A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
ACV/rdc/bms/sp/pp
REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. COMISSÕES. INADIMPLÊNCIA OU CANCELAMENTO DA COMPRA PELO CLIENTE. ESTORNO. IMPOSSIBILIDADE. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1 indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: A inadimplência ou o cancelamento da compra pelo cliente autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado? Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: A inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-RRAg-0011110-03.2023.5.03.0027 , em que esta PRESIDÊNCIA DO TST suscita Proposta de Instauração de Incidente de Recurso Repetitivo (IncJulgRREmbRep) para reafirmação da jurisprudência do TST, na forma dos arts. 41, XLVII, e 132-A, § 5º, do Regimento interno, sendo Agravante e Recorrente ALTICIONE NERY MIRANDA SOUZA e Recorrido GRUPO CASAS BAHIA S.A.
O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito turmas e na Subseção 1 de Dissídios Individuais do TST , ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.
A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.
Apresentada, portanto, proposta pela afetação do processo RRAg-0011110-03.2023.5.03.0027 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 131-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica:
A inadimplência ou o cancelamento da compra pelo cliente autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado?
É o relatório.
V O T O
ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST
A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. É essencial para que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda – que saltou de 430.850 processos recebidos em 2023, para 530.021 processos em 2024, a despeito de reiterados recordes de produtividade. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:
“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”
Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...) , inclusive mediante reafirmação de jurisprudência ” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.
Quanto à multiplicidade da discussão de tal questão no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentada, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST a partir dos termos “ estorno ”, “ comissões ”, “ vendas ” e “ canceladas ” revelou, para os últimos 12 meses, 51 acórdãos e 2580 decisões monocráticas sobre a questão jurídica em exame.
Já quanto à relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema, esta se dá justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.
Quanto à posição do Tribunal Superior do Trabalho , esta pode ser sintetizada no sentido de que a inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado, ainda que haja previsão contratual em sentido contrário, pois estar-se-ia transferindo para o trabalhador o risco da atividade econômica. Em tal sentido os seguintes exemplos de todas as suas Turmas:
"AGRAVO DO RECLAMADO . DECISÃO MONOCRÁTICA DE PROVIMENTO DO RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE PARA DEFERIR O PAGAMENTO DAS COMISSÕES ESTORNADAS POR INADIMPLEMENTO DE CLIENTES. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM OS ARTIGOS 2º E 466 DA CLT E COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA CORTE. 1. Em interpretação ao artigo 466 da CLT, a jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de não ser cabível o estorno de comissões pagas ao vendedor nos casos em que houve o cancelamento da compra ou inadimplemento por parte do cliente, em respeito ao princípio da alteridade, insculpido no artigo 2º da CLT, segundo o qual os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador. Precedentes de todas as Turmas . 2. Nessa medida, impõe-se confirmar a decisão agravada, uma vez que as razões expendidas pelo agravante não logram demonstrar o apontado equívoco em relação a tal conclusão. Agravo conhecido e não provido" (Ag-ED-ARR-10427-91.2015.5.03.0173, 1ª Turma , Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 07/05/2021).
