A C Ó R D Ã O

(2ª Turma)

GMMHM/tcb/

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR NORMA COLETIVA. TEMA N. 1.046. PRESTAÇÃO HABITUAL DE HORAS EXTRAS. No ARE n. 1.121.633 (Tema n. 1.046 da Tabela de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal), consagrou-se que " são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis" . Logo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a redução ou limitação dos direitos trabalhistas pelos acordos coletivos deve, em qualquer caso, respeito aos direitos absolutamente indisponíveis assegurados "(i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores" . Já na sessão virtual concluída em 30/6/2023, a Suprema Corte, ao julgar a ADI n.º 5.322, em que se questionava a constitucionalidade de inúmeros dispositivos da Lei 13.103/2015, consignou que "o descanso tem relação direta com a saúde do trabalhador, constituindo parte de direito social indisponível". Todavia, conforme o voto condutor da lavra do Ministro Alexandre de Moraes, restou decidido também que a invalidação da norma coletiva no tocante à diminuição ou fracionamento do intervalo intrajornada, "por si só, não é incompatível com a norma constitucional que prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7.º, XXII, CF), devendo ser avaliado, no caso concreto, se determinada redução do intervalo para descanso e alimentação não atingiu ‘níveis temporais incompatíveis com o cumprimento de seus objetivos centrais (saúde, higiene e segurança laborativas)’". Infere-se das rationes decidendi albergadas nos julgamentos do ARE 1.121.633 e da ADI n.º 5.322 que a redução ou fracionamento do intervalo intrajornada pela via da negociação coletiva é, a princípio, lícita. Todavia a cláusula regulamentar deve, no caso concreto, viabilizar o objetivo central do repouso, vale dizer: a preservação da saúde, higiene e segurança do trabalho. No caso em tela, constatada a prestação habitual de horas extras, correta a decisão regional que considerou inválida cláusula de instrumento normativo que reduziu o tempo previsto em lei para os intervalos intrajornada. Agravo de instrumento desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-1000176-65.2017.5.02.0363 , em que é Agravante TUPY S.A. e é Agravado RODRIGO BIAZIOLI GNOLA .

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela reclamada contra decisão que denegou seguimento ao seu recurso de revista.

Não foi apresentada contraminuta.

Desnecessária a manifestação do Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 95 do RITST.

É o relatório.

V O T O

Conheço do agravo de instrumento porque estão presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR NORMA COLETIVA. TEMA N. 1.046. PRESTAÇÃO HABITUAL DE HORAS EXTRAS.

Na decisão singular de admissibilidade regional, foi negado seguimento ao recurso de revista da reclamada, a teor do art. 896, § 7º, da CLT e das Súmulas nºs 333 e 437, II, do TST.

A reclamada alega que a redução do intervalo intrajornada para trinta minutos, no caso, está amparada em norma coletiva e que a decisão regional não observa o disposto no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal e o art. 611, §1º, da CLT.

Eis o entendimento esposado pelo Tribunal Regional sobre a matéria (fls. 1230-1233):

Intervalo intrajornada

Requer o reclamante a reforma da sentença que não reconheceu o direito às horas extras pela supressão parcial do intervalo intrajornada (30 minutos) nos períodos abrangidos pela Portaria nº 15 (22/02/2011 a 31/03/2012) e pela Portaria nº 126 (01/10/2012 a 21/03/2014) editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (TEM). Sustenta que tais normas devem ser rechaçadas, até porque havia prática de horas extras habituais, o que invalidaria a suposta autorização de redução do intervalo em tais lapsos.

Com razão o reclamante.

O Juízo de origem entendeu que a redução do lapso legal mínimo de intervalo intrajornada no período imprescrito, de 1 hora para 30 minutos diários, decorrentes de previsão somente em normas coletivas da categoria era inválida, mas ressalvou que nos lapsos com Portaria de autorização do MTE a redução seria legal. Assim, a sentença deferiu o pedido de horas extras referentes ao intervalo intrajornada somente em parte do período imprescrito, qual seja, aquele não abrangido pelas referidas Portarias do MTE.

De fato, é inválida a previsão normativa em ACT ou CCT a respeito da redução do intervalo intrajornada, tema sedimentado por meio da Súmula nº 437, II, do C. TST, como bem inferiu o Juízo a quo . E sobre tal ponto não houve recurso da reclamada, estando assim a matéria coberta pela coisa julgada.

Além disso, considero que as referidas Portarias editadas pelo MTE (ID. e7e3047 - Pág. 1 e ID. 1131bec - Pág. 1, fls. 485/486) não teriam o condão de autorizar a supressão parcial do período intervalar para refeição e descanso.

No caso, nem se poderia alegar que o MTE teria autorizado a redução do intervalo intrajornada mediante acordo coletivo. Isso porque o §3º do art. 71 da CLT dispõe, expressamente, que o intervalo para alimentação e repouso " poderá " ser reduzido por ato do Ministério do Trabalho e Emprego quando verificado " que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares ".

Entretanto, os referidos atos colacionados aos autos não têm a eficácia pretendida pela reclamada, uma vez que o órgão ministerial não poderia delegar de forma geral ao empregador e/ou aos sindicatos respectivos a redução do intervalo por meio de norma coletiva, sem que estivessem efetivamente preenchidas todas as condições previstas no citado dispositivo legal.

Como bem inferiu o próprio Juízo de origem, " a autoridade administrativa não pode declinar de competência exclusiva a ela instituída por lei, repassando-a, sem previsão legal, ao sindicato. Note-se que a autorização ministerial, de acordo com o previsto no parágrafo 3º, do artigo 71, da CLT, deve ser precedida de diligências ao refeitório da empresa " (grifei) e, no caso, conforme se depreende das Portarias citadas, o MTE realmente procedeu de forma irregular, sob o pretenso amparo do art. 1º da Portaria Ministerial nº 1.095/2010.

Assim o é porque essa referida disposição da Portaria nº 1.095/2010 mostra-se ilegal, uma vez que autoriza ao MTE deferir a redução do lapso de intervalo em face de simples previsão em acordo coletivo, ou seja, por decisão do sindicado de classe, o que é vedado, conforme art. 71, §3º, da CLT e do pacífico entendimento descrito na Súmula nº 437, II, do C. TST, já citado.

Nesse contexto, se as Portarias nº 15 e 126 do MTE se amparam em outra Portaria ilegal (Portaria Ministerial nº 1.095/2010), pois simples previsão em acordo coletivo não tem o condão de autorizar a supressão, ainda que parcial, do intervalo intrajornada, resta lógica a ilação de que a redução realizada pela reclamada, autorizada pelas referidas Portarias do TEM, foi ilegal.

Em suma, a Portaria nº 15 (22/02/2011 a 31/03/2012) e a Portaria nº 126 (01/10/2012 a 21/03/2014) não possuem amparo legal.

Não bastasse, fato é que o reclamante estava sujeito a regime de horas extras habituais, seja em face do que se verifica nos seus holerites, que comprovam pagamentos que tais, seja em decorrência da sentença de origem, que reconheceu o direito a diferenças de horas extras, também de forma habitual, pela supressão do tempo residual anotado em controle de ponto, mas não remunerado, o que também invalidaria a redução autorizada pelas referidas Portarias do MTE, a teor da parte final do §3º do art. 71 da CLT.

No mais, quanto aos pleitos sucessivos realizados em contrarrazões, relativos à pretensa limitação da condenação ao tempo restante de 30 minutos e ao pagamento somente do adicional e sem reflexos, fato é que o Juízo de origem já procedeu à condenação a título de horas extraordinárias nos termos da consentânea jurisprudência sobre o tema, consubstanciada nos itens I e III da Súmula nº 437 do C. TST, e a reclamada não apresentou recurso.

Além disso a decisão, como exposto, está em conformidade com a referida jurisprudência uniforme, o que também faria malograr eventual pleito recursal nesse sentido.

Enfim, tampouco há que se cogitar da pretensa compensação pleiteada em contrarrazões, pois não há verbas pagas sob mesmo título no que se refere às horas extras pela supressão do intervalo intrajornada, fato incontroverso.

Assim, tais insurgimentos nas contrarrazões não merecem prosperar.

Desse modo, em face da não concessão regular de intervalo intrajornada e consoante o disposto no art. 71, §4º, da CLT (com a redação vigente à época da prestação laboral) e na Súmula nº 437 do C. TST, dou provimento ao recurso para o fim de elastecer o direito a 60 (sessenta) minutos extraordinários por dia, deferido em sentença, para todo o período imprescrito, acrescidos do adicional, reflexos e forma de cálculo já fixados na origem, inclusive no que se refere à base de cálculo.

