A C Ó R D Ã O
(4ª Turma)
IGM/mp/as
AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA – ATUALIZAÇÃO DO DÉBITO TRABALHISTA – APLICAÇÃO DOS ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA NA FORMA DA ADC 58 DO STF – INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA OU VULNERAÇÃO À COISA JULGADA - DESPROVIMENTO – MULTA.
1. O STF, ao deslindar o tema da ADC 58 quanto à atualização dos débitos judiciais trabalhistas, fixou tese vinculante no sentido da aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária para o período pré-processual e a taxa Selic, que já embute juros de mora, para o período processual.
2. Na decisão agravada, deu-se provimento parcial ao recurso de revista da Reclamada, determinando a incidência do entendimento contido na ADC 58 do STF.
3. Diante da aplicação do entendimento vinculante da Corte Suprema, e notadamente do comando do leading case , no sentido da sua incidência dos índices de correção monetária e juros de mora nos processos em curso ou transitados em julgado sem definição desses critérios, é irrelevante o pedido consignado no apelo recursal acerca da atualização monetária. Nesse sentido, descabe cogitar de julgamento extra ou ultra petita ou reformatio in pejus . Igualmente, não recende nenhuma afronta à coisa julgada, na medida em que não houve fixação, pela sentença transitada em julgado, dos índices de correção ou do percentual dos juros de mora.
4. Assim, não procede a pretensão recursal de reforma da decisão, devendo o agravo ser desprovido.
Agravo desprovido, com aplicação de multa.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Recurso de Revista n° TST-Ag-RR-1717-49.2014.5.09.0012 , em que é Agravante PRISCILA MARIA DE MORAES PEREIRA e é Agravada TIM S.A.
R E L A T Ó R I O
Contra o despacho deste Relator em que se deu provimento ao agravo de instrumento e provimento parcial ao recurso de revista da Executada, a Exequente interpõe o presente agravo interno , postulando a reforma da decisão, para adequação ao entendimento do STF na ADC 58 .
Foram apresentadas contrarrazões ao agravo.
É o relatório.
V O T O
I) CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos gerais de cabimento recursal, CONHEÇO do agravo.
II) MÉRITO
A decisão agravada foi vazada nos seguintes termos, verbis :
Contra o acórdão do TRT da 9ª Região no qual foi determinada a aplicação da TR , até 24/03/15, e do IPCA-E , a partir de 25/03/15, como índices de correção monetária para a atualização dos débitos judiciais trabalhistas, recorreu de revista a Empresa Executada , calcada em violação dos arts. 5º, II, da CF, e 879, § 7º, da CLT, postulando a aplicação da TR como índice de correção monetária nas condenações trabalhistas. Trancado o apelo, foi interposto o presente agravo de instrumento , visando ao processamento da revista.
Analisando o feito, verificamos que, ao término do ano judiciário de 2020, o STF julgou o mérito da ADC 58 , que versava sobre a correção monetária dos débitos judiciais trabalhistas , possibilitando que todas as instâncias judiciárias da Justiça do Trabalho pudessem voltar a apreciar a questão, uma vez dirimida pelo Pretório Excelso.
Para se compreender a extensão e o sentido da decisão do STF, não é despiciendo lembrar que, quando a Suprema Corte se debruçou sobre a matéria, em sede de precatórios ( ADI 4425 , Red. Min. Luiz Fux , julgada em 14/03/13), fixou, já na ementa, o entendimento de que:
" 5. A atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística ( ex ante ), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período)" (grifos nossos) .
Mas na mesma assentada , estabeleceu também que:
" 6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput ) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado ( ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão ‘independentemente de sua natureza’, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário " (grifos nossos).
Ou seja, o Supremo estabeleceu critérios para ambos os elementos componentes da recomposição dos débitos judiciais , que são os juros e a correção monetária : a correção monetária em face do direito de propriedade e os juros em face do princípio da isonomia . Isso porque ambos os elementos estão umbilicalmente ligados , quando se trata de estabelecer uma relação de equilíbrio entre as relações de credor e devedor, nas hipóteses de compensação de precatórios com créditos tributários, admitidos pela EC 62/09.
Ora, a ratio decidendi das ADIs 4357, 4372, 4400 e 4425 e AC 3764 MC-DF , julgadas em conjunto quanto à inconstitucionalidade do § 12 do art. 100 da CF, é que norteou o julgamento, pelo TST, da ArgInc-479-60.2011.5.04.0231 (Rel. Min. Cláudio Brandão , DEJT de 14/08/15), no qual o Pleno do TST, por maioria, decidiu declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento, da parte do art. 39 da Lei 8.177/91, que respaldava a utilização da Taxa Referencial (TR) para atualização dos débitos judiciais trabalhistas, e definir a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização a ser utilizado na tabela de atualização monetária dos débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho .
Do que não se deu conta, naquela oportunidade, foi de que a isonomia entre os juros aplicados para os créditos tributários (CTN, art. 161, § 1º) e os créditos trabalhistas (Lei 8.177/91), de 1% ao mês , que justificaria não se mexer nesse parâmetro, era aparente , dada a redação dos dispositivos que tratam da matéria nos dois âmbitos e sua aplicação na prática. Assim, temos:
" Art. 39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento.
§ 1° Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput , juros de um por cento ao mês , contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die , ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação" ( Lei 8.177/91 ).
" Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso , os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês " ( CTN ) (grifos nossos).
Nessa senda, antes da Lei 13.467/17, da reforma trabalhista, que tratou especificamente da correção monetária e colocou expressamente o índice como sendo a TR, a base legal para a correção monetária era a mesma dos juros , ou seja, o art. 39 da Lei 8.177/91 . Tanto que foi precisamente esse o dispositivo tido por inconstitucional pelo TST . No entanto, quanto aos créditos tributários, a redação do art. 161, § 1º, do CTN , tem os juros de 1% ao mês como solução provisória e residual , quando não regulada a matéria pelas diversas esferas federativas.
Assim, na prática, tanto a União ( Lei 9.065/95 ) como Estados e Municípios têm adotado a Taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação de Custódia) como indexador dos créditos tributários , a qual engloba juros e correção monetária . Ora, para se ter uma ideia da diferença entre as taxas, para o ano de 2018, a TR foi zerada, o IPCA-E ficou em 3,75% e a Selic ficou em 6,5%, isto porque, repita-se, a Selic já traz incorporados os juros.
Nesse contexto, o TST também começou a enfrentar a inconstitucionalidade do art. 879, § 7º, da CLT , que estabelecia a TR como taxa de correção monetária dos créditos judiciais trabalhistas ( ArgInc-24059-68.2017.5.24.0000 , Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes ), interrompido pela suspensão dos processos relativos à correção monetária dos débitos trabalhistas por despacho do Min. Gilmar Mendes na ADC 58 .
O que havia de comum entre os votos do Min. Cláudio Brandão e da Min. Delaíde Arantes era:
a) remissão à ADI 4425 do STF como fundamento para respaldar a inconstitucionalidade da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais trabalhistas;
b) a substituição da TR pelo IPCA-E ;
c) não se mexer nos juros de 1% ao mês , ainda que, na decisão do Pleno do TST de 2015, a inconstitucionalidade decretada dissesse respeito ao art. 39 da Lei 8.177/91, que não fala expressamente de correção monetária, mas apenas de juros.
Em seu voto, o Min. Gilmar Mendes incluiu tabelas comparativas para demonstrar como, mesmo utilizando a TR como índice de correção monetária, o crédito trabalhista era o melhor remunerado frente a todos os demais créditos judiciais (tributários, verbas de servidores públicos, benefícios previdenciários e condenações cíveis), justamente por contar com juros de mora de 1% ao mês . Considerando o ano de 2019, com a TR zerada, os demais teriam uma atualização máxima de 4,93% pela Selic (pois o STJ considera bis in idem a aplicação de índice de correção monetária além da Selic, que já alberga a correção monetária além dos juros), enquanto os trabalhistas teriam a atualização de 12% em face dos juros mensais de 1%. Com a decisão do TST sobre o IPCA-E, a conta iria para quase 14% (13,91%).
Portanto, o STF, com a decisão na ADI 4425 , somada à fixação de tese para o Tema de repercussão geral 810 e tomando-se em conta o ano de 2019, já havia elevado, na prática, a remuneração dos créditos judiciais em geral, de 3,31% (juros e correção da poupança) para 4,93% (Taxa Selic), conforme tabelas do referido voto, enquanto o TST elevava tal atualização do patamar de 12% para 14%, destoando totalmente do que seria o razoável. E nem se diga que o crédito trabalhista é privilegiado, pois também o tributário e o previdenciário o são. Aqui teríamos um superprivilégio dos créditos trabalhistas .
Assim, a decisão final do STF na referida ação declaratória de constitucionalidade , em voto conjunto com a ADC 59 e ADIs 5867 e 6021, teve como dispositivo:
"Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes as ações diretas de inconstitucionalidade e as ações declaratórias de constitucionalidade, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e ao art. 899, §4º, da CLT , na redação dada pela Lei 13.467, de 2017. Nesse sentido, há de se considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa , os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral , quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)" (Julgado em 18/12/20, vencidos os Min. Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio ).
A decisão majoritária da Suprema Corte teve a virtude de equalizar a atualização de todos os débitos judiciais, qualquer que seja a sua natureza, trabalhista, administrativa, tributária, previdenciária ou cível , não se justificando o superprivilégio que se buscava para o crédito judicial trabalhista.
A parte final do voto condutor da decisão, do Min. Gilmar Mendes , deixou claro os parâmetros de aplicação da decisão :
"Desse modo, para evitarem-se incertezas, o que ocasionaria grave insegurança jurídica, devemos fixar alguns marcos jurídicos. Em primeiro lugar, são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês.
Por outro lado, os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária) , sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC).
Igualmente, ao acórdão formalizado pelo Supremo sobre a questão dever-se-á aplicar eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais)" (grifos nossos).
Sistematizando a decisão, temos 4 situações distintas , com a modulação levada a cabo pela Suprema Corte na mesma assentada:
1) débitos trabalhistas judiciais ou extrajudiciais já pagos – serão mantidos os critérios com os quais foram pagos (TR ou IPCA-E + juros de 1% ao mês);
2) processos transitados em julgado COM definição dos critérios de juros e correção monetária – observar-se-ão esses critérios (TR ou IPCA-E + juros de 1% ao mês);
3) processos transitados em julgado SEM definição dos critérios de juros e correção monetária – atualização e juros pela Taxa Selic (que já engloba os dois fatores);
4) processos em curso – IPCA-E + juros equivalentes à TR acumulada (Lei 8.177/91, art. 39) para o período pré-processual, e Taxa Selic (englobando juros e correção monetária) para o período processual.
No caso da fase pré-processual , os juros continuam sendo os previstos no caput do art. 39 da Lei 8.177/91 , pois apenas o § 1º do referido artigo trata da fase processual.
Nesse sentido, a clareza do que ficou sintetizado na ementa do referido julgado:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE. ÍNDICES DE CORREÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS E DOS DÉBITOS JUDICIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 879, §7º, E ART. 899, §4º, DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13. 467, DE 2017. ART. 39, CAPUT E §1º, DA LEI 8.177 DE 1991. POLÍTICA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E TABELAMENTO DE JUROS. INSTITUCIONALIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO POLÍTICA DE DESINDEXAÇÃO DA ECONOMIA. TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES DO STF. APELO AO LEGISLADOR. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES, PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AO ART. 879, §7º, E AO ART. 899, §4º, DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.467, DE 2017. MODULAÇÃO DE EFEITOS.
1. A exigência quanto à configuração de controvérsia judicial ou de controvérsia jurídica para conhecimento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) associa-se não só à ameaça ao princípio da presunção de constitucionalidade – esta independe de um número quantitativamente relevante de decisões de um e de outro lado –, mas também, e sobretudo, à invalidação prévia de uma decisão tomada por segmentos expressivos do modelo representativo.
2. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, decidindo que a TR seria insuficiente para a atualização monetária das dívidas do Poder Público, pois sua utilização violaria o direito de propriedade . Em relação aos débitos de natureza tributária, a quantificação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança foi reputada ofensiva à isonomia , pela discriminação em detrimento da parte processual privada (ADI 4.357, ADI 4.425 , ADI 5.348 e RE 870.947-RG – tema 810 ).
3. A indevida utilização do IPCA-E pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tornou-se confusa ao ponto de se imaginar que, diante da inaplicabilidade da TR, o uso daquele índice seria a única consequência possível. A solução da Corte Superior Trabalhista , todavia, lastreia-se em uma indevida equiparação da natureza do crédito trabalhista com o crédito assumido em face da Fazenda Pública, o qual está submetido a regime jurídico próprio da Lei 9.494/1997, com as alterações promovidas pela Lei 11.960/2009.
4. A aplicação da TR na Justiça do Trabalho demanda análise específica, a partir das normas em vigor para a relação trabalhista. A partir da análise das repercussões econômicas da aplicação da lei, verifica-se que a TR se mostra inadequada, pelo menos no contexto da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como índice de atualização dos débitos trabalhistas.
5. Confere-se interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e ao art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017, definindo-se que, até que sobrevenha solução legislativa, deverão ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública que possui regramento específico (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009), com a exegese conferida por esta Corte na ADI 4.357, ADI 4.425, ADI 5.348 e no RE 870.947-RG (tema 810).
6. Em relação à fase extrajudicial , ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE), em razão da extinção da UFIR como indexador, nos termos do art. 29, § 3º, da MP 1.973-67/2000. Além da indexação, serão aplicados os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991).
7. Em relação à fase judicial , a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC , considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, § 4º, da Lei 9.250/95; 61, § 3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem .
8. A fim de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação do novo entendimento, fixam-se os seguintes marcos para modulação dos efeitos da decisão: (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão, em ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória, todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento, independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal, devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária) , sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC.
9. Os parâmetros fixados neste julgamento aplicam-se aos processos, ainda que transitados em julgado, em que a sentença não tenha consignado manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros ( omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais ).
10. Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes (DJE 07/04/21 - grifos nossos).
Em suma , a Selic não substitui apenas a TR da correção monetária, mas também a TR dos juros , pois os engloba. Aqui residiu o desbordar dos limites da razoabilidade nas decisões da Justiça do Trabalho, que conduziu à equalização de critérios de atualização de débitos judiciais de todo o Judiciário: pinçar da decisão da ADI 4425 aquilo que dizia respeito à correção monetária, buscando privilegiar ainda mais o crédito judicial trabalhista, olvidando que a decisão do STF enfrentou também a questão dos juros de mora, umbilicalmente a ela ligada , tanto no acórdão do STF quanto no art. 39 da Lei 8.177/91, objeto também da ADC 58, ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro.
Como a decisão da Suprema Corte se deu em controle concentrado de constitucionalidade das leis , em que se discute a constitucionalidade da lei em tese e não para o caso concreto, não há de se cogitar de julgamento extra petita ou reformatio in pejus . Ademais, a própria decisão do STF foi clara, no sentido de aplicação da tese de repercussão geral aos processos em curso ou transitados em julgado sem definição de critérios de juros e correção monetária . Desse modo restam superadas as teses patronal (de aplicação da TR a todo o período, processual e pré-processual) e obreira (de aplicação do IPCA-E a todo o período, processual e pré-processual), uma vez que o STF fez distinção entre os períodos, acolhendo em parte a tese patronal e obreira, conforme o período, processual ou pré-processual.
Nesses termos, reconheço a transcendência política do feito (CLT, art. 896-A, § 1º, II), provejo o agravo de instrumento , conheço e dou provimento parcial ao recurso de revista, com lastro no art. 896, § 2º, da CLT, por violação do art. 5º, II, da CF, para determinar a aplicação da tese vinculante do STF fixada na ADC 58, no sentido da incidência do IPCA-E mais juros pela TR acumulada na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da Taxa Selic , que já inclui os juros de mora. (Grifos do original).
A Exequente sustenta a necessidade de reforma do julgado, na medida em que teria havido julgamento ultra petita , por não acatamento do pedido recursal da Executada, de que incidisse o índice da TR sobre o crédito trabalhista. Da mesma forma, não tendo havido insurgência da Demandada quanto aos juros de mora fixados, não caberia a exclusão deles. Requer que, caso não seja acatada a preliminar de nulidade por julgamento ultra petita , seja dado provimento ao agravo, em razão da violação da coisa julgada , pois a inconformidade estabeleceu-se apenas entre os índices do IPCA-E e da TR, não se revelando dissenso acerca dos juros de mora fixados na sentença de liquidação. Indica violação dos arts. 5º, II, XXXVI, LIV e LV, da CF e 322, § 1º, e 323 do CPC.
No que se refere à arguição de nulidade por julgamento ultra petita , a decisão agravada assim pontificou:
Como a decisão da Suprema Corte se deu em controle concentrado de constitucionalidade das leis , em que se discute a constitucionalidade da lei em tese e não para o caso concreto, não há de se cogitar de julgamento extra petita ou reformatio in pejus . Ademais, a própria decisão do STF foi clara, no sentido de aplicação da tese de repercussão geral aos processos em curso ou transitados em julgado sem definição de critérios de juros e correção monetária . Desse modo restam superadas as teses patronal (de aplicação da TR a todo o período, processual e pré-processual) e obreira (de aplicação do IPCA-E a todo o período, processual e pré-processual), uma vez que o STF fez distinção entre os períodos, acolhendo em parte a tese patronal e obreira, conforme o período, processual ou pré-processual. (Pág. 2.249; grifos do original).
Logo, a sistemática da repercussão geral determina a aplicação automática das teses fixadas aos processos em andamento, não se cogitando de julgamento extra ou ultra petita , nem de reformatio pejus diante do caráter vinculante do julgado .
Quanto à violação da coisa julgada , tem-se que o título executivo judicial não conteve menção alguma ao índice de correção monetária, nem ao percentual de juros de mora , não havendo de se perquirir de coisa julgada material em relação ao que restou fixado em sentença de liquidação. Na conformidade do entendimento vinculante da ADC 58 do STF, apenas o que transitou em julgado é que está coberto pelo manto da intangibilidade da coisa julgada, não admitindo reforma, o que não é o caso da sentença de liquidação constante do processo de execução.
Ademais, como delineado na decisão agravada, o STF , ao deslindar o tema da ADC 58 quanto à atualização dos débitos judiciais trabalhistas , fixou tese no sentido da aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária para o período pré-processual e a taxa Selic para o período processual , verbis :
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE. ÍNDICES DE CORREÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS E DOS DÉBITOS JUDICIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 879, §7º, E ART. 899, §4º, DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13. 467, DE 2017. ART. 39, CAPUT E §1º, DA LEI 8.177 DE 1991. POLÍTICA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E TABELAMENTO DE JUROS. INSTITUCIONALIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO POLÍTICA DE DESINDEXAÇÃO DA ECONOMIA. TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES DO STF. APELO AO LEGISLADOR. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES, PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AO ART. 879, §7º, E AO ART. 899, §4º, DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.467, DE 2017. MODULAÇÃO DE EFEITOS.
1. A exigência quanto à configuração de controvérsia judicial ou de controvérsia jurídica para conhecimento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) associa-se não só à ameaça ao princípio da presunção de constitucionalidade – esta independe de um número quantitativamente relevante de decisões de um e de outro lado –, mas também, e sobretudo, à invalidação prévia de uma decisão tomada por segmentos expressivos do modelo representativo.
2. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, decidindo que a TR seria insuficiente para a atualização monetária das dívidas do Poder Público, pois sua utilização violaria o direito de propriedade . Em relação aos débitos de natureza tributária, a quantificação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança foi reputada ofensiva à isonomia , pela discriminação em detrimento da parte processual privada (ADI 4.357, ADI 4.425 , ADI 5.348 e RE 870.947-RG – tema 810 ).
3. A indevida utilização do IPCA-E pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tornou-se confusa ao ponto de se imaginar que, diante da inaplicabilidade da TR, o uso daquele índice seria a única consequência possível. A solução da Corte Superior Trabalhista , todavia, lastreia-se em uma indevida equiparação da natureza do crédito trabalhista com o crédito assumido em face da Fazenda Pública, o qual está submetido a regime jurídico próprio da Lei 9.494/1997, com as alterações promovidas pela Lei 11.960/2009.
4. A aplicação da TR na Justiça do Trabalho demanda análise específica, a partir das normas em vigor para a relação trabalhista. A partir da análise das repercussões econômicas da aplicação da lei, verifica-se que a TR se mostra inadequada, pelo menos no contexto da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como índice de atualização dos débitos trabalhistas.
5. Confere-se interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e ao art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017, definindo-se que, até que sobrevenha solução legislativa, deverão ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública que possui regramento específico (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009), com a exegese conferida por esta Corte na ADI 4.357, ADI 4.425, ADI 5.348 e no RE 870.947-RG (tema 810).
6. Em relação à fase extrajudicial , ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE), em razão da extinção da UFIR como indexador, nos termos do art. 29, § 3º, da MP 1.973-67/2000. Além da indexação, serão aplicados os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991).
7. Em relação à fase judicial , a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC , considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, § 4º, da Lei 9.250/95; 61, § 3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem .
8. A fim de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação do novo entendimento, fixam-se os seguintes marcos para modulação dos efeitos da decisão: (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão, em ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória, todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento, independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal, devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária) , sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC.
9. Os parâmetros fixados neste julgamento aplicam-se aos processos, ainda que transitados em julgado, em que a sentença não tenha consignado manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros ( omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais ).
10. Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes. (DJE 07/04/21 - grifos nossos).
Nesse sentido, não se divisa nenhuma das violações de comandos de lei e da CF indicados pela Parte.
Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo, aplicando à Agravante multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa, no montante de R$ 1.075,67 (mil e setenta e cinco reais e sessenta e sete centavos), com lastro no art. 1.021, § 4º, do CPC, em face do caráter manifestamente improcedente do apelo, a ser revertida em prol da Agravada.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo, aplicando à Agravante multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa, no montante de R$ 1.075,67 (mil e setenta e cinco reais e sessenta e sete centavos), com lastro no art. 1.021, § 4º, do CPC, em face do caráter manifestamente improcedente do apelo, a ser revertida em prol da Agravada.
Brasília, 19 de abril de 2022.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO
Ministro Relator