"(...) ESTORNO DE COMISSÕES. INADIMPLÊNCIA OU CANCELAMENTO DA COMPRA. IMPOSSIBILIDADE. Ante a possível violação ao art. 2º da CLT, deve ser provido o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista, neste particular. Agravo de instrumento conhecido e provido. III - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. ESTORNO DE COMISSÕES. CANCELAMENTO DA COMPRA. IMPOSSIBILIDADE. O Tribunal Regional manteve a sentença que indeferiu o pagamento de diferenças de comissões sob o fundamento de que a ausência de pagamento das verbas em virtude do cancelamento da compra ou vendas não faturadas não constitui procedimento ilícito. Contudo, o TST firmou o entendimento no sentido de que, uma vez ultimada a transação, é indevido o estorno das comissões, ainda que haja inadimplência, cancelamento ou não faturamento da compra, em respeito ao princípio da alteridade, segundo o qual os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (...)" (RRAg-11131-20.2017.5.03.0049, 2ª Turma , Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 27/05/2022).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. (...) DIFERENÇAS DE COMISSÕES. ESTORNO DE COMISSÕES. CANCELAMENTO DA VENDA, DEVOLUÇÃO DA MERCADORIA OU INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR. IMPOSSIBILIDADE. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se negou provimento ao agravo de instrumento. No caso, este Relator esclareceu que, nos termos do artigo 466, caput , da CLT , "o pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se referem". Com efeito, esta Corte, interpretando o referido dispositivo, adota o entendimento de que o fim da transação se dá com o fechamento do negócio, e não com o cumprimento, pelos clientes, das obrigações dele decorrentes, ou seja, com o pagamento da obrigação advinda do negócio ajustado. Assim, ainda que houvesse cláusula contratual prevendo o estorno de comissões referentes a vendas não efetivadas ou não pagas pelos clientes, essa previsão não deve prevalecer, pois, conforme preceituado pelo artigo 2º da CLT, o risco da atividade econômica é exclusiva do empregador. Diante disso, concluiu-se que "o Regional, ao concluir que a reclamante faz jus às diferenças de comissões, proferiu decisão em harmonia com o entendimento jurisprudencial desta Corte". Havendo, na decisão monocrática, as razões de decidir deste Relator, tem-se por atendida a exigência da prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento seja contrário ao interesse da parte. Agravo desprovido" (Ag-AIRR-1174-78.2019.5.17.0002, 3ª Turma , Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 19/12/2024).
"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 - DIFERENÇAS DE COMISSÕES - CANCELAMENTO DA COMPRA - ESTORNO INDEVIDO - TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA A jurisprudência consolidada desta Eg. Corte Superior é no sentido de que o cancelamento da venda pelo comprador não implica estorno da comissão do empregado, tendo em vista que o risco da atividade econômica é do empregador. Ademais, é firme o entendimento de que a transação é consumada quando ocorre acordo entre o comprador e o vendedor, sendo irrelevante o cancelamento posterior. Julgados. Recurso de Revista não conhecido" (RR-10194-82.2021.5.03.0012, 4ª Turma , Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 09/12/2022).
"(...) II - AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.467/2017. VENDAS CANCELADAS. COMISSÕES DEVIDAS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. Caso em que o Tribunal Regional entendeu legítimo o não pagamento de comissões ao vendedor, em razão de posterior cancelamento da venda, em decorrência da ausência de mercadoria em estoque. Em decisão monocrática, foi conhecido e provido o recurso de revista do Reclamante, para condenar a Reclamada ao pagamento das referidas comissões, conforme se apurar em regular liquidação do julgado. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que o direito à comissão surge após ultimada a transação pelo empregado, não sendo possível ao empregador deixar de pagar tal comissão em razão do cancelamento da compra, sob pena de se transferir ao empregado os riscos da atividade econômica. A eventualidade de haver desistência ou cancelamento da transação comercial pelo comprador insere-se no risco inerente a qualquer atividade empresarial, não sendo possível que esses riscos sejam suportados pelo empregado que envidou esforços para conquista do cliente. Desse modo, as comissões devidas em razão do negócio pactuado não podem ser canceladas e ter seu pagamento estornado, porquanto, tornam-se exigíveis a partir do momento em que o negócio é efetivado e não do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato. Julgados. Nesse contexto, não afastados os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo enseja a decisão. Agravo não provido, com acréscimo de fundamentação" (Ag-RRAg-2002-07.2013.5.03.0089, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 06/12/2024).
"I (...) II – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017. COMISSÃO. VENDAS NÃO FINALIZADAS. VENDAS CANCELADAS. PAGAMENTO DEVIDO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Nos termos do art. 466, caput da CLT “o pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se referem”. Dessa forma, o entendimento desta Corte, ao interpretar o citado artigo é no sentido que a ultimada a transação, é devida a comissão ao empregado, pois o negócio jurídico foi concretizado e assim, ilegal o cancelamento do pagamento por motivos posteriores alheios à responsabilidade do empregado. Não pode o empregador transferir os riscos de sua atividade econômica. Recurso de revista conhecido e provido" (RRAg-649-02.2021.5.21.0007, 6ª Turma , Relator Ministro Antonio Fabricio de Matos Goncalves, DEJT 13/12/2024).
"RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. (...) II - RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS DE COMISSÕES. CANCELAMENTO DA VENDA. A controvérsia enseja o reconhecimento da transcendência política do recurso, nos moldes do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. Esta Corte Superior perfilha o entendimento de que a inadimplência ou o cancelamento do negócio pelo cliente não autorizam o estorno das comissões do empregado, sob pena de se transferir ao trabalhador os riscos da atividade econômica. Como posta, a decisão regional contraria a firme jurisprudência deste col. TST e viola o art. 2º da CLT, pois transfere ao empregado o risco da atividade econômica. Recurso de revista conhecido por violação do art. 2º da CLT e provido" (RRAg-11583-74.2017.5.03.0002, 7ª Turma , Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 19/12/2024).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.467/2017. DIFERENÇAS DE COMISSÕES. ESTORNO. VENDAS CANCELADAS. TROCA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ALTERIDADE. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. Considerando a possibilidade de a decisão recorrida contrariar entendimento pacífico desta Corte Superior, verifica-se a transcendência política, nos termos do artigo 896-A, § 1º, II, da CLT. DIFERENÇAS DE COMISSÕES. ESTORNO. VENDAS CANCELADAS. TROCA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ALTERIDADE. PROVIMENTO. A jurisprudência desta Corte Superior tem adotado o entendimento de que a transação é ultimada quando ocorre o acordo entre o comprador e o vendedor, sendo irrelevante o cancelamento da venda pelo cliente, porquanto o risco da atividade econômica deve ser suportado pelo empregador, e não pelo empregado, hipossuficiente (artigo 2º da CLT). Precedentes. Na hipótese , a egrégia Corte Regional manteve a sentença que entendeu devidos os descontos ocorridos nas comissões nos casos em que houve cancelamento de vendas e trocas de produtos, contrariando a jurisprudência desta Corte Superior. Nesse contexto, a decisão regional violou o princípio da alteridade, em afronta ao artigo 2º, caput , da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-11255-39.2020.5.03.0100, 8ª Turma , Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 01/02/2024).
“(...) III - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. 1 - ESTORNO DE COMISSÕES. SÚMULA 333 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença que condenou a reclamada ao pagamento das diferenças de "renda adicional" decorrentes dos descontos referentes à inadimplência das revendedoras e aos produtos devolvidos e não disponíveis. Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior tem entendido que a transação é ultimada quando ocorre o acordo entre o comprador e o vendedor, e não no momento do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, sendo irrelevante o cancelamento da venda pelo cliente ou a efetiva liquidação, porquanto o risco da atividade econômica deve ser suportado pelo empregador, e não pelo empregado, hipossuficiente. Julgados. Incidência da Súmula 333 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (...)”. (RRAg-AIRR-473-79.2017.5.17.0005, 8ª Turma , Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 12/11/2024).
A c. SDI1, por unanimidade, traz o mesmo entendimento:
"EMBARGOS. COMISSÃO. ESTORNO. O risco da atividade econômica, segundo o artigo 2º da CLT, é do empregador. O empregado comissionista, após celebrar o negócio, ultimando a transação, não pode mais ter sua comissão estornada, pois, caso contrário, estar-se-ia transferindo para o trabalhador o referido risco. Diante disso, não há falar em ofensa ao artigo 466 da CLT. Não conheço dos embargos" (E-RR-734881-41.2001.5.03.5555, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Vantuil Abdala, DEJT 30/04/2009).
"ESTORNO DE COMISSÕES POR VENDA ULTIMADA – INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR OU DESISTÊNCIA DO NEGÓCIO. A inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado. Recurso de revista conhecido e não provido " (E-ED-RR-754485-36.2001.5.12.5555, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, DEJT 08/02/2008).