Reformo.

Hipótese em que se discute a validade da norma coletiva que dispôs sobre a redução do intervalo intrajornada para 30 minutos.

O Supremo Tribunal Federal firmou tese no sentido de que "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis" (Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal). Conforme já se destacou, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a redução ou limitação dos direitos trabalhistas pelos acordos coletivos deve, em qualquer caso, respeito aos direitos absolutamente indisponíveis assegurados "(i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores". A "redução de direitos trabalhistas" mediante negociação coletiva depende de autorização expressa da Constituição, dos tratados e convenções internacionais ou de normas infraconstitucionais que asseguram o patamar mínimo civilizatório.

Especialmente no que concerne à relativização dos parâmetros legais para o intervalo intrajornada, é importante notar que, ao julgar o ARE n. 1.121.633, a Suprema Corte expressamente considerou superada a tese antes inscrita no Tema n.º 357 da Tabela de Repercussão Geral (AI 825.675), que cuidava especificamente da matéria. Em um primeiro momento, isso indicou que, ao mencionar que "são passíveis de restrição, por convenção ou acordo coletivo, questões relacionadas a redutibilidade salarial, duração, compensação e jornada de trabalho", o STF autorizou toda e qualquer diminuição dos parâmetros infraconstitucionais ligados à duração do intervalo intrajornada (art. 71 da CLT).

Todavia, na sessão virtual concluída em 30/06/2023, a Suprema Corte, ao julgar ação direta de inconstitucionalidade na qual eram questionados diversos pontos da Lei 13.103/2015 referentes à jornada de trabalho, bem como a pausas para descanso e repouso semanal de motoristas rodoviários profissionais (ADI n.º 5.322), considerou incompatível com a Carta Magna a produção legislativa estatal que inviabilizava a recuperação física desses trabalhadores. De fato, o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, consignou que "o descanso tem relação direta com a saúde do trabalhador, constituindo parte de direito social indisponível". Com base nessa compreensão, o STF considerou inconstitucionais inúmeros dispositivos celetistas que flexibilizavam (fracionavam ou reduziam) os descansos interjornada e semanais dos motoristas profissionais.

É importante notar que, no referido julgado, a Suprema Corte considerou materialmente fundamental o direito ao descanso de uma jornada de trabalho para a outra, ainda que este não esteja positivado em sua literalidade na Carta Magna. Relativamente ao descanso dos motoristas profissionais, consagrou-se o caráter normativo (e não meramente programático) do art. 7.º, XXII, da Constituição Federal, que assegura como direito fundamental a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança". E, perante esse parâmetro de constitucionalidade (art. 7.º, XXII, da Constituição Federal), tanto o legislador estatal como os atores sociais estão jungidos aos mesmos limites constitucionais no que concerne à flexibilização do direito ao descanso dos motoristas, por traduzir medida de preservação da saúde dos trabalhadores.

Nessa quadra, convém questionar se, consoante a posição do Supremo Tribunal Federal, a indisponibilidade do direito social ao descanso nos parâmetros historicamente fixados na Constituição e na CLT seria um privilégio apenas dos motoristas profissionais ou se estenderia a outros trabalhadores. Não há como fugir do debate em torno dos efeitos objetivos dos fundamentos que guarnecem as decisões de mérito oriundas do controle concentrado de constitucionalidade.

De acordo com Bernardo Gonçalves Fernandes, "o efeito vinculante [que remarca os precedentes firmados em controle concentrado de constitucionalidade], sob a ótica objetiva (aspecto objetivo da decisão), atinge não só a parte dispositiva, mas (de forma extensiva) também a parte de fundamentação da decisão. Ele envolve os fundamentos determinantes da decisão". O doutrinador explica que "a transcendência dos motivos determinantes imprime efeito vinculante à ratio decidendi , ou seja, à parte da fundamentação necessária e suficiente à conclusão do julgamento".

