE NÃO EXCLUI A RESPONSABILIDADE. 1. A situação fática dos presentes autos registra que o de cujus, "eletricista de distribuição, quando estava a serviço da reclamada e dirigindo um carro da mesma, num dia chuvoso, foi atingido por uma carreta que, perdendo a direção, invadiu a pista contrária e que acabou por vitimá-lo". 2. Quanto ao trabalhador motorista, seja aquele cuja atividade objeto do contrato de trabalho é dirigir veículo, seja aquele que se desloca constantemente em veículo para prestar suas atividades profissionais, esta Corte possui firme entendimento no sentido de que o trabalhador que se submete ao trânsito, encontra-se em situação de maior exposição ao risco, atraindo a responsabilidade objetiva prevista no parágrafo único do art. 927 do CCB, vez que, embora o ato de dirigir veículos seja parte da vida moderna e do cotidiano da coletividade, quem o faz com frequência habitual e diretamente ligada às atividades do empregador ou tomador dos serviços, inegavelmente encontra-se sujeito a riscos muito maiores e exposto a maior possibilidade de sinistros. 3. De outro giro, estabelecida a premissa do labor em atividade de risco, a atrair a responsabilidade objetiva do art. 927 do CCB, o fato de terceiro não é capaz de desconstituir o liame da responsabilidade. Entende-se que o fato de terceiro (culpa exclusiva de terceiro, factum de terceiro) não rompe o nexo causal, como no presente caso, em que a culpa do acidente que vitimou o reclamante foi atribuída a terceiro, condutor de outro automóvel envolvido no acidente, pois se tratando de atividade de risco, o fato de terceiro capaz de afastar o nexo causal seria apenas aquele inteiramente estranho ao risco inerente à atividade desenvolvida, o que não é hipótese, haja vista que o risco de ser atingido por outro veículo por culpa de terceiro é ínsito à atividade que envolve o constante deslocamento no trânsito. Precedentes desta Corte. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e não provido." (E-RR - 2093-53.2013.5.15.0125, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 02/02/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 10/02/2017)
"[...]MÉRITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE DO EMPREGADO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO. MOTORISTA DE TRANSPORTADORA. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPREGADORA. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. Por aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que prevê a responsabilidade objetiva em razão do risco do empreendimento, responde o empregador, nos termos do art. 2º, caput, da CLT, pelos danos advindos de acidente do trabalho sofrido pelo empregado no exercício de atividade que o expõe a tal risco. No caso dos autos, a atividade desenvolvida pelo empregado era a de motorista de transportadora, que o expunha a risco bem mais acentuado do que aquele a que estão sujeitos os demais membros da sociedade. A culpa exclusiva de terceiros não afasta a responsabilidade objetiva, na medida em que a conduta dos outros motoristas é intrínseca ao acidente de trânsito, sem que se possa cogitar de força maior ou caso fortuito.
Precedentes. Embargos a que se nega provimento." (ED-E-ED-RR - 881-92.2010.5.12.0025 Data de Julgamento: 16/10/2014, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 24/10/2014.)
"(...) RECURSO DE EMBARGOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. TRABALHO COM UTILIZAÇÃO DE MOTOCILETA. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO CAUSADO POR TERCEIRO. ATIVIDADE DE RISCO. A norma constitucional (artigo 7º, XXVIII) abraça a responsabilidade subjetiva, obrigação de o empregador indenizar o dano que causar mediante comprovado dolo ou culpa, e o Código Civil (artigo 927, parágrafo único), de forma excepcional, nos casos de atividade de risco ou quando houver expressa previsão legal, prevê a responsabilidade objetiva do autor do dano, em que não se faz necessária tal comprovação. A norma constitucional trata de garantia mínima do trabalhador e não exclui a regra do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que, por sua vez, atribui uma responsabilidade civil mais ampla ao empregador, perfeitamente aplicável de forma supletiva no Direito do Trabalho, haja vista o princípio da norma mais favorável, somado ao fato de o Direito Laboral primar pela proteção do trabalhador e pela segurança do trabalho, com a finalidade de assegurar a dignidade e a integridade física e psíquica do empregado em seu ambiente laboral. Quanto ao nexo causal, cumpre ressaltar que, tratando-se de atividade de risco, o fato de terceiro capaz de rompê-lo é apenas aquele completamente alheio ao risco inerente à atividade desenvolvida. Ora, o risco a que está ordinariamente submetido o trabalhador que, no desempenho de suas funções, precisa deslocar-se constantemente no trânsito com o uso de motocicleta é justamente o de ser abalroado por outro veículo. Vale dizer, o acidente de trânsito decorrente de culpa exclusiva de outro motorista integra o próprio conceito do risco da atividade desenvolvida pelo reclamante.