Vale registrar, ainda, que esta Corte tem entendimento de que, mesmo nas hipóteses em que constatada a existência de previsão contratual da exclusão das vendas canceladas do cômputo das comissões, é indevido o estorno destas, pois continuaria a caracterizar a transferência dos riscos da atividade econômica ao trabalhador, o que afronta o princípio da alteridade previsto no artigo 2º, caput , da CLT.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. (...) DIFERENÇAS DE COMISSÕES. ESTORNO DE COMISSÕES. CANCELAMENTO DA VENDA, DEVOLUÇÃO DA MERCADORIA OU INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR. IMPOSSIBILIDADE. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se negou provimento ao agravo de instrumento. No caso, este Relator esclareceu que, nos termos do artigo 466, caput, da CLT , "o pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se referem". Com efeito, esta Corte, interpretando o referido dispositivo, adota o entendimento de que o fim da transação se dá com o fechamento do negócio, e não com o cumprimento, pelos clientes, das obrigações dele decorrentes, ou seja, com o pagamento da obrigação advinda do negócio ajustado. Assim, ainda que houvesse cláusula contratual prevendo o estorno de comissões referentes a vendas não efetivadas ou não pagas pelos clientes, essa previsão não deve prevalecer, pois, conforme preceituado pelo artigo 2º da CLT, o risco da atividade econômica é exclusiva do empregador . Diante disso, concluiu-se que "o Regional, ao concluir que a reclamante faz jus às diferenças de comissões, proferiu decisão em harmonia com o entendimento jurisprudencial desta Corte". Havendo, na decisão monocrática, as razões de decidir deste Relator, tem-se por atendida a exigência da prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento seja contrário ao interesse da parte. Agravo desprovido" (Ag-AIRR-1174-78.2019.5.17.0002, 3ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 19/12/2024).
"ESTORNO DE PREMIAÇÕES PAGAS AO EMPREGADO EM RAZÃO DE INADIMPLEMENTO DOS CONTRATOS PELOS CLIENTES. TRANSFERÊNCIA DOS RISCOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA AO TRABALHADOR. IMPOSSIBILIDADE. RESTITUIÇÃO DEVIDA. No caso, o Tribunal a quo considerou ilegal a previsão contratual acerca do estorno das comissões das vendas realizadas pelo empregado, em casos de inadimplemento ou posterior cancelamento por parte dos clientes, uma vez que foi caracterizada a transferência dos riscos da atividade econômica ao trabalhador . Nos termos do artigo 466 da CLT, o pagamento de percentagem sobre o produto das vendas realizadas pelo empregado está condicionado à efetivação da transação. Esta Corte superior, interpretando o artigo 466 da CLT, adota o entendimento de que o fim da transação se dá com o fechamento do negócio, e não com o cumprimento das obrigações dele decorrentes, ou seja, pagamento da obrigação resultante do negócio ajustado. O estorno de valores de premiações já pagas ao empregado, em razão do inadimplemento por parte do cliente, caracterizaria transferência dos riscos da atividade econômica ao trabalhador, conduta totalmente incompatível com o artigo 2º da CLT. Desse modo, o Regional, ao decidir pela invalidade dos estornos de comissões já pagas ao autor, em razão do inadimplemento dos contratos firmados com os clientes, e determinação de restituição, não afrontou o artigo 466 da CLT, mas com ele se compatibilizou (precedentes). Recurso de revista não conhecido. (...)" (RR-20177-49.2014.5.04.0004, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 24/02/2017).
"ESTORNO DE COMISSÕES. É indevido o estorno de comissão já paga ao empregado, quando já efetivada a transação, mesmo que haja previsão em contrato ou, ainda, a venda seja posteriormente cancelada. Decisão regional em conformidade com a jurisprudência da Corte. Recurso de revista não conhecido" (RR-298-68.2014.5.03.0106, 6ª Turma, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 26/2/2016).