É verdade que, para efeito do cabimento de reclamações (atualmente reguladas no art. 988 do CPC), existe aparente consenso no âmbito do Supremo Tribunal Federal em relação aos efeitos irradiantes da fundamentação dos precedentes vinculantes produzidos pela Corte Constitucional. Ao decidir acerca de algumas reclamações, o STF vem exigindo a aderência estrita entre a decisão reclamada e a parte dispositiva da decisão vinculante supostamente desatendida (e não os seus fundamentos). Nesse sentido, por exemplo, confiram-se as Rcl 19384 AgR (Relator Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 07/06/2016, DJe-129  DIVULG 21-06-2016) e Rcl 47704 AgR (Relator(a): Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09/10/2021, DJe-218  DIVULG 05-11-2021).

Todavia, abrindo-se o debate para além do cabimento de reclamações (art. 988 do CPC), a vertente jurisprudencial que se mostra mais afinada com o sistema de precedentes que vem se instalando no País é aquela a que admite efeitos irradiantes às razões de decidir consagradas nas decisões de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Independentemente das críticas que tal sistemática provoque - notadamente diante da concentração de poder decisório nos tribunais de sobreposição em detrimento da construção de precedentes de forma colaborativa com os órgãos jurisdicionais de base - , o certo é que, sem que se reconheça qualquer efeito transbordante aos fundamentos de decisões da importância daquelas proferidas pela Suprema Corte, é praticamente inviável falar-se em "sistema de precedentes". Do ponto de vista da necessária integridade da jurisprudência nacional, a ratio decidendi de um precedente é tão relevante quanto, ou até mais relevante do que a sua parte dispositiva. Nessa senda, trazem-se à baila as lúcidas palavras do Ministro Gilmar Mendes (Rcl 2363, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/2003):

No caso, muito embora o ato impugnado não guarde identidade absoluta com o tema centra da decisão desta Corte na ADI n° 1.662, Relator Min. Maurício Corrêa, vale ressaltar que o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo também considerar os chamados fundamentos determinantes .

Note-se que, diante do atual parâmetro legislativo em torno do tema, "os juízes e os tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade" (art. 927, I, do CPC de 2015). De outro lado, com o advento do CPC de 2015, a ratio decidendi de um precedente da Suprema Corte assumiu tamanha importância que "não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento" (art. 489, §1.º, VI, do CPC de 2015). Portanto, uma vez que o caso não é de reclamação (art. 988 do CPC), o dever de integridade a que está obrigada esta Corte Superior impõe que se leve em conta as razões de decidir constantes da ADI n.º 5.322 na aplicação da tese consagrada no ARE 1.121.633.

Diante disso, é importante destacar que não se justifica a assertiva de que somente os descansos dos motoristas profissionais assumem a característica de direito social indisponível, porque, em maior ou menor medida, o risco de acidentes está presente em outras atividades além do transporte rodoviário de cargas e de pessoas. Por isso, não é possível afirmar a existência de distinção no julgado da Suprema Corte (ADI n.º 5.322) capaz de excluir aquela ratio decidendi de qualquer outro trabalho humano no Brasil. Basta notar que são comparáveis aos riscos da atividade dos motoristas profissionais aqueles originados do labor em fábricas; usinas (notadamente termonucleares); refinarias; plataformas de petróleo; aeronaves; hospitais; postos de gasolina; etc. O parâmetro de constitucionalidade levado em conta no julgamento da ADI n.º 5.322 aplica-se a outras atividades profissionais, notadamente aquelas que geram risco acentuado ao próprio trabalhador e a terceiros.

Desse modo, à luz da abrangência que o STF conferiu ao art. 7.º, XXII, da Constituição Federal, o direito ao repouso compõe aquilo que vem se denominando patamar mínimo civilizatório, de modo que não há como tomar indistintamente por válida toda e qualquer norma coletiva que importa na redução dos parâmetros legais associados aos descansos intrajornada, interjornada, semanal e anual (férias).

Notadamente quanto aos intervalos intrajornada, destacou-se no julgamento da ADI n.º 5.322 que a redução ou fracionamento do intervalo intrajornada pela via da negociação coletiva é, a princípio, lícita. Todavia a cláusula regulamentar deve, no caso concreto, viabilizar o objetivo central do repouso, vale dizer: a preservação da saúde, higiene e segurança do trabalho. É o que se extrai do voto do Ministro Alexandre de Moraes, relator:

A Constituição Federal não elencou o descanso intrajornada como um direito indisponível absoluto do trabalhador, fazendo-o apenas quanto ao repouso semanal (art. 7º, XV) e férias anuais (art. 7º, XVII). Assim, embora reconhecidamente importante, o intervalo intrajornada não pertence ao núcleo indissolúvel de direitos trabalhistas, podendo haver redução e/ou fracionamento de seu tempo, desde que autorizado por meio de negociação coletiva e previsto em lei. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente desta CORTE:

"TRABALHISTA. AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. TRANSAÇÃO DO CÔMPUTO DAS HORAS IN ITINERE NA JORNADA DIÁRIA DE TRABALHO. CONCESSÃO DE VANTAGENS DE NATUREZA PECUNIÁRIA E DE OUTRAS UTILIDADES. VALIDADE. 1. Conforme assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 590.415 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 29/5/2015, Tema 152), a Constituição Federal "reconheceu as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de prevenção e de autocomposição de conflitos trabalhistas", tornando explícita inclusive "a possibilidade desses instrumentos para a redução de direitos trabalhistas". Ainda segundo esse precedente, as normas coletivas de trabalho podem prevalecer sobre "o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta" . 2. É válida norma coletiva por meio da qual categoria de trabalhadores transaciona o direito ao cômputo das horas in itinere na jornada diária de trabalho em troca da concessão de vantagens de natureza pecuniária e de outras utilidades. 3. Agravos regimentais desprovidos. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, pois não houve prévia fixação de honorários advocatícios na causa. (RE 895.759 AgR segundo, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 23/5/2017)

Importante ressaltar que a própria CLT, desde a publicação do seu texto original, no ano de 1943, admite expressamente a possibilidade de redução do intervalo intrajornada dos trabalhadores. É o que ocorre na hipótese estabelecida pelo § 3º do art. 71 da CLT, na conformidade abaixo:

[...]

Portanto , a possibilidade de redução do tempo de intervalo intrajornada na CLT, por si só, não é incompatível com a norma constitucional que prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII, CF), devendo ser avaliado, no caso concreto, se determinada redução do intervalo para descanso e alimentação não atingiu "níveis temporais incompatíveis com o cumprimento de seus objetivos centrais (saúde, higiene e segurança laborativas)" (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores - 18. ed. São Paulo: LTr, 2019, p. 1126). [Plenário Virtual - minuta de voto - 25/06/2021 00:00. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 18/08/2023]

Portanto, infere-se das rationes decidendi albergadas nos julgamentos do ARE 1.121.633 e da ADI n.º 5.322 que há circunstâncias excepcionais que podem ensejar a declaração de invalidade da norma coletiva atinente aos intervalos intrajornada. A título exemplificativo citam-se as seguintes:

a) duração do descanso inferior a 30 minutos;

b) prestação habitual de labor em sobrejornada (diante do caráter extenuante de tal regime);

c) execução de atividade penosa (como o trabalho em minas de subsolo; carvoarias; em lavouras de corte de cana de açúcar; coleta de lixo em vias públicas em caminhões; etc.);

d) execução de atividade que provoque risco extraordinário para si mesmo ou para terceiros e que exija alto nível de concentração (como operadores de usinas; aeronautas; motoristas profissionais; profissionais de saúde; etc.).

No caso em tela, a decisão regional considerou inválida cláusula de instrumento normativo que reduziu o tempo previsto em lei para os intervalos intrajornada para 30 minutos.

Todavia , constata-se do acórdão regional que o reclamante prestava labor em sobrejornada habitualmente.

A propósito:

" o reclamante estava sujeito a regime de horas extras habituais , seja em face do que se verifica nos seus holerites, que comprovam pagamentos que tais,   seja em decorrência da sentença de origem, que reconheceu o direito a diferenças de horas extras, também de forma habitual, pela supressão do tempo residual anotado em controle de ponto, mas não remunerado"

Destarte, constatada a prestação habitual de horas extras, correta a decisão regional que considerou inválida cláusula de instrumento normativo que reduziu o tempo previsto em lei para os intervalos intrajornada.

Nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento . Vencida a Ex.ma Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, Relatora, quanto ao fundamento determinante.

Brasília, 29 de novembro de 2023.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

MARIA HELENA MALLMANN

Ministra Redatora Designada