Impende salientar, ainda, que o risco da atividade econômica deve ser suportado pelo empregador, e não pelo empregado (artigo 2º da CLT).
Assim, não rompe o nexo causal o fato de a culpa do acidente que vitimou o reclamante ter sido atribuída a terceiro, condutor de outro automóvel envolvido no acidente. Presentes o dano experimentado pelo reclamante e o nexo de causalidade com a execução do contrato de emprego, e tratando-se de atividade que, pela sua natureza, implica risco para o empregado que a desenvolve, é irrepreensível a condenação imposta à empresa reclamada no acórdão recorrido. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-ED-RR - 168500-81.2009.5.03.0009, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 05/06/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/06/2014)
"RECURSO DE EMBARGOS. TÉCNICO EM INFORMÁTICA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM RODOVIAS INTERMUNICIPAIS. ATIVIDADE DE RISCO. ACIDENTE DE TRABALHO EM VEÍCULO AUTOMOTOR COM EVENTO MORTE. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. Embora hoje haja verdadeira controvérsia na doutrina e na jurisprudência com o fim de afastar a responsabilidade do empregador, por fato de terceiro, ainda que em atividade de risco, a matéria merece uma reflexão mais cuidadosa, na medida em que tal afastamento decorre da possibilidade de o autor vir a ajuizar ação de regresso ao terceiro, causador do dano. Tal entendimento, todavia, no direito do trabalho, não pode ser recepcionado, quando é certo que a responsabilidade pela atividade econômica é do empregador, e não do empregado. A leitura a ser feita da norma inscrita no art. 2º da CLT c/c art. 927, parágrafo único, do CC, em conjunção com os princípios que regem a relação jurídica trabalhista, é no sentido de que a indenização é devida ao empregado e que eventual ação de regresso, a ser intentada, deverá ser feita pelo empregador, contra aquele cuja conduta ensejou a sua responsabilidade na reparação do dano. Recurso de embargos conhecido e desprovido." (E-RR - 1299000-69.2008.5.09.0016 Data de Julgamento: 16/02/2012, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/04/2012.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº13.015/2014. 1. ACIDENTE DO TRABALHO. MOTORISTA QUE DESENVOLVE SUAS ATIVIDADES NA RODOVIA. ÓBITO DO EMPREGADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RECLAMADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA PROBATÓRIA. No caso, o de cujus era empregado motorista profissional e foi vítima fatal de acidente no trabalho, sendo que não houve prova de culpa do empregado. De fato, as atividades desempenhadas pelo de cujus (motorista profissional) comportavam risco acentuado, acima da média, apto a autorizar a aplicação da responsabilidade objetiva. Pode-se dizer que a atividade implicava, por sua natureza, risco à saúde do trabalhador, que dirigia, habitualmente, em rodovias. Verifico que a decisão do TRT está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a atividade exercida pelo de cujus - motorista profissional - é considerada de risco. Ademais, a adoção de entendimento diverso implica reexame de fatos e provas, atraindo o óbice da Súmula 126 do TST à admissibilidade do recurso de revista. (...)" (AIRR - 547-79.2012.5.18.0006, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 19/10/2016, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/10/2016)
Quanto ao segundo fundamento, tem-se que culpa exclusiva da vítima se dá quando o evento lesivo ocorre unicamente em razão da conduta do empregado, sem qualquer ligação com os fatores objetivos do risco da atividade.
No caso, o acórdão regional delimita que "o trabalhador morreu, quando utilizava um caminhão de propriedade da reclamada, no regular cumprimento da jornada laboral", pelo que não se há falar em exclusão do nexo de causalidade no caso.
Nesse sentido, transcrevo os fundamentos adotados pela 3ª Turma do TST no julgamento do Processo nº RR-637-12.2010.5.09.0652, em 13/12/2017, publicado no DEJT em 15/12/2017, de relatoria do Excelentíssimo Ministro Maurício Godinho Delgado:
"Esclareça-se, quanto à suposta culpa exclusiva da vítima, que o fato da vítima (denominado como culpa da vítima no CCB/2002 - art. 936) é fator excludente da reparação civil, por inexistência de nexo de causalidade do evento danoso com o exercício da atividade laboral.
Nesse norte, a caracterização da culpa exclusiva da vítima é fator de exclusão do elemento "nexo causal" para efeito de inexistência de reparação civil no âmbito laboral quando o infortúnio ocorre por causa única decorrente da conduta do trabalhador, sem qualquer ligação com o descumprimento das normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador, ou também sem qualquer ligação com os fatores objetivos do risco da atividade."
Dessa forma, ao aplicar a responsabilização subjetiva do empregador no presente caso, a Corte de origem divergiu do entendimento deste Tribunal Superior acerca do tema.
Pelo exposto, conheço do recurso de revista por violação do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.
1.2 – Mérito
Como mencionado anteriormente, o Tribunal de origem registrou a existência de dano (morte) e de nexo causal entre o acidente e o trabalho desempenhado (infortúnio ocorrido enquanto o de cujus dirigia o caminhão).
Assim, em virtude do reconhecimento da responsabilidade objetiva e da consequente desnecessidade de que se verifique a existência de culpa da empresa, os reclamantes devem ser indenizados pelo dano sofrido (danos morais e materiais).
Conhecido o apelo por violação ao artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, dou-lhe provimento para reconhecer a responsabilidade objetiva do empregador e condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), igualmente dividido entre os reclamantes, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta a gravidade do dano, o caráter punitivo, o pedagógico e a capacidade econômica das partes, observado o disposto na Súmula 439 do TST.
No que se refere aos danos materiais, consistentes no pagamento de pensão mensal, constata-se às fls. 45/46, que os autores articularam o seguinte pedido:
"II - O pagamento de pensão mensal aos reclamantes, no importe de R$ 832,62, a partir de 14.03.2008, acrescidos de juros de 1% e correção monetária, inclusive com 13º salário anual e terço constitucional de férias, com correção na data-base da categoria (maio), a ser rateada em partes iguais pelos reclamantes; os filhos até os 25 anos de idade e a esposa até o término da expectativa de sobrevida do de cujus, devendo a parte que cabe a cada um dos beneficiários acrescer à dos demais quando da sua cessação;"
Pelo princípio da adstrição, este juízo deve observar os limites do pedido. Por essa razão, dou provimento ao recurso de revista também para condenar a reclamada ao pagamento de pensão mensal vitalícia no valor da última remuneração mensal do de cujus, acrescido de 13º salário e terço constitucional de férias, observando a esperança de vida do de cujus, a ser paga aos reclamantes a partir do dia do óbito, com juros e correção monetária, na forma da lei, nos termos do pedido inicial, conforme se apurar em liquidação de sentença.
Inconformada, a reclamada interpõe recurso de embargos, no qual requer a reforma da decisão. Aduz que a culpa objetiva decorrente de acidente de trabalho é afastada diante do reconhecimento de culpa exclusiva da vítima, tendo em vista o rompimento do nexo causal. Acrescenta que há registro no acórdão regional de que todas as condições do veículo e da estrada estavam regulares e que o acidente ocorreu por ato exclusivo da vítima, que invadiu a pista contrária e colidiu com outro caminhão. Entende, assim, que houve culpa exclusiva da vítima e que a decisão turmária ignorou os elementos fáticos citados, contrariando a Súmula nº 126 do TST e a jurisprudência que colaciona.
Conforme se verifica, o recurso de embargos da reclamada versa sobre duas questões . A primeira, consiste na alegada contrariedade à Súmula nº 126 do TST pela Turma de origem ao afastar o entendimento regional de que houve culpa exclusiva do empregado no acidente de trânsito que causou a sua morte. A segunda, alude à questão jurídica se , efetivamente, houve culpa exclusiva do empregado no acidente de trânsito que ceifou sua vida, tendo em vista que o caminhão que conduzia invadiu a contramão e colidiu com outro caminhão, segundo o boletim de ocorrência.
No tocante à alegação de atrito com a Súmula nº 126 do TST, não assiste razão à reclamada-embargante. Isso porque a Turma não alterou o quadro fático delineado na decisão regional, mas apenas entendeu , diferentemente do Tribunal Regional, que o fato de o motorista-empregado invadir a contramão e colidir com outro veículo, vindo a falecer, não afasta a responsabilidade objetiva do empregador, por se tratar de um risco de acidente inerente à atividade desenvolvida. Nesse sentido é que a Turma consignou tese jurídica de que não houve rompimento do nexo causal no caso dos autos, pois "culpa exclusiva da vítima se dá quando o evento lesivo ocorre unicamente em razão da conduta do empregado, sem qualquer ligação com os fatores objetivos do risco da atividade" .
Assim sendo, a controvérsia não é fática, mas jurídica, cabendo analisar se o risco a que está sujeito o motorista de caminhão de causar um acidente de trânsito rompe o nexo de causalidade e afasta a responsabilidade objetiva do seu empregador, quando este desenvolve atividade de risco.
No tocante à segunda alegação do recurso de embargos, resta demonstrada a pretendida divergência jurisprudencial, pois o aresto paradigma colacionado pela reclamada adota entendimento conflitante, ao enquadrar como culpa exclusiva da vítima (empregado motociclista) o acidente em que "o autor ingressou inadvertidamente em via de trânsito, colidindo - e não sendo apanhado - por outro veículo" (fls. 876). Conforme se verifica, a situação fática é a mesma, apresentando dissonância de entendimentos quanto à caracterização de culpa exclusiva.
Conheço dos embargos, por divergência jurisprudencial.
2 - MÉRITO
Destaque-se, novamente, que o cerne da controvérsia trazida pelo recurso de embargos da reclamada não se dirige à caracterização da atividade de risco de motorista de caminhão rodoviário, o que já está definido em definitivo na decisão turmária. Restringe-se , o presente debate, à alegação recursal de culpa exclusiva do empregado no acidente automobilístico que o vitimou , a afastar o nexo causal e, consequentemente, a responsabilização objetiva do empregador . No entanto, para uma melhor compreensão do tema recursal impõe-se enfrentar a questão da responsabilidade objetiva como um todo, inclusive tratando das suas hipóteses excludentes.
Com efeito, a responsabilização do empregador por acidente de trabalho ou doença ocupacional é regida pelo sistema dual de responsabilidade, sem nenhuma relação de hierarquia entre as duas formas de responsabilização.
A responsabilidade objetiva está prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, de seguinte teor:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Tal modalidade de responsabilização somente é possível quando houver determinação legal nesse sentido e nos casos em que a atividade do causador do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem.
A peculiaridade da norma reside, essencialmente, na dispensa de se provar a culpa daquele a quem se imputa o evento lesivo.
O preceito legal em comento exige a presença do dano (material ou moral), que pode ser entendido como a lesão a direito tutelado pelo ordenamento jurídico.
Também é indispensável a existência do nexo causal, considerado como o liame fático entre a lesão em comento e o comportamento culposo do agente. Ressalte-se que somente poderá ser considerado causa o evento decisivo à produção do resultado danoso.
Ocorre que, na responsabilização objetiva, o nexo de causalidade não está limitado à causa fática imediata.
Deve ser considerada a causalidade jurídica, um juízo de imputação jurídica, e não meramente factual, com a verificação da reprovabilidade da conduta pelo ordenamento.
Segundo critérios de justiça e equidade, deve ser estabelecido qual dano pode ser imputado ao empregador. Por óbvio, somente os danos pertinentes e inseridos no risco da atividade devem ser ressarcidos, ou seja, deve haver relação entre a atividade de risco e o dano.
Quanto à atividade de risco, somente o dano decorrente do risco voluntariamente criado e assumido pelo empreendedor é passível de reparação.
Nos termos do art. 2º da CLT, o empregador assume os riscos da atividade econômica e dirige o empreendimento.
O empresário, na execução de suas atividades, cria um risco e expõe outrem a perigo de dano (risco criado), além de se beneficiar e tirar proveito financeiro do risco por ele próprio gerado, auferindo lucros (risco - proveito).
O risco, diferentemente do mero acaso, é passível de controle e gerenciamento empresarial, possuindo algum grau de previsibilidade e calculabilidade.
O controle não significa a possibilidade de evitar o dano, e sim a viabilidade de previsão e programação, sendo cabível a apuração da frequência do evento, da extensão dos danos e a quantificação do custo. Quanto maior a possibilidade de controle, mais o risco é intrínseco à atividade da empresa.
Desta forma, estão inseridos no risco os danos que , embora inevitáveis, por maior que seja o dever de cuidado, sejam previsíveis e suscetíveis de gerenciamento.
Ressalte-se que a força maior e o caso fortuito externo são causas excludentes de responsabilidade objetiva. Tais eventos inevitáveis e irresistíveis são alheios e não estão inseridos no risco da atividade.
Em contrapartida, o caso fortuito interno inescusável, apesar de também ser fato imprevisível e inevitável, está diretamente ligado aos riscos do empreendimento e integra umbilicalmente a atividade empresarial, não sendo possível exercê-la sem assumir os riscos de tais acontecimentos.
Como visto, aquele que coloca outrem em situação de perigo não pode furtar-se de sua responsabilidade, alegando a imprevisibilidade de algo que ao homem médio é facilmente antecipável e previsível.
Por sua vez, o Fato da Vítima e o Fato de Terceiro também podem afastar o dever de indenizar, mas desde que os eventos sejam exteriores ao risco.
Ainda que a ação da vítima ou de terceiro seja fato inevitável e irresistível à empresa, quando eles forem inerentes à atividade de risco (previsíveis e controláveis), persiste o dever de indenizar, equiparando-os ao caso fortuito interno.
O Fato da Vítima no Direito do Trabalho ganha especial diferenciação, consideradas as peculiaridades da relação empregatícia - subordinação ao empregador, exposição constante ao risco e direção dos serviços.
Por óbvio, a responsabilidade objetiva também visa resguardar acidentes causados por descuido dos empregados, porquanto a culpa do empregado (erro humano) também faz parte do risco empresarial.
A imprudência ou negligência do acidentado não podem excluir a responsabilidade do empregador, como bem ressalta a Dra. Ana Frazão, em seu artigo "Risco da Empresa e Responsabilidade por Acidente de Trabalho" , publicado na Revista LTr, v. 80, n. 10, de outubro de 2016:
(...) o fato da vítima não afasta necessariamente a responsabilidade pelo risco de forma geral. Na seara dos acidentes de trabalho, a questão da culpa do empregado precisa ser vista com atenção redobrada, tendo em vista que a própria responsabilidade pelo risco foi criada para resolver o problema dos acidentes causados por descuido ou culpa dos empregados, sob o fundamento de que tais situações estariam contidas no risco da empresa .
Por essa razão, não faz sentido afastar a responsabilidade quando o acidente decorreu de mera culpa do empregado, já que isso faz parte, como regra , do risco da empresa . Não é sem motivo que o primeiro diploma normativo do ordenamento brasileiro a tratar da responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho , o Decreto n° 3 . 724 de 1919, já estabelecia, em seu art. 2°, que o acidente ocorrido em razão ou durante o trabalho obrigava o patrão a pagamento de indenização "exceptuados apenas os casos de força maior ou dolo da propria victima ou de estranhos". Assim , não havia possibilidade de que a culpa da vítima afastasse a responsabilidade empresarial.
O art. 932, III, do Código Civil, ao considerar o empregador solidariamente responsável pelos atos dos empregados e prepostos, confirma a inclusão dos fatos dos empregados no risco do negócio.
Ressalte-se que apenas o dolo ou a culpa gravíssima (assunção voluntária de risco desnecessário e estranho) do empregado , que estejam fora do risco da atividade empresarial, são passíveis de romper a causalidade jurídica e afastar a responsabilidade do empregador, traduzidas no instituto da "culpa exclusiva da vítima".
A propósito, a eventual existência de culpa da vítima no evento danoso será levada em consideração para a fixação da indenização, mas não obrigatoriamente afasta o dever de indenizar. Assim estabelece o art. 945 do Código Civil:
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Estabelecidas essas questões, impende verificar a situação dos autos.
No caso, é incontroverso que o falecido, motorista profissional, dirigia um caminhão de propriedade da reclamada, no regular cumprimento da jornada laboral, quando sofreu acidente em rodovia , que resultou na sua morte .
Consta do acórdão regional, transcrito na decisão turmária, que o caminhão dirigido pela vítima invadiu a contramão de direção e colidiu com outro caminhão, vindo o motorista a falecer.
Ainda segundo o Tribunal Regional, o "Sr. Perito constatou que as condições de tráfego do caminhão da Bertin eram ótimas, conforme mostram as fotos dos pneumáticos, tanto do cavalo, quanto da carreta" (fls. 856) .
Com base nessas circunstâncias fáticas, é evidente o infortúnio laboral e o dano sofrido pelo empregado .
De igual forma, verifica-se que a reclamada submetia o empregado, motorista de caminhão, a elevado risco.
A empresa, ao exercer atividade de transporte rodoviário , assumiu voluntariamente o risco inerente ao negócio empresarial, envolvendo o notório perigo das estradas brasileiras (acidentes, assaltos e contratempos), causados pelos próprios motoristas, terceiros, infraestrutura, intempéries da natureza, animais, et cetera .
É público e notório, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, que os riscos existentes nas estradas brasileiras são altíssimos.
Eventos como o que vitimou o empregado afiguram-se plenamente previsíveis para qualquer cidadão brasileiro, constituindo, infelizmente, parte do cotidiano de nosso país.
A quantidade alarmante de acidentes de trânsito e o perigo intrínseco às rodovias brasileiras atrai o enquadramento de tal atividade como de risco, pois o seu simples exercício cotidiano multiplica as possibilidades de acidentes do trabalhador, se comparado à média de risco das demais atividades laborais. Nesse sentido foi a decisão proferida pela Turma de origem, que não foi objeto do recurso de embargos.
Ao efetuar transporte rodoviário , a empresa assume o risco de expor, diferenciadamente, a vida e a integridade física dos trabalhadores cuja força de trabalho contrata e dirige. Ainda que a reclamada observe todas as medidas de segurança necessárias, a exposição ao risco e a possibilidade do acidente persistem.
A empresa tem plena ciência da possibilidade de ocorrência de infortúnios laborais rodoviários, devendo controlar e gerenciar o risco volitivamente assumido.
Por conseguinte, mostra-se imperiosa a responsabilização objetiva da reclamada pelo infortúnio laboral.
Ademais, no caso, a suposta culpa do empregado no acidente não afasta o dever de indenizar.
Como visto, eventual erro humano do trabalhador está absolutamente inserido no risco assumido pela empresa. Ao auferir lucros, dirigir o empreendimento de risco e controlar a atividade laboral do empregado , a empresa internaliza todo o potencial ofensivo de sua atividade.
Ainda que todas as condições de tráfego estejam favoráveis e o veículo encontre-se em boas condições de rodagem, possível negligência ou imperícia do empregado na sua função de motorista não impede a responsabilização da empresa, visto que a culpa do empregado-motorista faz parte do risco da atividade de transporte rodoviário de cargas, assemelhando-se ao caso fortuito interno.
Ressalte-se que não estamos diante de dolo ou de culpa gravíssima da vítima, situações aptas a desconstituir a causalidade jurídica.
O de cujus não teve vontade livre e consciente de provocar o acidente que lhe custou a vida. Também não consta nos autos assunção pelo empregado de risco desnecessário e alheio à atividade normal de motorista, caracterizando culpa gravíssima.
Diante do exposto, a atividade empresarial assumida pela reclamada é de risco e o labor exercido pelo empregado o tornava exposto a tal risco, devendo a empresa responder objetivamente pelo acidente de trabalho ocorrido , inexistindo culpa exclusiva da vítima .
Nesse exato sentido são os seguintes julgados do TST proferidos em situação semelhante:
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - MOTORISTA DE ÔNIBUS - PERDA TOTAL DO OLHO ESQUERDO - EMPRESA DE TRANSPORTE - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR - EXPOSIÇÃO DO EMPREGADO A ATIVIDADE DE ALTO RISCO - PREVISIBILIDADE DO INFORTÚNIO - ÔNUS QUE DEVE SER SUPORTADO POR AQUELE QUE SE BENEFICIA DA ATIVIDADE ECONÔMICA - VALOR SOCIAL DO TRABALHO E POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - ARTS. 1º, IV, E 3º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos do art. 1º, IV, da Constituição Federal, constitui fundamento da República Federativa do Brasil o valor social do trabalho. A importância do referido valor é de tal monta que o constituinte originário o erigiu como pilar da ordem econômica, ou seja, não se afigura lícita a exploração do trabalho alheio que menoscabe a integridade daquele que o presta. Nessa senda, se o empregador coloca o seu empregado em atividade cujo risco é notoriamente conhecido, não pode, quando da ocorrência do infortúnio, esquivar-se de sua responsabilidade pelas lesões experimentadas pelo trabalhador. Do contrário, estar-se- ia negando o postulado da solidariedade elencado no art. 3º, I, da Carta Magna, pois é manifestamente injusto que aquele que tira proveito do trabalho alheio não repare os danos sofridos pelo empregado, enquanto inserido no empreendimento empresarial. Presentes, portanto, o dano e o nexo causal com atividade de risco, imputa-se ao empregador (criador de tal situação) a responsabilidade pelos danos morais suportados pelo empregado. Extrai-se do quanto transcrito no acórdão embargado ser incontroverso nos autos que o reclamante sofreu acidente com o ônibus que dirigia quando trafegava em estrada intermunicipal a serviço da reclamada . Também é certo que o trabalhador sofreu perfuração em seu olho esquerdo, causando perda total da visão desse órgão. São incontestes, portanto, o nexo de causalidade entre labor e acidente e o dano suportado pelo reclamante, que teve vulnerado seu direito personalíssimo à integridade física. Sucede que eventos como os que vitimaram o obreiro (imprudência dos motoristas que trafegam nas vias públicas) afiguram-se plenamente previsíveis para qualquer cidadão brasileiro, constituindo, infelizmente, parte do cotidiano de nosso País. Assim, por se tratar de fortuito interno (inerente à atividade desenvolvida pela reclamada), ele não se presta a afastar a responsabilidade da ré. Recurso de embargos conhecido e desprovido. (E-RR-39300-88.2006.5.17.0121, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, SBDI-1, DEJT de 26/9/2014)
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/14. ELETRICISTA DE DISTRIBUIÇÃO QUE DIRIGIA VEÍCULO DA EMPRESA PARA PRESTAR SEUS SERVIÇOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO FATAL POR FATO DE TERCEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL INDIRETO (EM RICOCHETE) DECORRENTE DO ÓBITO CAUSADO POR ACIDENTE DE TRABALHO. FATO DE TERCEIRO QUE NÃO EXCLUI A RESPONSABILIDADE. 1. A situação fática dos presentes autos registra que o de cujus, "eletricista de distribuição, quando estava a serviço da reclamada e dirigindo um carro da mesma, num dia chuvoso, foi atingido por uma carreta que, perdendo a direção, invadiu a pista contrária e que acabou por vitimá-lo" . 2. Quanto ao trabalhador motorista, seja aquele cuja atividade objeto do contrato de trabalho é dirigir veículo, seja aquele que se desloca constantemente em veículo para prestar suas atividades profissionais, esta Corte possui firme entendimento no sentido de que o trabalhador que se submete ao trânsito, encontra-se em situação de maior exposição ao risco, atraindo a responsabilidade objetiva prevista no parágrafo único do art. 927 do CCB, vez que, embora o ato de dirigir veículos seja parte da vida moderna e do cotidiano da coletividade, quem o faz com frequência habitual e diretamente ligada às atividades do empregador ou tomador dos serviços, inegavelmente encontra-se sujeito a riscos muito maiores e exposto a maior possibilidade de sinistros. 3 . De outro giro, estabelecida a premissa do labor em atividade de risco, a atrair a responsabilidade objetiva do art. 927 do CCB, o fato de terceiro não é capaz de desconstituir o liame da responsabilidade. Entende-se que o fato de terceiro (culpa exclusiva de terceito, factum de terceiro) não rompe o nexo causal, como no presente caso, em que a culpa do acidente que vitimou o reclamante foi atribuída a terceiro, condutor de outro automóvel envolvido no acidente, pois se tratando de atividade de risco, o fato de terceiro capaz de afastar o nexo causal seria apenas aquele inteiramente estranho ao risco inerente à atividade desenvolvida, o que não é hipótese, haja vista que o risco de ser atingido por outro veículo por culpa de terceiro é ínsito à atividade que envolve o constante deslocamento no trânsito . Precedentes desta Corte. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e não provido. (E-RR-2093-53.2013.5.15.0125, SBDI-1, Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, DEJT de 10/2/2017)
(...) RECURSO DE EMBARGOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. TRABALHO COM UTILIZAÇÃO DE MOTOCILETA. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO CAUSADO POR TERCEIRO. ATIVIDADE DE RISCO. A norma constitucional (artigo 7º, XXVIII) abraça a responsabilidade subjetiva, obrigação de o empregador indenizar o dano que causar mediante comprovado dolo ou culpa, e o Código Civil (artigo 927, parágrafo único), de forma excepcional, nos casos de atividade de risco ou quando houver expressa previsão legal, prevê a responsabilidade objetiva do autor do dano, em que não se faz necessária tal comprovação. A norma constitucional trata de garantia mínima do trabalhador e não exclui a regra do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que, por sua vez, atribui uma responsabilidade civil mais ampla ao empregador, perfeitamente aplicável de forma supletiva no Direito do Trabalho, haja vista o princípio da norma mais favorável, somado ao fato de o Direito Laboral primar pela proteção do trabalhador e pela segurança do trabalho, com a finalidade de assegurar a dignidade e a integridade física e psíquica do empregado em seu ambiente laboral. Quanto ao nexo causal, cumpre ressaltar que, tratando-se de atividade de risco, o fato de terceiro capaz de rompê-lo é apenas aquele completamente alheio ao risco inerente à atividade desenvolvida. Ora, o risco a que está ordinariamente submetido o trabalhador que, no desempenho de suas funções, precisa deslocar-se constantemente no trânsito com o uso de motocicleta é justamente o de ser abalroado por outro veículo . Vale dizer, o acidente de trânsito decorrente de culpa exclusiva de outro motorista integra o próprio conceito do risco da atividade desenvolvida pelo reclamante. Impende salientar, ainda, que o risco da atividade econômica deve ser suportado pelo empregador, e não pelo empregado (artigo 2º da CLT). Assim, não rompe o nexo causal o fato de a culpa do acidente que vitimou o reclamante ter sido atribuída a terceiro, condutor de outro automóvel envolvido no acidente . Presentes o dano experimentado pelo reclamante e o nexo de causalidade com a execução do contrato de emprego, e tratando-se de atividade que, pela sua natureza, implica risco para o empregado que a desenvolve, é irrepreensível a condenação imposta à empresa reclamada no acórdão recorrido. Recurso de embargos conhecido e não provido. (E-ED-RR-168500-81.2009.5.03.0009, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, SBDI-1, DEJT de 13/6/2014)
RECURSO DE REVISTA - ACIDENTE DE TRABALHO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - RISCO NA ATIVIDADE - TRANSPORTE RODOVIÁRIO - MOTORISTA PROFISSIONAL DE CARGAS. 1. Na forma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, é possível a responsabilização objetiva - dispensada a culpa daquele a quem se imputa o evento lesivo - quando houver determinação legal nesse sentido e nos casos em que a atividade do causador do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem. 2. Somente o dano decorrente do risco voluntariamente criado e assumido pelo empreendedor é passível de reparação. O empresário, na execução de suas atividades, cria um risco e expõe outrem a perigo de dano (risco criado), além de se beneficiar e tirar proveito financeiro do risco por ele próprio gerado, auferindo lucros (risco proveito). 3. No caso, o empregado sofreu acidente automobilístico e faleceu em decorrência do infortúnio. Verifica-se que a atividade empresarial da reclamada, por sua própria natureza, apresenta alto risco. A empresa, ao exercer atividade de transporte rodoviário de cargas, assumiu voluntariamente o risco inerente ao negócio empresarial e passou a expor, diferenciadamente, a vida e a integridade física dos trabalhadores cuja força de trabalho contrata e dirige. 4. Eventual erro humano do obreiro está absolutamente inserido no risco assumido pela empresa. Ao auferir lucros, dirigir o empreendimento de risco e controlar a atividade laboral do empregado a empresa internaliza todo o potencial ofensivo de sua atividade. Possível negligência ou imperícia do empregado na sua função de motorista não impede a responsabilização da empresa, visto que a culpa do empregado-motorista faz parte do risco da atividade de transporte rodoviário de cargas, assemelhando-se ao caso fortuito interno. 5. Dessarte, considerando a atividade empresarial de risco, o infortúnio com nexo de causalidade e o dano sofrido pelo obreiro, imperiosa a responsabilização objetiva da reclamada e a condenação ao pagamento de danos materiais e morais. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-65-20.2010.5.03.0136, Red. Min. Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, DEJT de 15/6/2018)
Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso de embargos.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negar-lhe provimento. Vencidos os Exmos. Ministros Breno Medeiros e Alexandre Luiz Ramos.
Brasília, 17 de setembro de 2020.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Ministro Vieira de Mello Filho
Relator