Ocorre que, após levantamento, verificou-se que há divergência nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se transcreve:
“Recurso Ordinário da reclamada JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA
FINANCEIRA DO TRABALHADOR. MANUTENÇÃO DA GRATUIDADE. Consoante entendimento do TST, basta
a mera declaração de hipossuficiência econômica para se deferir à pessoa natural a
gratuidade da justiça, mesmo após as alterações promovidas pela Lei n.13.467/2017. Recurso
desprovido. DIFERENÇA DE COMISSÕES. VENDAS CANCELADAS/ESTORNADAS. PREVISÃO CONTRATUAL DO
NÃO PAGAMENTO DAS COMISSÕES SOBRE AS VENDAS CANCELADAS/ESTORNADAS. CONSTATAÇÃO.
DESPROVIMENTO. Havendo expressa previsão contratual da exclusão das vendas canceladas e/ou
estornadas do cômputo das comissões, indevidas as diferenças de comissão requeridas na
inicial, tratando-se de hipótese contratual que se amolda ao disposto no art. 466 da CLT,
o qual estabelece que o pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de
ultimada a transação a que se referem. Precedente desta e. 4ª Turma: ROT
0000528-45.2023.5.08.0110. Recurso provido. PLR. CONSTATAÇÃO DE NÃO PAGAMENTO. CABIMENTO.
Constatado o não pagamento da PLR nos contracheques e fichas financeiras, é devido o
pagamento da parcela pleiteada na inicial. Recurso desprovido. Recurso Ordinário do
reclamante VENDAS A PRAZO. COMISSÕES APURADAS SOBRE PREÇO A VISTA. VENDA PARCELADA COM
ACRÉSCIMO. DIFERENÇAS. NÃO CABIMENTO. Constando expressa previsão contratual de que as
comissões serão apuradas pelo valor da nota fiscal ou cupom fiscal da venda realizada, não
havendo qualquer previsão contratual de que as comissões seriam apuradas pela quantia ou
valor resultante da venda a prazo, com acréscimo, são incabíveis as diferenças de comissão
postuladas pelo reclamante. Recurso desprovido.”
Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
(4ª Turma)
. Acórdão: 0000686-76.2023.5.08.0118. Relator(a): WALTER ROBERTO PARO. Data de julgamento:
27/08/2024. Juntado aos autos em 30/08/2024. Disponível em:
“RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. DIFERENÇAS DE COMISSÕES. VENDAS CANCELADAS E OBJETO DE
TROCA. Enquanto for possível, nos termos do contrato de consumo, o desfazimento da venda,
esta remanesce como negócio jurídico resolúvel (arts. 127 c/c 128, primeira parte, do CC),
de modo que, sobrevindo tempestivo e eficaz cancelamento/troca, com estorno do preço pago
pelo consumidor, concretiza-se condição resolutória ex tunc do fato gerador das comissões,
as quais, por conseguinte, sob pena de enriquecimento sem causa (contratual ou legal)
idônea, deixam de ser devidas ao vendedor. Recurso ordinário da reclamada provido e
desprovido o da reclamante.”
Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (3ª Turma)
. Acórdão: 0000593-80.2023.5.08.0129. Relator(a): MARY ANNE ACATAUASSU CAMELIER MEDRADO.
Data de julgamento: 13/09/2024. Juntado aos autos em 16/09/2024. Disponível em:
“COMISSÕES. VENDAS CANCELADAS. ESTORNO. VALIDADE. ENTENDIMENTO PREVALECENTE. A venda só se torna perfeita e acabada quando o consumidor leva o produto, isto é, quando há efetiva transferência da propriedade do bem, sendo, portanto, válido o estorno da comissão paga ao vendedor no caso de cancelamento. Recurso do reclamante desprovido. Recurso do reclamada provido, em parte.” Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (Terceira Turma). Acórdão: 0000314-30.2021.5.05.0491. Relator(a): DALILA NASCIMENTO ANDRADE. Data de julgamento: 05/11/2024. Juntado aos autos em 06/11/2024. Disponível em: https://link.jt.jus.br/piaNtK
ESTORNO DE COMISSÕES. VENDAS CANCELADAS. Não existe previsão legal para pagamento de comissões quando canceladas as vendas, conforme mencionado pelo art. 466 da CLT, não são devidas comissões. ( TRT da 3.ª Região ; PJe: 0010435-68.2021.5.03.0008 (ROT); Disponibilização: 02/08/2024; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator(a)/Redator(a) Lucas Vanucci Lins)
Por outro lado, o representativo definido para alçar o tema a debate, que cumpre os requisitos para ensejar o exame de mérito do tema, também evidencia dissenso em relação à posição do TST, sendo que a questão trazida encontra-se definida de modo diverso deste c. TST pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
O eg. TRT consignou que não existe lei que imponha ao empregador o ônus de pagar comissões sobre vendas canceladas e que o pagamento destas somente é exigível depois de ultimada a transação a que se referem. Além disso, o Tribunal de origem considerou inaplicável o entendimento consubstanciado no Precedente Normativo nº 97 do TST por não possuir efeito vinculante.
