A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/bdrs/rdc

PROPOSTA DA 7ª TURMA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. MAQUINISTA FERROVIÁRIO. ENQUADRAMENTO. ART. 237 DA CLT. PESSOAL DE TRAÇÃO. EQUIPAGENS EM GERAL. SÚMULA 446 DO TST. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e divergência com os Tribunais Regionais do Trabalho, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O maquinista, em razão de prestar serviços a bordo da composição ferroviária durante as viagens, integra a categoria ‘b” ou ‘c’ do artigo 237 da CLT? Incidente de recursos repetitivos admitido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST- RRAg - 969-19.2015.5.03.0054 , em que é Agravante e Recorrente MRS LOGÍSTICA S.A. e é Agravado e Recorrido JOÃO SEBASTIÃO DE SOUZA .

Trata-se de proposta de afetação de recurso, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.

É o relatório.

V O T O

AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME

A matéria discutida no recurso de revista diz respeito a definir se o maquinista ferroviário, considerando a natureza do seu trabalho, deve ser enquadrado como pessoal de tração ou pessoal de equipagens de trens em geral, conforme categorias “b” e “c” do art. 237 da CLT respectivamente, considerando o teor da Súmula 446 do TST relativo ao intervalo intrajornada dos maquinistas.

No caso concreto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região concluiu pela aplicabilidade do teor da Súmula 446 do TST ao empregado, uma vez que, como maquinista, o enquadrou nos termos da alínea “c” do artigo 237 da CLT (equipagens de trens em geral).

A jurisprudência até então dominante do Tribunal Superior do Trabalho era a de que o maquinista deveria ser enquadrado na categoria “b” do artigo 237 da CLT, como “pessoal de tração”.

Contudo, em julgamentos recentes, tem-se discutido se tal enquadramento corresponde ao que fora determinado pelo legislador, perquirindo-se inclusive sobre a etimologia das palavras, na jurisprudência e na doutrina sobre o que deve ser entendido como “pessoal de tração” e “equipagens de trens em geral” a fim de determinar a categoria a qual pertence o maquinista ferroviário.

A existência de um enunciado sumular desta Corte Superior fazendo referência direta ao maquinista e à categoria prevista no art. 237 da CLT demonstra a relevância da matéria, mormente considerando o intervalo intrajornada como medida de higiene e saúde do empregado, para além dos reflexos econômicos decorrentes de sua eventual inobservância.

A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho , na sessão de julgamento de 14 de maio de 2025 deliberou pelo encaminhamento à Presidência de proposta de afetação de Incidente de Recurso de Revista Repetitivo (fl. 1.514 dos autos eletrônicos). A proposta do Excelentíssimo Min. Evandro Valadão discorre com minúcia sobre a controvérsia ora apresentada (fls. 1.515/1.547 dos autos eletrônicos)

Assim delineada a controvérsia, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.

MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO

Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput , da CLT, segundo o qual “ Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito , a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal . ” (destaquei).

Quanto à multiplicidade de recursos sobre o debate da questão jurídica no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentado, veja-se que consulta levantada pelo Exmo. Min. Evandro Valadão ao acervo jurisprudencial do TST pelo Falcão revelou que entre 1/1/2024 e 13/5/2025 foram proferidas 99 decisões monocráticas e 43 acórdãos proferidos nesta Corte Superior sobre o tema, considerando como termos de pesquisa “maquinista”, “equipagens” e “237” (fl. 1527)

RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS COM OS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO

O tema de fundo diz respeito a determinar se o maquinista ferroviário, considerando a natureza do seu trabalho, deve ser enquadrado como pessoal de tração ou pessoal de equipagens de trens em geral, conforme categorias “b” e “c” do art. 237 da CLT.

A relevância da matéria é evidenciada pela observância da higiene e saúde do trabalhador, vez que a matéria está relacionada ao intervalo intrajornada ao qual o empregado possui direito, bem como guarda impacto econômico diante do seu eventual descumprimento. Tal realidade encontra-se resguardada nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, notadamente na proteção remuneratória do empregado e na redução de riscos inerentes ao trabalho.

O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho que havia sido construído pela jurisprudência pode ser sintetizado no sentido de que o maquinista ferroviário deveria ser enquadrado na categoria “b” do art. 237 da CLT, como pessoal de tração.

Nesse sentido, a jurisprudência das 2ª, 3ª, 4ª, 6ª, e 7ª Turmas desta Corte Superior, bem como da Subseção I de Dissídios Individuais, em precedente firmado em 2009:

(...) MAQUINISTA FERROVIÁRIO. ENQUADRAMENTO. PESSOAL DE TRAÇÃO. TEMPO À DISPOSIÇÃO DA ESTRADA. ART. 238 DA CLT . O TRT enquadrou os maquinistas substituídos como pessoal de "equipagens de trens em geral". Todavia, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que o maquinista ferroviário se enquadra na categoria de pessoal de "tração", nos termos do art. 237, b, da CLT . Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (...) (RR-1759-50.2012.5.03.0137, 2ª Turma , Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 29/04/2022).

AGRAVO. RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. ENQUADRAMENTO LEGAL. MAQUINISTA FERROVIÁRIO. ART. 237, "B", DA CLT. O Tribunal Regional, ao concluir que o Reclamante, enquanto maquinista, está enquadrado na categoria dos serviços a bordo de trens, nos moldes da alínea "c" do art. 237 da CLT, decidiu em dissonância com o entendimento jurisprudencial desta Corte, que se consolidou no sentido de que os maquinistas se enquadram na hipótese do art. 237, "b", da CLT, como "pessoal de tração" . Julgados. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 932, V, "a", do CPC/2015; art. 557, § 1º-A, do CPC/1973), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Agravo desprovido. (Ag-RRAg-10500-52.2016.5.03.0036, 3ª Turma , Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 18/10/2024).

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. ILEGITIMIDADE ATIVA. ESPÓLIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O exame da insurgência recursal esbarra no não preenchimento do pressuposto de admissibilidade do artigo 896, § 1.º-A, I, da CLT. EMPREGADO FERROVIÁRIO. ENQUADRAMENTO NA CATEGORIA. MAQUINISTA. A questão já não comporta maiores discussões no âmbito esta Corte Superior, na medida em que fixada a tese jurídica de que o empregado ferroviário que exerce a função de maquinista deve ser enquadrado na categoria "b" do artigo 237 da CLT, por se tratar de "pessoal de tração". Precedentes. (...). (AIRR-886-37.2014.5.03.0054, 4ª Turma , Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, DEJT 29/06/2018).

(...). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA VALE S.A. FERROVIÁRIO MAQUINISTA. ENQUADRAMENTO. INTERVALO INTRAJORNADA. HORAS DE PASSE, SOBREAVISO E PRONTIDÃO. É entendimento assente nesta Corte o enquadramento dos ferroviários maquinistas no artigo 237, b, da CLT, como "pessoal de tração", pois atuam no deslocamento das locomotivas. Igualmente assentado na jurisprudência seu direito à percepção do intervalo intrajornada. Embargos de declaração parcialmente providos apenas para prestar esclarecimentos. (EDCiv-ARR-1774-97.2012.5.03.0014, 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 30/06/2023).

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. FERROVIÁRIO. MAQUINISTA. "PESSOAL DE TRAÇÃO". ENQUADRAMENTO. Considera-se pertencente ao "pessoal de tração", incluído no artigo 237, "b" , da CLT, o ferroviário que exerce as funções de deslocamento, condução e movimento dos trens, que executam tarefas diretamente relacionadas com o transporte ferroviário, como é o caso do maquinista. Por outro lado, o trabalhador "das equipagens de trens em geral" , previsto na alínea "c" do referido dispositivo, exerce atividades secundárias ao transporte em ferrovias, denominado como ferroviário apenas por extensão, consoante previsão da Lei nº 1.652/62. É entendimento assente nesta Corte no sentido de que os maquinistas são enquadrados no artigo 237, "b", da CLT, como "pessoal de tração" , pois atuam no deslocamento das locomotivas. Dessa forma, a Corte de Origem concluiu corretamente pelo enquadramento do autor na categoria "b" do artigo 237 da CLT, qual seja, "pessoal de tração" , pois exercia atividade - fim na reclamada deslocando trens como maquinista. Precedentes. Incidência da Súmula nº 333 do TST. Agravo e instrumento a que se nega provimento. (...) (AIRR-856-50.2012.5.24.0001, 7ª Turma , Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 30/06/2017).

FERROVIÁRIO. MAQUINISTA. ENQUADRAMENTO. Os maquinistas exercem atividade-fim, deslocando os trens, devendo a eles ser reconhecido como de trabalho efetivo todo o tempo em que estão à disposição da ferrovia, conforme assegurado aos ferroviários classificados como “pessoal de tração”. Incidência clara e precisa da Súmula 221 do TST, em face da arguição de afronta ao art. 237, alínea “c”, da CLT. Recurso de Embargos de que não se conhece. (E-ED-RR-630990-92.2000.5.01.5555 , Subseção I Especializada em Dissídios Individuais , Relator Ministro Joao Batista Brito Pereira, DEJT 13/02/2009).

Em que pese o entendimento supracitado, a 1ª, 5ª e 8ª turmas do Tribunal Superior do Trabalho recentemente mudaram o posicionamento, decidindo que o maquinista ferroviário melhor se enquadra na categoria “c” do art. 237 da CLT, como “equipagens de trens em geral”. Cito os seguintes julgados:

RECURSO DE REVISTA DA RÉ. MAQUINISTA DE LOCOMOTIVA. CONTROVÉRSIA QUANTO AO ENQUADRAMENTO NA CATEGORIA “B” DO ART. 237 DA CLT (PESSOAL DE TRAÇÃO) OU CATEGORIA “C” (PESSOAL DE EQUIPAGENS EM GERAL). 1. Cinge-se a controvérsia dos autos em determinar o enquadramento do autor, maquinista de locomotiva, se na categoria prevista na alínea "b" do art. 237 da CLT (pessoal de tração) ou na alínea "c" do art. 237 da CLT (pessoal de equipagens em geral). 2. Ao tratar do intervalo intrajornada, esta Corte Superior foi taxativa pelo enquadramento do maquinista como pessoal de equipagens em geral (art. 237, c , da CLT), consoante entendimento cristalizado na Súmula n.º 446 do TST. 3. Logo, o entendimento que se vem adotando por este Tribunal Superior, quando da análise do pleito em relação às horas extras, como sendo o maquinista integrante da categoria do pessoal de tração (art. 237, b , da CLT) utiliza critérios interpretativos distintos de enquadramento envolvendo situações idênticas, o que justifica uma reavaliação uniformizadora. 4. Em uma interpretação teleológica da subdivisão em categorias feita pelo legislador na elaboração do supracitado art. 237 da CLT, conclui-se que o objetivo desse dispositivo legal, ao criar a alínea “c”, seria disciplinar os direitos dos empregados que acompanham a composição (leia-se locomotivas e vagões), característica que os diferencia das demais atividades descritas e da qual decorrem especiais condições de trabalho que justificam uma ordem normativa que lhes seja adequada. 5. Deveras, nota-se que o traço distintivo entre as classificações em debate é o local de desempenho das atividades laborativas. Enquanto a citada alínea "b" faz alusão às estações de trem, cruzamentos, oficinas e depósitos, nos quais se pode incluir a manobra de locomotivas e vagões, a alínea "c" se refere aos ferroviários que acompanham as composições, tanto nos trens de transporte de carga quanto naqueles reservados ao transporte de passageiros. 6. Com base nesta distinção, fazendo-se uma análise sistêmica das regras celetistas específicas dos ferroviários, o maquinista, que opera locomotivas entre as estações, é integrante da categoria “c” do artigo 237 da CLT e se lhe aplica as regras especiais dirigidas aos integrantes dessa categoria. 7. A CLT, ao regrar, de forma específica, as condições de trabalho do pessoal de "equipagens de trens em geral", apenas atendeu às peculiaridades inerentes a esta categoria de trabalhadores, na qual, ressalte-se, deve ser incluído o maquinista, pois suas condições de trabalho são idênticas a todos os demais empregados que prestam serviços a bordo dos trens durante as viagens. 8. Tem-se, pois, como acertada a diretriz estampada na Súmula n.º 446 do TST, que enquadra o maquinista na categoria “c”, prevista no art. 237 da CLT . Recurso de revista conhecido e provido. (...). (RRAg-1000888-23.2019.5.02.0254, 1ª Turma , Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 18/12/2023).

(...) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. REGIDO PELA LEI 13.467/2017. MAQUINISTA FERROVIÁRIO. ENQUADRAMENTO. PESSOAL DE EQUIPAGENS EM GERAL. ART. 237, "c", DA CLT. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONFIGURADA. 1. Constata-se que a questão jurídica em discussão, "MAQUINISTA FERROVIÁRIO - ENQUADRAMENTO", embora não seja nova no âmbito desta Corte, é analisada sob um novo enfoque, o que configura a transcendência jurídica da matéria em debate. 2. No caso presente, o Tribunal Regional registrou ser incontroverso que o Reclamante exercia a função de maquinista. Concluiu que " Não prospera, portanto, a pretensão autoral de diferenças de horas extras embasada no enquadramento da categoria de ferroviárias "b". Estando o empregado enquadrado na categoria "c" dos ferroviários ". 3. Não se olvida de que esta Corte Superior tem entendido que os maquinistas, uma vez que atuam no deslocamento de locomotivas, devem ser considerados como pessoal de tração, estando enquadrados no artigo 237, "b", da CLT. Nada obstante, existem razões jurídicas que justificam a revisita à linha jurisprudencial consolidada, tornando-se necessária a reabertura do debate, não apenas no âmbito da SDI-1, como já encaminhado (ACP - Ag-E-Ag-RR - 0000285-33.2011.5.03.0055), mas nas próprias Turmas, diante da presença de elementos que sinalizam para a possibilidade de uma superação dessa diretriz a partir, inclusive, do que os próprios atores sociais consideram adequado em relação aos maquinistas. A própria Súmula 446/TST sugere essa potencial contradição e, por isso, a contribuição das Turmas pode, também, revelar-se importante, aduzindo motivos para que a Subseção I possa, enfim, debruçar-se sobre o tema. 4. Ao dispor, especificamente, sobre as nuances do trabalho dos ferroviários, o legislador o fez em atenção às peculiaridades que gravam essa atividade. Sob o aspecto semântico, o vocábulo ' equipagem' significa " 1.conjunto dos homens que garantem o serviço de um navio, avião, trem etc.; tripulação, equipação. " (Dicionário Oxford Languages - g.n.). A análise sistêmica dos dispositivos da CLT que versam sobre o trabalho dos ferroviários, por seu turno, remete- nos à ilação de que os maquinistas e auxiliares integram a chamada categoria "c" (pessoal de equipagens). 3. Nesse cenário, a Corte de Origem, ao enquadrar o Autor na previsão contida no artigo 237, "c", da CLT, efetuou a correta interpretação do art. 237, "b" da CLT, razão pela qual não merece reforma o acórdão regional . Recurso de revista não conhecido. (Ag-ED-RRAg-10458-89.2019.5.03.0038, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 31/03/2025).

(...). II - RECURSO DE REVISTA DO RECALMANTE. MAQUINISTA. ENQUADRAMENTO NA CATEGORIA ' B' OU ' C' DO ART. 237 DA CLT. 1. Por questão de disciplina judiciária, havia me curvado ao entendimento prevalente nesta Corte, quanto ao enquadramento do maquinista na categoria "b" do art. 237 da CLT (pessoal de tração/atividade que exige atenção constante), mas, diante dos atuais debates no âmbito das Turmas deste Tribunal sobre a questão, necessário reanalisar a matéria 2. Segundo o art. 237 da CLT, o enquadramento do ferroviário na alínea 'b' desse artigo consolidado pressupõe o trabalho em lugares ou trechos determinados em tarefas que requeiram atenção constante, em escritórios, em turmas de conservação e de construção da via permanente, em oficinas e estações principais, incluindo pessoal de lastro, tração e revistadores. Já a alínea ' c' do art. 237 da CLT também delimita outro grupo de ferroviários - pessoal de equipagem, contudo não traz a conceituação do que seja "equipagens de trens em geral". Nesse aspecto, a nomenclatura técnica conceitua o pessoal de equipagem, conforme Glossário de Termos Ferroviários, como o " pessoal de serviço a bordo das composições " (locomotiva e vagões). 3. Constata-se, portanto, que a diferenciação havida entre ferroviário de equipagem (categoria ' c' ) e ferroviário de tração (categoria ' b' ) é dada pela peculiaridade do local em que desempenham suas atribuições e pelas as atividades por eles exercidas (atividade meio ou atividade fim de transporte ferroviário). 4. Os ferroviários de equipagem (categoria ' c' do art. 237 da CLT) compõem o conjunto de empregados que prestam serviços à bordo do trem e exercem suas atribuições entre as estações; atribuições estas diretamente relacionada à atividade principal do transporte ferroviário, seja ele de carga ou de passageiros. Já os ferroviários de tração (categoria ' b' do art. 237 da CLT) compõem o conjunto de empregados que prestam serviços em estações, cruzamentos, oficinas e depósitos, mediante a execução de manobras de locomotivas e de vagões em lugares e trechos determinados que exijam atenção constante, sem, contudo, acompanhar a composição (locomotiva e vagões) entre as estações. Portanto, essa classe de ferroviários exerce funções ligadas à atividade meio do transporte ferroviário. 5. Ora, certo é que o maquinista de trem detém dentre suas atribuições precípuas, a condução da composição entre as estações e, como tal, exerce sua atividade laboral a bordo do trem, razão pela qual, considerando a peculiaridade do local de trabalho e a atividade finalística desempenhada, esse empregado compõe o grupo de trabalhadores de equipagem de trens em geral (categoria ' c' do art. 237 da CLT), assim como seu auxiliar. Diante disso, certo é que o maquinista e seu auxiliar não podem ser enquadrados como pessoal de tração e, sim, como pessoal de equipagem de trens em geral . Recurso de revista a que não se conhece" (Ag-RRAg-971-86.2015.5.03.0054, 8ª Turma , Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 19/02/2025).

Cabe ressaltar que, conforme mencionado na proposta de afetação do tema, a 7ª Turma se inclina a adotar o mesmo entendimento da 1ª, 5ª e 8ª Turmas, de maneira que quatro turmas passariam a decidir pela inserção do maquinista na categoria “b”, e outras quatro turmas na categoria “c”, do art. 237 da CLT.

Observa-se, enfim, que a questão não se trata de superação ou mudança no entendimento da Súmula 446 do TST, mas sim do enquadramento que o maquinista ferroviário, se como “pessoal de tração” ou como “equipagens de trens em geral”, o que viabiliza ou não a observância das delimitações do intervalo intrajornada para esse empregado específico.

Essa divergência de interpretação implica em insegurança jurídica, o que demanda possível fixação de tese jurídica de caráter vinculante, reforçando a necessidade de afetação do tema como Recurso de Revista Repetitivo para melhor análise.

Ressalte-se que a reiteração da matéria nos processos em curso propicia o surgimento de entendimentos dissonantes dos Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema, como precedente qualificado, nos termos do art. 926 do CPC.

Cito, a título de exemplo, os seguintes julgados de Tribunais Regionais em sentidos divergentes desta Corte Superior:

RECURSO ORDINÁRIO. FERROVIÁRIO. ENQUADRAMENTO FUNCIONAL. MAQUINISTA.  O pessoal de tração enquadra-se no art. 237, b, da CLT, sendo assim considerado o trabalhador ferroviário que exerce as funções de deslocamento, condução e movimento dos trens, que executam tarefas diretamente relacionadas com o transporte ferroviário, caso do maquinista.  Recurso ordinário do reclamante a que se dá parcial provimento. ( TRT-1 - ROT: 0101018-49.2019.5.01.0421, Relator: ANTONIO CESAR COUTINHA DAIHA, Data de Julgamento: 17/10/2023, 3ª Turma)

INTERVALO. MAQUINISTA No caso, é incontroverso que o reclamante não usufruía uma hora de intervalo intrajornada, ante a tese da defesa de que a ele não se aplica o art. 71 da CLT e de que a pausa era usufruída de forma parcial durante as paradas do trem nas estações. O maquinista deve ser enquadrado na categoria "b" do art. 237 da CLT, como pessoal de tração, conforme entendimento dominante do TST, fazendo jus à fruição do intervalo mínimo de uma hora, conforme artigo 238, §5º da CLT . Nesse sentido, a Súmula 446 do TST. ( TRT-2 - 11ª Turma). ROT: 1000614-89.2024.5.02.0446. Relator (a): FLAVIO VILLANI MACEDO. Data de julgamento: 28/04/2025)

MAQUINISTA FERROVIÁRIO. INTERVALO INTRAJORNADA. TRABALHADOR INTEGRANTE DA CATEGORIA DE EQUIPAGENS DE TRENS.  O empregado maquinista ferroviário se enquadra no art. 237, "c" da CLT, que se refere à categoria de "equipagens de trens em geral". Todavia, o art. 238, §5º da CLT, segundo o qual o tempo concedido para refeição não se computa como de trabalho efetivo, é compatível com o art. 71, §4º da CLT, que prevê o pagamento do interstício intervalar desrespeitado . Assim, considerando que demonstrada a supressão do intervalo intrajornada no caso concreto, é devido o pagamento do tempo suprimido ao trabalhador, com natureza indenizatória, nos termos do § 4º do art. 71 com redação dada pela Lei n.º 13.467/2017. Aplicação da Súmula 446 do C. TST. Recurso ordinário da reclamada a que se nega provimento. ( TRT-9 - ROT: 0000001-12.2023.5.09.0322, Relator: EDUARDO MILLEO BARACAT, Data de Julgamento: 12/06/2024, 3ª Turma)

A relevância da matéria e a divergência verificada com os Tribunais Regionais do Trabalho, associada à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permite concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em um precedente obrigatório, como forma de promover a isonomia, a segurança jurídica e a razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT proponho a afetação do processo TST-RRAg–0000969-19.2015.5.03.0054 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

O maquinista, em razão de prestar serviços a bordo da composição ferroviária durante as viagens, integra a categoria ‘b” ou ‘c’ do artigo 237 da CLT?

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O maquinista, em razão de prestar serviços a bordo da composição ferroviária durante as viagens, integra a categoria ‘b” ou ‘c’ do artigo 237 da CLT? Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.

Brasília, 25 de agosto de 2025.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST