A C Ó R D Ã O

SbDI-1

JOD/vm

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CÂMARA DE ARBITRAGEM. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ABSTENÇÃO DA PRÁTICA DE ARBITRAGEM NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE EMPREGO

1 . Controvérsia estabelecida nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, em que se busca impor a pessoa jurídica de direito privado obrigação de abster-se de promover a arbitragem de conflitos no âmbito das relações de emprego.

2 . Acórdão proferido por Turma do TST que, a despeito de prover parcialmente recurso de revista interposto pelo Parquet , chancela a atividade de arbitragem em relação ao período posterior à dissolução dos contratos de trabalho, desde que respeitada a livre manifestação de vontade do ex-empregado e garantido o acesso irrestrito ao Poder Judiciário. Adoção de entendimento em que se sustenta a disponibilidade relativa dos direitos individuais trabalhistas, após a extinção do vínculo empregatício.

3 . Seja sob a ótica do artigo 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, seja à luz do artigo 1º da Lei nº 9.307/1996, o instituto da arbitragem não se aplica como forma de solução de conflitos individuais trabalhistas. Mesmo no tocante às prestações decorrentes do contrato de trabalho passíveis de transação ou renúncia, a manifestação de vontade do empregado , individualmente considerado, há que ser apreciada com naturais reservas , e deve necessariamente submeter-se ao crivo da Justiça do Trabalho ou à tutela sindical, mediante a celebração de válida negociação coletiva. Inteligência dos artigos 7º, XXVI, e 114, caput , I, da Constituição Federal.

4 . Em regra, a hipossuficiência econômica ínsita à condição de empregado interfere no livre arbítrio individual. Daí a necessidade de intervenção estatal ou, por expressa autorização constitucional, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais e constitucionais que regem o Direito Individual do Trabalho. Artigo 9º da CLT.

5 . O princípio tuitivo do empregado, um dos pilares do Direito do Trabalho, inviabiliza qualquer tentativa de promover-se a arbitragem, nos moldes em que estatuído pela Lei nº 9.307/1996 , no âmbito do Direito Individual do Trabalho. Proteção que se estende, inclusive, ao período pós-contratual, abrangidas a homologação da rescisão, a percepção de verbas daí decorrentes e até eventual celebração de acordo com vistas à quitação do extinto contrato de trabalho. A premência da percepção das verbas rescisórias, de natureza alimentar, em momento de particular fragilidade do ex-empregado, frequentemente sujeito à insegurança do desemprego, com maior razão afasta a possibilidade de adoção da via arbitral como meio de solução de conflitos individuais trabalhistas, ante o maior comprometimento da vontade do trabalhador diante de tal panorama .

6 . A intermediação de pessoa jurídica de direito privado – "câmara de arbitragem" – quer na solução de conflitos, quer na homologação de acordos envolvendo direitos individuais trabalhistas , não se compatibiliza com o modelo de intervencionismo estatal norteador das relações de emprego no Brasil .

7 . Embargos do Ministério Público do Trabalho de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento .

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-25900-67.2008.5.03.0075 , em que é Embargante MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DA 3ª REGIÃO e Embargada CÂMARA DE MEDIAÇÃO DE ARBITRAGEM DE MINAS GERAIS S/S LTDA.

A Eg. Quarta Turma do TST, mediante o v. acórdão de fls. 1 . 791/1 . 800, complementado às fls. 1 . 809/1 . 811 , da lavra do Exmo. Ministro Barros Levenhagen, conheceu do recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho quanto ao tema "arbitragem — dissídios individuais trabalhistas". No mérito, deu-lhe provimento parcial para " impor à ré a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de atuar na solução de conflitos trabalhistas, nos casos em que eventual cláusula de eleição da via arbitral tenha sido objeto do contrato de trabalho ou de aditamento ao contrato na vigência da relação de emprego, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais), devida a cada constatação de descumprimento da obrigação postulada, sendo o referido valor reversível ao FAT — Fundo de Amparo ao Trabalhador " .

O Ministério Público do Trabalho interpõe embargos às fls. 1 . 817/1 . 829.

Impugnação apresentada às fls. 1 . 905/1 . 942.

É o relatório.

1. CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame dos específicos pertinentes aos embargos.

1.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÂMARA DE ARBITRAGEM. OBRIGAÇÃO DE ABSTER-SE DE PROMOVER ARBITRAGEM. DIREITOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS.

Cuida-se, na origem, de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face de pessoa jurídica de direito privado denominada "Câmara de Mediação e Arbitragem de Minas Gerais S/S Ltda." .

Segundo consta da petição inicial, mediante procedimento investigatório, o Parquet apurou que " a reclamada vem realizando, em seu âmbito, arbitragens englobando questões afetas à seara trabalhista " (fl. 4) .

Alega o Ministério Público que a atuação da Reclamada, ao realizar acordos na esfera arbitral, é ilegal e atenta contra o " valor social do trabalho e a dignidade dos trabalhadores de Pouso Alegre ". Argumenta, em síntese, que a Reclamada não manifesta " qualquer compromisso legal ou moral com a preservação dos direitos dos trabalhadores" .

O Autor da presente ação civil pública, dentre outras condutas irregulares atribuídas à Reclamada, indica as seguintes:

a) "a cobrança de taxas de várias espécies pelos serviços prestados";

b) a atuação de profissionais que ora exercem a função de árbitro, ora de advogado dos trabalhadores;

c) promover a quitação de direitos trabalhistas, ante a privação dos trabalhadores " da assistência e proteção de seu sindicato de classe ou do agente estatal responsável pela fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista ".

Daí emergem os pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho, relacionados à condenação da Reclamada ao cumprimento das seguintes obrigações de fazer:

" a) se abster de arbitrar ou atuar em qualquer questão de natureza trabalhista , inclusive discussão de vínculo empregatício, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador alvo do descumprimento, reversível ao FAT;

b) pagar a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a título de reparação pelos danos causados aos direitos difusos e coletivos dos trabalhadores, corrigido monetariamente até o efetivo recolhimento em favor do FAT;

c) afixar cópia da sentença, se procedente, em local visível, próximo ao local de entrada do público, pelo período mínimo de 6 (seis) meses, a fim de melhor atender ao princípio da publicidade dos atos processuais." (grifo nosso)

O Eg. TRT da Terceira Região reformou a r. sentença para declarar a improcedência de todos os pedidos deduzidos na petição inicial.

Eis o teor do acórdão regional, no que interessa:

"(...) A presente ação civil pública tem como propósito obstar a ré de fazer arbitragens trabalhistas .

(...)

Se o trabalhador, capaz de contratar, opta por solucionar um conflito mediante arbitragem, está no exercício da liberdade de escolher, dentro das hipóteses ofertadas pelo ordenamento jurídico, o que melhor lhe convier.

E exerce esta liberdade porque tem personalidade e capacidade jurídica. Está em condições de praticar todos os atos da cidadania, inclusive, é claro, o direito de escolher a arbitragem para a solução de possível conflito.

A patrimonialidade da grande maioria dos direitos trabalhistas é um fato de todos conhecido, e pode ser objeto de transação, portanto de arbitragem. Isto nada tem a ver com a irrenunciabilidade. O que está em jogo é a consequência financeiro-econômica do direito e não a sua existência, que não foi excluída pelas partes. Pelo contrário, é graças ao pressuposto da existência do direito que se discutem suas consequências patrimoniais.

(...)

Também não vemos como a ‘fórmula arbitral’ possa levar a uma considerável redução ou supressão de direitos, a ponto de esterilizar ou mesmo atenuar os princípios protetores do Direito do Trabalho (...).

É um mero preconceito partir-se do princípio de que a solução arbitral prejudica o empregado.

Se a arbitragem é realizada por terceiro isento, competente, escolhido pelas partes por sua notória honorabilidade e capacidade, é certo que a arbitragem só pode ajudar e não prejudicar.

O que prejudica o empregado é um conflito trabalhista durar seis anos, quando percorre todas as instâncias. Aqui, sim, ferem-se com um só golpe todos os princípios tutelares do Direito do Trabalho. E, o que é pior, esta agressão se verifica exatamente através da Justiça que, contraditoriamente, existe para protegê-lo.

(...)

A lei de arbitragem já foi julgada constitucional pelo STF. Considerá-la agora incompatível com o Direito do Trabalho por razões de indisponibilidade de direitos é um raciocínio inadmissível e inaceitável pelas razões já apontadas.

O princípio da disponibilidade, a bem dizer, tem mais ocorrência no Direito do Trabalho do que no Direito Civil e Comercial, pois cerca de 50% das ações trabalhistas terminam em acordo em todo o país. Se são praticadas na Justiça do Trabalho, nas Comissões Prévias de Conciliação, ou perante árbitros, nada muda, pois não é o órgão que dá conteúdo ao Direito, mas sim o Direito ao órgão.

(...)

Causou estranheza ao juiz de primeiro grau que não tenha havido nenhuma sentença arbitral , mas tão-só tentativa de acordo. Não realizado este, devolviam-se os documentos.

O fato de a arbitragem se limitar ao acordo, ou à indução a acordo feito pelo árbitro ou instituição de arbitragem não desnatura a arbitragem que pode perfeitamente limitar-se à composição das partes. Pelo contrário, neste caso o árbitro cumpriu, de modo ainda melhor, sua função.

A parte não está, só por este motivo, desigual perante o empregador nem se pode deduzir que tenha sido compelida a aceitar acordo, pois é a própria sentença que declara que, no doc. De fls. 802, não se realizou a conciliação porque ‘ a demandante entende possuir direitos divergentes dos que foram apresentados pelo demandado. Dá-se por encerrado o feito ’.

Esta situação mostra, ao contrário, a correção da instituição arbitral, pois desistiu de insistir no acordo em razão de direitos divergentes.

Naturalmente, ficou para as partes o livre ingresso no Judiciário.

Onde deduzir deste procedimento desigualdade das partes e opressão à liberdade do trabalhador?

Se, em alguns casos, a carteira de trabalho não foi assinada e nada constou a respeito, a parte pode pleitear a assinatura a qualquer tempo, pois, aqui sim, trata-se de direito indisponível, uma vez acertada a relação de emprego. Transigir sobre a assinatura de carteira importa prejuízo ao empregado e a o interesse público: recolhimento das contribuições previdenciárias, aposentadoria do empregado, prejuízo aos cofres públicos.

Se, nestes acordos, não se prevê o recolhimento previdenciário, também aqui está aberta a porta do Judiciário para a devida cobrança pela mesma razão.

Este fato é frequente nas Comissões Prévias de Conciliação e nem por isto elas deixaram de prestar o benefício que de fato prestam à sociedade.

(...)

Diga-se, por fim, que a arbitragem é prevista constitucionalmente nos dissídios coletivos: art. 114, §§ 1º e 2º. Aqui o legislador deixou inequívoco seu convencimento de que a arbitragem é a melhor forma de solucioná-los.

Porém, seguindo o raciocínio de sua inaplicabilidade às relações de trabalho em razão da indisponibilidade de direitos e da desproteção das partes, haveria motivos de sobra para sua rejeição também aqui.

Se a arbitragem é má, seus malefícios, com mais força, deveriam estender-se também ao Direito Coletivo do Trabalho, pois é, neste ramo, que se forjam as normas que vão reger os contratos individuais de trabalho.

(...)

Superado o obstáculo de ordem jurídica sobre o papel da arbitragem nos conflitos trabalhistas, analisa-se o caso concreto .

Nada consta nos autos que desabone a conduta da ré como empresa de arbitragem. Sua atuação foi restrita, limitando-se a tentativa de acordos. Não há prova de fraudes ou conduta indevida. Nenhum empregado foi prejudicado .

Se alguns empregados a procuraram, estão eles no direito do exercício de livre escolha do método para a solução de conflitos. A intervenção do Estado não pode ser elevada ao extremo de impedir a um cidadão que faça escolhas em seu interesse.

Não há nenhuma queixa formal. Não se fechou ao empregado o caminho do Judiciário. Não houve atentado ao art. 5º, XXXV. Este ponto é fundamental.

As partes, empregado e empregador, sabem que a arbitragem é escolha que fazem. A lei, em suas disposições imperativas, não pode ser diminuída ou modificada.

A prova testemunhal é coesa - fls. 446.

O depoimento de Francisco José de Oliveira, defensor público, é muito elucidativo. Confirma que a ré fez um convênio com a Defensoria Pública local para compor litígios de natureza familiar, tais como separação, alimentos, separação judicial.

(...)

Em seu depoimento, o defensor nada diz contra a instituição-ré. E conclui que ‘ Nenhuma pessoa fez reclamações em relação ao acordo celebrado pela ré para a Defensoria Pública ’. Sobre o Sr. Alexandre, sócio da reclamada, diz que é ‘ pessoa ética, não tendo o depoente conhecimento de qualquer informação que o desabone .’

No mesmo sentido, o depoimento do advogado Ademir Floriano Barbosa, que assessorou empregados na composição de litígios junto à reclamada. Nada informa sobre coação ou qualquer outro tipo de constrangimento . Sendo também o advogado indispensável à administração da Justiça, seu depoimento tem grande peso no convencimento de qualquer juiz.

Note-se que os empregados e os empregadores que foram assessorados inicialmente procuraram o sindicato e o MTE, em busca de homologação. Não a obtendo, foram à ré, como alternativa. Neste caso, não a procuraram como alternativa, mas como via única e derradeira .

A terceira testemunha, empregada da ré, relata o procedimento no atendimento do empregado. Nada se nota de anormal ou fraudulento .

Diante destes fatos, verifica-se que, nos autos, nada há que agrave a ré, empresa legalmente constituída, que exerce livremente atividade que julgou conveniente .

A sentença, entretanto, condenou-a a abster-se de atuar em dissídios individuais de natureza trabalhista e ainda penalizou-a por danos morais coletivos.

Esta condenação não pode sobreviver pelos motivos apontados .

Não pratica ato ilícito, em si mesmo, empresa que exerce a atividade de compor dissídios trabalhistas . Esta ilicitude, se superveniente, no exercício da atividade, pode naturalmente sofrer as correções legais. Mas se trata de fato concreto que precisa ser demonstrado e provado.

Também não há razão nenhuma para a condenação em danos morais coletivos, pois tal lesão, conforme se demonstrou, principalmente pela prova testemunhal, não existe .

O que a ré fez foi o exercício de seu direito de livre iniciativa que, juntamente com o trabalho humano, constitui o fundamento da República Federativa do Brasil.

Os autos não demonstram qualquer lesão individual ou coletiva . Logo, não havendo conduta ilícita, não há falar em dano e, consequentemente, em responsabilidade civil de qualquer espécie. (...)" (fls. 1.629/1.632)

A Eg. Quarta Turma do TST deu parcial provimento ao recurso de revista interposto pelo Parquet para " impor a ré a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de atuar na solução de conflitos trabalhistas, nos casos em que eventual cláusula de eleição da via arbitral tenha sido objeto do contrato de trabalho ou de aditamento ao contrato na vigência da relação de emprego, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais), devida a cada constatação de descumprimento da obrigação postulada, sendo o referido valor reversível ao FAT — Fundo de Amparo ao Trabalhador ."

Assim decidiu a Eg. Turma:

"(...) Pois bem, o art. 1º da Lei nº 9.307/96 , ao estabelecer ser a arbitragem meio adequado para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis , não se constitui em óbice absoluto à sua aplicação nos dissídios individuais decorrentes da relação de emprego .

Isso porque o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas deve ser examinado a partir de momentos temporais distintos, relacionados, respectivamente, com o ato da admissão do empregado, com a vigência da pactuação e a sua posterior dissolução.

Nesse sentido, sobressai o relevo institucional do ato de contratação do empregado e da vigência do contrato de trabalho , em função do qual impõe-se ( sic! ) realçar a indisponibilidade dos direitos trabalhistas , visto que, numa e noutra situação, é nítida a posição de inferioridade econômica do empregado, circunstância que dilucida a evidência de seu eventual consentimento achar-se intrinsecamente maculado por essa difusa e incontornável superioridade de quem está em vias de o contratar ou já o tenha contratado .

Isso porque o contrato de emprego identifica-se com os contratos de adesão, atraindo a nulidade das chamadas cláusulas leoninas, a teor do 424 do Código Civil de 2002, com as quais guarda íntima correlação eventual cláusula compromissória de eleição da via arbitral, para solução de possíveis conflitos trabalhistas, no ato da admissão do trabalhador ou na constância do pacto, a qual por isso mesmo se afigura jurídica e legalmente inválida .

(...) Diferentemente dessas situações contemporâneas à contratação do empregado e à vigência da pactuação, cabe destacar que, após a dissolução do contrato de trabalho, acha-se minimizada a sua vulnerabilidade oriunda da sua hipossuficiência econômico-financeira , na medida em que se esgarçam significativamente os laços de dependência e subordinação do trabalhador face àquele que o pretenda admitir ou que já o tenha admitido, cujos direitos trabalhistas, por conta da sua patrimonialidade, passam a ostentar relativa disponibilidade .

Desse modo, não se depara, previamente, com nenhum óbice intransponível para que ex-empregado e ex-empregador possam eleger a via arbitral para solucionar conflitos trabalhistas , provenientes do extinto contrato de trabalho, desde que essa opção seja manifestada em clima de ampla liberdade, reservado o acesso ao Judiciário para dirimir possível controvérsia sobre a higidez da manifestação volitiva do ex-trabalhador , na esteira do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição.

Sendo assim, impõe-se o provimento parcial do recurso de revista para impor à ré a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de atuar na solução de conflitos trabalhistas , nos casos em que eventual cláusula de eleição da via arbitral tenha sido objeto do contrato de trabalho ou de aditamento ao contrato na vigência da relação de emprego , facultada a sua adoção posteriormente à dissolução da pactuação , observada a higidez da manifestação volitiva do ex-empregado e a ressalva do acesso irrestrito a via judiciária .

Saliente-se, de outro lado, não ter o Tribunal de origem se pronunciado sobre a possibilidade de atuação do árbitro no ato referido no art. 477, § 1º, da CLT , como se depreende do tópico do acórdão impugnado, em que a referência àquele dispositivo o fora apenas com o objetivo de reforçar o entendimento de ser admissível a transação de verbas trabalhistas, por ocasião da homologação da rescisão contratual .

Daí a constatação de que, no particular, emerge a inexistência de prejuízo equivalente à sucumbência que autorizasse a admissão do recurso de revista, de sorte que, à falta de interesse recursal, ressai a intangibilidade jurídica do acórdão impugnado.

Assinale-se, mais, achar-se alheio à cognição extraordinária do TST o pedido de indenização por dano moral, por implicar o inadmitido revolvimento dos elementos e circunstâncias dos autos, a teor da Súmula 126, pretensamente indicativos do dano aos interesses da coletividade, seja para o seu reconhecimento ou para a fixação do respectivo montante indenizatório .

Exatamente por conta do teor restritivo do precedente da Súmula 126 desta Corte é que a parte deveria ter propugnado, no caso de provimento do recurso, pelo retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que, no contexto da sua jurisdição ordinária, enfrentasse a questão a partir do universo probatório, a impedir pronunciamento de ofício do TST.

De qualquer sorte, não se mostra razoável supor que laudos arbitrais oferecidos em todas as demandas acaso propostas no âmbito da recorrida tivessem redundado em prejuízo para os interesses da coletividade, tampouco se revela plausível a presunção de que todas as demandas que lhe tenham sido submetidas à apreciação até o ajuizamento desta ação o tenham sido por imposição do empregador .

Daí não se colocar como juridicamente consistente a mera suposição de mácula à livre opção pela via arbitral, tanto quanto a versão de que a ausência de participação de órgão estatal, na composição dos litígios, possa induzir a agigantada ideia de laudos arbitrais sistematicamente desfavoráveis aos empregados, tudo a conspirar contra o acolhimento do pedido de indenização do dano moral coletivo .

Por igual não se coloca como ilação jurídica adequada a pretensão de que o acórdão ora proferido seja afixado em local próxima à entrada da recorrida, pelo período de seis meses, em razão do constrangimento social dela defluente, revelando-se de resto excessivo o valor da multa no importe de R$ 10.000,00, pelo descumprimento da obrigação de não fazer, pelo que, firme no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, mostra-se apropriada a fixação de valor no importe de R$ 1.000,00 .

Do exposto, conheço do recurso de revista por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dou-lhe provimento parcial para impor a ré a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de atuar na solução de conflitos trabalhistas, nos casos em que eventual cláusula de eleição da via arbitral tenha sido objeto do contrato de trabalho ou de aditamento ao contrato na vigência da relação de emprego, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais), devida a cada constatação de descumprimento da obrigação postulada, sendo o referido valor reversível ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador. Rearbitra-se à condenação o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), fixando-se as custas em R$ 800,00 (oitocentos reais)." (fls. 1.796/1.799)

O Ministério Público do Trabalho interpõe embargos às fls. 1 . 817/1 . 829.

O ora Embargante busca ampliar a condenação, mediante o acolhimento integral do pedido referente à abstenção da Reclamada quanto a " qualquer atuação conciliatória ou de arbitragem relativamente a direitos trabalhistas ". Acena com divergência jurisprudencial, mediante a transcrição de dois arestos .

O primeiro aresto transcrito nos embargos (fls. 1.826/1.827), colacionado na íntegra (fls. 1.830/1.836) proveniente da SbDI-1, afigura-se formalmente válido à luz da Súmula nº 337 do TST. Há informação acerca do número do processo, do órgão prolator, da data de publicação, bem como a indicação do endereço do respectivo conteúdo na internet – URL ( Universal Resource Locator ).

Referido julgado sustenta a total inaplicabilidade do instituto da arbitragem no âmbito do direito individual do trabalho, tendo em vista a sua natureza indisponível e irrenunciável .

Eis o teor da ementa do julgado paradigma, no que interessa:

"ARBITRAGEM. APLICABILIDADE AO DIREITO INDIVIDUAL DE TRABALHO. QUITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.

1. A Lei 9.307/96, ao fixar o juízo arbitral como medida extrajudicial de solução de conflitos, restringiu, no art. 1º, o campo de atuação do instituto apenas para os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Ocorre que, em razão do princípio protetivo que informa o direito individual do trabalho, bem como em razão da ausência de equilíbrio entre as partes, são os direitos trabalhistas indisponíveis e irrenunciáveis. Por outro lado, quis o legislador constituinte possibilitar a adoção da arbitragem apenas para os conflitos coletivos, consoante se observa do art. 114, §1º e 2º, da Constituição da República. Portanto, não se compatibiliza com o direito individual do trabalho a arbitragem. (...)."

No caso concreto, a Eg. Quarta Turma, contrariamente , ressaltou a disponibilidade relativa dos direitos trabalhistas após a extinção do contrato de trabalho.

Estabelecido, portanto, o pretendido conflito de teses.

Conheço dos embargos, por divergência jurisprudencial.

2. MÉRITO DOS EMBARGOS

No caso retratado no processo, como visto, o Ministério Público do Trabalho, mediante o ajuizamento de ação civil pública, busca, em síntese, coibir a Reclamada, pessoa jurídica de direito privado, de promover a arbitragem no âmbito das relações de emprego.

Dos elementos fáticos expostos no acórdão regional, transcrito no v. acórdão turmário, extrai-se que, na espécie, a atuação da Reclamada restringiu-se à tentativa e/ou à celebração de acordos entre ex-empregados e empregadores.

A Eg. Quarta Turma do TST ressaltou que a questão há que ser examinada " a partir de momentos temporais distintos, relacionados, respectivamente, com o ato da admissão do empregado, com a vigência da pactuação e a sua posterior dissolução " . Entendeu, assim, que, na vigência do contrato de trabalho — o que compreende o ato de admissão —, os direitos trabalhistas não se submetem à arbitragem, tendo em vista a " nítida a posição de inferioridade econômica do empregado ".

A Eg. Turma asseverou, contudo , que não há " óbice intransponível para que ex-empregado e ex-empregador possam eleger a via arbitral para solucionar conflitos trabalhistas, provenientes do extinto contrato de trabalho , desde que essa opção seja manifestada em clima de ampla liberdade, reservado o acesso ao Judiciário para dirimir possível controvérsia sobre a higidez da manifestação volitiva do ex-trabalhador ".

Precisamente por essa razão, e sob o fundamento de relativa disponibilidade dos direitos trabalhistas após a extinção do contrato de trabalho, a Eg. Turma deu apenas parcial provimento ao recurso de revista interposto pelo Parquet.

No que interessa para o exame do mérito dos presentes embargos , por conseguinte , a Eg. Quarta Turma franqueou à Reclamada a atividade de arbitragem em relação ao período posterior à dissolução dos contratos de trabalho, desde que respeitada a livre manifestação de vontade dos ex-empregados e garantido o acesso irrestrito ao Poder Judiciário.

Aí reside precisamente o inconformismo do Ministério Público do Trabalho.

A meu ver, data venia da Eg. Quarta Turma, seja sob a ótica do artigo 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, seja à luz do artigo 1º da Lei nº 9.307/1996, no direito positivo brasileiro o instituto da arbitragem não se aplica à solução de conflitos individuais trabalhistas.

Em primeiro lugar, porque, ao tratar da competência material da Justiça do Trabalho, o legislador constituinte delimitou a utilização da arbitragem à seara do direito coletivo do trabalho, uma vez frustrada a negociação coletiva (art. 114, §§ 1º e 2º, Constituição Federal).

Ora, é sabido que a Constituição Federal não contém palavras inúteis, tampouco permite interpretação ampliativa ou restritiva de seu Texto, mas unicamente uma exegese sistemática de seus dispositivos.

Partindo dessa premissa, o exame conjunto das normas dos artigos 114, §§ 1º e 2º, e 5º, XXXV (" a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito "), da Constituição Federal autoriza concluir que o legislador constituinte de fato limitou o manejo da arbitragem aos conflitos coletivos de trabalho.

Em segundo lugar, porque, como cediço , o artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), autoriza a adoção da arbitragem para " dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis ".

Não desconheço a corrente que sustenta, tal qual a Eg. Quarta Turma, a disponibilidade relativa dos direitos individuais trabalhistas . A ela não me filio, contudo, data venia .

Mesmo no tocante às prestações decorrentes do contrato de trabalho passíveis de transação ou renúncia , a manifestação de vontade do empregado, além de apreciada com naturais reservas , deve necessariamente submeter-se ao crivo da Justiça do Trabalho ou à tutela sindical, mediante a celebração de válida negociação coletiva.

Em regra, a hipossuficiência econômica ínsita à condição de empregado interfere no livre arbítrio individual. Daí a necessidade de intervenção estatal ou, por expressa autorização constitucional, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais que regem o Direito Individual do Trabalho.

Em semelhante circunstância, entendo que o princípio tuitivo do empregado, um dos pilares do Direito do Trabalho, inviabiliza qualquer tentativa de promover-se a arbitragem, nos moldes em que estatuído pela Lei nº 9.307/1996, no tocante a direitos individuais trabalhistas.

Sem embargo do respeitável entendimento esposado no v. acórdão turmário, penso que tal proteção estende-se, inclusive, ao período pós-contratual , abrangidas a homologação da rescisão, a percepção de verbas daí decorrentes e até eventual celebração de acordo com vistas à quitação do extinto contrato de trabalho.

A premência da percepção das verbas rescisórias, de natureza alimentar, em momento de particular fragilidade do ex-empregado, frequentemente sujeito à insegurança do desemprego, com maior razão inviabiliza a adoção da via arbitral como meio de solução de conflitos individuais trabalhistas, ante o maior comprometimento do arbítrio do trabalhador diante de tal panorama .

Robustece tal convicção a disciplina do artigo 477, §§ 1º e 3º, da CLT, no que atrela a validade do "pedido de demissão" ou do recibo de quitação do contrato de trabalho à assistência do respectivo sindicato ou à presença da autoridade do Ministério do Trabalho e, na falta destes, do Representante do Ministério Público, ou do Defensor Público ou, ainda, do Juiz de Paz.

De sorte que, sob minha ótica, a intermediação de pessoa jurídica de direito privado – "câmara de arbitragem" – quer na solução de conflitos, quer na homologação de acordos envolvendo direitos individuais trabalhistas, não se compatibiliza com o modelo de intervencionismo estatal norteador das relações de emprego no Brasil.

Nesse sentido, inclusive, decidiu recentemente a Eg. SbDI-1 do TST, ao examinar caso bastante semelhante:

"EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. ARBITRAGEM. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS. INCOMPATIBILIDADE. Nos dissídios coletivos, os sindicatos representativos de determinada classe de trabalhadores buscam a tutela de interesses gerais e abstratos de uma categoria profissional, como melhores condições de trabalho e remuneração. Os direitos discutidos são, na maior parte das vezes, disponíveis e passíveis de negociação, a exemplo da redução ou não da jornada de trabalho e de salário. Nessa hipótese, como defende a grande maioria dos doutrinadores, a arbitragem é viável, pois empregados e empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. No âmbito da Justiça do Trabalho, em que se pretende a tutela de interesses individuais e concretos de pessoas identificáveis, como, por exemplo, o salário e as férias, a arbitragem é desaconselhável, porque outro é o contexto: aqui, imperativa é a observância do princípio protetivo, fundamento do direito individual do trabalhador, que se justifica em face do desequilíbrio existente nas relações entre trabalhador – hipossuficiente – e empregador. Esse princípio, que alça patamar constitucional, busca, efetivamente, tratar os empregados de forma desigual para reduzir a desigualdade nas relações trabalhistas, de modo a limitar a autonomia privada. Imperativa, também, é a observância do princípio da irrenunciabilidade, que nada mais é do que o desdobramento do primeiro. São tratados aqui os direitos do trabalho indisponíveis previstos, quase sempre, em normas cogentes, que confirmam o princípio protetivo do trabalhador. Incompatível, portanto, o instituto da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas . Embargos conhecidos e providos." (ERR-27700-25-2005-5-05-0611, SbDI-1, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, julgado em 26/3/2015, DEJT 10/4/2015)

À vista do exposto, dou provimento aos embargos do Ministério Público do Trabalho para condenar a Reclamada a que se abstenha de promover amplamente a arbitragem envolvendo direitos individuais trabalhistas, inclusive após a cessação do contrato de trabalho e no que tange à tentativa e/ou à efetiva formalização de acordos entre empregados, ou ex-empregados, e empregadores.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria , vencido o Exmo. Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, conhecer dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhes provimento para condenar a Reclamada a que se abstenha de promover amplamente a arbitragem envolvendo direitos individuais trabalhistas, inclusive após a cessação do contrato de trabalho e no que tange à tentativa e/ou à efetiva formalização de acordos entre empregados, ou ex-empregados, e empregadores.

Brasília, 16 de abril de 2015.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

JOÃO ORESTE DALAZEN

Ministro Relator