Quanto ao tema, o recurso de revista ora afetado deve ser conhecido por violação do art. 466 da CLT
Dessa forma, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso reconhecer a necessidade de uniformizar a matéria, através do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência do c. TST.
Nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno, procede-se à reafirmação da jurisprudência desta c. Corte:
Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.
§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.
Como já mencionado supra, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que, a inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado, ainda que haja previsão contratual em sentido contrário, pois estar-se-ia transferindo para o trabalhador o risco da atividade econômica, conforme precedentes de todas as suas Turmas, assim como da SBDI-1, já transcritos acima.
Sobre o tema em questão, dispõe o artigo 466, caput , da CLT:
Art. 466 - O pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se referem.
Além disso, a Lei nº 3.207/57, que regulamenta as atividades dos empregados vendedores, em seus artigos 2º, caput , e 7º, estabelece, respectivamente, que:
Art. 2º O empregado vendedor terá direito à comissão avençada sobre as vendas que realizar. No caso de lhe ter sido reservada expressamente, com exclusividade, uma zona de trabalho, terá esse direito sobre as vendas ali realizadas diretamente pela empresa ou por um preposto desta.
Art. 7º Verificada a insolvência do comprador, cabe ao empregador o direito de estornar a comissão que houver pago.
Esta Corte, interpretando os dispositivos legais transcritos, assentou o entendimento de que a interpretação dada à expressão "ultimada a transação", prevista no art. 466 da CLT, refere-se ao fechamento do negócio e não ao cumprimento das obrigações dele decorrentes.
Assim, é indevido o estorno das comissões do empregado em decorrência da inadimplência ou do cancelamento da compra pelo cliente, ainda que haja previsão contratual em sentido contrário, pois, diante do princípio da alteridade, previsto no artigo 2º, caput , da CLT, não cabe ao empregado suportar os riscos da atividade econômica.
Vale ainda registrar que o artigo 7º da Lei 3.207/57, admite o estorno das comissões somente quando verificada a insolvência, situação que não se identifica com a mera inadimplência.
Em que pese o entendimento firmado nesta Corte Superior, verifica-se que os Tribunais Regionais do Trabalho, consoante julgados acima colacionados, ainda decidem a temática de forma contrária, justificando, assim, o presente Incidente a fim de se fazer observar a legislação regente, de uniformizar a jurisprudência da Justiça do Trabalho e de mantê-la estável, íntegra e coerente.
Do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada no julgamento da SBDI-1 transcrito acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:
A inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado.
O recurso de revista ora afetado, no mérito, deve ser provido, portanto para aplicar a tese ora reafirmada e restabelecer a r. sentença em que se condenou o reclamado ao pagamento das diferenças de comissões pelos estornos de vendas e de serviços cancelados e não faturados, com reflexos em repousos semanais remunerados, 13º salários, férias acrescidas de 1/3 e destes nos depósitos do FGTS.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: A inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado. II – Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por violação do art. 466 da CLT e, no mérito, dar-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada para restabelecer a sentença em que se condenou o reclamado ao pagamento das diferenças de comissões pelos estornos de vendas e de serviços cancelados e não faturados, com reflexos em repousos semanais remunerados, 13º salários, férias acrescidas de 1/3 e destes nos depósitos do FGTS. III – Determinar a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST